O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 99

Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 99

Participam deste capítulo

Ester  -  Gloria Menezes

Cyro  -  Tarcísio Meira

Otto  -  Jardel Filho

Paulus  -  Emiliano Queiroz

Conceição  -  Zeni Pereira

CENA 1  -  PORTO AZUL  -  FORUM  -  HALL  -  INTERIOR  -  DIA

O JULGAMENTO TINHA SIDO RÁPIDO. FALTAVAM PROVAS E A POLÍCIA NADA PODIA FAZER NUM CASO ASSIM. CONCEIÇÃO ESTAVA LIVRE. NINGUÉM CONSEGUIRA PROVAR SUA PARTICIPAÇÃO NA MORTE DE IVANZINHO. CYRO A ABRAÇAVA ENTERNECIDO.

CONCEIÇÃO  -  Sabe que parece até um sonho?

CYRO  -  Para mim, não. Eu sabia que ninguém encontraria provas para condená-la.

CONCEIÇÃO  -  É verdade mesmo, doutô? Será que num tem perigo daqueles home me mandá prendê de novo... porque acha que eu tenho culpa?

CYRO  -  Não, Conceição! Você foi absolvida por absoluta falta de provas!

CONCEIÇÃO  -  (com as mãos postas e os olhos voltados para o céu) É um sonho! Eu nem credito! Deus foi muito justo. Justo demais. Deus foi muito bão pra mim...

CYRO  -  Você fica comigo, Conceição. Eu estava precisando de alguém para cuidar da minha casa.

CONCEIÇÃO  -  Virge Santa! O senhô também é um santo!

CYRO  -  Tenho uma escola improvisada lá em casa... você pode ajudar muito.

CONCEIÇÃO  -  Ajudo, ajudo sim... só que não sei ensiná a lê, porque o que eu sei é... nada.

CYRO  -  (riu da ingenuidade da mulher) Não é isso. Temos quem ensine a ler. Quero que você faça outra coisa. Há lanches para os alunos... há a conservação da nossa sala de aula... Há muito, muito mesmo o que fazer, Conceição.

CORTA PARA:

André (Paulo José)

CENA 2  -  PORTO AZUL  -  PREFEITURA  -  INTERIOR  -  DIA

PAULUS  -  (espumava de ódio) Isso mesmo. Conceição foi absolvida por absoluta falta de provas

ESTER  -  (frustrada) Falta de provas! Tudo então... continua na mesma? Voltamos à estaca zero?

OTTO ACABAVA DE CHEGAR, AO LADO DO DELEGADO MOREIRA.

OTTO  -  Acabo de saber a vergonheira. Aquela negra velha foi absolvida. Acho que acabamos de ter um tremendo erro de justiça. Não podemos deixar que o fato se repita. A justiça desta cidade tem de ser severa, rigorosa.

PAULUS  -  (ajeitando os óculos) Também acho.

OTTO  -  (empertigou-se, como se fosse proferir um discurso) Senhora promotora! Senhor delegado! Hoje a polícia desta cidade foi desmoralizada publicamente. Ao tentar reaver o material roubado do meu hospital... encontrou uma reação violenta por parte daqueles sujeitos perigosos e sujos que vivem na colônia do Dr. Cyro Valdez. Isto é um acinte à nossa autoridade. Eu quero saber dos dois se ainda acham que as provas do inquérito contra a fera são insuficientes.

ESTER  -  (com ar sombrio) Não... não... eu creio que já podemos chegar a uma conclusão.

OTTO  -  A prisão do médico deverá ser pedida imediatamente!

ESTER  -  Será pedida!

OTTO  -  Depois da ordem judicial o senhor delegado tratará de ir com um aparato policial à colônia dos pescadores. Eu quero a prisão do médico... e quero o meu material do hospital de volta. Hoje mesmo!

E BATEU COM OS PÉS NO CHÃO COMO UM GAROTO BIRRENTO.

E TEVE INÍCIO A PERSEGUIÇÃO A CYRO VALDEZ.

OS DIAS SE PASSAVAM E PORTO AZUL CADA VEZ  MAIS SE CONTURBAVA ANTE AS MEDIDAS  DESUMANAS E INJUSTAS DE OTTO MULLER. VON MULLER DESAPARECERA COMO POR ENCANTO, VOLTANDO ÀS SUAS ATIVIDADES NA MINA. O CONSULTÓRIO DO DR. CYRO TINHA SIDO FECHADO E O MÉDICO ACUSADO PUBLICAMENTE PELO CRIME QUE NÃO HAVIA COMETIDO.

DAS DORES ENTRE CRISES DE CONSCIENCIA LUTAVA CONTRA A NECESSIDADE DE REVELAR TODA A VERDADE. LEMBRAVA-SE DAS AMEAÇAS DO ESTRANHO VELHO NA NOITE FRIA E TEMPESTUOSA EM QUE PROCURAVA O BISCATEIRO TAVARES.

PORTO AZUL ENTRAVA EM ETAPA DE INVOLUÇÃO.

CENA 3  -  CASA DE ESTER  -  JARDIM  -  EXTERIOR  -  NOITE

ESTER  -  Obrigada... por ter aparecido na hora certa, Cyro. Eu já nem sei o que fazer... pra me livrar desse sujeito!

CYRO  -  Você falou em fotos comprometedoras. Que fotos?

ESTER  -  Não há tempo para explicações. Ele foi chamar o delegado. Você tem de fugir!

CYRO OLHOU EM TORNO. O JARDIM OCULTAVA BOA PARTE DA FRENTE DA CASA E NO LOCAL ONDE SE ACHAVAM, A LUZ DE UM LAMPIÃO NÃO LHE POSSIBILITAVA APROVEITAR AS SOMBRAS DA NOITE PARA ESGUEIRAR-SE EM CASO DE NECESSIDADE. OLHOU PARA DENTRO DA CASA, ATRAVÉS DE UMA DAS JANELAS LATERAIS.

O CÉU NUBLADO AMEAÇAVA CHUVA A QUALQUER MOMENTO.

CYRO  -  Vamos entrar.

ESTER  -  Mas Cyro! Eles vão te agarrar!

PEGOU-A PELO BRAÇO E, COM MOVIMENTOS RÁPIDOS, ENTRARAM NA GRANDE SALA DE VISITAS.

ESTER TRANCOU A PORTA.

CYRO  -  Que história é essa de fotografias?

ESTER  -  (desconversando) Estou muito preocupada com a sua segurança. O Delegado Moreira não tarda a vir procurar você, aqui.

CYRO  -  E você não acha que a lei deve ser cumprida?

ESTER  -  (torturava-se) Eu não sei bem se desejo que a lei seja cumprida...

CYRO  -  Não está falando como promotora...

ELA VOLTOU-SE ANGUSTIADAMENTE PARA O HOMEM QUE SE MANTINHA ÀS SUAS COSTAS.

ESTER  -  Vou abandonar de vez esse cargo que só me trouxe amolação! Me responsabilizaram pela sua situação. E eu sei que você está aqui pra me acusar, também...

CYRO PERMANECIA SERENO COMO SE NENHUM PERIGO O AMEAÇASSE. TOCOU-LHE NOS BRAÇOS, SEGURANDO-A PELAS COSTAS.

CYRO  -  Não. Eu não vim pra acusar você, Ester. Eu compreendi o que você fez. A ordem de prisão... a perseguição. Tudo. Eu perdoei. Como sempre fiz na minha vida. Perdoei você.

ESTER  -  (virou-se, fitando-o amorosamente) No fundo... eu sabia que você ia compreender.

CYRO  -  Então você confia na minha compreensão?

ESTER  -  Confio, sim... mas mesmo assim, ia lhe pedri perdão pelo que fui obrigada a fazer. Nunca me senti tão mal comigo mesma em toda a minha vida. A sensação era de que havia cometido um crime.

CYRO  -  (encarando-a, fundo) Você ainda me ama?

ESTER  -  (baixou os olhos, tímida) Alguma vez teve dúvida sobre isso?

CYRO  -  Ester!

ESTER  -  Isso não quer dizer que esqueci o passado. Meu filho não voltou e eu não posso voltar para você.

CYRO  -  Não se martirize desta forma, Ester! É o fim para nós dois...

ESTER  -  Você sabia que seria assim, Cyro!

CYRO VALDEZ ACENDEU O CIGARRO LENTAMENTE, DEIXANDO QUE O FOGO CONSUMISSE O PALITO ATÉ QUEIMAR-LHE A PONTA DO DEDO. LANÇOU-O FORA COM UM ESTREMECIMENTO DE DOR.

ESTER  -  A policia vem aí. Não quero que encontrem você em minha casa.

CYRO  -  Fale das fotos. Eu quero saber por que você tem medo de Cesário.

ESTER  -  Eu tive momentos de desespero. Sou humana. Ele se aproveitou disso... é verdade que numa simples dose de bebida eu perdi a noção dos meus atos. Parecia que havia alguma coisa mais no que ele me fazia beber... Ele vivia aqui em casa... estava casado com Júlia, entende? Então... não era difícil se aproveitar da minha fraqueza... (desesperada, enfiou as mãos nos cabelos louros) Cyro, eu tenho medo. Vá embora...

CYRO  -  (falou, friamente) Continue. Eu quero saber tudo o que houve.

ESTER  -  Foi o que aconteceu. Agora, ele se julga com o direito de me fazer propostas de casamento. Eu já nem sei o que fazer para me livrar dele.

CYRO  -  (com decisão) Mas eu sei!

ESTER  -  Não quero que se envolva. Já está comprometido demais com todas as coisas.

A FREADA DO CARRO NA RUA DESERTA CHAMOU A ATENÇÃO DA MULHER. CORREU ATÉ A JANELA AFASTANDO CUIDADOSAMENTE A CORTINA.

ESTER  -  A polícia! Vá embora! Por ali! (apontou o corredor que ligava à porta traseira) Depressa!

CYRO DESAPARECEU PELOS FUNDOS DA CASA.

ESTER AJEITOU OS CABELOS E RETOCOU RAPIDAMENTE A MAQUILAGE DESFEITA. DESEJAVA APARENTAR UMA CALMA QUE NÃO POSSUÍA.

FIM DO CAPÍTULO 99