sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 96


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 96

Participam deste capítulo

Cyro  -  Tarcísio Meira
Ester  -  Gloria Menezes
Vanda Vidal  -  Dina Sfat
Otto  -  Jardel Filho
Paulus  -  Emiliano Queiroz
Cesário  -  Carlos Eduardo Dolabella
Das Dores  -  Ruth de Souza
Von Muller  -  Jorge Cherques
Zélia
Tavares


CENA 1  -  SERRINHA  -  CHOUPANA DE ZÉLIA  -  QUARTO  -  INTERIOR  -  DIA

NA OBSCURIDADE DO QUARTO, ZÉLIA GEMEU, AS ENTRANHAS EM FOGO.

DAS DORES  -  Como ta se sentindo?

ZÉLIA  -  Bem. Pode ir embora.

DAS DORES  -  Posso mesmo? Olha lá. Não mande me chamá depois, porque eu não posso vim!

ZÉLIA  -  Eu não mando, Pode ir. Tá tudo bem... agora. Vá descansada, Das Dores. Eu te agradeço muito.

A NEGRE SE BENZEU DIANTE DA IMAGEM DE SÃO JOSÉ E, AJEITANDO O XALE NO PESCOÇO, DESPEDIU-SE DA AMIGA.

DAS DORES  -  Té manhã.

ZÉLIA  -  Té manhã.

ANTES DE DEIXAR A SALA, ENCAMINHOU-SE PARA A VIZINHA QUE ALI ESTAVA, ARRUMANDO TESOURAS E ESTRANHOS OBJETOS NUMA MALETA DE COURO.

DAS DORES  -     Tem que jurá... que tudo o que aconteceu aqui, fica entre nós.

MULHER  -  Juro!

DAS DORES  -  Adeus!

A CASA TORNOU A FICAR EM SILENCIO. APENAS OS GEMIDOS CADENCIADOS DE ZÉLIA QUEBRAVAM A SOLIDÃO.

CORTA PARA:

CENA 2  -  PORTO AZUL  -  ESTRADA  -  EXTERIOR  -  DIA

NAS PROXIMIDADES DE PORTO AZUL, VANDA VIDAL PEDIU A CYRO PARA PARAR. PREFERIA FAZER O RESTO DO PERCURSO A PÉ E, PARA TANTO, NECESSITAVA RESPIRAR UM POUCO O AR PURO DA NATUREZA.

CYRO ESTACIONOU O CARRO.

VANDA  -  Já está na hora... eu tenho de ir... te deixo aqui pra gente não entrar juntos na cidade.

CYRO  -  (agastado) Você se preocupa muito com estas coisas. Eu não sou homem de fazer nada às escondidas. Nada tenho a esconder, e se estou em sua companhia agora, não há motivo para ninguém pensar que estou agindo mal. Sou responsável por aquilo que faço.

VANDA  -  (com um gesto meigo, tampou os lábios do rapaz com a mão) Eu sei... eu sei... não falo por você. Falo por mim. Prometi à sua mãe, ao seu pai que não ia te procurar mais... e não quero faltar com a minha palavra. Eles foram bacanas comigo... eu quero ser bacana com eles.

CYRO ACARICIOU COM TERNURA O ROSTO MEIO CANSADO DA JOVEM DE BELOS E EXPRESSIVOS OLHOS. NUM MOVIMENTO INESPERADO, ELA AGARROU-LHE A CABEÇA E BEIJOU-LHE OS LÁBIOS, OFEGANTE.

CYRO  -  Isto é cisma deles, Vanda. Se você precisa de mim, não é por isto que vai deixar de me procurar...

VANDA  -  Eu entendo você e entendo eles. Para você nada tem maldade. Nada tem importância, mas eu acho que eles compreendem melhor... porque sabem que estou caída por você... e se te procuro... é para te pedir um pouco de amor.

CYRO  -  Vanda!

VANDA  -  Não... não diga mais nada. Já sei de cor e salteado tuas palavras. Deixa as coisas como estão. Me deixa só a certeza de que posso te querer assim... com essa loucura... sabendo que isso é a coisa mais pura que já existiu até hoje em minha vida. Mesmo que você não me corresponda... eu quero o direito de te amar assim... o direito de te desejar assim...

CYRO  -  Escute...

VANDA  -  Te proíbo de dizer alguma coisa!

CYRO  -  Não se sinta só... não se desespere. Você tem um lugar te esperando para trabalhar, quando quiser...

VANDA  -  Eu sei... tenho um lugar... se eu conseguir ir pra lá sem te querer tanto. Eu prefiro não ir... e continuar te querendo assim...

CYRO TORNOU A BEIJAR-LHE OS DEDOS, UM A UM.

VANDA BEIJOU-LHE OS LÁBIOS E PARTIU PARA OS LADOS DA AREIA BRANCA. CYRO RODOU A CHAVE NA IGNIÇÃO E LIGOU O MOTOR DO CARRO. FAZIA CALOR ÀQUELA HORA.

CORTA PARA:
Cesário (Carlos Eduardo Dolabella) e Tula (Lucia Alves)

CENA 3  -  MANSÃO DE OTTO MULLER  -  SALA  -  INTERIOR  -  NOITE

DOIS HOMENS MEIO EMBUÇADOS ESPERAVAM POR OTTO MULLER NAS SOMBRAS DO JARDIM DA RESIDENCIA. OTTO ABRIU A PORTA DA CASA E DIRIGIU-SE AOS RECÉM-CHEGADOS.

VON MULLER  -  Parabéns! Parabéns porr nascimento de Katty!

O ALEMÃO ABRAÇOU O FILHO COM ORGULHO. TAVARES MANTEVE-SE À DISTANCIA.

OTTO  -  Obrigado! Foi por isso que o senhor veio?

VON MULLER  -  Non. É para coisa mais grave. Venha cá!

OTTO ACOMPANHOU O PAI ATÉ ONDE SE ENCONTRAVA TAVARES, QUE RESPIROU FUNDO.

VON MULLER  -  Este meu amigo Tavares... trabalha parra nós.

OTTO  -  Eu sei. Conheço. O que há com ele?

VON MULLER  -  Mulher Tavares acaba morrerr no hospital daqui!

OTTO  -  (fingiu lastimar o acontecimento) Meus pêsames. (apertou a mão calosa do homem) Está precisando de alguma coisa?

VON MULLER  -  Non. Quero te dizerr quem tratou dela, da esposa Tavares... foi Dr. Cyro Valdez!

OTTO  -  (assobiou de assombro) Dr. Cyro! Mas...

VON MULLER  -  Por culpa dele... que ela morreu!

OTTO  -  (estupefato) Como... por culpa do Dr. Cyro?! O senhor quer dizer que ele cometeu algum erro?

VON MULLER  -  Ia! Doutor Cyro caiu num grave erro!

OTTO  -  Caso de polícia?

VON MULLER  -  Caso de polícia.

OTTO  -  (apontou para o assecla do pai) E o que ele está esperando? Dê queixa imediatamente à polícia!

VON MULLER  -  Ele vai darr queixa, mas nesta altura o erro do Dr. Cyro já deve ter sido divulgado e a polícia já tomou conhecimento.

OTTO ESTICOU O BRAÇO, DESCANSANDO-O NO OMBRO ESQUERDO DE TAVARES.

OTTO  -  Sinto muito.

VON MULLER  -  Ele me procurrou para saberr o que fazerr.

OTTO  -  Agora já sabe. Não perca tempo. Vá imediatamente ao delegado.

VON MULLER  -  Eu leva ele. Boa noite, Otto!

OTTO  -  Boa noite, papai!

COM O ROSTO EM BRASA E OS OLHOS GIRANDO DE ALEGRIA, OTTO MULLER SUBIU AS ESCADARIAS EM DIREÇÃO AOS SEUS APOSENTOS.

CORTA PARA:

CENA 4  -  MANSÃO DE OTTO MULLER  -  CORREDOR  -  INTERIOR  -  NOITE

O DR. PAULUS DESPEDIA-SE DE D. CATARINA E DAVA O BRAÇO A ESTER. DEIXÁ-LA-IA EM CASA, ANTES DE REGRESSAR À SUA PRÓPRIA RESIDENCIA, NO ATALAIA. VIU OTTO VERMELHO E SORRIDENTE. TODOS VOLTARAM-SE AO MESMO TEMPO PARA OS LADOS DO QUARTO DO CASAL. LIA ESPANTOU-SE COM A TRANSFORMAÇÃO OPERADA NO MARIDO. OTTO PARECIA OUTRO HOMEM.

OTTO  -  Já estão de saída?

PAULUS  -  Ester está cansada. Já são 10 horas.

OTTO  -  Paulus... quem foi que disse que o Dr. Cyro Valdez era infalível e não cometia enganos?

ESTER EMPALIDECEU. O ASSUNTO INTERESSAVA A TODOS.

ESTER  -  A que vem isso agora, Otto?

OTTO  -  Amanhã vocês saberão... certamente pelos jornais.

ESTER  -  Mas... o que aconteceu?

OTTO  -  Simplesmente, o Dr. Cyro cometeu um grave erro. Não quero dizer mais nada. Não sou policial. Amanhã, com certeza, a senhora promotora tomará conhecimento do caso.

SEM MAIS PALAVRAS, OTTO MULLER ABRIU A PORTA DO QUARTO E SE ESCONDEU COM SUA ALEGRIA.

CORTA PARA:

CENA  5  -  FLORIANÓPOLIS  -  CASA DE ESTER  -  SALA  -  INTERIOR  -  NOITE

ESTER HAVIA CHEGADO HÁ POUCOS MINUTOS E SE DESPEDIRA DO NOIVO À PORTA DA BELA CASA. PAULUS VOLTOU AO CARRO E SE PERDEU NAS RUAS ESCURAS DE FLORIANÓPOLIS.

MAQUINALMENTE, ESTER PREMIU O INTERRUPTOR E A LUZ INVADIU A SALA. A FIGURA TRANQUILA DE CESÁRIO SURGIU NO CENTRO DA SALA, PÉS SOBRE A MESA, CORPO ENTREGUE À COMODIDADE NO SOFÁ.

CESÁRIO  -  Desculpe... boa noite!

ESTER  -  (sem demonstrar surpresa, encarou-o com raiva) Estava esperando que viesse!

CESÁRIO  -  Eu sei. A gente tem de terminar uma conversa de ontem. Esperei muito tempo aí fora, resolvi entrar para descansar um pouco. Tenho a chave que pertencia a Júlia.

ESTER  -  Não me interessa... quero apenas que me entregue os negativos daquelas fotos absurdas.

CESÁRIO  -  Eu entrego... mas tenho uma condição.

ESTER  -  Estou esperando o seu preço. Quanto quer por elas?

CESÁRIO  -  Já disse que não é dinheiro o que me interessa.

ESTER  -  O que é, então?

CESÁRIO  -  Eu quero só... quero só... só me casar com a senhora! Nada mais!

ESTER  -  (perplexa) Ca... sar? O senhor disse... casar?!

CESÁRIO  -  É. Casar no duro. Direitinho, como manda o figurino. Como a senhora se casou com Otto e com o Dr. Cyro. A gente se casa num tal de consulado, também.

ESTER  -  Isto... é um disparate! Um absurdo!

CESÁRIO  -  Por quê? Se é por dinheiro... não há diferença. Eu tenho muito!

ESTER  -  Não. Não é por dinheiro! Será que você não percebe que há muita diferença de educação entre nós? E que eu não gosto de você?

CESÁRIO  -  A senhora também não gosta do Dr. Paulus, mas vai se casar com ele, pelo menos estão noivos. Por quê? Pra fazer picuinha pro Dr. Cyro? Pois case comigo e vai sair lucrando.

ESTER  -  É muito diferente. É verdade que não amo Paulus... mas existe respeito entre nós. Ele é um homem educado, um homem fino! Ao passo que você... você... Eu não quero ofendê-lo... Compreendo até a sua pretensão... mas procure cair na realidade e não seja ridículo!

CESÁRIO  -  (movimentou a cabeça, pesaroso) Então... apesar das minhas boas intenções... sua resposta é negativa?

ESTER  -  Claro! Ou você pensou que podia me fazer ameaças com aquelas fotos?

CESÁRIO  -  Não... no duro que aquelas fotos foram mais para me dar coragem. Eu pensei “bem, ela vai reconhecer que eu já servi pra seus desabafos. Podia servir também pra ser seu marido”...

ESTER  -  Francamente, Cesário... eu... não sei se você é muito burro... ou um espertalhão muito grande!

CESÁRIO  -  Não queria fazer ameaças, juro que não queria. Mas gamei... gamei pela senhora, pronto! E agora agüente as conseqüências...

ESTER  -  (aborrecida) Eu não quero nada com você!

CESÁRIO  -  Tá bão. Não quer se casar comigo. Legal. Eu entendo. Mas vou lhe dizer uma coisa: não casa comigo, nem casa com esse advogadozinho de meia tigela. No dia que marcar casamento com ele, eu mando publicar estas fotos no jornal.

CESÁRIO ERGUEU-SE MOLEMENTE E AFASTOU-SE EM PASSOS LENTOS ATÉ A PORTA. ANTES DE GIRAR A MAÇANETA OUVIU A VOZ ENROUQUECIDA DA MULHER:

ESTER  -  Eu pago quanto você quiser pelos negativos!

CESÁRIO  -  Já disse. Não tem preço!

FIM DO CAPÍTULO 96




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