terça-feira, 6 de janeiro de 2015

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 106


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 106

Participam deste capítulo

Ester  -  Gloria Menezes
Cyro  -  Tarcisio Meira
Júlia  -  Ida Gomes
Delegado  -  Vinicius Salvatore
Cesário  -   Carlos Eduardo Dolabella
Mestre Jonas  -  Gilberto Martinho


CENA 1  -  PORTO AZUL  -  DELEGACIA  -  GABINETE DO DELEGADO  -  INTERIOR  -  NOITE

O DELEGADO MOREIRA EXPLICAVA AOS SEUS AUXILIARES DIRETOS:

DELEGADO  -  O cadáver achado não era o de Dona Júlia! Era o de uma mulher que desapareceu há muito tempo, por aquelas bandas. Não tinha nada de Dona Júlia.

CORTA PARA:

CENA 2  -  CASA DE ESTER  -  SALA  -  INTERIOR  -  NOITE

ESTER DEU UM JEITO NOS CABELOS E FOI ABRIR A PORTA. ALGUÉM TINHA TOCADO A CAMPAINHA SEGUNDOS ANTES. NO PRIMEIRO INSTANTE O CHOQUE PARALISOU-A. ESTER ESTREMECEU E AGARROU-SE À PORTA, SEM DIZER PALAVRA. NENHUM SOM SAÍA-LHE DA GARGANTA.

ESTER  -  (a muito custo conseguiu falar) Júlia!

JÚLIA  -  Eu mesma. Mais viva do que nunca. Não tenha medo, Ester.

AS DUAS MULHERES, APÓS PEQUENA PAUSA DE ALGUNS SEGUNDOS ABRAÇARAM-SE CHORANDO.

ESTER  -  Júlia... Júlia...

JÚLIA  -  Estava com muitas saudades de você.

ESTER AFASTOU-SE UM POUCO E FITOU A AMIGA “MORTA” BALANÇANDO A CABEÇA. INACREDITÁVEL!

ESTER  -  Júlia! Será possível?! Você voltou e eu preciso tanto de você! Preciso tanto! Que bom você estar aqui! Viva! Mais saudável do que nunca! Oh, Deus, que felicidade!

CORTA PARA:

CENA 3  -  COLONIA DOS PESCADORES  -   ESTRADA  -  EXTERIOR  -  NOITE

CESÁRIO SE ARRASTOU NOITE ADENTRO, TORTURADO PELAS DORES QUE LHE QUEBRAVAM A RESISTENCIA. ASSIM MESMO, AOS TRANCOS PELOS CAMINHOS DE PORTO AZUL, FOI TER À COLONIA DOS PESCADORES. O SOFRIMENTO ERA INSUPORTÁVEL E APESAR DA ROBUSTEZ QUE O DESTACAVA COMO UM DOS HOMENS MAIS FORTES DO BANDO DE OTTO MULLER, CESÁRIO PERDEU OS SENTIDOS A POUCOS METROS DE ALGUNS DOS HOMENS DE CYRO VALDEZ.

CORTA PARA:

CENA 4  -  CHOUPANA DE CYRO  -  INTERIOR  -  NOITE

NA CHOUPANA ESCONDIDA NUM TRECHO DE VEGETAÇÃO CERRADA, OS DOIS HOMENS AGUARDAVAM QUE O ASSECLA DO PREFEITO RETORNASSE A SI. HAVIA HORAS QUE CESÁRIO FORA RECOLHIDO E ENVIADO AO ESCONDERIJO DO MÉDICO. JONAS OBSERVOU QUE OS OLHOS DO FERIDO ENTREABRIAM-SE LENTAMENTE.

CESÁRIO  -  Ai!... o que é que tou fazendo aqui?

CYRO  -  Segure-o, Jonas!

CYRO APLICAVA MAIS UMA INJEÇÃO NO HOMEM FERIDO. CESÁRIO GEMEU.

CESÁRIO  -  Estou procurando o Dr. Cyro... eu preciso falá com ele!

CYRO  -  (percebeu a confusão que ainda dominava o inimigo) Você já vai falar com ele... mas fique quieto.

CESÁRIO  -  Ele tem de me ouvir! Acha que ele vai me ouvir?

CYRO  -  Depende do que você quer lhe dizer...

CESÁRIO  -  Preciso que dê um jeito daquela assombração pará de me atentá...

MESTRE JONAS  -  Não disse? Só fala bobagem...

CYRO  -  A quem se refere?

CESÁRIO  -  Júlia! Eu matei Júlia e ela voltou! Eu matei e ela está me atentando, dia e noite! Alguém tem de dá um jeito de fazê ela me deixá em paz!

CYRO  -  Nós vamos fazer isso, rapaz. Agora... vai ficar tranquilo... vai relaxar...

CESÁRIO TENTOU MOVER-SE. AS DORES ERAM TERRÍVEIS, APESAR DAS INJEÇÕES QUE CYRO LHE HAVIA APLICADO.

CESÁRIO  -  Júlia vem aí! Ela tá atrás de mim! Ela vai aparecê aqui de repente! Alma vai onde quer!

CYRO LEVANTOU-SE E AO LADO DE JONAS, AFASTOU-SE DO QUARTO ONDE O FERIDO DELIRAVA.

MESTRE JONAS  -  É a febre, Cyro?

CYRO  -  É, é o delírio da febre.

MESTRE JONAS  -  Ele não está fingindo, não?

CYRO  -  Não. Está delirando, mesmo.

MESTRE JONAS  -   O que é que a gente vai fazê? A gente tinha de dá sumiço daqui. A policia não tarda a voltá.

CYRO  -  Nós temos de colocar antes este homem fora de perigo, Jonas. Está muito ferido.

MESTRE JONAS  -  Cyro, você já tratou dele. Já medicou... agora vamos dar no pé. É arriscado a gente ficá aqui.

CYRO  -  De acordo, Mestre... mas eu não vou abandonar este homem, porque ele ainda está muito mal. Está correndo perigo de vida.

MARTINS OUVIRA AS PALAVRAS FINAIS DO CHEFE E INTERVEIO NO ASSUNTO. FORA UM DOS QUE RECOLHERAM O MINEIRO MILIONÁRIO DESFALECIDO NO CHÃO.

MARTINS  -  Dr. Cyro, me desculpe... mas esse cara... esse cara trabalha pro Otto Muller.

MESTRE JONAS  -  Tem razão. Esse homem é seu inimigo... é um bandido que se meteu até na vida de Dona Ester...

CYRO LEMBROU-SE DA LUTA PARA CONQUISTAR OS NEGATIVOS E UMA IRA REPENTINA LEVOU-O A PENSAR NUMA VINGANÇA TOTAL. REFLETIU A TEMPO.

CYRO  -  Eu sei. Não é preciso que vocês me digam tudo isso... É um mau caráter... um tipo sem escrúpulos... diz até que matou a mulher... e quem sabe se não terá outros crimes nas costas... Mas, pelo amor de Deus, será que tenho de repetir tudo de novo? É um ser humano e eu vou cuidar dele até colocá-lo fora de perigo. Quando achar que está salvo... nós o deixaremos aqui para cuidar de sua vida como bem quiser.

DO INTERIOR DO QUARTO CONTÍGUO A VOZ DE CESÁRIO CHEGAVA NÍTIDA.

CESÁRIO  -  Eu matei, matei sim... eu sou um criminoso... um assassino. Olha... eu matei, viu? Só o Dr. Cyro pode me salvá! Não viu ele por aí? Quem foi que viu Dr. Cyro? Dr. Cyro!

CORTA PARA:


CENA 5  -  CASA DE ESTER  -  SALA  -  INTERIOR  -  DIA

A PRIMEIRA INICIATIVA DE ESTER FOI CHAMAR O DELEGADO À SUA RESIDENCIA E COLOCÁ-LO A PAR DOS ACONTECIMENTOS.

A PRÓPRIA “MORTA”, EM PESSOA, ABRIU A PORTA PARA A AUTORIDADE POLICIAL.

JÚLIA  -  Entre, por favor, delegado!

DR. MOREIRA NÃO ACREDITAVA NO QUE VIA DIANTE DE SEUS OLHOS. SÓ PODIA SER ALGUMA BRINCADEIRA DA EX-PROMOTORA, PENSAVA. MAS ERA A MULHER QUE ESTAVAM DANDO POR MORTA HÁ VÁRIOS MESES.

DELEGADO  -  Dona Júlia! Mas... é a senhora mesmo?

JÚLIA  -  Eu mesma. Em carne e osso. Não precisa ficar assustado.

ESTER APROXIMOU-SE DO RECÉM-CHEGADO, SORRIDENTE.

ESTER  -  Como está, delegado?

O HOMEM PERMANECIA ESTÁTICO, ADMIRANDO A FIGURA DA MULHER QUE TINHA À SUA FRENTE. MAIS VIVA DO QUE ANTES.

DELEGADO  -  Bem! Isto é... tremendamente assustador! Quando me chamou, Dona Ester, não me disse que era pra falar com Dona Júlia!

ESTER  -  Sim, mas ela quer fazer uma denúncia!

DELEGADO  -  Uma denúncia?!

JÚLIA  -  Sim, delegado. Contra Cesário. Ele tentou me matar!

E JÚLIA RELATOU O QUE ACONTECERA DURANTE O PASSEIO FATÍDICO.

DELEGADO  -  Então... esta é que é a verdade? Ele tentou matar a senhora!

JÚLIA  -  Exato. Num passeio no lago Montebelo... ele tentou me afogar... Havia cismado de passar a tarde sozinho, na ilhota. Preparou tudo muito bem. Mandou que eu fosse buscá-lo de tardinha... foi o que fiz. Cheguei lá, de barco, como havíamos combinado... eu o encontrei... tomamos o bote de volta, juntos... Percebi logo as intenções dele, quando perguntou, meio sem jeito: sabe nadar, Júlia? Respondi que não. Notei um sorriso irônico nos lábios dele. Foi no meio do lago que ele virou o barco... e eu... eu me afoguei.

O DELEGADO MOVIMENTOU-SE NA CADEIRA, VISIVELMENTE NERVOSO.

JÚLIA  -  Fui pro fundo, sim... mas meu instinto de conservação foi mais forte. Reagi contra a morte, violentamente. Sabia nadar um pouco, desde menina. Criada perto do mar. Mas o nervosismo me impedia de controlar os movimentos. Debatendo-me feito uma louca me afastei muito do local onde ele estava. Exatamente do lado oposto, nas costas dele... e, bem ou mal, cheguei quase morta à outra margem do lago. Sei que boiei durante longo tempo antes de nadar até a terra. Foi por isso que ele me deu por morta.

DELEGADO  -  Bem... e daí? Ele não viu a senhora alcançar a margem?

JÚLIA  -  Não... ele só me viu ir no fundo. Não se preocupou em reparar se eu voltava. Ficou mais preocupado em salvar a própria pele. Nadou sozinho, depois de afundar o barco, até alcançar a margem.

DELEGADO  -  Mas o barco foi encontrado depois... E o que fez a senhora sozinha na margem deserta? Ali não vive ninguém...

JÚLIA  -  Eu me senti perdida, desamparada... Tentei andar e não podia. Havia engolido muita água... faltava-me a respiração. Estava cansadíssima... parecia que ia morrer. Mas surgiu uma alma boa... um bom homem... pescador dali da região que me socorreu. Eu não sei se teria sido melhor ter morrido... Fiquei mal, muito mal mas consgui viver. E um único pensamento me dava forças para sobreviver: fazer Cesário pagar na própria pele... tudo o que me fez passar! E eu creio que consegui!

CORTA PARA:

CENA 6  -  ALDEIA DOS PESCADORES  -  CHOUPANA DE CYRO  -  INTERIOR  -  DIA

CESÁRIO DELIRAVA NA CABANA DOS FORAGIDOS.

CESÁRIO  -  Júlia! Júlia! Onde você está, bandida? Ela tai! Me digam a verdade! Ela voltou!

CORTA PARA:

CENA 7  -  CASA DE ESTER  -  SALA  -  INTERIOR  -  DIA

O DELEGADO LEVANTOU-SE COM AS FEIÇÕES SEVERAS.

DELEGADO  -  Eu vou registrar a denúncia e vamos tentar descobrir o paradeiro dele.

JÚLIA  -  Eu agradeço (ea apertou-lhe a mão) Só descansarei quando vir aquele desalmado atrás das grades.

ESTER  -  O senhor pode me dizer alguma coisa... sobre o Dr. Cyro, delegado?

DELEGADO  -  Já foi localizado. Sua prisão é questão de horas.

ESTER  -  (tentando aparentar calma) Em que lugar está?

DELEGADO  -  Numa região chamada Pouso Alegre. É uma área extensa, montanhosa e selvagem. Por isso está sendo difícil botar as mãos nele. E o homem conta com a proteção dos moradores. Parece que por onde passa ele faz um bem, uma cura... (o delegado não escondia a emoção que o tomava) Dr. Cyro é um homem muito bom, Dona Ester! Nós sabemos disso. A maior dificuldade tem sido esta. A proteção das pessoas que são beneficiadas por ele. E eu lhe digo: são centenas...

ESTER  -  (contendo a emoção) Eu compreendo. Obrigada pelas informações. Passe bem!



FIM DO CAPÍTULO 106

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 105


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 105

Participam deste capítulo

Baby -  Claudio Cavalcanti
Inês  -  Betty Faria
Daniel  - Paulo Araújo
Pé-na-Cova  -  Antonio Pitanga
Delegado  -  Vinicius Salvatori
Cabo Faria
Cesário  -   Carlos Eduardo Dolabella
Júlia  -  Ida Gomes


CENA 1  -  CLAREIRA  -  EXTERIOR  -  DIA

BABY REUNIU OS HOMENS NUMA CLAREIRA ENTRE DOIS OUTEIROS A UMAS DUAS LÉGUAS DO LITORAL. DIVERSOS DOS COMPANHEIROS APRESENTAVAM CURATIVOS NA FACE, BRAÇOS, PERNAS E TÓRAX.

INÊS LIMPAVA UM RIFLE COM UM PEDAÇO DE FLANELA AMARELA. DEPOIS DE PERCORRER AS IMEDIAÇÕES COM OLHOS ATENTOS, BABY PEDIU AO GRUPO PARA SE JUNTAR UM POUCO MAIS. ERA DIA. MAIS OU MENOS QUATRO E QUARENTA DA TARDE.

BABY  -  Olha, pessoal, o negócio é o seguinte. Estamos proibidos até de ir a Porto Azul. Não podemos mais entrar na cidade.

DANIEL  -  Estamos mesmo. Minha Luana tentou ir até lá pra buscá remédio de curativo e num deixaro ela passá.

PÉ-NA-COVA  -  (admirado) Até as mulhé eles qué impedi de passá?

BABY  -  Exato. Até nossas mulheres. Vocês acham que a gente pode ficar quieto depois disso?

HOMENS  -  (a uma só voz) Claro que não!

INÊS  -  (pulou, imitando um gangster, girando um rifle de um lado para o outro) Legal! Legal! Temos de mandar brasa, rapaziada!

OS HOMENS RIRAM-SE COM A BRINCADEIRA DA MULHER DO CHEFE. BABY PROCUROU NÃO CONDICIONAR O GRUPO A INFANTILIDADES.

BABY  -  Que é isso, Inês?

INÊS  -  Ué... tou animando os guris!

BABY PUXOU A ARMA E LEVOU A ESPOSA PARA UM CANTO ENTRE AS FOLHAGENS.

BABY  -  (dirigiu-se novamente aos homens) O que eu quero dizer é que não podemos nos conformar em acatar esta ordem estúpida da Justiça. Não tivemos sorte da primeira vez, mas vamos ter da segunda. Eu jurei a mim mesmo que vou entrar naquela cidade para tomar conta das casas, a qualquer preço!

INÊS  -  Falou, falou! A gente entra e pum! Pum! Pum! Mata todo mundo! Dá tiro em tudo quanto é policial!

BABY  -  (explodiu, zangado) Quer calar a boca e ficar quieta? Você pensa que eu estou brincando?

INÊS  -  (replicou com violência) Eu também não, Leandro!

DANIEL  -  Tu tá gozando a desgraça da gente, Inês?

INÊS  -  Não, não estou gozando ninguém! Estou falando... falando como mulher de bandido, ora!

OS HOMENS ENTREOLHARAM-SE, AFLITOS.

BABY  -  (desarvorado) Mulher de bandido? E quem é bandido?

INÊS  -  Você! Meu irmão! Pé-na-Cova! Todo mundo! Você está transformando todos os seus companheiros em bandidos. Em assaltantes de cidade!

BABY  -  Não diga asneiras!

DANIEL  -  (berrou) A gente tá lutando por uma causa justa!

INÊS  -  Há varias maneiras de lutar, sem ter uma arma na mão!

BABY  -  Nós estamos reagindo a uma agressão!

INÊS  -  Estão dando àquela gente o direito de tratar vocês como assaltantes. Será que não perceberam isso até agora? Vocês viraram mau elemento?

BABY  -  Porque eles quiseram assim!

INÊS  -  E vocês reagiram exatamente como eles queriam! Pra serem afastados a bala, como bandidos!

DANIEL  -  É melhor mulher num se metê!

PÉ-NA-COVA  -  É isso mesmo! Mulhé só atrapalha!

DANIEL  -  (segurando-a pelo braço) Vai embora, Inês!

INÊS  -  (livrou-se de Daniel e colocou ambas as mãos nas cadeiras, em atitude de valentona) Tá bem! Eu vou, gente! Eu vou, porque já disse o que tinha de dizê!

JOGOU A ARMA COM RAIVA NO CAPINZAL QUE CIRCUNDAVA A CLAREIRA E SAIU A PASSOS ACELERADOS. BABY AGACHOU-SE E RECOLHEU O RIFLE, ALISANDO-LHE A CORONHA.

DEMOROU-SE UM POUCO ANTES DE VOLTAR A FALAR. PARECIA QUE ALGUMA COISA O ATORMENTAVA AGORA.

BABY  -  Talvez... ela tenha razão, turma! Talvez... eu esteja levando vocês para um caminho errado...

PÉ-NA-COVA  -  Ninguém tá levando ninguém, chefe. Nós sabemo o que tamo fazendo.

BABY  -  Vocês estão dispostos, mesmo que as consequências sejam as que ela acabou de dizer?

DANIEL  -  Mesmo assim.

BABY COMEÇOU A RELATAR O PLANO QUE TINHA ARQUITETADO DEMORADAMENTE.

BABY  -  Muito simples. A gente...

CORTA PARA:

CENA  2  -  PORTO AZUL  -  DELEGACIA  -  INTERIOR  -  DIA

CABO FARIA PEDIU LICENÇA AO DELEGADO, ENTROU NA PEQUENA E MAL MOBILIADA SALA E ENTREGOU O ENVELOPE PARDO AO CHEFE DO DESTACAMENTO.

CABO FARIA  -  E então, doutor? O que foi que o dentista revelou?

O DELEGADO MOREIRA PASSEOU OS OLHOS PELO PAPEL COM VAGAR, FRANZINDO A TESTA.

DELEGADO  -  Já tenho o resultado definitivo. Agora, não há mais dúvidas... aqui está o parecer do dentista!

CABO FARIA  -  (impacientava-se) O corpo é de Dona Júlia ou não é?

CORTA PARA:
JÚLIA (Ida Gomes)

CENA 3  -  APARTAMENTO DE CESÁRIO  -  QUARTO  -  INTERIOR  -  NOITE

CESÁRIO PREPARAVA-SE PARA DORMIR, ESTICANDO-SE POR SOBRE A COLCHA LIMPA E BEM PASSADA. SABIA QUE CLARA, SUA MÃE, TINHA IDO VISITAR UMA PARENTA NA CIDADE VIZINHA, MAS PODERIA CHEGAR A QUALQUER INSTANTE. OUVIU QUANDO A PORTA RANGEU NOS GONZOS E BATEU, COM RUÍDO, AO ENCAIXAR-SE DE VOLTA AOS UMBRAIS.

CESÁRIO  -  Mãe... você voltou?

COMO NINGUÉM RESPONDESSE, CESÁRIO LEVANTOU-SE, VESTIU UM ROUPÃO E SE ENCAMINHOU PARA A SALA. ESPANTOU-SE AO VERIFICAR QUE TODAS AS LUZES ESTAVAM APAGADAS NO INTERIOR DO APARTAMENTO. LEMBRAVA-SE DE TER DEIXADO ACESAS AS LUZES DA SALA E DO CORREDOR. JULGOU QUE A MÃE TIVESSE VOLTADO E ESTIVESSE NA COZINHA.

CESÁRIO  -  Mãe... trouxe o meu jantar?

DE UM CANTO DA SALA, ÀS ESCURAS, A VOZ RESPONDEU ÀS INTERROGAÇÕES DO HOMEM.

VOZ DE MULHER - (off) Não é sua mãe. Sou eu, meu amor! Não me esperava?

CESÁRIO ESTREMECEU E PROCUROU UM LUGAR ONDE PUDESSE SENTAR-SE. RECONHECERA A VOZ DA MULHER A QUEM MATARA.

ERA JÚLIA.

CESÁRIO TREMIA DA CABEÇA AOS PÉS, QUERENDO FUGIR À VISÃO DA MULHER.

CESÁRIO  -  Como... é que tu tá aqui... se acharo teu corpo, desgraçada? (berrou, histérico) Se acharo teu corpo no fundo da lagoa?

TENTOU ABRIR A PORTA E AFASTAR-SE DA CASA. A PORTA TINHA SIDO FECHADA À CHAVE E JÚLIA GARGALHAVA SINISTRAMENTE.

JÚLIA  -  Acharam mesmo? Eu vi quando me retiraram do fundo das águas. Tiraram o corpo arrasado. Coitada de mim!

CESÁRIO  -  (forçava a porta com os ombros) Abre essa porta! Abre essa porta! Não quero ver tua cara! Eu vou sumir daqui!

TENTOU FORÇAR OUTRA PORTA, LATERAL.

JÚLIA  -  Não adianta, está tudo trancado...

O BANDIDO DESESPERAVA-SE. A CABEÇA LHE PARECIA UM PEDAÇO DE PEDRA E OS MEMBROS NÃO ACUDIAM AO SEU CHAMAMENTO.

CESÁRIO  -  Abra aqui! Gente! Socorro! Me prenderam aqui! Socorro!

JÚLIA GARGALHAVA CADA VEZ COM MAIOR INTENSIDADE, ANTE O DESESPERO E A COVARDIA DO MARIDO.

CESÁRIO VOLTOU ARFANTE, AJOELHANDO-SE DIANTE DELA.

CESÁRIO  -  Julinha! Julinha! Tenha dó... de onde você tá, me deixa! Me deixa em paz! Eu num queria que tu morresse! Juro!

JÚLIA  -  Coitadinho! Não queria que eu morresse... mas só virou o barco pra me afogar! Não foi?

CESÁRIO  -  (desculpou-se, acovardado) Não tinha culpa se tu não sabia nadar!

JÚLIA  -  Pois é. Coitado! Não tem culpa de nada! Viu eu me afogar... sem levantar um dedo para me salvar! Não teve mesmo culpa de nada!

CESÁRIO  -  Eu não podia fazer nada, Júlia. Mas diga o que tu quer. Diga e eu te dou pra tu me deixá em paz, desgraçada!

O VULTO PERMANECIA ENVOLTO NA PENUMBRA DA SALA, QUEBRADA APENAS PELA RÉSTEA DE LUZ QUE CHEGAVA AO QUARTO DE CESÁRIO.

JÚLIA VOLTOU A FALAR, EMPRESTANDO À VOZ UMA RESSONÂNCIA FASTASMAGÓRICA. O HOMEM TREMIA.

JÚLIA  -  Eu quero sim, Cesário... quero que você me faça uma coisa... é uma coisa muito importante para mim. Uma coisa que eu desejo muito.

CESÁRIO  -  O quê? Diga que eu faço!

JÚLIA  -  Quero... um beijo! Um beijo igualzinho àqueles que você dava em Tula... não os que você dava em mim. Eram sempre fingidos... sem graça. Quero os que você dava em Tula... e depois quando obrigava Dona Ester, coitada! Aqueles sim, é que eram beijos! Pois eu quero ser beijada, assim!

CESÁRIO ENGOLIU EM SECO. COMO BEIJAR UMA MORTA?

CESÁRIO  -  Só... só isso? Só... um beijo? Mais nada?

JÚLIA  -  Só. Pra eu poder encontrar sossego. Paz. Eu não posso continuar com esse desejo frustrado. Você nunca mei beijou daquele jeito! Ah, é muito triste a gente vagar no espaço, desejando ser beijada!

CESÁRIO  -  (levantou-se) Tá bão, Júlia. Se é só o beijo mesmo...

A MULHER ABRIU OS BRAÇOS E SORRIU. LEMBRAVA UMA VESTAL PRONTA PARA O SACRIFÍCIO COM O VESTIDO BRANCO, DE MANGAS COMPRIDAS, ESVOAÇANTES. CESÁRIO A ENCAROU, APAVORADO.

TENTOU DAR UM PASSO, MAS NÃO MOVEU UM MÚSCULO DAS PERNAS.

CESÁRIO  -  (gritou, tenso) Não, eu não posso! Não posso, Julinha! Peça outra coisa... peça o que você quiser... velas, dúzias de velas, missas, orações... eu dou tudo. Faço todo o sacrifício, mas não aguento beijar um fantasma!

JÚLIA  -  Pois muito bem. Eu vou pedir outra coisa!

CESÁRIO  -  Pede! Pede pra acabar logo essa agonia! Eu num aguento mais, viu? Num aguento mesmo!

JÚLIA  -  Certo! Olhe pra mim. Eu vou te dizer o que quero. (a voz lhe saiu grave, pausada) Eu quero sua vida!

CESÁRIO  -  (sentiu a sala rodar) O quê?

JÚLIA  -  Sua vida! Nem mais, nem menos. Eu quero que você morra... como eu morri. Em pânico... em desespero... sem ter uma mão que me ajudasse a me salvar...

CESÁRIO  -  (conseguiu se dominar por um momento) Se tu é fantasma mesmo, é um fantasma doido, varrido! Porque eu não estou disposto a me matar por sua causa, não!

JÚLIA  -  Nem mesmo depois de saber que o delegado vem aí pra te prender? Depois do reconhecimento do meu corpo... vão pedir a tua prisão. Ou você não sabe que o Delegado Moreira tem provas que podem levá-lo ao xadrez? E testemunhas de que você queria que eu morresse? Você fez muito mal em me mandar assinar aqueles cheques em branco, meu amor. Sua intenção ficou bem clara. E o pedido de casamento a Dona Ester logo depois da minha morte? Tudo isso foram erros que você cometeu e que permitem ao delegado pedir sua prisão! Aliás... eles não vão demorar a chegar aqui... o dentista deu o laudo... levaram ao novo promotor... eu acho que você está mesmo perdido, Cesário...

CESÁRIO  -  Eu... eu vou fugir antes que eles apareçam!

JÚLIA  -  Pois fuja, meu amor! Fuja mesmo, viu?

CESÁRIO  -  Me dá a chave da minha porta!

JÚLIA  -  Eu não sei da sua chave!

CESÁRIO TENTOU ABRIR A PORTA. JÚLIA RIA DA IMPOTENCIA DO HOMEM. COMO UM LOUCO, O ASSASSINO ATIROU-SE DE OMBROS CONTRA A MADEIRA. A PORTA NÃO CEDEU UM MILÍMETRO. CESÁRIO OLHOU A JANELA.

JÚLIA  -  A não ser... que você tente escapar por aí... São só três andares... você pode ir pela marquise... alcançar o outro lado do prédio... talvez consiga descer... mas também, qualquer deslize... e você se esborracha lá embaixo!

JÚLIA RIA, GOSTOSAMENTE. CESÁRIO COMEÇOU A PULAR A JANELA, CUIDADOSAMENTE. OLHOU MAIS UMA VEZ PARA BAIXO. MEDIU O PERIGO. E RETESOU OS MÚSCULOS. TINHA DE ESCAPAR ANTES DA CHEGADA DOS POLICIAIS.

JÚLIA  -  Olhe o pezinho... cuidado... cuidadinho. (Júlia ria) É bem verdade que não é a morte que eu desejei para você. Queria que você também se afogasse no lago, como eu me afoguei. Mas, quem não tem cão, caça com gato! Você vai mesmo pela marquise até se quebrar todo, lá embaixo... Olhe a mãozinha... olhe, cuidado!

CESÁRIO PERCEBEU A INUTILIDADE DE SEUS ESFORÇOS. ERA HUMANAMENTE IMPOSSÍVEL COMPLETAR A OPERAÇÃO. TENTOU REGRESSAR À JANELA. COLOCOU A MÃO NO PARAPEITO, MAS JÚLIA APLICOU-LHE UMA PANCADA VIOLENTA NOS DEDOS, APROVEITANDO-SE DE UMA ESTATUETA DE BRONZE. CESÁRIO BERROU DE DOR E DESPENCOU-SE.

A QUEDA TINHA SIDO TERRÍVEL. O SANGUE LHE BANHAVA OS CABELOS ALOURADOS E A PERNA PARECIA QUEBRADA. TENTOU LEVANTAR-SE COM DIFICULDADE. PENSOU NO DELEGADO. E UMA ESTRANHA FORÇA LEVOU-O A MOVIMENTAR-SE COMO UM SACI. RODEOU O EDIFICIO PARA APROVEITAR-SE DA ESCURIDÃO DA NOITE.

FIM DO CAPÍTULO 105