Novela de Janete Clair
Adaptação de Toni Figueira
CAPÍTULO 95
Participam deste
capítulo
Cyro -
Tarcísio Meira
Mestre Jonas - Gilberto
Martinho
Otto -
Jardel Filho
Das Dores - Ruth
de Souza
Coice de Mula - Dary
Reis
Dr. Max -
Álvaro Aguiar
Lia -
Arlete Salles
Tavares
Zélia
CENA 1 - SERRINHA
- CHOUPANA DE ZÉLIA -
INTERIOR - NOITE
ZÉLIA LEMBRAVA UM DEFUNTO DO
INTERIOR, ENVOLVIDA DA CABEÇA AOS PÉS NUM LENÇOL BRANCO. TREMIA. A CUSTO
CONSEGUIU LEVANTAR OS OLHOS PARA O MÉDICO. CYRO A OBSERVOU PROFUNDAMENTE.
ZÉLIA
- Deus lhe pague por ter vindo,
doutô!
CYRO
- Vamos lá... vamos ver que
desespero é esse.
ZÉLIA
- Só o senhor é a minha salvação!
CYRO
- Não diga isso... vamos ver o
que é possível fazer pela senhora. Que tem? Que é que sente?
O MÉDICO SENTOU-SE À BEIRA DA CAMA E
DEPOIS DE POUSAR A MÃO NA TESTA DA MULHER, COMEÇOU POR VERIFICAR A PRESSÃO E OS
BATIMENTOS CARDÍACOS. COLOCOU UM TERMÔMETRO NA AXILA DA PACIENTE.
ZÉLIA OLHOU PARA DAS DORES, NUMA
ATITUDE SÚPLICE.
DAS DORES - Pode
falá, Dona Zélia. Confia no doutô.
ZÉLIA
- Ele vai saber já. Basta me
examinar. Ele vai saber.
NA SALA CONTÍGUA, JONAS FUMAVA,
IMPACIENTE, OBSERVANDO A IMAGEM DE SÃO JOSÉ, ENFEITANDO A PAREDE. MAIS À
ESQUERDA, UM QUADRO EVOCANDO O CASAMENTO DA DOENTE. O HOMEM NÃO LHE PARECIA
ESTRANHO. MESTRE JONAS JOGOU FUMAÇA PARA O TETO E TOSSIU ROUCAMENTE.
CYRO TINHA ACABADO DE REALIZAR OS
EXAMES PRELIMINARES.
CYRO
- Não vejo razão para tanto drama
(revelou, apertando a mão da mulher) A senhora simplesmente está esperando um
filho. Está com 3 meses de gravidez. Qual é o problema? É uma mulher sadia.
Pode ter seu filho muito bem. Eu lhe garanto que não corre o menor risco.
ZÉLIA VIROU O ROSTO DE ENCONTRO À
PAREDE E FALOU, SOMBRIA, COMO SE CONFESSASSE UM PECADO AO VIGÁRIO DA PARÓQUIA.
ZÉLIA
- Eu não posso, doutô!
CYRO
- Como?
DAS DORES -
(aflita) É todo o desespero dela, doutô. Ela tá morrendo de medo do
marido.
CYRO
- Bem... este é um problema que
ninguém, a não ser a senhora mesma, pode resolver.
ZÉLIA
- (apertou-lhe as mãos com
energia) O senhor pode! Só o senhor pode me salvar! Eu sonhei, doutô... sonhei!
Que tinha lhe pedido salvação e que o senhor afastou de mim todos os problemas!
CYRO
- Não. A senhora se enganou. Seu
sonho não será realizado. Além do mais, eu não acredito em sonhos. O seu é
disparatado e impossível. E desumano, até. Não conte comigo.
ENFIANDO A CABEÇA NO TRAVESSEIRO A
MULHER CHOROU BAIXINHO, ARRANHANDO A FRONHA COM AS UNHAS.
ZÉLIA
- Ele vai me matar... ele é muito
bravo... ele vai me matar!
MINUTOS DEPOIS O MÉDICO ENTREGAVA-LHE
A RECEITA. DOBROU O PAPEL EM QUATRO E DEIXOU SOBRE A MESA DE MADEIRA RÚSTICA.
CYRO
- Aqui está o que lhe recomendo.
Alguns calmantes que vão fazer com que a senhora se tranquilize... para poder
pensar melhor no seu problema.
LÁ FORA, MESTRE JONAS OUVIU O BARULHO
DE UM MOTOR DE CARRO. EMPERTIGOU-SE NO SEU CANTO. A PORTA ABRIU-SE E UM HOMEM
ROBUSTO, AMULATADO, DE OLHOS VERMELHOS E CARA DE POUCOS AMIGOS, ENTROU NA SALA.
ERA TAVARES. JONAS O RECONHECEU.
TAVARES -
Mestre Jonas, que está fazendo aqui?
MESTRE JONAS -
Viemos trazer Dr. Cyro pra ver sua mulher.
TAVARES - Minha
mulher! Tá doente? Ué... eu nem sabia que ela tinha alguma coisa!
MESTRE JONAS - Dr.
Cyro tá examinando ela.
TAVARES -
(protestou, falando baixo) Podiam ter trazido outro médico, menos ele.
MESTRE JONAS - O
senhor tem alguma coisa contra o Doutô Cyro?
TAVARES - Ele
me deu uma corrida na praça, num se alembra?
MESTRE JONAS -
Porque o senhor mereceu, ora!
TAVARES DECIDIU ENFRENTAR A SITUAÇÃO.
EMPURROU A PORTA DO QUARTO E INGRESSOU NO INTERIOR, SEM SE PERTURBAR COM A
PRESENÇA DE DAS DORES E DO MÉDICO.
TAVARES - (com
brusquidão) O que é que ela tem?
ZÉLIA
- (quase sem voz) Este... é o meu
marido, doutô.
CYRO
- (fitou o recém-chegado e
reconheceu-o) Nós já nos conhecemos!
TAVARES -
(dirigindo-se à esposa) Que fricote é esse?
ZÉLIA PROCUROU OS OLHOS DO MÉDICO.
TAVARES -
(insistiu) Tou perguntando! O que é que ela tem?
CYRO
- Nada importante. Uma crise
nervosa. Amanhã estará melhor (informou, mentindo. Percebera o olhar
desesperado da mulher) Mande ver esses remédios com urgência. Ela precisa se
acalmar. Vamos, Das Dores!
ENQUANTO CYRO SE AFASTAVA DO QUARTO,
TAVARES LEU A RECEITA.
TAVARES -
(raivoso, encarou a mulher) Por causa dum faniquito besta tinha que
chamar médico? Não vou buscá droga nenhuma de remédio!
ZÉLIA COBRIU-SE COM O LENÇOL BRANCO,
VOLTANDO A PARECER UM DEFUNTO DO INTERIOR. TAVARES DEIXOU O QUARTO Á PROCURA DE
UM GOLE DE CACHAÇA.
CENA 2 -
FLORIANÓPOLIS - MANSÃO DE OTTO MULLER -
SALA - INTERIOR
- DIA
JÁ ERA DIA QUANDO OTTO MULLER DESCEU AS ESCADAS DE SUA
RESIDENCIA PARA AVISTAR-SE COM VALTER COICE DE MULA. O CAPATAZ O ESPERAVA,
FUMANDO UM CIGARRO.
OTTO - (berrou, sentando-se) Bom dia, Válter!
COICE DE MULA - Bom dia, Seu Otto! Os homens, segundo me
informaram, vêm pro cartório pras assinaturas...
OTTO - A que horas?
COICE DE MULA - Está marcado para as 3.
OTTO - Então, Válter, prepare tudo... para as 3.
LIA OUVIA A TUDO, INTRIGADA, PERCEBENDO ALGO DE SINISTRO NA
CONVERSA DOS DOIS.
LIA - Que vai acontecer, Otto?
OTTO - Não interessa a você! (voltou a falar com o
capataz) Válter, avise os outros. Ainda vou fazer uma última tentativa para
evitar essa burrada. Fiquem aguardando um sinal meu. Um aviso. Se não puder
impedir... às 3 horas... eles não vão assinar as escrituras.
OTTO RANGEU OS DENTES ENQUANTO
CERRAVA OS PUNHOS COM ÓDIO.
O DIA TINHA PASSADO RÁPIDO E OS ACONTECIMENTOS, APESAR DOS
PROPÓSITOS ASSASSINOS DE OTTO MULLER, REVELARAM-SE DESFAVORÁVEIS ÀS SUAS
IDÉIAS. BABY E CYRO HAVIAM FURADO O BLOQUEIO, ROMPIDO A REDE ORGANIZADA PELA
GUERRA-FRIA DO PREFEITO. À HORA MARCADA, OS 20 MINEIROS TOMAVAM POSSE DOS BENS
PRESENTEADOS PELO FILHO DO MILIONÁRIO AUGUSTO LIBERATO.
ERA UM DIA DE VITÓRIA.
CORTA PARA:
CENA 3 -
MANSÃO DE OTTO MULLER - SALA -
INTERIOR - DIA
OTTO MULLER ACORDOU COM O FOGUETÓRIO NAS RUAS. VESTIU-SE ÀS
PRESSAS E DESCEU À SALA DE VISITAS. ALI ESTAVAM COICE DE MULA E O DR. MAX, SEU
MÉDICO ASSISTENTE.
OTTO - (irado) O que é isto?
COICE DE MULA - Fogos que estão soltando na praça.
O CAPATAZ SORRIU, FELIZ. OTTO NÃO COMPREENDIA O MOTIVO DA
ALEGRIA.
OTTO - Você sorri? Não está vendo? São eles... estão
me desafiando! Assinaram as escrituras e agora festejam em plena praça para me
desacatar! Mande parar imediatamente!
COICE DE MULA - Num é nada disso, patrão! O senhor se
esqueceu? Mandou soltar fogos hoje para festejar o nascimento de sua filha!
OTTO - (mudou de expressão) Ah! É mesmo. Até me
esqueci... eu mesmo mandei soltar os fogos! Então deixe continuar. Quero que a
cidade inteira saiba que já sou pai. (franziu a testa, passando de uma emoção a
outra) Mas isto não quer dizer que o perdôo por não ter cumprido a minha ordem!
COICE DE MULA - (protestou) Eu cumpri, chefe!
OTTO - Não. Você não cumpriu! Deixou que a coisa se
concretizasse. E isso vai trazer muitos transtornos para esta cidade. Ninguém
pode imaginar o que vai acontecer depois disso. Eu avisei. Ninguém levou a
sério minhas palavras. Pois agora vou ser obrigado a cumprir o que prometi.
Para não passar por palhaço.
DR. MAX - Não se preocupe tanto com o que foi feito,
Otto. Tem que se desligar de certas coisas. Está procurando aborrecimentos.
Está comprando preocupações.
COICE DE MULA - (submisso) Alguma ordem, chefe?
OTTO - Devia despedi-lo, responsabilizá-lo por tudo
de ruim que vai acontecer de agora em diante!
COICE DE MULA - (humilhou-se) Sinto muito... sinto muito,
mesmo! De outra vez, vou procurar entender suas ordens direitinho! Prometo que
não vai se repetir! Nunca mais vou bancar o bobo, como banquei... Eu prometo,
chefe!
OTTO - (espalmando as mãos) Está bem. Agora, suma da
minha frente!
COICE DE MULA - Sim... sim senhor!
VÁLTER ESCAPULIU COMO UM COELHO AMEDRONTADO.
FIM DO CAPÍTULO 95
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