segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 94


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 94

Participam deste capítulo

Cyro  -  Tarcísio Meira
Ester  -  Gloria Menezes
Baby  -  Claudio Cavalcanti
Mestre Jonas  -  Gilberto Martinho
Rosa  -  Ana Ariel
Pedrão  -  Waldir Onofre
Pé-na-Cova  -  Antonio Pitanga
Das Dores  -  Ruth de Souza
Cesário  -  Carlos Eduardo Dolabella
Paulus  -  Emiliano Queiroz


CENA  1  -  PORTO AZUL  -  SITIO  -  EXTERIOR  -   DIA

CYRO REUNIU OS MINEIROS NUM SÍTIO PRÓXIMO À CHOUPANA DE MESTRE JONAS. OS HOMENS ESTAVAM SÉRIOS, CONCENTRADOS NAS PALAVRAS DO MÉDICO.

CYRO  -  Tenho uma notícia muito importante para vocês. Baby me autorizou a lhes revelar... (os homens se mexeram, inquietos) É que vamos assinar a escritura amanhã, em cartório. Ás três horas da tarde vocês todos serão proprietários. São ao todo 20 homens que vão deixar de ser explorados e hão de ter uma vida melhor.

PÉ-NA-COVA  -  (explodiu, atônito) Vou ser mesmo dono do cinema?

CYRO  -  (sorriu, satisfeito) Ele não acredita, ainda!

PEDRÃO  -  (incrédulo) E eu, dono do mercado?

CYRO  -  Você é dono do prédio e do terreno do mercado.

PEDRÃO  -  (beliscou-se diante dos amigos) Vou ter comida de graça, gente!

MESTRE JONAS  -  (galhofou) Me empresta 10 reais aí, Pedrão!

OS HOMENS RIRAM, DEMORADAMENTE, ABRAÇANDO-SE.

CYRO  -  Tudo graças ao coração de um rapaz que vocês bem conhecem...

BABY ACABARA DE CHEGAR E OUVIU AS PALAVRAS FINAIS DE CYRO VALDEZ.

BABY  -  (aproximou-se e falou em voz alta) Só quero que uma coisa fique bem assentada desde já (todos os olhos convergiram para o filho do comendador) Uma parte da renda dessas propriedades... parte que vamos discutir amanhã... será arrecadada para o hospital do Cyro.

A UMA SÓ VOZ TODOS OS HOMENS APROVARAM A CONDIÇÃO.

CYRO  -  Que é isso, Baby? Eu não pedi nada...

BABY  -  mas eu faço questão de lhe dar, ora! A gente vai erguer aqui o maior hospital do Estado!

DE REPENTE O RUÍDO DE MOTORES  DE CARROS E O TIROTEIO QUE ABALOU A PEQUENA ALDEIA DE PESCADORES. OS HOMENS SE MOVIMENTARAM, RÁPIDOS.

CYRO  -  (gritou) Cuidado!

OS MINEIROS JOGARAM-SE AO CHÃO, COMO SE FOSSEM COMANDOS EM AÇÃO. OUVIRAM A VOZ NERVOSA DE ROSA, QUE OS PROCURAVA, AOS GRITOS!

ROSA  -  Jona! Cyro! Vejam isto!

ENTREGOU UM BILHETE AO MÉDICO. CYRO ABRIU-O, APRESSADAMENTE.

CYRO  -  (leu-o, em voz alta) “Um aviso. Se querem continuar tendo o direito de viverem em paz, não vão à cidade, amanhã, assinar as escrituras de posse.”

MESTRE JONAS  -  Que acha disso, Cyro?

CYRO  -  Nós vamos amanhã, à cidade, assinar a escritura de posse.

CORTA PARA:

CENA  2  -  PORTO AZUL  -  CASA DE D. BÁRBARA  -  SALA  -  INTERIOR  -  NOITE

O RELÓGIO, O VELHO CARRILHÃO DA CASA DE D. BÁRBARA, TINHA BATIDO MEIA-NOITE E MEIA. CYRO AINDA LIA OBRAS DE AUTORES ESTRANGEIROS SOBRE CIRURGIA CARDÍACA, QUANDO OUVIU BATEREM COM NERVOSISMO À PORTA DA FRENTE. LEVANTOU-SE E CORREU A ATENDER.

MESTRE JONAS NÃO ESCONDIA O DESCONTRÔLE. A SEU LADO, DAS DORES SEGURAVA-LHE O BRAÇO.

MESTRE JONAS  -   Cyro, precisamos de você, urgente!

CYRO  -  Que foi?

MESTRE JONAS  -  Uma mulher está precisando de você!

CYRO  -  Vanda Vidal?

DAS DORES  -  (arregalando os olhos) A gente não tá falando dessa moça.

MESTRE JONAS  -  Por que tu falou no nome de Vanda Vidal?

CYRO  -  (fugindo ao assunto) Nada... É que eu tinha de ir à cidade falar com ela. Amanhã... talvez. Ela está precisando de mim... é por isso!

MESTRE JONAS  -  Não, Cyro. A gente sente muito vir te aborrecer a esta hora. Mas se trata de uma moça que fomo ver  agora, pra atendê um chamado. Pensamo antes que fosse até um golpe contra você. Mas num é não, Cyro!

DAS DORES  -  A moça tá mesmo em desespero e só chama por ocê. Pediu pelo amor de Deus... pra gente te levá lá ainda hoje pra falá com ela.

CYRO  -  Quem é ela? O que tem ela? Está muito doente?

MESTRE JONAS  -  Ela não disse o que tem. Ou nem sabe o que tem. Tá sofrendo muito. Falando até em se matar. Se chama Dona Zélia e mora pras bandas da Serrinha.

O MÉDICO APANHOU A PEQUENA PASTA DE APARELHOS E MEDICAMENTOS DE URGÊNCIA.

CYRO  -  Então, vamos embora!

CORTA PARA:
Vanda Vidal (Dina Sfat)

CENA 3  -  FLORIANÓPOLIS  -  CASA DE ESTER  -  SALA  -  INTERIOR  -  NOITE

O CARRO DE LUXO, PRATA, ACABARA DE PARAR DIANTE DA RESIDENCIA DE ESTER. O HOMEM ESPADAÚDO PREMIU O BOTÃO E ENTROU NA CASA.

CESÁRIO  -  Dá licença!

ESTER  -  Entre!

CESÁRIO  -  (entrou, sorrindo maliciosamente) Fiquei muito comovido com o seu chamado.

ESTER  -  (com frieza) Sim, eu o mandei chamar. Mas não é para o que o senhor pensa. Aliás... quero preveni-lo de que passei a andar armada.

ABRIU UMA GAVETA E MOSTROU-LHE A PEQUENA ARMA DOURADA. ALISOU-LHE A CORONHA E MOVEU O TAMBOR. DEIXOU-A SOBRE A MESINHA DE CENTRO, AO ALCANCE DA MÃO. FITOU O HOMEM À SUA FRENTE. IMPERTURBÁVEL. COMO SE NADA DE MAIS ESTIVESSE OCORRENDO.

ESTER  -  Sou uma mulher só. Tenho uma profissão honrada; como sabe, sou promotora pública e não posso estar à mercê de um sujeito que entra na minha casa... para abusar da minha hospitalidade... para desafiar a minha fraqueza. Isto é inconcebível. Um desrespeito à pessoa humana! Um absurdo! O que o senhor fez... foi revoltante!

CESÁRIO  -  (limpou os lábios com a língua, com cinismo) Mas até que a senhora topou!

ESTER  -  (ordenou) Não me fale nesse tom! Eu não quero me exaltar. Tão sórdido é o seu cinismo... que eu prefiro ignorá-lo. Chamei-o aqui unicamente... para lhe dizer que nossas relações estão cortadas definitivamente. Sua entrada nesta casa está terminantemente proibida e se voltar saiba que estou preparada para enfrentá-lo!

CESÁRIO  -  Bem... agora a senhora vai me dar a chance de dizer alguma coisa (procurou uma cadeira para sentar-se) Eu não fiz nada de mal. Pensei até em estar fazendo um bem... afinal, como a senhora mesma disse... é uma mulher só. E uma mulher não pode curtir o tempo todo uma dor-de-cotovelo tão grande. Tem necessidade de outro “pinta”...

ESTER  -  O senhor só diz bobagens!

CESÁRIO  -  Ainda não terminei. O pior vem aí. O caso é o seguinte: gamei pela senhora!

ESTER  -  (estremeceu de raiva) Exijo que me respeite!

CESÁRIO  -  Gamei, pronto! Sou franco, não sou? É a única mulher que podia substituir a Tula. E substituiu muito bem.

ESTER  -  O seu mal é que o senhor voa alto demais. Procure uma moça de sua condição, de sua educação. Não terá problemas.

CESÁRIO  -  Se educação é problema, eu me igualo à senhora. Dinheiro eu tenho. Demais até. Vou receber toda a grana de Júlia. E são milhões...

ESTER  -  Não estou falando em termos de comparação e nem que o senhor fosse um príncipe, não lhe daria confiança!

CESÁRIO  -  Mas deu! A verdade é essa! Toda mulher tem um momento de desabafo. A senhora teve e eu aguentei esse momento... A senhora foi até um pouco além...

ESTER  -  (espantada) O que quer dizer com isso?

CESÁRIO  -  Quero lhe dizer simplesmente que a senhora não pode ter se esquecido de que eu servi para aguentar seus piores momentos.

ESTER  -  Continuo não entendendo nada!

CESÁRIO  -  Bem... tá certo que tenha uma profissão honrada e de prestígio. É uma senhora muito distinta... e tem de manter uma aparência...

ESTER  -  (vermelha de ira, respondeu agressiva) Eu não mantenho aparências! Eu sou uma mulher honesta!

CESÁRIO ERGUEU-SE, FUNDOU A MÃO NO BOLSO DO PALETÓ E PUXOU UM ENVELOPE CINZA. DE DENTRO DELE RETIROU ALGUMAS FOTOS.

CESÁRIO  -  Muito bem... então veja isto! (entregou as fotografias à mulher) Que diria o Dr. Paulus... o Prefeito Otto Muller... ou mesmo o Dr. Cyro Valdez, seu ex-marido... se vissem a senhora... assim?

ERA COMO SE UM LIVRO PORNOGRÁFICO, ASSINADO POR ELA, FOSSE REVELADO AO MUNDO. ESTER EMPALIDECEU ATÉ A DERRADEIRA GOTA DE SANGUE. ALI ESTAVAM FOTOS ALTAMENTE COMPROMETEDORAS ENVOLVENDO CESÁRIO E A PROMOTORA DO ESTADO. ESTER SEMINUA, ATIRADA AOS BRAÇOS MUSCULOSOS DO HOMEM QUE ELA REPUDIAVA. EXPRESSÕES DE DELÍRIO SEXUAL. FOTOS QUE – UMA VEZ NAS MÃOS DA IMPRENSA – ACABARIAM DE VEZ COM A CARREIRA RECÉM-INICIADA E COM OS PROPÓSITOS DE HONESTIDADE, SERIEDADE E LINHAGEM DE ESTER MULLER OU VALDEZ OU O QUE QUER QUE FOSSE – PENSAVA ELA, ENQUANTO EXAMINAVA O GRUPO DE CENAS HÁBILMENTE ESCOLHIDAS PELO FOTÓGRAFO. ESTER NÃO ACREDITAVA NO QUE VIA.

ESTER  -  O que é isto? Como se explica isto?

CESÁRIO  -  Taí, ué! Eu não inventei!

ESTER  -  Mas como se explica?!

CESÁRIO  -  Não se lembra? A senhora bebeu um pouco demais... a gente saiu pra dar um passeio...

CESÁRIO RIA.

ESTER  -  Eu não fiz nada disso!

CESÁRIO  -  Mas taí, ué! Não é truque!

ESTER  -  O senhor... bateu as fotos!

CESÁRIO  -  Quis guardar uma lembrança...

ESTER  -  Eu entendo. O senhor é capaz de tudo por dinheiro! Compreendo! O senhor quer dinheiro! Vai fazer chantagem com as fotos! Casou-se com Júlia e foi só pelo dinheiro dela! Agora sou eu a vítima! Quanto... quanto quer pelas fotos? Pode dar seu preço!

CESÁRIO MAL OLHOU PARA AS FOTOS. ABANDONOU-AS SOBRE A PEQUENA MESA DE MÁRMORE BRANCO.

CESÁRIO  -  Taí. São suas.

ESTER  -  Quantos?

CESÁRIO  -  (sério e firme, olhando-a nos olhos) Não é dinheiro que eu quero, Dona Ester. Fica aí pra senhora ver bem... mas eu tenho os negativos...

ESTER  -  O que você pretende, miserável?

A VOZ DE PAULUS CORTOU O DIÁLOGO.

PAULUS  -  (off) Ester! Ester!

ASSUSTADA, REUNIU O MAÇO DE FOTOGRAFIAS, NERVOSAMENTE.

ESTER  -  Leve estas fotos daqui! Suma com isso!

CESÁRIO RECOLHEU-AS AO ENVELOPE, ENQUANTO O ADVOGADO APARECIA NA SALA.

PAULUS  -  (encarando com ódio o ex-comparsa) Que foi? O que ele está fazendo aqui?

CESÁRIO  -  Nada. Eu vim... buscar o resto das minhas coisas que ficou tudo aí. Dona Ester, volto amanhã pra gente terminar a nossa conversa...

PAULUS  -  (furioso) Que conversa?

CESÁRIO  -  Sobre... umas coisas que Júlia deixou. Eu quero dar pra Dona Ester... ela não quer aceitar. Sabe... herança de Júlia.

ESTER  -  (ordenou, descontrolada ante a ironia do rapaz) Vá embora!

CESÁRIO  -  Tou indo. Boa noite. Volto amanhã.

FIM DO CAPÍTULO 94




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