Novela de Janete Clair
Adaptação de Toni Figueira
CAPÍTULO 92
Participam deste
capítulo
Cyro -
Tarcísio Meira
Ester -
Gloria Menezes
Cesário -
Carlos Eduardo Dolabella
Mestre Jonas -
Gilberto Martinho
Tula -
Lucia Alves
Das Dores - Ruth
de Souza
Miamoto
Takau
Vera
CENA 1 - PORTO
AZUL -
CHOUPANA DE DAS DORES - SALA - INTERIOR
- NOITE
DAS DORES ESTICOU A PERNA CANSADA E ATIROU LONGE A SANDÁLIA
EMPOEIRADA. RESPIROU FUNDO, SENTADA NO TAMBORETE RÚSTICO. OLHOU SURPRESA PARA O
CASEBRE ARRUMADO, DE MESA POSTA E COISAS NOS DEVIDOS CANTOS. ASSUSTOU-SE QUANDO
TULA APARECEU NA PORTA DO QUARTO.
DAS DORES - Que foi?
TULA - Nada, Das Dores! Cismei de vir aqui.
DAS DORES - (esticou-se ainda mais no pequeno banco) Meu
Luca já veio dormi?
TULA - Não.
DAS DORES - Vai vê, o sem-vergonha tá namorando na praia.
(suspirou) Ai, tou quebrada! Andamo que num foi vida!
TULA - Já chegaram da ronda?
TULA - Já. Hoje levamo muito remédio pra muita
gente. Mestre Jonas confortou um bando de miseráveis... e trouxe um problema
danado pro Doutô Cyro.
TULA - (curiosa) Qual?
DAS DORES - Um pai viúvo que num sabe o que fazê do
filho. Ia entregá o menino prum asilo. Aí, a gente trouxe pra cá, pra vê o que
o Doutô Cyro arresorve...
CORTA PARA:
CENA 2 -
PORTO AZUL - CABANA DE CYRO -
QUARTO - INTERIOR
- NOITE
CYRO - Um pai viúvo que não sabe o que fazer do
filho?
CYRO ARQUEOU A SOBRANCELHA, ADMIRADO. FECHOU O LIVRO QUE
ESTAVA LENDO E SE CONCENTROU NA CARA QUEIMADA DO VELHO PESCADOR.
MESTRE JONAS - É... um gurizinho que vive abandonado,
fechado dentro de casa, enquanto o pai viaja, pra trabalhar. Hoje, o menino,
sozinho, quase se queimou todo no fogão de carvão. Aí o pai se desesperou e não
sabe o que fazê do filho...
CYRO - (aprontando-se para sair) Vamos lá ver.
MESTRE JONAS - (encabulado) Ele taí. Ele e o pai.
CYRO SORRIU E BATEU CARINHOSAMENTE NAS COSTAS DO BONDOSO
HOMEM DO MAR. FOI ATÉ A PORTA DO QUARTO E VIU AS DUAS FIGURAS PARADAS NA
PEQUENA SALA DA CABANA.
CYRO - Venham cá.
HOMEM - (num sotaque caracteristicamente japonês, o
homem estimulou o menino de 5 ou 6 anos) Vai. Vai com o moço.
CYRO - (ajoelhou-se
no chão e chamou o guri) Como se chama?
HOMEM - Diz nome doutor... diz nome.
CYRO OBSERVOU AS FEIÇÕES SIMPÁTICAS DO GAROTO. OS OLHINHOS
RASGADOS, A PELE LISA E POUCO ROSADA. SEGUROU-LHE AS MÃOS PEQUENAS.
MENINO - (com voz fraca e acanhada) Takau.
HOMEM - Eu, Miamoto. Muito infeliz, no? Mulher morreu
faz dois anos, deixou filho pequeno. Desde então, Takau não tem amor, no? Takau
sente muita falta da mãe... Chora muito, falta mãe, no? Vizinho acha Takau
chato... porque Takau chora muito falta da mãe, no? Eu então deixa Takau
sozinho. Pra ninguém falar que Takau é chato. Aí, menino faz bobagem...
esquenta comida... quase queima a mão. Eu tá meio doido, no? Num tem com quem
deixá Takau. Resolvi hoje levá ele asilo. Asilo ele fica bem, junto com outros
meninos. Mas não tem mãe. Aí chegou Mestre Jonas e aquela boa mulher. Dissero:
“a gente arranja mãe pro seu filho, no?” Takau precisa só de mãe.
CYRO - (examinou a mão delicada do menino) Vamos
fazer um curativo nessa queimadura, Takau.
ENQUANTO O MÉDICO APLICAVA UM MEDICAMENTO SOBRE A PELE
AVERMELHADA, O GAROTO GEMIA.
CYRO - (voltou-se para o japonês) Você acha que não
vai se arrepender depois, Miamoto?
MIAMOTO - No... No arrependimento. Eu vai embora pra
longe. Eu vai pra São Paulo e não querer levar filho chorando por causa da mãe.
CYRO - Por que não se casa de novo, Miamoto?
MIAMOTO - Ah, dotoro. Miamoto levou esfrega da vida,
no? Miamoto tem medo perder mulher, de novo. Ter mais filho. Deixá mais filho
sem mãe. No, no... Miamoto acha melhor deixá no mundo um infeliz só, no?
A MÃO DO MENININHO ACABARA DE SER ENROLADA EM GAZE. COM
HABILIDADE E CARINHO, CYRO ENVOLVEU-A ATÉ O PUNHO.
CYRO - Pronto! (e beijou a face do guri) Eu tenho
alguém que pode ser uma segunda mãe pra você, meu filho. (virou-se para o
japonês) Mas é preciso que você diga tudo o que acabou de dizer, diante de um
juiz.
MIAMOTO - Eu diz, dotoro. Diz até diante de quem dotoro
quiser, no?
CYRO - Essa pessoa poderá adotar legalmente esta
criança, mas e necessário que você esteja absolutamente certo de que não haverá
arrependimento depois.
MIAMOTO - Miamoto estar certo, dotoro! Pode deixá Takau
com essa mãe. Eu falar com juiz, assinar papel direitinho, no?
CENA 3 - FLORIANÓPOLIS - CASA
DE ESTER - SALA - INTERIOR
- DIA
ESTER RODOU A CHAVE NA FECHADURA, ABRIU A PORTA E ENTROU NA
BELA CASA, ACOMPANHADA DE CESÁRIO. O HERDEIRO DA FORTUNA TRAZIA UMA SACOLA E A
BOLSA DE COURO DA FALECIDA ESPOSA.
PREMIU O INTERRUPTOR E ACLAROU A SALA ACOLHEDORA.
CESÁRIO - (colocando o material em cima da mesinha de
centro) Quero que fique tudo com a senhora. Só necessito dos documentos dela.
ESTER ABRIU A BOLSA DA AMIGA E ENTREGOU A CARTEIRA E ALGUNS
PAPÉIS DE JÚLIA AO EX-MINEIRO.
ESTER - Fico com o resto. Coitada da Júlia! Pode ir
embora.
CESÁRIO - (com algum sarcasmo) Posso mesmo?
ESTER - Claro. Eu não quero que você continue aqui.
CESÁRIO - Não tem nada... nada pra me dizer?
ESTER - Não. Claro que não!
MOVIMENTANDO-SE COM RAPIDEZ, CESÁRIO SEGUROU ENTRE AS MÃOS O
ROSTO BELO DE ESTER, TENTANDO PUXÁ-LA DE ENCONTRO AO SEU CORPO.
CESÁRIO - Desculpe, mas eu tenho...
ESTER - (com os olhos esbugalhados e o rosto em
brasa, explodiu) Não se atreva! Não se atreva a me tocar ou eu grito! Eu grito!
Eu grito!
CESÁRIO - (mantendo-a subjugada) Grita! Grita, agora!
Eu sei que não tem coragem... porque eu sinto que tá implorando a Deus pra
alguém te beijar... pra que tu feche os olhos e tenha a impressão que é Dr.
Cyro...
ESTER - Como se atreve...
CESÁRIO - (apertou-a ainda mais, quase magoando-lhe a
face) Fecha os olhos... anda, eu não me incomodo. Pode até me chamar de Cyro...
me chame... eu não ligo. Pode gritar, faz o que tu quiser fazer... mas me deixe
te abraçar assim. Me encostar assim.
ESTER - (cerrou os olhos, perdida e balbuciou) Cyro!
Cyro! Cyro!
CESÁRIO BEIJOU-LHE A BOCA E A MULHER SE ENTREGOU, EM
DESESPERO, COMO SE BEIJASSE O HOMEM A QUEM AINDA AMAVA E DESEJAVA. DE REPENTE
QUALQUER COISA EXPLODIU-LHE INTERNAMENTE E ELA REAGIU, COM FÚRIA.
ESTER - Vá embora!
CESÁRIO - (sorriu, com cinismo) Não adianta. Eu sei que
a senhora tá precisando de companhia. Toda mulher... casada, precisa de
companhia. Eu entendo. Tá na fossa!
ESTER CONSEGUIU ESCAPAR DO ABRAÇO FÉRREO E REFUGIOU-SE A UM
CANTO DA SALA.
ESTER - Você é um crápula. Aproveita-se da minha
fraqueza.
CESÁRIO - Eu até que posso substituir, em parte, o Dr.
Cyro.
ESTER - Não estou procurando substituto. E se
estivesse, não ia procurar um grosso como você!
CESÁRIO - Por quê com o Dr. Paulus a senhora não se
desabafa? Por que, com ele, a senhora não consegue esquecer o Dr. Cyro? Porque
não gosta do advogado... mas gosta de mim. Meu tipo lhe atrai. Lhe desperta
desejos incontroláveis. Eu sou macho, Ester... e você sabe disso!
ERA VISÍVEL O DESESPERO DA MULHER E A IRA LHE TORNAVA AS
FEIÇÕES AINDA MAIS BELAS.
ESTER - Convencido! Pretensioso! Um tipo como você!
CESÁRIO - Gosta do jeito como eu beijo... machucando...
ou porque lembro o Dr. Cyro... ou porque... sei lá... deve haver alguma
razão... o fato é que a senhora gosta...
ESTER - (ordenou, abafadamente) Vá embora... nunca
mais quero ver você na minha frente... suma daqui!
CESÁRIO - Pode me chamar pelo nome dele... eu não ligo,
mesmo.
ESTER LEVANTOU A MÃO PARA DAR-LHE UMA BOFETADA NA CARA.
RÁPIDO, CESÁRIO SEGUROU-LHE O BRAÇO, PROCURANDO BEIJÁ-LA MAIS UMA VEZ.
ESTER - (berrou) Vera! Vera! Vera!
CESÁRIO TENTAVA VERGAR-LHE A CABEÇA E BEIJAR-LHE O PESCOÇO E
OS SEIOS.
VERA - Dona Ester!
A VOZ DA EMPREGADA DESPERTOU CESÁRIO. SOLTOU ESTER E SAIU
DESATINADO, PORTA A FORA. UM VENTO QUENTE PENETROU NO INTERIOR DA RESIDENCIA,
ENQUANTO ESTER SE ATIRAVA EM PRANTO SOBRE O SOFÁ LUXUOSO.
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