quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 101

Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 101

Participam deste capítulo

Ester  -  Gloria Menezes
Cyro  -  Tarcisio Meira
Mestre Jonas  -  Gilberto Martinho
Otto  -  Jardel Filho
Paulus  -  Emiliano Queiroz
Cesário  -  Carlos Eduardo Dolabella
Coice de Mula  -  Dary Reis
Delegado  -  Vinicius Salvatori
Baby  -  Claudio Cavalcanti
Júlia  -  Ida Gomes


CENA 1  -  VALONGO  -  MINAS  -  EXTERIOR  -  DIA

DR. PAULUS GUARDAVA UMA PERCELA DE DÚVIDA. ALGUMA COISA NÃO CORRIA BEM EM TUDO AQUILO. E RESOLVEU PROCURAR CESÁRIO NAS MINAS DE VALONGO. O HOMEM COSTUMAVA APARECER POR LÁ.

O NOVO RICO FITOU-O COM ARROGÂNCIA, EXIBINDO OS ANÉIS DE PEDRAS PRECIOSAS NOS DEDOS GROSSOS.

CESÁRIO  -  Que é que há?

PAULUS  -  Você andou afirmando que Ester deu fuga ao Dr. Cyro, ontem à noite.

CESÁRIO  -  E deu mesmo, ué. Eu disse a verdade.

PAULUS  -  Ela nega veementemente.

CESÁRIO  -  Claro, não ia confirmar, né?

PAULUS  -  Venha cá. Isto não é despeito seu? Por que Ester não te dá confiança?

CESÁRIO  -  Eu, hem?! Ela pode lhe dizer que não me dá trela... mas as fotos provam o contrário.

PAULUS TREMIA DE ÓDIO. SEGUROU O RAPAZ PELA GOLA.

PAULUS  -  Olha aqui... falando nisso... eu quero as tais fotografias de Ester, senão mando você pra cadeia!

CESÁRIO  -  (gargalhou com ironia) Acho que a gente vai junto, Dr. Paulus!

PAULUS  -  (afrouxando o aperto da mão) Eu não sei o que você está dizendo.

CESÁRIO  -  Bem... o senhor não é nenhum santo!

PAULUS  -  Patife! Eu posso dizer à polícia que você estava premeditando a morte de Júlia, pois mandou que ela preenchesse cheques em branco, pensando que pudesse retirar o dinheiro dela após a morte!

CESÁRIO  -  Isso não prova nada. Tem gente que viu Júlia encher cheque em branco e dar pra mim gastar pra valer. O próprio Coice presenciou. E eu nunca pensei em matá ela.

PAULUS  -  Quanto você quer pelas fotos? Quanto, miserável?

CESÁRIO  -  Não há dinheiro que me pague aquilo. Já disse: quero casá com ela!

PAULUS  -  Seu filho...

PAULUS LEVANTOU O PUNHO PARA AGREDIR O INIMIGO. CESÁRIO ESQUIVOU-SE COM UM SALTO PARA TRÁS.

CESÁRIO  -  Cuidado comigo, Dr. Paulus! Não é às minhas custas que o senhô vai fazê bonito pra Dona Ester.

PAULUS  -  Ouve lá, bandido. Você me conhece! Se divulgar uma só daquelas fotos... eu acabo com tua vida!

CESÁRIO FICOU SÓ. ACENDEU UM CIGARRO E OLHOU PARA O CARRO DO ADVOGADO QUE ACABARA DE PARTIR. MAL PERCEBEU O GURI PRETINHO QUE SE APROXIMOU CAUTELOSO.

GURI  -  É seu Cesário?

CESÁRIO  -  Sou eu.

O MOLEQUE APONTOU PARA O OUTRO LADO DA RUA, POR DETRÁS DE ALGUMAS ÁRVORES FRONDOSAS.

GURI  -  Uma mulhé chamada Dona... Júlia, tá lhe chamando!

CESÁRIO  -  (empalideceu e o cigarro lhe caiu da mão) Onde?

GURI  -  Ali. Num carro perto da estrada!

CESÁRIO ESPIOU PARA O LOCAL ONDE O MENINO DIZIA ESTAR O AUTOMÓVEL. DE FATO, LÁ ESTAVA ELE. UM CONVERSÍVEL VERMELHO. E, DENTRO, JÚLIA! COM O MESMO CHAPÉU QUE USAVA QUANDO MORRERA AFOGADA. CESÁRIO COMEÇOU A ANDAR, AMEDRONTADO. A PASSOS MIÚDOS. A MULHER LHE SORRIU DO INTERIOR DO CARRO.

CESÁRIO  -  (berrou, horrorizado) Júlia! Júlia!

UMA FORÇA ESTRANHA PARALISOU OS PASSOS DO HOMEM. MEDO! PAVOR! CESÁRIO NÃO MOVIMENTAVA UM MÚSCULO, ENQUANTO JÚLIA LHE FAZIA SINAIS DO INTERIOR DO CONVERSÍVEL, SORRINDO SINISTRAMENTE.

TODO O CORPO DE CESÁRIO TREMIA, ENQUANTO O CARRO DESAPARECIA NUMA CURVA DO CAMINHO.


CENA 2  -  PORTO AZUL  -  PREFEITURA  -  GABINETE DE OTTO MULLER  -  INTERIOR  -  DIA

OTTO TORNOU A REUNIR O DELEGADO E SEUS HOMENS NO SEU GABINETE DE TRABALHO.

OTTO  -  Acabamos de obter informações certas. Cyro Valdez encontra-se novamente na Vila dos Pescadores. Hoje até deu consultas. Não é, Válter?

COICE DE MULA  -  (fez que sim com a cabeça e completou) É, chefe. Foi a notícia que um dos homens me trouxe. Vanda Vidal também está lá, com ele.

DELEGADO  -  Era de se supor.

OTTO  -  (coçando a careca) Bom, agora o senhor deve saber o que fazer para agarrá-lo.

DELEGADO  -  Sim. O senhor deve confiar em mim. Estou preparando uma batida na Vila... de surpresa. Deve imaginar que os companheiros dele devem estar preparados e prontos para defendê-lo.

OTTO  -  É por isso que lhe dou o prazo... que se esgota amanhã. Até lá ele pode voltar à cidade. Tem audácia suficiente para tanto.

CORTA PARA:

CENA 3  -  PORTO AZUL  -  CASA DE CESÁRIO  -  SALA  -  INTERIOR  -  NOITE

CESÁRIO ESPANTOU-SE ANTE A APARIÇÃO DE CYRO EM SUA CASA. O MÉDICO ESTAVA DISPOSTO A TUDO PARA RESOLVER O CASO DAS FOTOGRAFIAS.

CYRO  -  Quero as fotos de Ester, seu moleque!

CESÁRIO REAGIU ATIRANDO UMA CAIXA CONTRA O ANTAGONISTA. CYRO ABAIXOU-SE E DESFERIU UM SOCO NA CARA DO BANDIDO.

OS DOIS HOMENS ROLARAM NO CHÃO SUJO DA RESIDENCIA, ENQUANTO CESÁRIO PROCURAVA ALCANÇAR UMA ARMA QUALQUER. UM DIREITO BEM APLICADO TONTEOU O MINEIRO. CESÁRIO AMOLECEU. E CYRO TORNOU A BATER, MARTELANDO A CARA DO ADVERSÁRIO.

CYRO  -  Vamos, eu não quero te matar. Vamos, diga onde estão as fotos.

CESÁRIO LEVANTOU-SE, CAMBALEANTE, SOB OS OLHOS ATENTOS DO MÉDICO. ABRIU UM ARMÁRIO E RETIROU UM ENVELOPE. CYRO EXAMINOU, SEMPRE ATENTO AOS GESTOS DO OUTRO. CESÁRIO RESFOLEGAVA RUIDOSAMENTE. ALI ESTAVAM, NEGATIVOS E ORIGINAIS.

CYRO  -  Isso é tudo?

CESÁRIO  -  É. Agora veja se não me enche a paciência!

A TRANQUILIDADE DE ESTER ESTAVA GARANTIDA. RESTAVA AGORA ENVIAR-LHE AS FOTOS COMPROMETEDORAS.

CORTA PARA:

CENA 4  -  CASA DE ESTER  -  SALA  -  INTERIOR  -  DIA

ESTER ABRIU A PORTA E DEU DE CARA COM UM MENINO MALTRAPILHO, PELE ACINZENTADA, OLHINHOS VIVOS. O GAROTO, SEM DIZER PALAVRA, ENTREGOU-LHE UM ENVELOPE.

ESTER  -  Que é?

MENINO  -  Mandaro entregá à senhora.

ANTES QUE ESTER LHE PERGUNTASSE OUTRA COISA, O GURI DESAPARECEU. COM AR DE PREOCUPAÇÃO, ELA FECHOU A PORTA, RASGOU A BORDA DO ENVELOPE E RETIROU O BILHETE. ERA DE CYRO.

CYRO  -  (voz em off) “Você está livre da perseguição absurda do Cesário. Envio as fotos e os respectivos negativos para tranquilizá-la. Não se deixe dominar por mais ninguém. O próximo de quem pretendo livrá-la é do Dr. Paulus. Seu para sempre... Cyro”.

NERVOSAMENTE, ENTREABRIU O ENVELOPE E VIU, NO INTERIOR, UM OUTRO MENOR, VOLUMOSO. NÃO CONSEGUIU CONTROLAR OS NERVOS. SENTIU QUE PAULUS A OBSERVAVA INTRIGADO E SÓ PERCEBEU QUE O ADVOGADO ESTAVA DE POSSE DO ENVELOPE QUANDO A VOZ ENJOADA RONCOU, NUM ÍMPETO, ÀS SUAS COSTAS.

PAULUS  -  Muito bem! Isso prova tudo! Ele esteve aqui, Cesário não mentiu! Ele esteve e você o protegeu! Em pagamento ele conseguiu retirar as fotos do Cesário!

NUM MOVIMENTO RÁPIDO, ESTER ARRANCOU-LHE O ENVELOPE DAS MÃOS E RASGOU-O. APANHOU A CAIXA DE FÓSFOROS JUNTO AO MAÇO DE CIGARROS E QUEIMOU OS NEGATIVOS, UM A UM.

PAULUS  -  Mas... onde nós estamos, Ester? Tudo voltou de novo entre você e ele! Você perdeu totalmente o brio, a dignidade! Voltou a se deixar dominar por esse homem...

ESTER  -  Cale a boca!

PAULUS  -  Se está pensando em voltar para Cyro, prova que esqueceu Ivanzinho. Esqueceu que seu filho morreu do tiro que  devia matar aquele cão. Você já se esqueceu disso também? Já se esqueceu de tudo, Ester?

ESTER  -  Não seja louco! Não admito que me fale assim!

PAULUS  -  (aos berros) Este homem é a sua perdição! Você perdeu a cabeça, a vergonha!

ESTER EXPLODIU, COM AS MÃOS ENTRE OS CABELOS, VIZUALIZANDO A IMAGEM DO FILHO MORTO.

ESTER  -  Pare, Paulus! Pare! Eu nunca mais quero ver Cyro! Devo confessar que cometi uma fraqueza. Mas nunca mais quero vê-lo! Você tem de me ajudar, Paulus!

PAULUS  -  Ajudo! Ajudo, sim! Mas só depois de vê-lo na cadeia!

A PASSOS APRESSADOS, O ADVOGADO CRUZOU A SALA, ABRIU A PORTA E SAIU ENFURECIDO.

CORTA PARA:

CENA 5  -  CASA DE CESÁRIO  -  EXTERIOR  -  NOITE

OS HOMENS MOVIMENTARAM-SE COM RAPIDEZ, ENVOLVERAM A RESIDENCIA DE CESÁRIO E, A UM GESTO DO ADVOGADO, FORÇARAM PORTAS E JANELAS.

DELEGADO  -  Saia daí, Cyro Valdez! Ou morre, agora!

ANTE O SILENCIO, OS POLICIAIS COMEÇARAM A ATIRAR.

CINCO MINUTOS DEPOIS, A CASA TINHA O ASPECTO DE UMA FORTALEZA BOMBARDEADA. AOS GRITOS DE “PEGAMOS”, O GRUPO INVADIU A RESIDENCIA.

NEM CYRO, NEM CESÁRIO LÁ SE ENCONTRAVAM.

MAS ALGO DE SÉRIO TINHA ACONTECIDO COM O MÉDICO, NOS PRIMEIROS LANCES DA LUTA. CYRO SE FERIRA COM ALGUMA GRAVIDADE.

XXX

OTTO ESPUMAVA DE RAIVA E AMEAÇAVA DESABAR O MUNDO. MAIS UMA VEZ SEUS HOMENS HAVIAM FALHADO NA TENTATIVA DE PRENDER O RIVAL. O SONHO DE VER CYRO NO XADREZ TORNARA-SE UMA OBSESSÃO PARA O PREFEITO.

E AS BATIDAS PROSSEGUIAM INTERMINÁVEIS, COM HOMENS ARMADOS ATÉ OS DENTES VASCULHANDO PORTO AZUL E AS CIDADES PRÓXIMAS. O ÓDIO DE OTTO SOMADOS AOS DESEJOS HOMICIDAS DE PAULUS TRANSFORMARAM A REGIÃO NUMA ALAGOAS DO SUL. A VIDA VALIA MUITO POUCO PARA QUEM NÃO FOSSE PARTIDÁRIO DOS PROPÓSITOS DO PREFEITO E SEU BANDO.

CORTA PARA:

CENA 6  -  PORTO AZUL  -  RUA  -  EXTERIOR  -  NOITE

ERA NOITE, QUANDO CYRO, APROVEITANDO-SE DAS SOMBRAS E APOIADO NUMA BENGALA, APROXIMOU-SE DAS CASAS DA VILA LIBERATO. VINHA LADEADO POR BABY E JONAS. NUM INSTANTE OS MORADORES SE AGRUPARAM NA PEQUENA PRAÇA QUE O MATO JÁ TRANSFORMARA EM UM RECANTO PERIGOSO, À NOITE.

CYRO  -  (ergueu a voz, para que todos o ouvissem) Não queremos o sacrifício de ninguém... se não tem para onde ir, nós compreendemos     e    esperamos.     Mas     apelamos     para a compreensão de todos vocês... Os atuais donos destas residências precisam vir para cá.

OS HOMENS COCHICHARAM ENTRE SI.

MESTRE JONAS -  Ajudamo até a procurá casa procêis..

CYRO  -  Isso. Até ajudamos. Para eles é muito importante morar em suas próprias casas. Queremos que entendam... nossa pretensão não é prejudicar nenhum de vocês.

UM DOS HOMENS – O MAIS VELHO, PARECENDO LÍDER DO GRUPO – ADIANTOU-SE E APERTOU A MÃO DE CYRO, COM FIRMEZA. O COMPROMISSO PARECIA SELADO. PELO MENOS OS ENTENDIMENTOS TINHAM ALCANÇADO UM NÍVEL SATISFATÓRIO. NINGUÉM SE SENTIRA MAGOADO, NEM REAGIRA DIANTE DAS PONDERAÇÕES DO FUGITIVO.

FIM DO CAPÍTULO 101




domingo, 21 de dezembro de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 100


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 100

Participam deste capítulo

Ester  -  Gloria Menezes
Cyro  -  Tarcísio Meira
Otto  -  Jardel Filho
Paulus  -  Emiliano Queiroz
Cesário  -   Carlos Eduardo Dolabella
Delegado  -  Vinicius Salvatori
Baby  -  Claudio Cavalcanti
Inês  -  Betty Faria
Rosa  -  Ana Ariel
Válter / Coice de Mula  -  Dary Reis


CENA 1  -  CASA DE ESTER  -  EXTERIOR  -  NOITE

O DELEGADO MOREIRA ORIENTAVA OS SOLDADOS DO DESTACAMENTO.

DELEGADO  -  Rodeiem a casa! Cerquem tudo! Tenham cuidado! 
(em seguida, entrou na casa, olhos atentos) Doutora Ester!

ESTER  -  Que susto! Que foi isso, delegado?

DELEGADO  -  Desculpe incomodá-la a esta hora...

ESTER  -  O que houve? Estava me preparando para dormir!

DELEGADO  -  Onde está ele?

ESTER  -  Ele quem?

CESÁRIO  -  Ora, ela sabe bem do que o senhor está falando!

DELEGADO  -  Ele me procurou... disse que o Dr. Cyro estava aqui, com a senhora!

ESTER  -  Dr. Cyro?! Cesário está sonhando ou está bêbado! Dr. Cyro não apareceu por aqui. Ele não se atreveria a vir à minha casa, delegado!

CESÁRIO  -  (gritou) Ela tá mentindo! Eu vi! Vi com esses olhos que a terra há de comer!

ESTER CAMINHOU TRANQUILAMENTE POR SOBRE O GROSSO TAPETE DE LÃ E BEBEU UM GOLE DE UÍSQUE.

ESTER  -  Parece que o Senhor Cesário anda tendo visões estranhas, ultimamente. Ontem, estava bêbado e entrou aqui da mesma forma dizendo que eu estava escondendo Júlia.

DELEGADO  -  (encarou o homem com ar de poucos amigos) Que que há, seu Cesário?Dona Júlia não está morta?

ESTER  -  Estou mentindo, Cesário?

CESÁRIO  -  Bem... ontem... de fato... eu bebi demais e parece que andei tendo visão... mas hoje... hoje tô bem normal! Não botei uma gota de álcool na boca!

ESTER  -  Muito bem... se o senhor acredita mais nele do que em mim... pode verificar. Entre pra tirar a cisma, delegado.

DELEGADO  -  A senhora me desculpe, promotora, mas... pode ser que ele esteja escondido... sem que a senhora saiba.

CESÁRIO  -  Ela sabe!

DELEGADO  -  (fora de si) Cale a boca!

A UM SINAL, OS SOLDADOS INVADIRAM A CASA.

ESTER  -  Não me acordem Takau, por favor.

ESTER ACOMPANHOU O DELEGADO NA BUSCA PELO INTERIOR DA RESIDENCIA. ABRIU MEIA BANDA DA PORTA DO QUARTO; O DELEGADO OLHOU DISCRETAMENTE. TAKAU RESSONAVA À MEIA-LUZ AMBIENTE. CYRO COLOU-SE CONTRA A PAREDE, POR DETRÁS DA PORTA QUE LOGO FOI FECHADA PELO POLICIAL. UMA VEZ TERMINADA A BUSCA, RETORNARAM À SALA.

ESTER  -  (em tom irônico) Está satisfeito, agora? Verificou que não menti?

DELEGADO  -  (meio encabulado) Desculpe mais uma vez!

CORTA PARA:

CENA 2  -  CASA DE ESTER  -  QUARTO  -  INTERIOR  -  NOITE

ESTER APAGOU AS LUZES DA SALA E SE ENCAMINHOU PARA O QUARTO. TUDO ACONTECEU REPENTINAMENTE. O HOMEM AGARROU-A E COLOU A MÃO CONTRA SEUS LÁBIOS. ELA PERCEBEU NUM RELANCE DE QUEM SE TRATAVA E DEIXOU-SE BEIJAR ARDENTEMENTE POR AQUELES LÁBIOS QUE A DEVORAVAM. O MUNDO QUE SE DANASSE... PENSOU ESTER, ENQUANTO SE ENTREGAVA À FORÇA AMOROSA DE CYRO VALDEZ.

CORTA PARA:


CENA 3  -  PORTO AZUL  -  CASA DE BABY E INÊS  -  SALA  -  INTERIOR  -  DIA

BABY LIBERATO TINHA CIÚMES DA ESPOSA.

BABY  -  Não quero que saia de casa. E outra coisa: se sair, mude de roupa, não ande por aí assim, nessa indecência.

INÊS  -  (sorriu, sentando-se no colo do marido) Desde quando você virou moralista de roupa?

BABY  -  Não interessa, tá? Não quero que se exiba!

INÊS  -  Nunca ligou pra isso. Agora mudou, é?

BABY  -  Bom, não diga mais nada. Acho que você já entendeu que eu não quero que a mãe do meu filho apareça como qualquer garotinha de 15 anos, livrezinha e solta.

INÊS  -  Não tenho 15 anos, bobo! Tenho 22. Não sou solta, mas sou livrezinha porque meu maridinho não gosta de mim.

BABY  -  Chega, Inês! (pegou nas mãos da mulher) Não sabe por que faço isso?

INÊS  -  Já sei. Porque não quer que a mãe do teu filho...

BABY  -  ... e também porque te amo, boboca! Porque te amo paca! Vidradão por ti!

INÊS AMOLECEU NO COLO DO MARIDO.

BABY  -  Descobri de repente. Eu te amo, Inês!

INÊS  -  Como é que eu posso acreditar nisso?

BABY  -  Acreditando, ora!

INÊS  -  (falou, ressentida) Você disse a mesma coisa pra Tula. Como, de um momento pro outro, descobriu que ama duas mulheres ao mesmo tempo?

BABY  -  Eu também não sei explicar, pomba! O fato é que estou maluco por você! O que é que eu faço, Inês? Me ajude! Faça alguma coisa por mim!

INÊS  -  (cruzou os braços, zangada) Sabe que você me deixa tonta?

BABY  -  Inês, eu descobri de repente! Foi como num estalo! Estava dormindo, aqui no chão... quando abri os olhos... me deu o estalo! Eu disse: gosto mesmo é da minha mulher! O que é que estou fazendo que não descobri isto antes? Uma mulher bacana às pampas... uma mulherzinha adorável que levou uma culpa pesada nas costas, só pra que eu... não tivesse o maior desgosto da minha vida... essa mulher maravilhosa que me deu um filho que é uma beleza... Aí eu pensei: mas até ontem eu gostava de  Tula... Tula também foi bacana. Me levou conforto na prisão... não posso me queixar. E botei as duas na balança, assim (fez um gesto característico) Bem medidas, as duas... o peso igual... perguntei pra mim mesmo: vamos, de quem é que eu gosto, no duro? Da Inês, anjo puro que se sacrificou por mim! Ou de Tula... que me levou amor na hora da dificuldade, também? Você é esta... Tula é deste lado.

BABY FINGIU OLHAR UMA BALANÇA IMAGINÁRIA ANTE OS OLHOS LACRIMOSOS DA ESPOSA.

BABY  -  Tula me deu afeto, carinho... quando eu estava desorientado (baixou mais a balança para o lado de Tula) Ninguém pode negar suas qualidades... nem levar a mal um sentimento puro que houve entre nós... Mas Inês...

AS MÃOS DE BABY SE EQUILIBRARAM E AOS POUCOS A BALANÇA IMAGINÁRIA COMEÇOU A PENDER PARA O LADO DE INÊS.

BABY  -  Inês não me levou conforto na prisão porque eu não a recebia... Inês guardou um segredo horrível da minha vida, para não me dar desgosto... sofrendo pra burro. Inês me ama... Inês é humana, é boa... e acima de tudo... Inês é minha mulher... só minha. E eu descobri! Tive vontade de pular e gritar! Eu amo Inês! Eu amo Inês, gente! Eu amo Inês!

ERA TUDO.

OS LÁBIOS  DOS DOIS UNIRAM-SE ARDENTEMENTE. ALGUMA COISA MUITO SUPERIOR AO PRAZER FÍSICO TOMOU POR COMPLETO OS CORPOS ENTRELAÇADOS.

DONA ROSA PIGARREOU TRÊS VEZES ANTES QUE O CASAL NOTASSE SUA PRESENÇA.

ROSA  -  (dirigiu-se ao genro, com a cara fechada) Aquele home, doutô advogado, tá aí querendo falá contigo. É assunto lá das propriedade de Porto Azul.

INÊS PULOU DO COLO, LÉPIDA. SAIU COM A MÃE.

CORTA PARA:

CENA 4  -  CASA DE BABY E INÊS  -  COZINHA  -  INTERIOR  -  DIA

COM AS MÃOS EM CONCHA, EQUILIBRADAS, INÊS IMITAVA OS GESTOS DO MARIDO.

ROSA  -  Tá doida? Que história é essa de balança?

INÊS  -  Ah, mãe! A balança que fez ele descobri que gosta de mim! Mais do que da Tula.

ROSA  -  E tu, bobona, tá acreditando nisso?

INÊS  -  Mãe... tô entregando os ponto. Num guento mais!

ROSA  -  Mas vai guentá! Ah, vai! Home que faz o que ele fez tem que levá uma lição bem grande!

INÊS  -  Mãe, (disse, penalizada) ele tá cheio de dor pelo corpo... de dormi no chão!

ROSA  -  Mas vai continuar dormindo!

INÊS  -  Ele confessou que tá apaixonado por mim!

ROSA  -  Mentira! Teu pai que nem sempre foi esse santo home que é hoje, na idade do teu marido também fazia assim! Eu caía na lábia dele e ele depois ficava com as duas! Eu e a outra! Home é bicho sabido! Abre o olho, ele tá te tapeando! Não pode tê deixado de gostá da outra, de repente! Tu num entrega os ponto! Num entrega! Ou eu num olho mais pra tua cara e num te ajudo mais! Banca a durona! A firmona!

CORTA PARA:

CENA 5  -  PORTO AZUL  -  PREFEITURA  -  INTERIOR  -  DIA

ESTER SENTOU-SE NO SOFÁ.

ESTER  -  Você mandou me chamar, Otto?

OTTO  -  Mandei.

PAULUS  -  Mandou chamar a mim também, Ester. Eu não sei o que está acontecendo.

OTTO  -  (passeando de um lado para o outro) Doutora Ester Keller... a noite passada a senhora escondeu um fugitivo da justiça. Que explicações nos dá para isso?

ESTER  -  (mentiu) Nenhuma... pois eu não sei do que está falando.

OTTO  -  Falo do Dr. Cyro Valdez!

PAULUS  -  Que bobagem é essa, Otto?

OTTO  -  Falo desse médico que anda às soltas pela cidade, como um cidadão livre, escondendo-se na casa da nossa promotora.

ESTER  -  Ou você está sonhando ou a pessoa que lhe contou esta infâmia deve estar louca. Eu sei de quem se trata. Com certeza foi Cesário quem veio lhe encher os ouvidos.

OTTO  -  Sim. Foi Cesário. Ele me disse que você escondeu Cyro Valdez em sua própria casa. A polícia esteve lá e não o encontrou mais.

ESTER  -  A polícia de fato esteve lá em casa. Aliás, eu vou apresentar queixa porque não admito que vasculhem minha casa como se eu não fosse uma autoridade aqui. Afinal de contas, se pedi a prisão de Cyro Valdez não iria protegê-lo da polícia.

PAULUS  -  (pulou satisfeito) Claro! Isso mesmo é que eu ia dizer. Ester pediu a prisão dele, porque acreditou nas provas. Não iria agora contradizer o que fez! Lógico!

ESTER  -  Você não pensou que pode ter sido invenção de Cesário? Ou mesmo uma cisma de sua mente, uma falsa visão? Sabe que ele tem visto Júlia todos os dias? E ela está morta! Disse ao delegado! Todo dia ele pensa ver Júlia em algum canto da cidade.

COICE DE MULA  -  (confirmou) É verdade. Ele anda impressionado. Diz que vê Dona Júlia a toda hora.

PAULUS  -  Então ele está ficando louco!

ESTER  -  Não sei se é o caso. Deve estar com a mente enfraquecida. Vê coisas que não existem! Ontem cismou que viu Dr. Cyro entrar na minha casa.

OTTO  -  Pois bem. Eu prefiro acreditar que Cesário está ficando louco... do que imaginar você, Ester, protegendo aquele criminoso. Vou lhe dar um voto de confiança. Mas vou mandar espalhar policiais disfarçados pelos quatro cantos de Porto Azul e imediações. Se ele aparecer, será capturado. Válter... leve esse bilhete ao delegado Moreira.

FIM DO CAPÍTULO 100