Novela de Janete Clair
Adaptação de Toni Figueira
CAPÍTULO 96
Participam deste
capítulo
Cyro -
Tarcísio Meira
Ester -
Gloria Menezes
Vanda Vidal - Dina
Sfat
Otto -
Jardel Filho
Paulus -
Emiliano Queiroz
Cesário -
Carlos Eduardo Dolabella
Das Dores - Ruth
de Souza
Von Muller -
Jorge Cherques
Zélia
Tavares
CENA 1 -
SERRINHA - CHOUPANA DE ZÉLIA -
QUARTO - INTERIOR
- DIA
NA OBSCURIDADE DO QUARTO, ZÉLIA GEMEU, AS ENTRANHAS EM FOGO.
DAS DORES - Como ta se sentindo?
ZÉLIA - Bem. Pode ir embora.
DAS DORES - Posso mesmo? Olha lá. Não mande me chamá
depois, porque eu não posso vim!
ZÉLIA - Eu não mando, Pode ir. Tá tudo bem... agora.
Vá descansada, Das Dores. Eu te agradeço muito.
A NEGRE SE BENZEU DIANTE DA IMAGEM DE SÃO JOSÉ E, AJEITANDO O
XALE NO PESCOÇO, DESPEDIU-SE DA AMIGA.
DAS DORES - Té manhã.
ZÉLIA - Té manhã.
ANTES DE DEIXAR A SALA, ENCAMINHOU-SE PARA A VIZINHA QUE ALI
ESTAVA, ARRUMANDO TESOURAS E ESTRANHOS OBJETOS NUMA MALETA DE COURO.
DAS DORES - Tem
que jurá... que tudo o que aconteceu aqui, fica entre nós.
MULHER - Juro!
DAS DORES - Adeus!
A CASA TORNOU A FICAR EM SILENCIO. APENAS OS GEMIDOS
CADENCIADOS DE ZÉLIA QUEBRAVAM A SOLIDÃO.
CORTA PARA:
CENA 2 -
PORTO AZUL - ESTRADA
- EXTERIOR - DIA
NAS PROXIMIDADES DE PORTO AZUL, VANDA VIDAL PEDIU A CYRO PARA
PARAR. PREFERIA FAZER O RESTO DO PERCURSO A PÉ E, PARA TANTO, NECESSITAVA
RESPIRAR UM POUCO O AR PURO DA NATUREZA.
CYRO ESTACIONOU O CARRO.
VANDA - Já está na hora... eu tenho de ir... te deixo
aqui pra gente não entrar juntos na cidade.
CYRO - (agastado) Você se preocupa muito com estas
coisas. Eu não sou homem de fazer nada às escondidas. Nada tenho a esconder, e
se estou em sua companhia agora, não há motivo para ninguém pensar que estou
agindo mal. Sou responsável por aquilo que faço.
VANDA - (com um gesto meigo, tampou os lábios do
rapaz com a mão) Eu sei... eu sei... não falo por você. Falo por mim. Prometi à
sua mãe, ao seu pai que não ia te procurar mais... e não quero faltar com a
minha palavra. Eles foram bacanas comigo... eu quero ser bacana com eles.
CYRO ACARICIOU COM TERNURA O ROSTO MEIO CANSADO DA JOVEM DE
BELOS E EXPRESSIVOS OLHOS. NUM MOVIMENTO INESPERADO, ELA AGARROU-LHE A CABEÇA E
BEIJOU-LHE OS LÁBIOS, OFEGANTE.
CYRO - Isto é cisma deles, Vanda. Se você precisa de
mim, não é por isto que vai deixar de me procurar...
VANDA - Eu entendo você e entendo eles. Para você
nada tem maldade. Nada tem importância, mas eu acho que eles compreendem
melhor... porque sabem que estou caída por você... e se te procuro... é para te
pedir um pouco de amor.
CYRO - Vanda!
VANDA - Não... não diga mais nada. Já sei de cor e
salteado tuas palavras. Deixa as coisas como estão. Me deixa só a certeza de
que posso te querer assim... com essa loucura... sabendo que isso é a coisa
mais pura que já existiu até hoje em minha vida. Mesmo que você não me
corresponda... eu quero o direito de te amar assim... o direito de te desejar
assim...
CYRO - Escute...
VANDA - Te proíbo de dizer alguma coisa!
CYRO - Não se sinta só... não se desespere. Você tem
um lugar te esperando para trabalhar, quando quiser...
VANDA - Eu sei... tenho um lugar... se eu conseguir
ir pra lá sem te querer tanto. Eu prefiro não ir... e continuar te querendo
assim...
CYRO TORNOU A BEIJAR-LHE OS DEDOS, UM A UM.
VANDA BEIJOU-LHE OS LÁBIOS E PARTIU PARA OS LADOS DA AREIA
BRANCA. CYRO RODOU A CHAVE NA IGNIÇÃO E LIGOU O MOTOR DO CARRO. FAZIA CALOR
ÀQUELA HORA.
CENA 3 -
MANSÃO DE OTTO MULLER - SALA - INTERIOR
- NOITE
DOIS HOMENS MEIO EMBUÇADOS ESPERAVAM POR OTTO MULLER NAS
SOMBRAS DO JARDIM DA RESIDENCIA. OTTO ABRIU A PORTA DA CASA E DIRIGIU-SE AOS
RECÉM-CHEGADOS.
VON MULLER - Parabéns! Parabéns porr nascimento de Katty!
O ALEMÃO ABRAÇOU O FILHO COM ORGULHO. TAVARES MANTEVE-SE À DISTANCIA.
OTTO - Obrigado! Foi por isso que o senhor veio?
VON MULLER - Non. É para coisa mais grave. Venha cá!
OTTO ACOMPANHOU O PAI ATÉ ONDE SE ENCONTRAVA TAVARES, QUE
RESPIROU FUNDO.
VON MULLER - Este meu amigo Tavares... trabalha parra nós.
OTTO - Eu sei. Conheço. O que há com ele?
VON MULLER - Mulher Tavares acaba morrerr no hospital
daqui!
OTTO - (fingiu lastimar o acontecimento) Meus
pêsames. (apertou a mão calosa do homem) Está precisando de alguma coisa?
VON MULLER - Non. Quero te dizerr quem tratou dela, da
esposa Tavares... foi Dr. Cyro Valdez!
OTTO - (assobiou de assombro) Dr. Cyro! Mas...
VON MULLER - Por culpa dele... que ela morreu!
OTTO - (estupefato) Como... por culpa do Dr. Cyro?!
O senhor quer dizer que ele cometeu algum erro?
VON MULLER - Ia! Doutor Cyro caiu num grave erro!
OTTO - Caso de polícia?
VON MULLER - Caso de polícia.
OTTO - (apontou para o assecla do pai) E o que ele
está esperando? Dê queixa imediatamente à polícia!
VON MULLER - Ele vai darr queixa, mas nesta altura o erro
do Dr. Cyro já deve ter sido divulgado e a polícia já tomou conhecimento.
OTTO ESTICOU O BRAÇO, DESCANSANDO-O NO OMBRO ESQUERDO DE
TAVARES.
OTTO - Sinto muito.
VON MULLER - Ele me procurrou para saberr o que fazerr.
OTTO - Agora já sabe. Não perca tempo. Vá
imediatamente ao delegado.
VON MULLER - Eu leva ele. Boa noite, Otto!
OTTO - Boa noite, papai!
COM O ROSTO EM BRASA E OS OLHOS GIRANDO DE ALEGRIA, OTTO
MULLER SUBIU AS ESCADARIAS EM DIREÇÃO AOS SEUS APOSENTOS.
CORTA PARA:
CENA 4 -
MANSÃO DE OTTO MULLER - CORREDOR
- INTERIOR -
NOITE
O DR. PAULUS DESPEDIA-SE DE D. CATARINA E DAVA O BRAÇO A
ESTER. DEIXÁ-LA-IA EM CASA, ANTES DE REGRESSAR À SUA PRÓPRIA RESIDENCIA, NO
ATALAIA. VIU OTTO VERMELHO E SORRIDENTE. TODOS VOLTARAM-SE AO MESMO TEMPO PARA
OS LADOS DO QUARTO DO CASAL. LIA ESPANTOU-SE COM A TRANSFORMAÇÃO OPERADA NO
MARIDO. OTTO PARECIA OUTRO HOMEM.
OTTO - Já estão de saída?
PAULUS - Ester está cansada. Já são 10 horas.
OTTO - Paulus... quem foi que disse que o Dr. Cyro
Valdez era infalível e não cometia enganos?
ESTER EMPALIDECEU. O ASSUNTO INTERESSAVA A TODOS.
ESTER - A que vem isso agora, Otto?
OTTO - Amanhã vocês saberão... certamente pelos
jornais.
ESTER - Mas... o que aconteceu?
OTTO - Simplesmente, o Dr. Cyro cometeu um grave
erro. Não quero dizer mais nada. Não sou policial. Amanhã, com certeza, a
senhora promotora tomará conhecimento do caso.
SEM MAIS PALAVRAS, OTTO MULLER ABRIU A PORTA DO QUARTO E SE
ESCONDEU COM SUA ALEGRIA.
CORTA PARA:
CENA 5
- FLORIANÓPOLIS - CASA
DE ESTER - SALA
- INTERIOR -
NOITE
ESTER HAVIA CHEGADO HÁ POUCOS MINUTOS E SE DESPEDIRA DO NOIVO
À PORTA DA BELA CASA. PAULUS VOLTOU AO CARRO E SE PERDEU NAS RUAS ESCURAS DE
FLORIANÓPOLIS.
MAQUINALMENTE, ESTER PREMIU O INTERRUPTOR E A LUZ INVADIU A
SALA. A FIGURA TRANQUILA DE CESÁRIO SURGIU NO CENTRO DA SALA, PÉS SOBRE A MESA,
CORPO ENTREGUE À COMODIDADE NO SOFÁ.
CESÁRIO - Desculpe... boa noite!
ESTER - (sem demonstrar surpresa, encarou-o com
raiva) Estava esperando que viesse!
CESÁRIO - Eu sei. A gente tem de terminar uma conversa
de ontem. Esperei muito tempo aí fora, resolvi entrar para descansar um pouco.
Tenho a chave que pertencia a Júlia.
ESTER - Não me interessa... quero apenas que me
entregue os negativos daquelas fotos absurdas.
CESÁRIO - Eu entrego... mas tenho uma condição.
ESTER - Estou esperando o seu preço. Quanto quer por
elas?
CESÁRIO - Já disse que não é dinheiro o que me
interessa.
ESTER - O que é, então?
CESÁRIO - Eu quero só... quero só... só me casar com a
senhora! Nada mais!
ESTER - (perplexa) Ca... sar? O senhor disse...
casar?!
CESÁRIO - É. Casar no duro. Direitinho, como manda o
figurino. Como a senhora se casou com Otto e com o Dr. Cyro. A gente se casa num
tal de consulado, também.
ESTER - Isto... é um disparate! Um absurdo!
CESÁRIO - Por quê? Se é por dinheiro... não há
diferença. Eu tenho muito!
ESTER - Não. Não é por dinheiro! Será que você não
percebe que há muita diferença de educação entre nós? E que eu não gosto de
você?
CESÁRIO - A senhora também não gosta do Dr. Paulus, mas
vai se casar com ele, pelo menos estão noivos. Por quê? Pra fazer picuinha pro
Dr. Cyro? Pois case comigo e vai sair lucrando.
ESTER - É muito diferente. É verdade que não amo
Paulus... mas existe respeito entre nós. Ele é um homem educado, um homem fino!
Ao passo que você... você... Eu não quero ofendê-lo... Compreendo até a sua
pretensão... mas procure cair na realidade e não seja ridículo!
CESÁRIO - (movimentou a cabeça, pesaroso) Então...
apesar das minhas boas intenções... sua resposta é negativa?
ESTER - Claro! Ou você pensou que podia me fazer
ameaças com aquelas fotos?
CESÁRIO - Não... no duro que aquelas fotos foram mais
para me dar coragem. Eu pensei “bem, ela vai reconhecer que eu já servi pra
seus desabafos. Podia servir também pra ser seu marido”...
ESTER - Francamente, Cesário... eu... não sei se você
é muito burro... ou um espertalhão muito grande!
CESÁRIO - Não queria fazer ameaças, juro que não
queria. Mas gamei... gamei pela senhora, pronto! E agora agüente as
conseqüências...
ESTER - (aborrecida) Eu não quero nada com você!
CESÁRIO - Tá bão. Não quer se casar comigo. Legal. Eu
entendo. Mas vou lhe dizer uma coisa: não casa comigo, nem casa com esse
advogadozinho de meia tigela. No dia que marcar casamento com ele, eu mando
publicar estas fotos no jornal.
CESÁRIO ERGUEU-SE MOLEMENTE E AFASTOU-SE EM PASSOS LENTOS ATÉ
A PORTA. ANTES DE GIRAR A MAÇANETA OUVIU A VOZ ENROUQUECIDA DA MULHER:
ESTER - Eu pago quanto você quiser pelos negativos!
CESÁRIO - Já disse. Não tem preço!
FIM DO CAPÍTULO 96
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