quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 101

Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 101

Participam deste capítulo

Ester  -  Gloria Menezes
Cyro  -  Tarcisio Meira
Mestre Jonas  -  Gilberto Martinho
Otto  -  Jardel Filho
Paulus  -  Emiliano Queiroz
Cesário  -  Carlos Eduardo Dolabella
Coice de Mula  -  Dary Reis
Delegado  -  Vinicius Salvatori
Baby  -  Claudio Cavalcanti
Júlia  -  Ida Gomes


CENA 1  -  VALONGO  -  MINAS  -  EXTERIOR  -  DIA

DR. PAULUS GUARDAVA UMA PERCELA DE DÚVIDA. ALGUMA COISA NÃO CORRIA BEM EM TUDO AQUILO. E RESOLVEU PROCURAR CESÁRIO NAS MINAS DE VALONGO. O HOMEM COSTUMAVA APARECER POR LÁ.

O NOVO RICO FITOU-O COM ARROGÂNCIA, EXIBINDO OS ANÉIS DE PEDRAS PRECIOSAS NOS DEDOS GROSSOS.

CESÁRIO  -  Que é que há?

PAULUS  -  Você andou afirmando que Ester deu fuga ao Dr. Cyro, ontem à noite.

CESÁRIO  -  E deu mesmo, ué. Eu disse a verdade.

PAULUS  -  Ela nega veementemente.

CESÁRIO  -  Claro, não ia confirmar, né?

PAULUS  -  Venha cá. Isto não é despeito seu? Por que Ester não te dá confiança?

CESÁRIO  -  Eu, hem?! Ela pode lhe dizer que não me dá trela... mas as fotos provam o contrário.

PAULUS TREMIA DE ÓDIO. SEGUROU O RAPAZ PELA GOLA.

PAULUS  -  Olha aqui... falando nisso... eu quero as tais fotografias de Ester, senão mando você pra cadeia!

CESÁRIO  -  (gargalhou com ironia) Acho que a gente vai junto, Dr. Paulus!

PAULUS  -  (afrouxando o aperto da mão) Eu não sei o que você está dizendo.

CESÁRIO  -  Bem... o senhor não é nenhum santo!

PAULUS  -  Patife! Eu posso dizer à polícia que você estava premeditando a morte de Júlia, pois mandou que ela preenchesse cheques em branco, pensando que pudesse retirar o dinheiro dela após a morte!

CESÁRIO  -  Isso não prova nada. Tem gente que viu Júlia encher cheque em branco e dar pra mim gastar pra valer. O próprio Coice presenciou. E eu nunca pensei em matá ela.

PAULUS  -  Quanto você quer pelas fotos? Quanto, miserável?

CESÁRIO  -  Não há dinheiro que me pague aquilo. Já disse: quero casá com ela!

PAULUS  -  Seu filho...

PAULUS LEVANTOU O PUNHO PARA AGREDIR O INIMIGO. CESÁRIO ESQUIVOU-SE COM UM SALTO PARA TRÁS.

CESÁRIO  -  Cuidado comigo, Dr. Paulus! Não é às minhas custas que o senhô vai fazê bonito pra Dona Ester.

PAULUS  -  Ouve lá, bandido. Você me conhece! Se divulgar uma só daquelas fotos... eu acabo com tua vida!

CESÁRIO FICOU SÓ. ACENDEU UM CIGARRO E OLHOU PARA O CARRO DO ADVOGADO QUE ACABARA DE PARTIR. MAL PERCEBEU O GURI PRETINHO QUE SE APROXIMOU CAUTELOSO.

GURI  -  É seu Cesário?

CESÁRIO  -  Sou eu.

O MOLEQUE APONTOU PARA O OUTRO LADO DA RUA, POR DETRÁS DE ALGUMAS ÁRVORES FRONDOSAS.

GURI  -  Uma mulhé chamada Dona... Júlia, tá lhe chamando!

CESÁRIO  -  (empalideceu e o cigarro lhe caiu da mão) Onde?

GURI  -  Ali. Num carro perto da estrada!

CESÁRIO ESPIOU PARA O LOCAL ONDE O MENINO DIZIA ESTAR O AUTOMÓVEL. DE FATO, LÁ ESTAVA ELE. UM CONVERSÍVEL VERMELHO. E, DENTRO, JÚLIA! COM O MESMO CHAPÉU QUE USAVA QUANDO MORRERA AFOGADA. CESÁRIO COMEÇOU A ANDAR, AMEDRONTADO. A PASSOS MIÚDOS. A MULHER LHE SORRIU DO INTERIOR DO CARRO.

CESÁRIO  -  (berrou, horrorizado) Júlia! Júlia!

UMA FORÇA ESTRANHA PARALISOU OS PASSOS DO HOMEM. MEDO! PAVOR! CESÁRIO NÃO MOVIMENTAVA UM MÚSCULO, ENQUANTO JÚLIA LHE FAZIA SINAIS DO INTERIOR DO CONVERSÍVEL, SORRINDO SINISTRAMENTE.

TODO O CORPO DE CESÁRIO TREMIA, ENQUANTO O CARRO DESAPARECIA NUMA CURVA DO CAMINHO.


CENA 2  -  PORTO AZUL  -  PREFEITURA  -  GABINETE DE OTTO MULLER  -  INTERIOR  -  DIA

OTTO TORNOU A REUNIR O DELEGADO E SEUS HOMENS NO SEU GABINETE DE TRABALHO.

OTTO  -  Acabamos de obter informações certas. Cyro Valdez encontra-se novamente na Vila dos Pescadores. Hoje até deu consultas. Não é, Válter?

COICE DE MULA  -  (fez que sim com a cabeça e completou) É, chefe. Foi a notícia que um dos homens me trouxe. Vanda Vidal também está lá, com ele.

DELEGADO  -  Era de se supor.

OTTO  -  (coçando a careca) Bom, agora o senhor deve saber o que fazer para agarrá-lo.

DELEGADO  -  Sim. O senhor deve confiar em mim. Estou preparando uma batida na Vila... de surpresa. Deve imaginar que os companheiros dele devem estar preparados e prontos para defendê-lo.

OTTO  -  É por isso que lhe dou o prazo... que se esgota amanhã. Até lá ele pode voltar à cidade. Tem audácia suficiente para tanto.

CORTA PARA:

CENA 3  -  PORTO AZUL  -  CASA DE CESÁRIO  -  SALA  -  INTERIOR  -  NOITE

CESÁRIO ESPANTOU-SE ANTE A APARIÇÃO DE CYRO EM SUA CASA. O MÉDICO ESTAVA DISPOSTO A TUDO PARA RESOLVER O CASO DAS FOTOGRAFIAS.

CYRO  -  Quero as fotos de Ester, seu moleque!

CESÁRIO REAGIU ATIRANDO UMA CAIXA CONTRA O ANTAGONISTA. CYRO ABAIXOU-SE E DESFERIU UM SOCO NA CARA DO BANDIDO.

OS DOIS HOMENS ROLARAM NO CHÃO SUJO DA RESIDENCIA, ENQUANTO CESÁRIO PROCURAVA ALCANÇAR UMA ARMA QUALQUER. UM DIREITO BEM APLICADO TONTEOU O MINEIRO. CESÁRIO AMOLECEU. E CYRO TORNOU A BATER, MARTELANDO A CARA DO ADVERSÁRIO.

CYRO  -  Vamos, eu não quero te matar. Vamos, diga onde estão as fotos.

CESÁRIO LEVANTOU-SE, CAMBALEANTE, SOB OS OLHOS ATENTOS DO MÉDICO. ABRIU UM ARMÁRIO E RETIROU UM ENVELOPE. CYRO EXAMINOU, SEMPRE ATENTO AOS GESTOS DO OUTRO. CESÁRIO RESFOLEGAVA RUIDOSAMENTE. ALI ESTAVAM, NEGATIVOS E ORIGINAIS.

CYRO  -  Isso é tudo?

CESÁRIO  -  É. Agora veja se não me enche a paciência!

A TRANQUILIDADE DE ESTER ESTAVA GARANTIDA. RESTAVA AGORA ENVIAR-LHE AS FOTOS COMPROMETEDORAS.

CORTA PARA:

CENA 4  -  CASA DE ESTER  -  SALA  -  INTERIOR  -  DIA

ESTER ABRIU A PORTA E DEU DE CARA COM UM MENINO MALTRAPILHO, PELE ACINZENTADA, OLHINHOS VIVOS. O GAROTO, SEM DIZER PALAVRA, ENTREGOU-LHE UM ENVELOPE.

ESTER  -  Que é?

MENINO  -  Mandaro entregá à senhora.

ANTES QUE ESTER LHE PERGUNTASSE OUTRA COISA, O GURI DESAPARECEU. COM AR DE PREOCUPAÇÃO, ELA FECHOU A PORTA, RASGOU A BORDA DO ENVELOPE E RETIROU O BILHETE. ERA DE CYRO.

CYRO  -  (voz em off) “Você está livre da perseguição absurda do Cesário. Envio as fotos e os respectivos negativos para tranquilizá-la. Não se deixe dominar por mais ninguém. O próximo de quem pretendo livrá-la é do Dr. Paulus. Seu para sempre... Cyro”.

NERVOSAMENTE, ENTREABRIU O ENVELOPE E VIU, NO INTERIOR, UM OUTRO MENOR, VOLUMOSO. NÃO CONSEGUIU CONTROLAR OS NERVOS. SENTIU QUE PAULUS A OBSERVAVA INTRIGADO E SÓ PERCEBEU QUE O ADVOGADO ESTAVA DE POSSE DO ENVELOPE QUANDO A VOZ ENJOADA RONCOU, NUM ÍMPETO, ÀS SUAS COSTAS.

PAULUS  -  Muito bem! Isso prova tudo! Ele esteve aqui, Cesário não mentiu! Ele esteve e você o protegeu! Em pagamento ele conseguiu retirar as fotos do Cesário!

NUM MOVIMENTO RÁPIDO, ESTER ARRANCOU-LHE O ENVELOPE DAS MÃOS E RASGOU-O. APANHOU A CAIXA DE FÓSFOROS JUNTO AO MAÇO DE CIGARROS E QUEIMOU OS NEGATIVOS, UM A UM.

PAULUS  -  Mas... onde nós estamos, Ester? Tudo voltou de novo entre você e ele! Você perdeu totalmente o brio, a dignidade! Voltou a se deixar dominar por esse homem...

ESTER  -  Cale a boca!

PAULUS  -  Se está pensando em voltar para Cyro, prova que esqueceu Ivanzinho. Esqueceu que seu filho morreu do tiro que  devia matar aquele cão. Você já se esqueceu disso também? Já se esqueceu de tudo, Ester?

ESTER  -  Não seja louco! Não admito que me fale assim!

PAULUS  -  (aos berros) Este homem é a sua perdição! Você perdeu a cabeça, a vergonha!

ESTER EXPLODIU, COM AS MÃOS ENTRE OS CABELOS, VIZUALIZANDO A IMAGEM DO FILHO MORTO.

ESTER  -  Pare, Paulus! Pare! Eu nunca mais quero ver Cyro! Devo confessar que cometi uma fraqueza. Mas nunca mais quero vê-lo! Você tem de me ajudar, Paulus!

PAULUS  -  Ajudo! Ajudo, sim! Mas só depois de vê-lo na cadeia!

A PASSOS APRESSADOS, O ADVOGADO CRUZOU A SALA, ABRIU A PORTA E SAIU ENFURECIDO.

CORTA PARA:

CENA 5  -  CASA DE CESÁRIO  -  EXTERIOR  -  NOITE

OS HOMENS MOVIMENTARAM-SE COM RAPIDEZ, ENVOLVERAM A RESIDENCIA DE CESÁRIO E, A UM GESTO DO ADVOGADO, FORÇARAM PORTAS E JANELAS.

DELEGADO  -  Saia daí, Cyro Valdez! Ou morre, agora!

ANTE O SILENCIO, OS POLICIAIS COMEÇARAM A ATIRAR.

CINCO MINUTOS DEPOIS, A CASA TINHA O ASPECTO DE UMA FORTALEZA BOMBARDEADA. AOS GRITOS DE “PEGAMOS”, O GRUPO INVADIU A RESIDENCIA.

NEM CYRO, NEM CESÁRIO LÁ SE ENCONTRAVAM.

MAS ALGO DE SÉRIO TINHA ACONTECIDO COM O MÉDICO, NOS PRIMEIROS LANCES DA LUTA. CYRO SE FERIRA COM ALGUMA GRAVIDADE.

XXX

OTTO ESPUMAVA DE RAIVA E AMEAÇAVA DESABAR O MUNDO. MAIS UMA VEZ SEUS HOMENS HAVIAM FALHADO NA TENTATIVA DE PRENDER O RIVAL. O SONHO DE VER CYRO NO XADREZ TORNARA-SE UMA OBSESSÃO PARA O PREFEITO.

E AS BATIDAS PROSSEGUIAM INTERMINÁVEIS, COM HOMENS ARMADOS ATÉ OS DENTES VASCULHANDO PORTO AZUL E AS CIDADES PRÓXIMAS. O ÓDIO DE OTTO SOMADOS AOS DESEJOS HOMICIDAS DE PAULUS TRANSFORMARAM A REGIÃO NUMA ALAGOAS DO SUL. A VIDA VALIA MUITO POUCO PARA QUEM NÃO FOSSE PARTIDÁRIO DOS PROPÓSITOS DO PREFEITO E SEU BANDO.

CORTA PARA:

CENA 6  -  PORTO AZUL  -  RUA  -  EXTERIOR  -  NOITE

ERA NOITE, QUANDO CYRO, APROVEITANDO-SE DAS SOMBRAS E APOIADO NUMA BENGALA, APROXIMOU-SE DAS CASAS DA VILA LIBERATO. VINHA LADEADO POR BABY E JONAS. NUM INSTANTE OS MORADORES SE AGRUPARAM NA PEQUENA PRAÇA QUE O MATO JÁ TRANSFORMARA EM UM RECANTO PERIGOSO, À NOITE.

CYRO  -  (ergueu a voz, para que todos o ouvissem) Não queremos o sacrifício de ninguém... se não tem para onde ir, nós compreendemos     e    esperamos.     Mas     apelamos     para a compreensão de todos vocês... Os atuais donos destas residências precisam vir para cá.

OS HOMENS COCHICHARAM ENTRE SI.

MESTRE JONAS -  Ajudamo até a procurá casa procêis..

CYRO  -  Isso. Até ajudamos. Para eles é muito importante morar em suas próprias casas. Queremos que entendam... nossa pretensão não é prejudicar nenhum de vocês.

UM DOS HOMENS – O MAIS VELHO, PARECENDO LÍDER DO GRUPO – ADIANTOU-SE E APERTOU A MÃO DE CYRO, COM FIRMEZA. O COMPROMISSO PARECIA SELADO. PELO MENOS OS ENTENDIMENTOS TINHAM ALCANÇADO UM NÍVEL SATISFATÓRIO. NINGUÉM SE SENTIRA MAGOADO, NEM REAGIRA DIANTE DAS PONDERAÇÕES DO FUGITIVO.

FIM DO CAPÍTULO 101




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