Novela de Janete Clair
Adaptação de Toni Figueira
CAPÍTULO 1
Participam deste
capítulo
Cyro Valdez – Tarcísio
Meira
Mestre Jonas -
Gilberto Martinho
Inês -
Betty Faria
Pé-na-Cova -
Antonio Pitanga
Comendador
Liberato - Macedo Netto
Baby -
Cláudio Cavalcanti
Ricardo -
Edney Giovenazzi
Vanda Vidal - Dina
Sfat
CENA 1 -
PORTO AZUL - ALDEIA DE PESCADORES - PRAIA BONITA -
EXTERNA - DIA
AMANHECERA. DA ALDEIA QUE SE ESTENDIA PARALELA AO MAR,
BANHADA PELO VENTO FRESCO, ERGUIAM-SE PEQUENOS ROLOS DE FUMAÇA CLARA. AS
CHOUPANAS VIVIAM.
DE REPENTE, O VULTO. A PRINCÍPIO DIMINUTO, POUCO A POUCO
DESENHANDO-SE ENTRE O VAIVÉM DAS ÁGUAS E O VERDE DAS ÁRVORES DO LITORAL. A
JOVEM DESLIZAVA LÉPIDA, E REPENTINAMENTE EMBICOU EM DIAGONAL, EM DIREÇÃO AO
MAR.
LOGO ABAIXO, ONDE OS RECIFES AMORTECIAM AINDA MAIS AS ONDAS
ENRAIVECIDAS, O BARCO DE MADEIRA VELHA, PINTADO DE AZUL, DESCANSAVA, ANCORADO,
ENQUANTO UM BANDO DE PESCADORES, DE BRAÇOS RIJOS E PELE ESCURA, PUXAVA A MUQUE
A REDE QUE AOS POUCOS SE MOSTRAVA POR INTEIRO. MESTRE JONAS COMANDAVA O RITMO DE TRABALHO, ENTOANDO EM CÔRO, UMA VELHA CANÇÃO DOS
MARES.
PESCADORES - “... vento corta, pele queima
Pescador puxando a rede,
Neste duro tira-teima
Cresce a fome, aumenta a sede...”
OS HOMENS FORÇAVAM AS MALHAS, E OS PEIXES SALTITAVAM, PRESOS,
DE MISTURA À VEGETAÇÃO DO FUNDO DO OCEANO.
A BARBA DE MESTRE JONAS, SALPICADA DE SAL, PARECIA
MAIS BRANCA. JONAS ERA UM MÍSTICO, COMO A MAIORIA DOS HOMENS QUE VIVE E MORRE
NA LABUTA DO MAR. CARÁTER FIRME, DURO COMO SEUS MÚSCULOS, ENRIJECIDOS NO
EXERCÍCIO DIÁRIO DE SEUS SESSENTA ANOS DE VIDA.
A MOÇA APROXIMOU-SE DO GRUPO, AO MESMO TEMPO QUE O ESTRANHO,
DE GRAVATA E PALETÓ SOBRE O OMBRO. OS PESCADORES CANTAVAM FORTE. A UMA PERGUNTA
DO JOVEM, INÊS APONTOU A FIGURA DE MESTRE JONAS.
O REPÓRTER APROXIMOU-SE DOS PESCADORES.
REPÓRTER - (bateu nas costas do pescador-chefe) Bom dia,
Mestre Jonas!
MESTRE JONAS - (virou-se sem pressa) Bom dia, moço!
REPÓRTER - José Godoy. Repórter. Desculpe importuná-lo,
mestre, mas fui destacado para fazer uma matéria sobre um fato ocorrido aqui,
em Porto Azul, há cerca de... uns 31 anos, mais ou menos... noite em que o céu
clareou, de repente.
DISFARÇADAMENTE, O RAPAZ PREMIU O BOTÃO DO GRAVADOR E PRENDEU
O MICROFONE À ALTURA DO PESCOÇO.
MESTRE JONAS - (tirou o chapéu de palha) Ih, moço. Aconteceu
tanta coisa estranha naquela noite! Uns chamam de “a noite do espanto”. Outros
de “a noite do demônio”. Pra mim, foi “a noite da Grande Luz...”
REPÓRTER - Dizem que quatro pessoas tiveram o mesmo
sonho naquela noite: que certa moça de 15 anos ia ter um filho, que não era de
nenhum homem da terra. E vinha cumprir missão.
MESTRE JONAS - (levou a mão à testa e cerrou os olhos) Foi o
sonho que eu tive. Eu e mais três meninos.
REPÓRTER - Esses meninos, o senhor conhece?
MESTRE JONAS - Tá tudo home, moço. Um trabalha no circo. Era
o André. Agora é palhaço, saltimbanco. Qualquer coisa assim. Outro é dona Lia
Sanches, moça que trabalha prum ricaço, e o terceiro...
O PRETINHO EXPEDITO CORTOU:
EXPEDITO - Isso foi há muito tempo, moço. Coisa
esquisita, aquela.
GODOY VOLTOU-SE PARA O INTRUSO, AGUARDANDO A REAÇÃO DO CHEFE.
JONAS MANTEVE-SE CALADO. PÉ-NA-COVA ENDIREITOU-SE, PUXOU O CALÇÃO ÚMIDO E
DESBOTADO PARA CIMA E SE CALOU, TAMBÉM.
REPÓRTER - E o sonho se realizou... pelo menos a
primeira parte, pelo que sei: a criança nasceu, nove meses depois. E a mãe era
virgem...
PÉ-NA-COVA - O espanto foi tanto que ela teve de fugir com
o menino.
REPÓRTER - E você acredita que ele volte, um dia, já
homem, para cumprir o que o sonho profetizava?
MESTRE JONAS - (fazendo o sinal-da-cruz) Moço... eu
acredito.
CORTA PARA:
CENA 2 - AEROPORTO
DE FLORIANÓPOLIS - EXTERNA
- DIA.
DEPOIS QUE A TORRE DE COMANDO DEU AS COORDENADAS E AUTORIZOU
O POUSO, O APARELHO QUADRIMOTOR TOCOU A PISTA, CORREU CÉLERE PELA TRILHA
ACINZENTADA E FREOU, COM OS MOTORES GIRANDO EM RETROCESSO.
CENA 3 - AEROPORTO
DE FLORIANÓPOLIS - DESEMBARQUE
- INTERIOR - DIA.
OS PASSAGEIROS DESCERAM PELA PEQUENA ESCADA PROJETADA POR UMA
MANOBRA DO COMISSÁRIO DE BORDO. E AGORA, ENQUANTO UNS AGUARDAVAM, NERVOSOS, MALAS E EMBRULHOS,
OUTROS BEBIAM TRANQUILOS XÍCARAS DE CAFÉ FORTE.
ALTO-FALANTE - (off)
“Atenção, Dr. Cyro Valdez, passageiro do vôo 320. Por obséquio, queira
apresentar-se no balcão da companhia...”
O RAPAZ MORENO, ESPADAÚDO, DE LONGOS CABELOS CAÍDOS SOBRE O
COLARINHO, FRANZIU O CENHO E CAMINHOU NA DIREÇÃO DO FUNDO DO EDIFÍCIO.
TRANQUILO, APROXIMOU-SE DO BALCÃO, SOB OS OLHARES DISCRETOS DE DUAS
RECEPCIONISTAS DE UNIFORME AZUL. AO MESMO TEMPO UM GRUPO DE REPÓRTERES
MOVIMENTOU-SE, APROXIMANDO-SE DO RECÉM-CHEGADO, ENQUANTO A CLARIDADE REPENTINA
DOS FLASHES ILUMINAVA O INTERIOR DO
SAGUÃO.
REPÓRTER - Dr. Cyro, por favor... uma entrevista. Qual o
motivo que o trás a Florianópolis? É verdade que vem a convite do Comendador
Liberato? E por que...
MIL PERGUNTAS AO MESMO TEMPO. OS JORNALISTAS MISTURAVAM-SE,
BUSCANDO RESPOSTAS. CYRO ENERVAVA-SE. O AVIÃO, NA PISTA, RUGIA MAIS FORTEMENTE,
COM OS QUATRO MOTORES A TODA FORÇA. O AEROPORTO REGURGITAVA.
CORTA PARA:
CENA 4
- PALACETE DO COMENDADOR
LIBERATO - EXTERNA
- NOITE.
A NOITE CAÍRA SOBRE A CAPITAL DE SANTA CATARINA. DEPOIS DE
REDUZIR A MARCHA, O LUXUOSO CARRO PAROU DIANTE DO PORTÃO ILUMINADO DO PALACETE.
CYRO VALDEZ DESCEU E OLHOU O JARDIM ORNAMENTADO. LUZES
COLORIDAS, PESSOAS CIRCULANDO – UNS DANÇANDO AO RITMO DE MÚSICA POP, OUTROS
BEBENDO, OU CONVERSANDO ANIMADAMENTE, EM GRUPOS.
CYRO ATRAVESSOU OS 30 OU 40 METROS QUE SEPARAVAM O GRANDE
PORTÃO DA PORTA DE ENTRADA DA RICA RESIDENCIA.
ADMIRAVA-SE, AINDA, QUANDO A VELHA GOVERNANTA O CONVIDOU A
ENTRAR.
CORTA PARA:
CENA 5 -
PALACETE DO COMENDADOR LIBERATO
- QUARTO -
INTERIOR - NOITE.
NO QUARTO, ENCOSTADO A DOIS TRAVESSEIROS, O COMENDADOR
LIBERATO MAL RESPIRAVA.
COMENDADOR LIBERATO
- Mande-o entrar.
CYRO - Com licença!
CYRO DEU ALGUNS PASSOS NO INTERIOR DO APOSENTO. AO LADO DO
DONO, UM HOMEM DE MEIA-IDADE, COM UM ESTETOSCÓPIO PENDURADO AO PESCOÇO.
COMENDADOR LIBERATO
- (ergueu-se, com esforço, sentou
e estendeu a mão) Dr. Cyro Valdez, é uma honra conhecê-lo!
O MÉDICO ADIANTOU-SE E APERTOU AS MÃOS DO RECÉM-CHEGADO.
DR. AVELAR - Muita honra, também. Sou o Dr. Jorge Avelar (Cyro apertou-lhe as mãos, com energia) Temíamos que o senhor não pudesse atender ao nosso apelo. Para um homem como o senhor, não deve ter
sido fácil abandonar a direção do
hospital, em Londres...
CYRO - Pela carta que o senhor me escreveu, creio
que não devemos perder tempo (apontou para a janela, por onde entravam sons
barulhentos de um grupo de rock) Se bem que o ambiente aqui não esteja muito de
acordo com a gravidade da doença.
OS OLHARES SE ENCONTRARAM, ENQUANTO O COMENDADOR ENRUBESCIA,
LEVEMENTE.
COMENDADOR LIBERATO
- (com ar triste e ressentido)
Ah, é meu filho... Faz anos hoje e para ele tanto faz que eu leve a breca.
CORTA PARA:
CENA 6 -
PALACETE DO COMENDADOR LIBERATO
- SAGUÃO -
INTERIOR - NOITE.
BABY LIBERATO AGARROU A LOURA E COM BRUTALIDADE BEIJOU-LHE OS
LÁBIOS CARNUDOS. O COPO DE UÍSQUE DANÇAVA-LHE NA MÃO QUE SE ENROSCAVA POR ENTRE
AS AXILAS DA JOVEM.
A VOZ GRAVE TIROU-O DO DESLUMBRAMENTO.
RICARDO - Baby... nós... queríamos lhe dar os parabéns.
BABY - Meu caro Ricardo! (um sorriso largo abriu-se
à chegada do casal) Que alegria em vê-lo!
RICARDO - (abraçou-o) Queria apresentar-lhe Vanda
Vidal, uma atriz de quem todo o país ainda vai ouvir falar...
BABY - (olhou-a com interesse) Mesmo sem conhecê-la,
eu participo desse otimismo.
VANDA - (sorriu, constrangida com o olhar fixo do
rapaz, e estendeu-lhe a mão) Meus parabéns pela data de hoje.
BABY - Nada disso... O regulamento da festa diz que
todas as moças tem que beijar o aniversariante. É lei.
VANDA ESTREMECEU. RICARDO PISCOU NERVOSAMENTE. BABY OBSERVOU
O EMBARAÇO DOS DOIS.
BABY - E não tem que pedir permissão a ele, não. Já
disse. É do regulamento.
SEM OUTRO AVISO, BABY TOMOU-A NOS BRAÇOS, BEIJANDO-A
DEMORADAMENTE NOS LÁBIOS.
RICARDO APERTAVA AS MÃOS. SÉRIO.
DE REPENTE, AS PALMAS E OS GRITOS DE ALEGRIA DOS JOVENS,
ATRAÍDOS PELO DIÁLOGO E PELA CENA INCOMUM. ERA COMO O FINAL FELIZ DE UM FILME
DE AMOR.
CORTA PARA:
CENA 7 -
PALACETE DO COMENDADOR LIBERATO
- QUARTO -
INTERIOR - NOITE.
DEBRUÇADO SOBRE O PEITO DO COMENDADOR, CYRO VALDEZ ANOTAVA
QUALQUER COISA NUM PAPEL BRANCO. O ESTETOSCÓPIO CORRIA DE UM LADO PARA OUTRO
SOBRE O PEITO CABELUDO DO VELHO. O MÉDICO ESCUTAVA ATENTAMENTE OS BATIMENTOS
CARDÍACOS. EM SEGUIDA EXAMINOU AS CHAPAS QUE O DR. AVELAR LHE ENTREGARA. CYRO
OBSERVAVA DE ENCONTRO À LUZ DO QUARTO.
COMENDADOR LIBERATO
- Seja franco, doutor. Não
precisa me tapear, como os outros. Eu sei que estou no fim...
CYRO - (respondeu, sério) Espero que não, Sr.
Liberato. Mas, pela exposição que me fez do seu caso o Dr. Avelar e pelo exame
superficial que acabei de fazer, parece-me que terei de operá-lo o mais rápido
possível.
FIM DO CAPÍTULO 1
Ciro Valdez é um bom médico, um enviado de outro planeta, ou apenas um charlatão que engana uma cidade de gente ignorante? Por que ele deve morrer? Ester vai conseguir se livrar do carrasco Otto Müller? Por que Baby Liberato vai deixar de ser um playboy? Césario , o mau-caráter cheio de remorsos, vai conseguir ser o gerente da mina de carvão? Talvez você não saiba quem são estes personagens . Eles fazem parte da historia da novela.
NÃO PERCA O PRÓXIMO CAPÍTULO DE
Ciro Valdez é um bom médico, um enviado de outro planeta, ou apenas um charlatão que engana uma cidade de gente ignorante? Por que ele deve morrer? Ester vai conseguir se livrar do carrasco Otto Müller? Por que Baby Liberato vai deixar de ser um playboy? Césario , o mau-caráter cheio de remorsos, vai conseguir ser o gerente da mina de carvão? Talvez você não saiba quem são estes personagens . Eles fazem parte da historia da novela.
NÃO PERCA O PRÓXIMO CAPÍTULO DE
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