quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 95


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 95

Participam deste capítulo

Cyro  -  Tarcísio Meira
Mestre Jonas  -  Gilberto Martinho
Otto  -  Jardel Filho
Das Dores  -  Ruth de Souza
Coice de Mula  -  Dary Reis
Dr. Max  -  Álvaro Aguiar
Lia  -  Arlete Salles
Tavares
Zélia
  

CENA 1  -  SERRINHA  -  CHOUPANA DE ZÉLIA  -  INTERIOR  -  NOITE

ZÉLIA LEMBRAVA UM DEFUNTO DO INTERIOR, ENVOLVIDA DA CABEÇA AOS PÉS NUM LENÇOL BRANCO. TREMIA. A CUSTO CONSEGUIU LEVANTAR OS OLHOS PARA O MÉDICO. CYRO A OBSERVOU PROFUNDAMENTE.

ZÉLIA  -  Deus lhe pague por ter vindo, doutô!

CYRO  -  Vamos lá... vamos ver que desespero é esse.

ZÉLIA  -  Só o senhor é a minha salvação!

CYRO  -  Não diga isso... vamos ver o que é possível fazer pela senhora. Que tem? Que é que sente?

O MÉDICO SENTOU-SE À BEIRA DA CAMA E DEPOIS DE POUSAR A MÃO NA TESTA DA MULHER, COMEÇOU POR VERIFICAR A PRESSÃO E OS BATIMENTOS CARDÍACOS. COLOCOU UM TERMÔMETRO NA AXILA DA PACIENTE.

ZÉLIA OLHOU PARA DAS DORES, NUMA ATITUDE SÚPLICE.

DAS DORES  -  Pode falá, Dona Zélia. Confia no doutô.

ZÉLIA  -  Ele vai saber já. Basta me examinar. Ele vai saber.

NA SALA CONTÍGUA, JONAS FUMAVA, IMPACIENTE, OBSERVANDO A IMAGEM DE SÃO JOSÉ, ENFEITANDO A PAREDE. MAIS À ESQUERDA, UM QUADRO EVOCANDO O CASAMENTO DA DOENTE. O HOMEM NÃO LHE PARECIA ESTRANHO. MESTRE JONAS JOGOU FUMAÇA PARA O TETO E TOSSIU ROUCAMENTE.

CYRO TINHA ACABADO DE REALIZAR OS EXAMES PRELIMINARES.

CYRO  -  Não vejo razão para tanto drama (revelou, apertando a mão da mulher) A senhora simplesmente está esperando um filho. Está com 3 meses de gravidez. Qual é o problema? É uma mulher sadia. Pode ter seu filho muito bem. Eu lhe garanto que não corre o menor risco.

ZÉLIA VIROU O ROSTO DE ENCONTRO À PAREDE E FALOU, SOMBRIA, COMO SE CONFESSASSE UM PECADO AO VIGÁRIO DA PARÓQUIA.

ZÉLIA  -  Eu não posso, doutô!

CYRO  -  Como?

DAS DORES  -  (aflita) É todo o desespero dela, doutô. Ela tá morrendo de medo do marido.

CYRO  -  Bem... este é um problema que ninguém, a não ser a senhora mesma, pode resolver.

ZÉLIA  -  (apertou-lhe as mãos com energia) O senhor pode! Só o senhor pode me salvar! Eu sonhei, doutô... sonhei! Que tinha lhe pedido salvação e que o senhor afastou de mim todos os problemas!

CYRO  -  Não. A senhora se enganou. Seu sonho não será realizado. Além do mais, eu não acredito em sonhos. O seu é disparatado e impossível. E desumano, até. Não conte comigo.

ENFIANDO A CABEÇA NO TRAVESSEIRO A MULHER CHOROU BAIXINHO, ARRANHANDO A FRONHA COM AS UNHAS.

ZÉLIA  -  Ele vai me matar... ele é muito bravo... ele vai me matar!

MINUTOS DEPOIS O MÉDICO ENTREGAVA-LHE A RECEITA. DOBROU O PAPEL EM QUATRO E DEIXOU SOBRE  A MESA DE MADEIRA RÚSTICA.

CYRO  -  Aqui está o que lhe recomendo. Alguns calmantes que vão fazer com que a senhora se tranquilize... para poder pensar melhor no seu problema.

LÁ FORA, MESTRE JONAS OUVIU O BARULHO DE UM MOTOR DE CARRO. EMPERTIGOU-SE NO SEU CANTO. A PORTA ABRIU-SE E UM HOMEM ROBUSTO, AMULATADO, DE OLHOS VERMELHOS E CARA DE POUCOS AMIGOS, ENTROU NA SALA. ERA TAVARES. JONAS O RECONHECEU.

TAVARES  -  Mestre Jonas, que está fazendo aqui?

MESTRE JONAS  -  Viemos trazer Dr. Cyro pra ver sua mulher.

TAVARES  -  Minha mulher! Tá doente? Ué... eu nem sabia que ela tinha alguma coisa!

MESTRE JONAS  -   Dr. Cyro tá examinando ela.

TAVARES  -  (protestou, falando baixo) Podiam ter trazido outro médico, menos ele.

MESTRE JONAS  -  O senhor tem alguma coisa contra o Doutô Cyro?

TAVARES  -  Ele me deu uma corrida na praça, num se alembra?

MESTRE JONAS  -  Porque o senhor mereceu, ora!

TAVARES DECIDIU ENFRENTAR A SITUAÇÃO. EMPURROU A PORTA DO QUARTO E INGRESSOU NO INTERIOR, SEM SE PERTURBAR COM A PRESENÇA DE DAS DORES E DO MÉDICO.

TAVARES  -  (com brusquidão) O que é que ela tem?

ZÉLIA  -  (quase sem voz) Este... é o meu marido, doutô.

CYRO  -  (fitou o recém-chegado e reconheceu-o) Nós já nos conhecemos!

TAVARES  -  (dirigindo-se à esposa) Que fricote é esse?

ZÉLIA PROCUROU OS OLHOS DO MÉDICO.

TAVARES  -  (insistiu) Tou perguntando! O que é que ela tem?

CYRO  -  Nada importante. Uma crise nervosa. Amanhã estará melhor (informou, mentindo. Percebera o olhar desesperado da mulher) Mande ver esses remédios com urgência. Ela precisa se acalmar. Vamos, Das Dores!

ENQUANTO CYRO SE AFASTAVA DO QUARTO, TAVARES LEU A RECEITA.

TAVARES  -  (raivoso, encarou a mulher) Por causa dum faniquito besta tinha que chamar médico? Não vou buscá droga nenhuma de remédio!

ZÉLIA COBRIU-SE COM O LENÇOL BRANCO, VOLTANDO A PARECER UM DEFUNTO DO INTERIOR. TAVARES DEIXOU O QUARTO Á PROCURA DE UM GOLE DE CACHAÇA.

CORTA PARA:
Das Dores (Ruth de Souza)

CENA 2  -  FLORIANÓPOLIS  -  MANSÃO DE OTTO MULLER  -  SALA  -  INTERIOR  -  DIA

JÁ ERA DIA QUANDO OTTO MULLER DESCEU AS ESCADAS DE SUA RESIDENCIA PARA AVISTAR-SE COM VALTER COICE DE MULA. O CAPATAZ O ESPERAVA, FUMANDO UM CIGARRO.

OTTO  -  (berrou, sentando-se) Bom dia, Válter!

COICE DE MULA  -  Bom dia, Seu Otto! Os homens, segundo me informaram, vêm pro cartório pras assinaturas...

OTTO  -  A que horas?

COICE DE MULA  -  Está marcado para as 3.

OTTO  -  Então, Válter, prepare tudo... para as 3.

LIA OUVIA A TUDO, INTRIGADA, PERCEBENDO ALGO DE SINISTRO NA CONVERSA DOS DOIS.

LIA  -  Que vai acontecer, Otto?

OTTO  -  Não interessa a você! (voltou a falar com o capataz) Válter, avise os outros. Ainda vou fazer uma última tentativa para evitar essa burrada. Fiquem aguardando um sinal meu. Um aviso. Se não puder impedir... às 3 horas... eles não vão assinar as escrituras.

OTTO RANGEU OS DENTES ENQUANTO CERRAVA OS PUNHOS COM ÓDIO.



O DIA TINHA PASSADO RÁPIDO E OS ACONTECIMENTOS, APESAR DOS PROPÓSITOS ASSASSINOS DE OTTO MULLER, REVELARAM-SE DESFAVORÁVEIS ÀS SUAS IDÉIAS. BABY E CYRO HAVIAM FURADO O BLOQUEIO, ROMPIDO A REDE ORGANIZADA PELA GUERRA-FRIA DO PREFEITO. À HORA MARCADA, OS 20 MINEIROS TOMAVAM POSSE DOS BENS PRESENTEADOS PELO FILHO DO MILIONÁRIO AUGUSTO LIBERATO.

ERA UM DIA DE VITÓRIA.

CORTA PARA:

CENA 3  -  MANSÃO DE OTTO  MULLER  -  SALA  -  INTERIOR  -  DIA

OTTO MULLER ACORDOU COM O FOGUETÓRIO NAS RUAS. VESTIU-SE ÀS PRESSAS E DESCEU À SALA DE VISITAS. ALI ESTAVAM COICE DE MULA E O DR. MAX, SEU MÉDICO ASSISTENTE.

OTTO  -  (irado) O que é isto?

COICE DE MULA  -  Fogos que estão soltando na praça.

O CAPATAZ SORRIU, FELIZ. OTTO NÃO COMPREENDIA O MOTIVO DA ALEGRIA.

OTTO  -  Você sorri? Não está vendo? São eles... estão me desafiando! Assinaram as escrituras e agora festejam em plena praça para me desacatar! Mande parar imediatamente!

COICE DE MULA  -  Num é nada disso, patrão! O senhor se esqueceu? Mandou soltar fogos hoje para festejar o nascimento de sua filha!

OTTO  -  (mudou de expressão) Ah! É mesmo. Até me esqueci... eu mesmo mandei soltar os fogos! Então deixe continuar. Quero que a cidade inteira saiba que já sou pai. (franziu a testa, passando de uma emoção a outra) Mas isto não quer dizer que o perdôo por não ter cumprido a minha ordem!

COICE DE MULA  -  (protestou) Eu cumpri, chefe!

OTTO  -  Não. Você não cumpriu! Deixou que a coisa se concretizasse. E isso vai trazer muitos transtornos para esta cidade. Ninguém pode imaginar o que vai acontecer depois disso. Eu avisei. Ninguém levou a sério minhas palavras. Pois agora vou ser obrigado a cumprir o que prometi. Para não passar por palhaço.

DR. MAX  -  Não se preocupe tanto com o que foi feito, Otto. Tem que se desligar de certas coisas. Está procurando aborrecimentos. Está comprando preocupações.

COICE DE MULA  -  (submisso) Alguma ordem, chefe?

OTTO  -  Devia despedi-lo, responsabilizá-lo por tudo de ruim que vai acontecer de agora em diante!

COICE DE MULA  -  (humilhou-se) Sinto muito... sinto muito, mesmo! De outra vez, vou procurar entender suas ordens direitinho! Prometo que não vai se repetir! Nunca mais vou bancar o bobo, como banquei... Eu prometo, chefe!

OTTO  -  (espalmando as mãos) Está bem. Agora, suma da minha frente!

COICE DE MULA  -  Sim... sim senhor!

VÁLTER ESCAPULIU COMO UM COELHO AMEDRONTADO.

FIM DO CAPÍTULO 95




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