Roteirizado por Toni Figueira
do original de Janete Clair
CAPÍTULO 120
ÚLTIMO CAPÍTULO
PARTICIPAM DESTE CAPÍTULO:
JOÃO
MARIA DE LARA
CEMA
DALVA
LÍDIA
RODRIGO
PEDRO BARROS
ALBERTO
GENTIL PALHARES
DOMINGAS
DR. MACIEL
JUCA CIPÓ
BRAZ CANOEIRO
PADRE BENTO
MARIA DE LARA
CEMA
DALVA
LÍDIA
RODRIGO
PEDRO BARROS
ALBERTO
GENTIL PALHARES
DOMINGAS
DR. MACIEL
JUCA CIPÓ
BRAZ CANOEIRO
PADRE BENTO
CENA 1 - RIO DE JANEIRO - CASA DE SAÚDE - QUARTO DE LARA - INT. - DIA.
Cema cuidava do menino quando o casal entrou no quarto. Ela, rindo do cansaço do marido.
MARIA DE LARA - João, nem parece que veio do campo. Se cansou só numa corrida!
CEMA - (tapando a boca com a mão) Virge Mãe, como a senhora tá diferente!
MARIA DE LARA - Cema... por que a cerimônia? Você nunca me chamou de senhora!
CEMA - Hã...
Lara viu a criança e beijou-a com ternura.
MARIA DE LARA - Puxa vida! Como ele cresceu desde a última vez que o vi! Nossa Mãe, João! É a tua cara, amor. Nunca vi coisa assim. Parece cópia do teu rosto. E tem até as sobrancelhas cerradas... Você tem certeza de que é o meu Antonio?
JOÃO - Tenho, uai! A gente ia trocá ele?
MARIA DE LARA - Eu falo porque está enorme! Como Sinhana cuidou bem dele, meu Deus do Céu! Que coisa de louco! Agora nós vamos ficar juntos para sempre, sempre! Ah, Dalva! Arrumou as malas, tia? Já tenho alta, João. Estava só esperando você chegar. Mas... por que Sinhana não veio com você?
CEMA - (respondeu, desavisada) Sinhana, uai... a Sinhana ficô, coitada. Pra missa de sétimo dia daqueles dois...
MARIA DE LARA - Missa de quem? (perguntou, com expressão de surpresa) Quem morreu?
CEMA - Uai...
JOÃO - Ela num sabe?
DALVA - Não (respondeu, meio desconsolada) Recebi um telefonema de Gentil contando tudo, mas achei melhor não dizer a ela.
MARIA DE LARA - (intrigada com o mistério) O quê?
CEMA - Foi o Jeromo, mais a Potira... A polícia e os home que queria roubá o diamante... mataro os dois.
Lara procurou um banco para sentar-se. Suas pernas tremiam ante a notícia trágica.
MARIA DE LARA - Ah, João, eu não sabia. Se soubesse... meu Deus, não estaria tão contente. (abrigou-se nos braços do marido) Você me perdoa, amor?
JOÃO - Não. Pelo amor de Deus, eu não quero que nada disso, nada desse mundo, estraga a sua alegria. Você já passou o diabo... e não vai agora se impressioná com uma coisa... que... afinal de contas...
MARIA DE LARA - Amor... amor... não fique assim... escute.
JOÃO - Não diz nada, bem. É mais melhó. A gente tem que continuá a vivê a vida, num tem?
MARIA DE LARA - Claro. E vamos continuar juntos... haja o que houver.
JOÃO - Não é possível que ainda vá acontecê mais coisa... É preciso que tu saiba. A gente vai começá a vida lá de baixo. Tenho dívida pra pagá... e a vida vai sê dura. Num tenho conforto pra te dá.
MARIA DE LARA - Eu não estou pedindo conforto, João. Só te peço amor. E acho que disso nós somos milionários.
CORTA PARA:
CENA 2 - COROADO - PENSÃO DO GENTIL PALHARES - EXT. - ENTARDECER.
Os dois encontraram-se na porta da pensão do Gentil. Iam cabisbaixos, remoendo o mesmo drama.
LÍDIA - (não usava luto) Quando você vai embora?
RODRIGO - (muito pálido) Hoje mesmo.
LÍDIA - Aproveito a condução. Vou com você.
RODRIGO - (encarou-a fixamente) Acho que vamo-nos consolar mùtuamente. Estamos precisando muito um do outro...
Os dois seguiram na direção da estação ferroviária.
CENA 3 - FAZENDA DE PEDRO BARROS - GARIMPO - EXT. - DIA.
Pedro Barros sentara-se à beira do rio, onde outrora houvera vida. Extração da riqueza. Gente. Hoje tudo se resumia à saudade. Ou apenas à lembrança, já que a saudade era sentimento muito cristão para o velho e vingativo coronel dos diamantes...
Lara e João avistaram-no de longe. A moça fez sinal para o marido. Convinha que apenas ela aparecesse diante do pai.
MARIA DE LARA - Papai!
PEDRO BARROS - (levantou a cabeça e sorriu, sem graça) Uai, você taí?
MARIA DE LARA - Voltei curada, pai.
PEDRO BARROS - Bom pra ocê, filha.
MARIA DE LARA - Eu vim buscar o senhor. João quer ajudá-lo.
Ainda havia resquícios de orgulho e maldade no velho chefe.
PEDRO BARROS - E você pensa que vou aceitar favor do João Coragem?
MARIA DE LARA - Não há mais razão para ódios, papai...
PEDRO BARROS - Eu é que sei! Eu é que sei! Eu quero que ele vai pros quintos dos infernos! Ninguém tem que se incomodar comigo. Fui abandonado por todo mundo. Humilhado. Desprezado. Só quem tinha valor era meu dinheiro. Pois eu vou fazê todo mundo pagá caro o que fizero...
MARIA DE LARA - (afagou os cabelos do pai) Deixa disso, pai.
PEDRO BARROS - Vai embora com teu marido! Eu quero ficar sozinho e em paz! Tou aqui e tou maquinando um jeito de me vingar de todo mundo! Anda, vai com ele e me deixa cuidar da minha vida!
Lara afastou-se ante a irredutibilidade do velho coronel. De longe, ela e o marido observavam o homem resmungar, falando consigo mesmo. Louco. Inteiramente louco.
PEDRO BARROS - Todo mundo me paga... eu me vingo de todo mundo de uma só vez... eu me vingo!
Escurecia e Pedro Barros, uma figura indistinta, perdia-se por entre as árvores da estrada, caminhando na direção da floresta. Mais ao lado a casa branca, onde Lara e Diana tinham-se confundido na luta de personalidades.
CORTA PARA:
CENA 2 - COROADO - ALMOXARIFADO - EXT. - NOITE.
Já era noite. Escurecera. Barros arrombou a porta do almoxarifado e retornou com um latão de gasolina. Espalhou o líquido pelas paredes de madeira, embebendo chão e móveis da casa arruinada. Dela o fogo propagou-se. Em poucos minutos devorava a pequena cidade de Coroado. Por entre as chamas o rosto barbudo do coronel, rindo loucamente. Uma visão diferente de Nero. Um Nero caboclo.
Coroado já não existia. Bares, armazéns, a igreja, as árvores da praça. Coroado transformara-se em fogo e cinzas, num ato de destruição. Um homem a criara; o mesmo homem a destruía.
As labaredas podiam ser vistas a léguas de distancia. A cidade deixara de existir.
CORTA PARA:
CENA 3 - ALDEIA DE JOÃO - CHOUPANA - SALA - INT. - NOITE.
Alberto chegou apressado da cidade e nem mesmo parou para cumprimentar os presentes.
ALBERTO - (deu a notícia sem poder falar. Afobado) Desculpe, gente... mas tem notícia da cidade. É urgente. Pedro Barros ficou louco. Tocou fogo em toda Coroado. A cidade está se incendiando.
JOÃO - (benzendo-se) Virge Mãe! Vamo lá ver se a gente salva alguma coisa...
Os homens desapareceram, aflitos, munidos de cordas e instrumentos de ferro.
CORTA PARA:
CENA 4 - COROADO - CENTRO - EXT. - NOITE.
A praça regurgitava de gente. Gentil explicava o que sabia. Perdera tudo. Ele e todos os que habitavam, negociavam, viviam na cidadezinha que fôra próspera...
GENTIL PALHARES - Felizmente não houve vítimas... Vimos o fogo a tempo... e tivemos tempo de desocupar todas as casas...
JOÃO - Minha aldeia abriga todo mundo!
MARIA DE LARA - (aflita) E meu pai?
DOMINGAS - Depois de tocá fogo aqui... (chorando, relatava os acontecimentos) voltô pra casa que era dele... e ficou lá... até o fim.
Domingas se afastou, desolada. Uma voz fê-la voltar-se, incontinenti.
DR. MACIEL - Você não está só!
A mulher abraçou-se ao médico, ao homem que ainda lhe poderia dar um pouco de conforto, uma velhice talvez menos sofredora.
Juca apareceu, negro de cinza, os lábios avermelhados, o rosto caricatural.
JUCA CIPÓ - Cadê meu patrãozinho? Cadê?
DR. MACIEL - (procurou ajudá-lo, com bondade) A gente vai procurar... eu ajudo vocês. Agora estamos todos juntos... Finalmente juntos...
CORTA PARA:
CENA 5 - COROADO - PRAÇA - EXT. - AMANHECER.
Braz Canoeiro olhava o céu, infinitamente azul. Da igrejinha branca apenas a imagem de Cristo sobrevivera ao incêndio. E a torre e o sino. O sino do chamamento a Deus.
BRAZ CANOEIRO - E agora, Padre?
PADRE BENTO - É... está tudo acabado. Agora... é levantar os olhos para Deus e rezar. Que Ele tenha piedade de nós.
Um pouco afastado, João Coragem remexia os escombros do templo. Sua fisionomia parecia irradiar estranha luminosidade. Subiu as escadarias da torre, a passos lentos, e puxou o sino. A pancada ecoou por todo o vale. Olhos voltaram-se para o estranho sineiro da igrejinha.
PADRE BENTO - O sino da igreja!
BRAZ CANOEIRO - Que adianta o sino, agora?
João badalou com mais força, sorrindo. Nos olhos a chama de um otimismo inesperado. Homens e mulheres voltaram-se para ele. Viram o rapaz no alto da torrezinha chamuscada.
JOÃO - (gritou) O sino da igreja, minha gente! Tá aqui o sino! Que chamô a gente tantas vez pra missa! Pros batizado! Pros casamento! Lembra, Padre? Quanta gente o senhô casô, quanta batizô! E o sino taqui, são e salvo!
PADRE BENTO - (com pessimismo) De que vale um sino, sem igreja, João? É preferível uma igreja sem sino...
JOÃO - Mas... por alguma coisa a gente tem que começá. Uns começam pelos tijolo... a gente começa pelo sino. Começa por cima. Vamo, minha gente! Que cara de desânimo é essa? Coroado num desapareceu de todo! (abriu os braços e mostrou os rios, os campos, as montanhas) Veja aqui! Ficô o sino e a imagem de Cristo! O sino pra chamá vocês pra refazê tudo direitinho como era antes! A imagem pra abençoá esta cidade, antes amaldiçoada! (falava em tom místico, como se profetizasse uma nova era para o povo da região) Muito melhó! Muito melhó, porque agora não vamo tê mais luta! Nem exploração! Agora o que restô de tudo foi uma lição de amor e de paz! Paz e amor que ficou no nosso coração e que nós vamo semeá por aí tudo! (os cabelos negros caíam-lhe por sobre os olhos) Vamo, minha gente!
Os primeiros movimentos entusiasmaram o rapaz. Os escombros começavam a ser removidos. As pessoas surgiam de todos os cantos. Um formigueiro. Pás, picaretas, enxadas... Coroado renasceria das cinzas.
JOÃO - Isso, minha gente! Vamo trabalhá! E num vamo deixá pra amanhã, vamo começá agora mesmo! O senhô vai tê sua igreja de novo, Padre! E nós vamo tê de novo as nossa casa e uma Coroado mais bonita do que nunca!
Lara ria e chorava, num misto de tristeza e alegria. Sinhana ajoelhava-se nas escadas sujas de água e cinza.
Padre Bento ajoelhou-se, também, contrito, diante da imagem do Criador.
PADRE BENTO - Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!
João desceu aos saltos e bateu, risonho, nas costas do sacerdote.
JOÃO - Isso num é hora de rezá, Padre! É hora de trabalhá! Vamo! Deus vai ajudá a gente!
A terra. O sol. A gente.
Coroado renasceria das cinzas da destruição.
Eu gostaria de agradecer, especialmente, a José Eugênio e Maria do Sul, que, com seus comentários de incentivo, muito me ajudaram a levar essa proposta até o fim, e a todos que me acompanharam por esses meses, revivendo as amoções dessa maravilhosa história da maior novelista do Brasil, Janete Clair, que viverá para sempre em nossa memória e em nossos corações.
Toni Figueira
Cema cuidava do menino quando o casal entrou no quarto. Ela, rindo do cansaço do marido.
MARIA DE LARA - João, nem parece que veio do campo. Se cansou só numa corrida!
CEMA - (tapando a boca com a mão) Virge Mãe, como a senhora tá diferente!
MARIA DE LARA - Cema... por que a cerimônia? Você nunca me chamou de senhora!
CEMA - Hã...
Lara viu a criança e beijou-a com ternura.
MARIA DE LARA - Puxa vida! Como ele cresceu desde a última vez que o vi! Nossa Mãe, João! É a tua cara, amor. Nunca vi coisa assim. Parece cópia do teu rosto. E tem até as sobrancelhas cerradas... Você tem certeza de que é o meu Antonio?
JOÃO - Tenho, uai! A gente ia trocá ele?
MARIA DE LARA - Eu falo porque está enorme! Como Sinhana cuidou bem dele, meu Deus do Céu! Que coisa de louco! Agora nós vamos ficar juntos para sempre, sempre! Ah, Dalva! Arrumou as malas, tia? Já tenho alta, João. Estava só esperando você chegar. Mas... por que Sinhana não veio com você?
CEMA - (respondeu, desavisada) Sinhana, uai... a Sinhana ficô, coitada. Pra missa de sétimo dia daqueles dois...
MARIA DE LARA - Missa de quem? (perguntou, com expressão de surpresa) Quem morreu?
CEMA - Uai...
JOÃO - Ela num sabe?
DALVA - Não (respondeu, meio desconsolada) Recebi um telefonema de Gentil contando tudo, mas achei melhor não dizer a ela.
MARIA DE LARA - (intrigada com o mistério) O quê?
CEMA - Foi o Jeromo, mais a Potira... A polícia e os home que queria roubá o diamante... mataro os dois.
Lara procurou um banco para sentar-se. Suas pernas tremiam ante a notícia trágica.
MARIA DE LARA - Ah, João, eu não sabia. Se soubesse... meu Deus, não estaria tão contente. (abrigou-se nos braços do marido) Você me perdoa, amor?
JOÃO - Não. Pelo amor de Deus, eu não quero que nada disso, nada desse mundo, estraga a sua alegria. Você já passou o diabo... e não vai agora se impressioná com uma coisa... que... afinal de contas...
MARIA DE LARA - Amor... amor... não fique assim... escute.
JOÃO - Não diz nada, bem. É mais melhó. A gente tem que continuá a vivê a vida, num tem?
MARIA DE LARA - Claro. E vamos continuar juntos... haja o que houver.
JOÃO - Não é possível que ainda vá acontecê mais coisa... É preciso que tu saiba. A gente vai começá a vida lá de baixo. Tenho dívida pra pagá... e a vida vai sê dura. Num tenho conforto pra te dá.
MARIA DE LARA - Eu não estou pedindo conforto, João. Só te peço amor. E acho que disso nós somos milionários.
CORTA PARA:
CENA 2 - COROADO - PENSÃO DO GENTIL PALHARES - EXT. - ENTARDECER.
Os dois encontraram-se na porta da pensão do Gentil. Iam cabisbaixos, remoendo o mesmo drama.
LÍDIA - (não usava luto) Quando você vai embora?
RODRIGO - (muito pálido) Hoje mesmo.
LÍDIA - Aproveito a condução. Vou com você.
RODRIGO - (encarou-a fixamente) Acho que vamo-nos consolar mùtuamente. Estamos precisando muito um do outro...
Os dois seguiram na direção da estação ferroviária.
CENA 3 - FAZENDA DE PEDRO BARROS - GARIMPO - EXT. - DIA.
Pedro Barros sentara-se à beira do rio, onde outrora houvera vida. Extração da riqueza. Gente. Hoje tudo se resumia à saudade. Ou apenas à lembrança, já que a saudade era sentimento muito cristão para o velho e vingativo coronel dos diamantes...
Lara e João avistaram-no de longe. A moça fez sinal para o marido. Convinha que apenas ela aparecesse diante do pai.
MARIA DE LARA - Papai!
PEDRO BARROS - (levantou a cabeça e sorriu, sem graça) Uai, você taí?
MARIA DE LARA - Voltei curada, pai.
PEDRO BARROS - Bom pra ocê, filha.
MARIA DE LARA - Eu vim buscar o senhor. João quer ajudá-lo.
Ainda havia resquícios de orgulho e maldade no velho chefe.
PEDRO BARROS - E você pensa que vou aceitar favor do João Coragem?
MARIA DE LARA - Não há mais razão para ódios, papai...
PEDRO BARROS - Eu é que sei! Eu é que sei! Eu quero que ele vai pros quintos dos infernos! Ninguém tem que se incomodar comigo. Fui abandonado por todo mundo. Humilhado. Desprezado. Só quem tinha valor era meu dinheiro. Pois eu vou fazê todo mundo pagá caro o que fizero...
MARIA DE LARA - (afagou os cabelos do pai) Deixa disso, pai.
PEDRO BARROS - Vai embora com teu marido! Eu quero ficar sozinho e em paz! Tou aqui e tou maquinando um jeito de me vingar de todo mundo! Anda, vai com ele e me deixa cuidar da minha vida!
Lara afastou-se ante a irredutibilidade do velho coronel. De longe, ela e o marido observavam o homem resmungar, falando consigo mesmo. Louco. Inteiramente louco.
PEDRO BARROS - Todo mundo me paga... eu me vingo de todo mundo de uma só vez... eu me vingo!
Escurecia e Pedro Barros, uma figura indistinta, perdia-se por entre as árvores da estrada, caminhando na direção da floresta. Mais ao lado a casa branca, onde Lara e Diana tinham-se confundido na luta de personalidades.
CORTA PARA:
CENA 2 - COROADO - ALMOXARIFADO - EXT. - NOITE.
Já era noite. Escurecera. Barros arrombou a porta do almoxarifado e retornou com um latão de gasolina. Espalhou o líquido pelas paredes de madeira, embebendo chão e móveis da casa arruinada. Dela o fogo propagou-se. Em poucos minutos devorava a pequena cidade de Coroado. Por entre as chamas o rosto barbudo do coronel, rindo loucamente. Uma visão diferente de Nero. Um Nero caboclo.
Coroado já não existia. Bares, armazéns, a igreja, as árvores da praça. Coroado transformara-se em fogo e cinzas, num ato de destruição. Um homem a criara; o mesmo homem a destruía.
As labaredas podiam ser vistas a léguas de distancia. A cidade deixara de existir.
CORTA PARA:
CENA 3 - ALDEIA DE JOÃO - CHOUPANA - SALA - INT. - NOITE.
Alberto chegou apressado da cidade e nem mesmo parou para cumprimentar os presentes.
ALBERTO - (deu a notícia sem poder falar. Afobado) Desculpe, gente... mas tem notícia da cidade. É urgente. Pedro Barros ficou louco. Tocou fogo em toda Coroado. A cidade está se incendiando.
JOÃO - (benzendo-se) Virge Mãe! Vamo lá ver se a gente salva alguma coisa...
Os homens desapareceram, aflitos, munidos de cordas e instrumentos de ferro.
CORTA PARA:
CENA 4 - COROADO - CENTRO - EXT. - NOITE.
A praça regurgitava de gente. Gentil explicava o que sabia. Perdera tudo. Ele e todos os que habitavam, negociavam, viviam na cidadezinha que fôra próspera...
GENTIL PALHARES - Felizmente não houve vítimas... Vimos o fogo a tempo... e tivemos tempo de desocupar todas as casas...
JOÃO - Minha aldeia abriga todo mundo!
MARIA DE LARA - (aflita) E meu pai?
DOMINGAS - Depois de tocá fogo aqui... (chorando, relatava os acontecimentos) voltô pra casa que era dele... e ficou lá... até o fim.
Domingas se afastou, desolada. Uma voz fê-la voltar-se, incontinenti.
DR. MACIEL - Você não está só!
A mulher abraçou-se ao médico, ao homem que ainda lhe poderia dar um pouco de conforto, uma velhice talvez menos sofredora.
Juca apareceu, negro de cinza, os lábios avermelhados, o rosto caricatural.
JUCA CIPÓ - Cadê meu patrãozinho? Cadê?
DR. MACIEL - (procurou ajudá-lo, com bondade) A gente vai procurar... eu ajudo vocês. Agora estamos todos juntos... Finalmente juntos...
CORTA PARA:
CENA 5 - COROADO - PRAÇA - EXT. - AMANHECER.
Braz Canoeiro olhava o céu, infinitamente azul. Da igrejinha branca apenas a imagem de Cristo sobrevivera ao incêndio. E a torre e o sino. O sino do chamamento a Deus.
BRAZ CANOEIRO - E agora, Padre?
PADRE BENTO - É... está tudo acabado. Agora... é levantar os olhos para Deus e rezar. Que Ele tenha piedade de nós.
Um pouco afastado, João Coragem remexia os escombros do templo. Sua fisionomia parecia irradiar estranha luminosidade. Subiu as escadarias da torre, a passos lentos, e puxou o sino. A pancada ecoou por todo o vale. Olhos voltaram-se para o estranho sineiro da igrejinha.
PADRE BENTO - O sino da igreja!
BRAZ CANOEIRO - Que adianta o sino, agora?
João badalou com mais força, sorrindo. Nos olhos a chama de um otimismo inesperado. Homens e mulheres voltaram-se para ele. Viram o rapaz no alto da torrezinha chamuscada.
JOÃO - (gritou) O sino da igreja, minha gente! Tá aqui o sino! Que chamô a gente tantas vez pra missa! Pros batizado! Pros casamento! Lembra, Padre? Quanta gente o senhô casô, quanta batizô! E o sino taqui, são e salvo!
PADRE BENTO - (com pessimismo) De que vale um sino, sem igreja, João? É preferível uma igreja sem sino...
JOÃO - Mas... por alguma coisa a gente tem que começá. Uns começam pelos tijolo... a gente começa pelo sino. Começa por cima. Vamo, minha gente! Que cara de desânimo é essa? Coroado num desapareceu de todo! (abriu os braços e mostrou os rios, os campos, as montanhas) Veja aqui! Ficô o sino e a imagem de Cristo! O sino pra chamá vocês pra refazê tudo direitinho como era antes! A imagem pra abençoá esta cidade, antes amaldiçoada! (falava em tom místico, como se profetizasse uma nova era para o povo da região) Muito melhó! Muito melhó, porque agora não vamo tê mais luta! Nem exploração! Agora o que restô de tudo foi uma lição de amor e de paz! Paz e amor que ficou no nosso coração e que nós vamo semeá por aí tudo! (os cabelos negros caíam-lhe por sobre os olhos) Vamo, minha gente!
Os primeiros movimentos entusiasmaram o rapaz. Os escombros começavam a ser removidos. As pessoas surgiam de todos os cantos. Um formigueiro. Pás, picaretas, enxadas... Coroado renasceria das cinzas.
JOÃO - Isso, minha gente! Vamo trabalhá! E num vamo deixá pra amanhã, vamo começá agora mesmo! O senhô vai tê sua igreja de novo, Padre! E nós vamo tê de novo as nossa casa e uma Coroado mais bonita do que nunca!
Lara ria e chorava, num misto de tristeza e alegria. Sinhana ajoelhava-se nas escadas sujas de água e cinza.
Padre Bento ajoelhou-se, também, contrito, diante da imagem do Criador.
PADRE BENTO - Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!
João desceu aos saltos e bateu, risonho, nas costas do sacerdote.
JOÃO - Isso num é hora de rezá, Padre! É hora de trabalhá! Vamo! Deus vai ajudá a gente!
A terra. O sol. A gente.
Coroado renasceria das cinzas da destruição.
- FIM -
http://youtu.be/LTksh0jtwxE
ELENCO DE IRMÃOS CORAGEM
NOTA:Eu gostaria de agradecer, especialmente, a José Eugênio e Maria do Sul, que, com seus comentários de incentivo, muito me ajudaram a levar essa proposta até o fim, e a todos que me acompanharam por esses meses, revivendo as amoções dessa maravilhosa história da maior novelista do Brasil, Janete Clair, que viverá para sempre em nossa memória e em nossos corações.
Toni Figueira
e na próxima quarta-feira, não perca a estréia de
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