segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 97


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 97

Participam deste capítulo

Cyro  -  Tarcísio Meira
Ester  -  Gloria Menezes
Baby  -  Claudio Cavalcanti
Otto  -  Jardel Filho
Paulus  -  Emiliano Queiroz
Mestre Jonas  -  Gilberto Martinho
Von Muller  -  Jorge Cherques
Delegado  -  Vinicius Salvatori
Daniel  -  Paulo Araújo
Pedrão  -  Waldir Onofre
Pé-na-Cova  -  Antonio Pitanga
Coice de Mula  -  Dary Reis
Tavares

CENA 1  -  PORTO AZUL  -  DELEGACIA  -  INTERIOR  -  DIA

O VELHO VON MULLER ARRISCAVA-SE COMPARECENDO À DELEGACIA POLICIAL, MAS PREFERIA ISSO A TER DE DEIXAR ESCAPAR A OPORTUNIDADE DE SE VINGAR DE CYRO VALDEZ. ELE MESMO APRESENTOU A QUEIXA. ACHAVA TAVARES “MEIO BOÇAL PARA SE IMPOR PERANTE OS REPRESENTANTES DA LEI”.

O DELEGADO OUVIA O PORTUGUÊS ARRASTADO DO CRIMINOSO DE GUERRA FORAGIDO.

VON MULLER  -  ... foi me procurrar... a mulher morreu no hospital... ele ficou forra de si. Acho que o caso é mais parra o senhor, delegado.

DELEGADO  -  (encarou a dupla com azedume) Mas... o que tem a ver o Dr. Cyro Valdez com essa morte? Um médico não pode sempre acertar com um diagnóstico. Se a mulher morreu, ele não pode ser acusado de crime.

TAVARES  -  O que aconteceu com ela foi crime, dotô. Por favor, procure entender... como foi... que ela morreu.

O DELEGADO OLHOU INTRIGADO PARA O HOMEM. DISCOU UM NÚMERO E PÔS O FONE AO OUVIDO.

DELEGADO  -  (ao biscateiro) Foi no hospital aqui de Porto Azul? A que horas?

TAVARES  -  Por volta das 8.

ALGUÉM ATENDEU DO LADO DE LÁ DA LINHA.

DELEGADO  -  Do hospital? Aqui é o Delegado Moreira. Quero falar com o médico responsável pelo caso da senhora...

TAVARES  -  (completou) Zélia. Zélia Tavares.

DELEGADO  -  Zélia Tavares. Falecida hoje, aí, às 8 horas. Obrigado, eu espero!

VON MULLER E O ASSECLA OLHARAM-SE, VITORIOSAMENTE. CYRO CAÍRA NUMA ARMADILHA.

CORTA PARA:

CENA 2  -  FLORIANÓPOLIS  -  CASA DE ESTER  -  SALA  -  INTERIOR  -  DIA

PAULUS ENTROU CASA ADENTRO, EXPLODINDO DE ALEGRIA.

PAULUS  -  Ester! Ester!

ABRIU O JORNAL DIANTE DOS OLHOS DA NOIVA.

ESTER  -  Que é?

PAULUS  -  Veja que escândalo!

ESTER  -  Escândalo?

PAULUS  -  É caso para você, senhora promotora. Faça o favor de ver.

ESTER ESTICOU O JORNAL SOBRE A MESA.

ESTER  -  Dr. Cyro Valdez acusado de ser o responsável pela morte de Zélia Tavares... morta criminosamente. Aborto! Mas como? Como pode ser isto?

PAULUS  -  Pois é. Aí tem a resposta para as palavras enigmáticas de Otto Muller ontem á noite. Quem foi que disse que Cyro Valdez era infalível?

ESTER  -  Isto só pode ser mentira, Paulus! Cyro... é um grande médico. Jamais cometeria um erro grave como este. Ele luta por uma vida até mesmo pondo em risco sua própria existência... um amor, até. Deu a vida a Otto, contra a minha vontade. E só tem feito boas ações, desde que chegou aqui. Acho difícil que ele tenha cometido um crime desses.

CORTA PARA:

CENA 3  -  PORTO AZUL  -  DELEGACIA  -  INTERIOR  -  DIA

O DEVER ACIMA DE TUDO. E ESTER SE OBRIGAVA A ESCLARECER DE VEZ A OCORRÊNCIA. TINHA DE OUVIR DEPOIMENTOS, DECLARAÇÕES, PARA ENTÃO TOMAR UMA DECISÃO FINAL.

FITAVA O MARIDO DA FALECIDA, CABISBAIXO, JOGADO A UM CANTO DA DELEGACIA.

ESTER  -  (ordenou ao delegado) Mande chamar Mestre Jonas.

DELEGADO  -  Já mandei, doutora. Cabo Faria foi buscá-lo. Não vai demorar...

MINUTOS DEPOIS, O PESCADOR CHEGAVA, ACOMPANHADO PELO “PRAÇA”. DANIEL SEGURAVA O BRAÇO DO PAI.

CABO FARIA  -  (empurrando o pescador com brutalidade) Aí está ele!

MESTRE JONAS  -  Bom dia. Bom dia, Dona Ester!

ESTER RECEBEU PAI E FILHO COM BOAS MANEIRAS, APERTANDO-LHES AS MÃOS CALEJADAS.

MESTRE JONAS  -  A gente tá aqui meio assustado!

DELEGADO  -  Não há razão. Sentem-se.

DANIEL  -  (preocupado, sem tirar os olhos do delegado) O que foi que aconteceu pra mandá chamá o pai?

DELEGADO  -  Bem... não leram ainda os jornais de hoje?

MESTRE JONAS  -  A gente mal tem tempo de lê jornal de manhã. Quando se acorda, se vai direto pro barco, pra botá pro mar. Tava indo eu mais os companheiros pro oceano, quando chegou cabo Faria com a intimação. Somo do trabalho.

O DELEGADO CORTOU A PRELEÇÃO DO PESCADOR E APONTOU PARA TAVARES, AINDA SILENCIOSO, MEIO SONOLENTO, ESPICHADO NO BANCO.

DELEGADO  -  Mestre Jonas... conhece este homem?

O PESCADOR DEU PELA PRESENÇA DO BISCATEIRO.

MESTRE JONAS  -  Conheço, ué! É o Tavares.

DELEGADO  -  Ele afirmou que o senhor levou o Dr. Cyro Valdez ontem pela manhã para fazer uma visita à esposa dele.

MESTRE JONAS  -  Levei... fui eu mesmo. Que é que tem isso? A gente, eu mais a Das Dores, levamos ele lá. Vimo que a moça tava aflita pra falá com o Dr. Cyro... aí fizemo a vontade dela.

DELEGADO  -  E o Dr. Cyro... cuidou dela?

MESTRE JONAS  -  Eu num entendo disso, mas ele ficou aborrecido porque ela queria uma coisa dele que era impossível. Aí ele só deu um calmante pra ela ficá mais tranqüila...

DELEGADO  -  Entretanto... mais tarde, Dr. Cyro... voltou lá.

MESTRE JONAS  -  Isso... eu num sei.

DELEGADO  -  Depois da assinatura das escrituras... o Dr. Cyro foi para casa?

MESTRE JONAS  -  Não... ele me disse, na praça, que ia ver uma pessoa que tava precisando dele. Não disse quem era. Mas por quê tanta pergunta, gente?

O DELEGADO VOLTOU-SE PARA ESTER, QUE ACOMPANHAVA O INTERROGATÓRIO, ATENTAMENTE. MOSTROU-LHE UM PAPEL COM TIMBRE.

DELEGADO  -  O laudo médico é inflexível, Doutora Ester.

ESTER  -  (examinando o papel) Sim, é.

DANIEL  -  Mas o que foi, gente?

DELEGADO  -  A esposa do Sr. Tavares morreu... vítima de um aborto criminoso!

JONAS E DANIEL EMUDECERAM DE ESPANTO.

CORTA PARA:

CENA 4  -  PORTO AZUL  -  PRAÇA  -  EXTERIOR  -  DIA

UMA PEQUENA MULTIDÃO AGLOMERAVA-SE DIANTE DA BANCA DE JORNAIS. ERA O COMENTÁRIO DO DIA NA CIDADE. BABY, PÉ-NA-COVA E PEDRÃO CONVERSAVAM COM UM GRUPO DE MINEIROS.

CYRO APROXIMOU-SE SEM SER PERCEBIDO.

CYRO  -  Olá, gente! O que estão fazendo aqui, reunidos?

OS OLHOS SE VOLTARAM PARA A FIGURA DO MÉDICO, IMPERTURBÁVEL, TRANQUILA.

MESTRE JONAS  -  (que se juntara aos mineiros) Tão acontecendo coisas contra você. E pelo mal dos meus pecados... sem saber... fui eu que te botei no fogo.

CYRO  -  Como assim, Jonas?

MESTRE JONAS  -  Foi a mim que eles chamaro... logo a mim... pra fazê pergunta de você. E eu... idiota... tive de dizê tudo!

CYRO  -  (pôs a mão no ombro do amigo) Você fez muito bem, Jonas. Disse a verdade. Eu não posso fugir de uma verdade. Estive lá, para ver aquela pobre mulher... embora não tenha culpa de que mãos criminosas a tivessem deixado naquele estado.

BABY  -  Cyro, estamos aqui... pro que der e vier.

CYRO  -  Eu sei. Mas não fiquem tão aflitos, como se isso fosse uma tragédia.

DANIEL  -  Já viu o jornal de Porto Azul, Cyro?

CYRO  -  Não. Nem quero ver. (sem se importar com a apreensão estampada na face dos companheiros, Cyro afastou-se devagar) Vocês fiquem aí, eu volto já!

DANIEL  -  (dando um passo à frente) Aonde vai?

CYRO  -  Até a delegacia... falar com o delegado.

BABY  -  Foi chamado?

CYRO  -  Não... mas tenho de dizer alguma coisa a ele.

BABY  -  Vamos com você.

PEDRÃO  -  Isso mesmo. Vai todo mundo.

CYRO  -  Vão dizer que estamos querendo desafiar a autoridade do delegado. Não é assim que se resolve. Eu só vou lá para dizer o que penso de tudo o que está acontecendo.

BABY  -  (falou com firmeza) Vou com ele. Fiquem vocês por aqui.

CORTA PARA:


CENA  5  -  PORTO AZUL  -  DELEGACIA  -  INTERIOR  -  DIA

OTTO MULLER NÃO PERDERA TEMPO E DESPEJAVA SUA CÓLERA CONTRA O HOMEM QUE LHE SALVARA A VIDA, DANDO-LHE UM CORAÇÃO DE NEGRO. PEDIA POR DEUS E PELO DIABO QUE O DELEGADO PRENDESSE LOGO O MÉDICO. ERA UM HOMEM PERIGOSO – ADVERTIA.

OTTO  -  Acho que estamos perdendo tempo. (bateu com os punhos na mesa de carvalho) Há provas mais do que suficientes para que seja pedida a prisão deste homem!

FOI NESSA ALTURA QUE VIU CYRO E BABY ADENTRAREM O VELHO PRÉDIO DA DELEGACIA. OTTO ESTREBUCHOU COMO UM POSSESSO. UMA BABA BRANCA CONTORNAVA-LHE O CANTO DOS LÁBIOS.

OTTO  -  (berrou) Onde estão os guardas desta delegacia?

ENQUANTO OTTO SE ENCOLHIA POR TRÁS DE COICE DE MULA, BABY E CYRO ALCANÇAVAM O COMPARTIMENTO RESERVADO À AUTORIDADE MÁXIMA DA LOCALIDADE.

CYRO  -  (dirigiu-se ao delegado, boquiaberto) Não fui chamado... mas sei que existe uma séria acusação contra mim.

DELEGADO  -  Exato. Nós íamos até...

CYRO  -  (cortou) Eu sei. Iam me interrogar. De livre e espontânea vontade, eu vim dizer que não cuidei daquela mulher. (num rápido movimento de olhos, percebeu a presença de Ester) Não fui eu que tratei dela. Me recusei na primeira visita... na segunda, fui apenas ver como ela estava passando. Infelizmente, vi que estava mal, para morrer... esvaindo-se em sangue. O que eu fiz, qualquer outro médico teria feito. Levei-a para ser socorrida de urgência. Chegamos ao hospital e já estava morta. Nada foi possível fazer. Acho importante a senhora promotora e o senhor delegado procurarem saber quem esteve lá, na casa dela, antes de mim...

DELEGADO  -  Estamos tentando saber... fique tranqüilo, dr. Cyro. Nós estamos investigando.

ESTER  -  Infelizmente... existem outras acusações contra o senhor.

OTTO  -  É isso mesmo. Dei queixa de um roubo no meu hospital. Posso provar que o senhor recebeu material roubado.

OTTO MULLER ACHARA CORAGEM PARA SE DIRIGIR A CYRO ACUSANDO-O DE RECEPTADOR.

ESTER  -  Quem lhe cedeu o material, Dr. Cyro?

CYRO  -  Eu recebi... como doação... não foi roubado.

ESTER  -  Quem lhe deu?

CYRO  -  (fez uma pequena pausa antes de responder) Qual é a outra queixa contra mim?

OTTO  -  (dedo em riste) O senhor tem influenciado muita gente para o mal. Até... até esse idiota que o acompanha. (Baby estremeceu ante a provocação) Dominou a vontade dele para que fizesse a doação dos bens para aqueles vagabundos...

BABY  -  Eu não fui dominado por ninguém, seu imbecil! Fiz a doação de livre vontade!

OTTO  -  (apontando para o médico) Prenda ele, delegado! Que está esperando? Prenda ele! É uma ordem do prefeito desta cidade! Prenda ele!

DR. MOREIRA OLHOU PENALIZADO PARA O COLÉRICO CHEFE DA CIDADE.

DELEGADO  -  Não. Não pode ser assim, senhor prefeito. Nem o senhor pode dar este tipo de ordem. Acima de todos nós há uma coisa que se chama Lei e outra que se chama Justiça! Pode ir, dr. Cyro!

OTTO  -  (não se dava por vencido) Exijo a prisão dele agora! Imediatamente! Esse homem é um assassino! Um ladrão! Prendam ele!

COMO UM POSSESSO, ESMURRAVA O PRÓPRIO PEITO.

FIM DO CAPÍTULO 97


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