sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 93


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 93

Participam deste capítulo

Cyro  -  Tarcísio Meira
Ester  -  Gloria Menezes
Comendador Liberato  -  Macedo Netto
Baby  -  Claudio Cavalcanti
Inês  -  Betty Faria
Takau



CENA 1  -  FLORIANÓPOLIS  -  CASA DE ESTER  -  SALA  -  INTERIOR  -  DIA

POR LONGAS HORAS, ESTER QUEDARA-SE NA CAMA, INSONE. BUSCARA UM LIVRO, ALGUMAS REVISTAS, MAS, SÓ PELA MADRUGADA, AQUIETADOS OS NERVOS, ELA PÔDE DORMIR SERENAMENTE. POR ISSO ACORDARA TARDE NAQUELA MANHÃ, QUANDO O RELÓGIO DE CABECEIRA MARCAVA 10 E 25. QUINZE MINUTOS DEPOIS, ESTER DESCIA A ESCADA QUE LIGAVA AOS APOSENTOS INFERIORES. DO ÂNGULO QUE SE ENCONTRAVA VIU A FIGURINHA QUIETA, SENTADA NO SOFÁ. PERNINHAS MIÚDAS, OLHOS TRISTES. TRANQUILA COMO SE NADA NO MUNDO A PUDESSE PERTURBAR.

ESTER  -  Quem é você? O que está fazendo aqui, sozinho, menino? (correu até o guri, ajoelhando-se no tapete) Fale, menino. O que faz aqui? Quem o trouxe?

CYRO  -  Eu, Ester!

ELA ERGUEU OS OLHOS PARA O LADO OPOSTO, ONDE O MÉDICO PERMANECIA SENTADO NO BRAÇO DA POLTRONA.

ESTER  -  Por que fez isso? Quem é esse menino?

CYRO  -  Ele tem a idade de Ivan e não tem mãe.

AS PALAVRAS DE CYRO FORAM INTERPRETADAS DE IMEDIATO PELA EX-ESPOSA. ESTER LEVANTOU-SE E ENCAROU-O, FRIA.

ESTER  -  E você acredita que isso vá resolver o meu problema? Será assim tão fácil? Perde-se um filho. Arranja-se outra criança para substituí-lo e a vida volta a sorrir. E tudo fica um mundo de rosas... O passado é riscado do mapa, como por encanto. Mas como? (havia um quê de desespero em sua voz) Então quem morre acaba! Não deve restar mais nada? Mas era uma vida! Uma criança! Como alguém pode pensar que é possível ocupar o lugar dele? Será que você não entende que isso é impossível? Que Ivan é insubstituível? Na verdade... você não entende nada do sentimento humano...

CYRO  -  (deu a mão a Takau) Vamos embora, meu filho. Batemos em porta errada.

SEM QUALQUER OUTRO GESTO, CYRO E A CRIANÇA DIRIGIRAM-SE PARA A PORTA DE SAÍDA.

Ester  -  Espere! (Cyro estacou com o garoto e se voltou para a mulher) Pelo menos... diga quem é ele...

CYRO  -  Já disse. Perdeu a mãe. O pai se descontrolou, pois o menino sente muita falta dela. Ia colocá-lo num asilo, porque chora muito. O dia todo, não é, Takau?

TAKAU  -  Takau chora muito, sim.

CYRO  -  Como eu sei que você chora muito pela falta do seu filho... pensei que pudessem se completar. Não que ele substitua Ivanzinho... não que você substitua a mãe dele. Mas fazendo um bem a ele... talvez os dois consigam parar de chorar tanto. Contudo... eu não quero forçar. Se você acha impossível, vou deixá-lo com minha mãe. (olhou para o guri e ordenou) Dê a mão para a moça. Takau. E vamos embora!

O MENINO ESTENDEU A MÃO ENVOLVIDA EM GAZE. ESTER AMPAROU-A ENTRE AS SUAS.

ESTER  -  Está machucado?

CYRO  -  Ele se queimou esquentando comida.

ESTER  -  Meninos não devem brincar com fogo. Agora você não deve molhar a mãozinha. Amanhã já vai se formar uma casca. (observou algumas peças de pano) Essa é toda a sua roupinha? É muito pouca! Tenho alguma coisa do Ivan que vai dar em você. Você tem 6 anos, não? A idade dele... (levantou a cabeça) Você sabe o dia em que ele nasceu? (olhou por todos os cantos da sala; Cyro tinha desaparecido) Cyro?

CORREU ATÉ À PORTA. O CARRO JÁ NÃO SE ACHAVA ALINHADO AO MEIO-FIO DA RUA. TAKAU RETIROU UM PEQUENO PAPEL DO BOLSO DA CALÇA.

TAKAU  -  Tá tudo aí.

ELA, SORRINDO, PEGOU O PAPEL. LEU E GUARDOU-O NA GAVETA DA ESCRIVANINHA.

ESTER  -  Ande... venha conhecer sua nova casa.

TAKAU ABRIU A BOQUINHA DE DENTES CLAROS. ESTAVA FELIZ.

CORTA PARA:


CENA 2  -  PALACETE DO COMENDADOR LIBERATO  -  SALA  -  INTERIOR  -  DIA

AUGUSTO LIBERATO PROCURAVA ESCONDER A EMOÇÃO. NÃO ACREDITAVA NO QUE SEUS OLHOS VIAM: O FILHO, BABY, INÊS E ESTER ALI ESTAVAM.

INÊS  -  A gente veio visitar o senhor!

BABY  -  (apertando-lhe a mão ainda forte) Como está passando você?

COMENDADOR  -  (recompondo-se da surpresa) Bem... eu estava mesmo aflito para ver vocês... para falar com vocês... sobre... só sobre negócios. Só negócios... só.

BABY  -  Eu sei... por esta razão eu também queria vê-lo.

INÊS  -  (interferiu, percebendo o estado de aflição de pai e filho) Leandro ficou tão aflito, só vendo, pra vir lhe fazer essa visita. Foi ele quem me chamou...

BABY  -  Pois é... eu estava mesmo aflito. Achei que você devia saber da minha última resolução a respeito das propriedades de Porto Azul. Eu precisava lhe dar uma satisfação.

COMENDADOR  -  Mas eu já sei de tudo... (sentou-se próximo à janela, de onde divisou uma parte do mar) Seu advogado me contou. Você vai passar seus bens para os mineiros que o defenderam...

BABY  -  (abriu os braços numa atitude teatral) É, aquela sensação de possuir bens que não me pertencem... me fazia mal!

INÊS  -  (preocupada) O senhor está de acordo com isso?

COMENDADOR  -  Bem... no duro, no duro... eu não sei dizer exatamente. Acho que ele tem juízo suficiente agora... para saber o que está fazendo.

BABY  -  Não está contra a ideia?

COMENDADOR  -  Resolveria alguma coisa eu me colocar contra?

BABY  -  Gostaria de saber sua opinião.

COMENDADOR  - Se isso lhe traz tranquilidade... deve realizar o que pretende. Acho que a gente só deve ficar em paz consigo mesmo. Tive uma lição dura de vida. Fiz vocês sofrerem... o meu próprio sofrimento. Acho que com esse ato de extremo egoísmo... perdi o direito de me envolver na vida de vocês.

BABY  -  (voltou-lhe as costas, emocionado, fugindo às lágrimas) Eu... eu... queria dizer, também... que... bem... diga você, Inês... que tem jeito para cena melodramática. Eu não tenho. Te espero lá fora...

A PASSOS RÁPIDOS, BABY DEIXOU A SALA.

BABY  -  Ele não tem jeito pra lhe dizer que a gente não veio só para lhe falar de negócios... (segurou, com meiguice, as mãos do comendador) a gente veio mais para saber da sua saúde.

COMENDADOR  -  (estremeceu) Queria ouvir isso dele.

INÊS  -  Um dia ele vai dizer. Tem paciência.

COMENDADOR  -  Não, ele não dirá nunca! Não me perdoa.

INÊS  -  Não diga isso. Ele já perdoou. Já entendeu, mesmo, viu?

COMENDADOR  -  (angustiado) E você, Inês?

INÊS  -  (com franqueza) Olha, eu nem me lembro mais!

COMENDADOR  -  Quando eu penso no que fiz...

INÊS  -  Não pensa, ué! Agora tá tudo bem! Tudo bem, mesmo. Leandro tá um santo pra mim.

COMENDADOR  -  Vocês são felizes?

INÊS  -  Somos... somos, sim!

LIBERATO  -  (refletiu alguns segundos antes de fazer a pergunta que o afligia) E ele... como reagiu, quando soube de Naná?

INÊS  -  É... isso é uma coisa séria na vida dele. Mas... coitada... No duro que tenho pena dela. Leandro é que não tem... Nem quer ouvir seu nome. Fica uma fera quando a gente toca no assunto. Só vendo!

COMENDADOR  -  Eu imagino.

ESTER MANTINHA-SE AFASTADA, OUVINDO DISCRETAMENTE O DIÁLOGO. OUVIU A VOZ DE BABY DO LADO DE FORA DO PALACETE.

BABY  -  Como é, Inês? Vai demorar essa agonia?

COMENDADOR  -  (apertou as mãos da jovem, que se levantara) Inês... a você eu posso pedir perdão pela minha imensa loucura. (apontou para o pequeno carro, encostado a um canto da parede) Foi isso que me jogou nessa cadeira de rodas...

INÊS  -  Já disse, Seu Augusto... tinha perdoado há muito tempo. Adeus. A gente volta pra lhe ver outro dia.

FIM DO CAPÍTULO 93



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