sábado, 30 de julho de 2011

IRMÃOS CORAGEM - CAPÍTULO 46


Roteirizado por Toni Figueira
do original de Janete Clair 
CAPÍTULO 46
PARTICIPAM DESTE CAPÍTULO:
 DR. MACIEL
BRAZ CANOEIRO
DOMINGAS
SEBASTIÃO
JOÃO
JERÔNIMO
DUDA
RITINHA
SINHANA
CENA 1  -  COROADO - CASA DO DR. MACIEL  -  INT.  -  NOITE.

O médico ria gostosamente, gozando a situação.


DR. MACIEL  -  Ah, agora eles vêm me pedir ajuda, não é?

BRAZ CANOEIRO  -  O moço Duda foi ferido a bala!  Tá passano mal.

DR. MACIEL  -  Pois que me importa! Não tenho obrigação de tratar de nenhum deles!

DOMINGAS  -  Como não tem obrigação, seu doutô?  (ameaçadoramente)  É um médico! Tem um juramento a cumprir!

Maciel cruzou a sala, sob os olhares reprovadores de Braz e Domingas. Foi até o bar, abriu a garrafa e encheu o copo. Ergueu-o contra a luz como a examinar a composição química de um medicamento. Tomou a bebida de uma talagada.

DR. MACIEL  -  É. Sou médico. Um médico que eles desprezam. Um médico que eles acusam... um médico sem nenhum valor para eles...
   
BRAZ CANOEIRO  -  (cortou)  Seu doutô, o sinhô me desculpe, mas num é hora disso. O moço Duda é um jogadô de futebol famoso e foi ferido na perna... isso pode sê ruim pra carreira dele!

DR. MACIEL  -  Melhor! Melhor que ele nunca mais volte a jogar!
   
BRAZ CANOEIRO  -  (recriminou-o, revoltado)  O sinhô não fala como médico!

DR. MACIEL  -  Falo como vítima.  Como vítima daquela gentalha maldita que me acusou na polícia. Por culpa deles... a minha filha nem me olha na cara. Portanto... eu me recuso a ir cuidar do Eduardo.

BRAZ CANOEIRO  -  Eu posso dizê isso a ele?   Posso?

DR. MACIEL  -  Pode! Vá correndo! Eu estou com sono e quero me deitar!

Dito isto, o Dr. Maciel deixou a sala. Domingas fez o sinal da cruz e Braz deixou cair os braços, impotente.

CORTA PARA:

CENA 2  -  CASA DO RANCHO CORAGEM  -  QUARTO  -  INT.  -  NOITE.


A luz mortiça do lampião incidia fúnebremente sobre a face cadavérica do ancião. Os raros cabelos, embebidos de suor que lhe escorria pelo rosto, continham pequenos pedaços de barro avermelhado, resquícios das brutalidades que sofrera nas mãos dos bandidos.


SEBASTIÃO  -  (arquejante, quase num sussurro inaudível)  Eu tive toda a culpa, filho.

JOÃO  -  Não diga isso, velho... o sinhô fez o que qualquer um de nós havia de fazê pra salvá a vida de Cema.

SEBASTIÃO  -  Seria bom... se tivesse morrido. Eu vou ficá com peso na consciência. Por minha fraqueza... tudo aconteceu.
   
JOÃO  -  (levantou-se, angustiado)  Pai, num dianta ficá agora se martirizano, quereno sabê quem teve culpa ou quem não teve! Isso num resolve nada.

JERÔNIMO  -  Também acho.  O que resolve, agora, é tomá uma atitude. ( e fitando energicamente o irmão)  E quem vai tê que tomá essa atitude é você, João.  Tá mais do que certo que a gente foi vítima de um golpe. Você foi atraído na casa do seu sogro, pra ele mandá roubá o teu diamante e acabá com a nossa família. Agora, eu quero vê se você vai ter corage de ir lá e acabá com toda a raça dele. Até com a filha dele... tua mulhé.

João torcia as mãos, intimamente revoltado com a injustiça das palavras do irmão. Somente ele, naquela casa, sabia das razões do chamamento da casa-grande. Somente ele podia medir as conseqüências do ato selvagem que levara á morte o filho que Lara tinha nas entranhas. O seu filho! 

JOÃO  -  Por que... minha mulhé?

JERÕNIMO  -  (com ironia)  Porque tava na cara que ela tava combinada com o pai, não é, João?

Era demais para quem sofrera bastante naquela noite: a perda do filho, a esposa gravemente ferida, o irmão com a perna ameaçada, o pai moribundo e, para culminar, o roubo do diamante que representava o seu futuro no amor e na riqueza. Quando tornou a falar, João Coragem refletia a combinação de revolta com a ira.

JOÃO  -  Não tá nada na cara, não! Tu nem sabe das coisa... é melhor ficá calado...

JERÔNIMO  -  Eu num sei das coisa! Mas, tudo tá tão claro, João! Ou será que você, agora, vai querê defendê o pai dela?
  
JOÃO  -  Não, a ele num defendo... mas a ela... ela, como eu, como ocê, como pai e Duda... também foi vítima.

JERÔNIMO  -  (virou o rosto em gesto de descrédito)  Essa, não! Não me venha com isso, agora!

CORTA PARA:

CENA  2  -  CASA DO RANCHO CORAGEM  -  SALA  -  INT.  -  MADRUGADA.

 
Braz acabara de regressar de Coroado. Esbaforido. Com a tez negra banhada de suor. Mal podia falar. João e Jerônimo alcançaram o final de suas palavras.


BRAZ CANOEIRO  -   ...e ele disse... que não vem... que num tem obrigação de tratá do Duda... porque ocês são inimigo dele.

Ritinha juntou as mãos como em prece, pressentindo a gravidade da revelação.


RITINHA  -  Ele perdeu o juízo... não pode se negar a tratar de ninguém!

Sinhana correu os olhos pelo quarto, demorando-se no revólver que Eduardo atirara sobre o velho baú. Os irmãos entenderam a mensagem da mãe.

JERÔNIMO  -  Nós trazemos ele, mãe. Nem que seja amarrado.
 
DUDA  -  (revirando-se na cama, suplicou)  Gente... não demorem... eu não agüento de dor!

Os irmãos examinaram o tambor da arma, girando-o com força. O revólver de João, de cabo de madrepérola, mantinha-se preso ao cinto, ao lado direito de sua perna. Não trocaram palavras durante a longa caminhada.

CORTA PARA:

CENA 3  -  COROADO  -  PRAÇA  -  EXT.  -  AMANHECER.


Amanhecia. Ao longe o sol coloria de tintas rubras o horizonte montanhoso. A praça, antes regurgitante de gente, dormia quieta, embalada pelo leve rumor da viração que atormentava a copa das árvores. O ruído das  ferraduras feriu bruscamente o silencio da madrugada.

CORTA PARA:

CENA 4  -  COROADO  -  CASA DO DR. MACIEL  -  EXT.  -  AMANHECER.

Domingas veio atender á porta, sonolenta.


JOÃO  -  Cadê o doutô?

DOMINGAS  -  Tá dormino.

JERÔNIMO  -  Acorda ele.
  
DOMINGAS  -  Gente... num adianta. Eu já fiz tudo. Ele disse que podem matá ele que num vai!

JERÔNIMO  -  Onde é o quarto dele?
   
DOMINGAS  -  Escutem... não compliquem as coisas. Chamem outro médico.

JOÃO  -  Não há tempo, Domingas.  Se meu irmão não for medicado agora... ele morre!

Os rapazes entraram na casa. Domingas voltou a benzer-se com gestos lentos.

CORTA PARA:

CENA 5  -  CASA DO DR. MACIEL  -  QUARTO.  -  INT.  -  AMANHECER.

Maciel sentiu o lençol voar de seu corpo e o vento frio da madrugada fustigar-lhe o peito. Acordou assustado.


DR. MACIEL  -  O que é isto?

JERÔNIMO  -    (com a arma encostada ao peito do médico)  É um convite pra ir tratá do meu irmão!

DR. MACIEL  -  Mas eu já disse...

JOÃO  -   (corta)  Não importa o que disse. A gente veio lhe buscá.

JERÔNIMO  -  Por bem... Por enquanto.

DR. MACIEL  -  Mas eu me recuso. Eu posso escolher os meus clientes.

JERÔNIMO  -   ... e a gente também pode escolher a melhor maneira de lhe mandá pro outro mundo  (arrematou, com os dentes cerrados e a arma engatilhada. Apontou o cano para a testa do médico irresponsável) Anda! Se levante! Se arruma em dois minuto! E vamo simbora!  (com um gesto rápido apanhou o relógio de cabeceira e o colocou a centímetros da cara do inimigo)  Tem dois minuto!

Levantando-se com lentidão, Maciel percebeu a decisão do jovem. Não havia dúvida. Começou a vestir-se.

JERÔNIMO  -  (com a ponta do cano cutucou as costelas do viciado médico)  Mais depressa! Vamo logo!
   
DR. MACIEL  -    (enquanto vestia o terno amarfanhado, foi perguntando)  Que é que ele tem?

JERÔNIMO  -  Atiraro na perna dele. Veja tudo que é preciso pra cuidá disso.  Pode tê quebrado a perna... sei lá.

FIM DO CAPÍTULO  46
Lázaro (Dary Reis) e Braz (Milton Gonçalves)
E NO PRÓXIMO CAPÍTULO...

*** DR. MACIEL ALEGA QUE NÃO TEM RECURSOS PARA CUIDAR DO FERIMENTO DE DUDA. JOÃO E JERÔNIMO SÃO TAXATIVOS: OU OPERA, OU MORRE!

*** JOÃO DÁ O PRAZO DE UM DIA PARA O DELEGADO FALCÃO PRENDER OS CRIMINOSOS, OU FARÁ JUSTIÇA COM AS PRÓPRIAS MÃOS!


NÃO PERCA O CAPÍTULO 47 DE




sexta-feira, 29 de julho de 2011

IRMÃOS CORAGEM - CAPÍTULO 45


Roteirizado por Toni Figueira
do original de Janete Clair

CAPÍTULO 45
 PARTICIPAM DESTE CAPÍTULO:
CEMA
DUDA
JOÃO
DR. RAFAEL
MARIA DE LARA
DALVA
RITINHA
SINHANA
JERÔNIMO


CENA 1  -  CASA DO RANCHO CORAGEM  -  EXT.  -  NOITE.

Durante alguns segundos Cema permaneceu paralisada, não acreditando naquilo que vira. Aos poucos recuperou-se do choque e, como se visse um fantasma, saiu em disparada ao encontro dos cavaleiros.


CEMA  -  Socorro! Socorro! Seu Bastião tá morreno!

Os rapazes saltaram lépidos das montarias. Cema falou, aflita, quase sem respirar, apontando para o interior da casa.

CEMA  -  Foi um assalto. Os home tão fugino, mas seu Bastião tá morreno!

DUDA  -  Vai ver o pai.  Me dê a sua arma, irmão. Vou atrás dos bandidos. (voltou-se para a mulher)  Por onde eles foram?

CEMA  -  Ainda falta um! Ali! Ali tá ele, Duda!

O vulto oculto pelas sombras procurava, nervosamente, montar no cavalo.


DUDA  -  (ameaçou)  Pare! Pare ou eu atiro!

Incontinenti o homem esporeou o animal e partiu a galope, o cavalo relinchando.

O estampido do tiro ecoou no silencio da noite, confundindo-se com o grito de dor do bandido. A bala atingiu-lhe o braço á altura do bíceps, obrigando-o a uma parada momentânea. Eduardo aproveitou para atirar-se contra o desconhecido. A luta foi rápida. Com um pontapé lançado do alto da sela, o homem jogou o rapaz ao solo, ao mesmo tempo em que apontava o revólver contra ele, detonando-o.

CAPANGA  -  Não adianta, mocinho... não adianta... Fique aí ou acabo com você! Dou-lhe outro tiro.

Com o rosto sujo de terra e a perna ferida pelo tiro, Eduardo arrastou-se até a casa, ouvindo o bater das ferraduras do cavalo a perder-se na distancia. A perna doía-lhe como seiscentos diabos...

CORTA PARA:

CENA 2  -  FAZENDA DE PEDRO BARROS  -  CASA-GRANDE  -  QUARTO DE LARA   -  INT.  NOITE.


João Coragem mal respirava quando,subindo dois a dois os degraus da escada, entrou no quarto de Lara. Dr. Rafael, de mangas arregaçadas e com o rosto banhado de suor, concluía o trabalho. Lara, muito pálida, descansava com os olhos cerrados.

JOÃO  -  (em voz baixa)  Como tá ela, douto?

DR. RAFAEL  -  Tudo já passou...

JOÃO  -  Passou? O que o senhô quer dizê?

Aproximou-se do leito, indeciso.

JOÃO  -  (olhou para o médico)  É... Lara?

O médico fez que sim com a cabeça. João beijou suavemente a testa da esposa. Ela abriu os olhos com doçura.

MARIA DE LARA  -  João... João... você demorou!

JOÃO  -  Agora, tá tudo bem. Tou aqui...

João  notou o leve tremor que sacudiu o corpo da esposa e as manchas de sangue que marcavam o lençol alvo e a camisola de dormir.

MARIA DE LARA  -   (quase sem forças, gemendo fracamente ao movimentar o corpo)  Que foi que lhe fizeram, João?

JOÃO  -  A mim, nada. Você é que me preocupa!

MARIA DE LARA  -  Eu? Mas... eu estou bem.
   
JOÃO  -  (os olhos embaçados)  O nosso filho... já soube?
   
MARIA DE LARA  -  Que tem o nosso filho?

O rapaz percebeu a indiscrição e o leve movimento de mãos do Dr. Rafael.


JOÃO  -  Nada. Tou só perguntano... tá... tá tudo bem?
 
MARIA DE LARA  -  Está... não é mesmo, doutor?

Abrindo o pacote de remédios, o médico deu um passo á frente, segurando as mãos da paciente.


DR. RAFAEL  -  Claro! Está tudo bem. (dirigindo-se ao rapaz)  Não a deixe falar muito. Ainda está fraca.

Indaiá ajudava Lara a erguer-se um pouco para ingerir o comprimido que o médico lhe dava.


MARIA DE LARA  -  (apreensiva)  Por que fiquei... neste estado de fraqueza?
   
JOÃO  -  Acho que você... fez algum esforço. Foi isso.

A moça virou o rosto, visivelmente atormentada.


MARIA DE LARA  -  Eu... ou ela?

JOÃO  -  (com mau pressentimento)  Não sei... não sei o que foi que houve.

MARIA DE LARA  -  Só sei que estava muito aflita... para avisar você, João... de que estava correndo perigo. É tudo o que me lembro. Depois veio a escuridão...
   
JOÃO  -  Por quê?

MARIA DE LARA  -  Porque havia uma ameaça... minha mãe me avisou... que meu pai não pretendia cumprir a palavra... não sei bem o que era... só sei que falaram num golpe que estavam preparando para você...

Depois de aplicar uma injeção na veia de Lara, o Dr. Rafael fez sentir que ela fazia um esforço demasiado com possíveis conseqüências desagradáveis para o futuro. João despediu-se de Lara, beijando-a na testa. A moça agarrou, frenèticamente, os ombros do marido.

MARIA DE LARA  -  Eu precisava de você... era você que faltava na minha vida... pra me dar essa sensação de apoio, de segurança... Acho que o Dr. Rafael tem razão. Você é uma espécie... de tratamento... para o meu mal. Junto de você... eu não tenho medo... de nada.

Cerrou os olhos, maciamente, enquanto João Coragem, muito sério, descia para a sala de visitas, no compartimento térreo da casa-grande.

CORTA PARA:


CENA 3  -  FAZENDA DE PEDRO BARROS -  CASA-GRANDE - SALA - INT.  - NOITE.

Rafael aguardava João  em companhia de Dalva. O médico fumava um cigarro, observando a evolução da fumaça e as variadas formas que assumia. Era como que uma personalidade multiforme. A voz de João ligou-o novamente á realidade.


JOÃO  -  (para a tia da esposa)  Foi Lourenço... ou foi a senhora?

DALVA  -  Não admito a mais leve acusação...

JOÃO  -  (cortou, com frieza)  A empregada disse...

DALVA  -  Não importa o que tenha dito. No momento eu fiquei desnorteada. Ela estava fora de si.  Não pensei que fossem chegar a extremos.

JOÃO  -  Doutor... e o meu filho?

O médico meneou a cabeça, fitando desoladamente os olhos do rapaz.


DR. RAFAEL  -  Ela perdeu a criança, João.

Um silencio irritante sucedeu ás palavras francas do Dr. Rafael. João controlava o ódio que o impelia a procurar o capataz e dar-lhe o castigo merecido.

JOÃO  -  (a Dalva)  Onde anda Lourenço?

DALVA  -  Não sei. Saíram todos daqui... não sei aonde foram.

JOÃO  -  Eu vou acabá com a vida de muita gente. Vou procurá Lourenço e matá-lo como quem esmaga um verme...  (lutava para conter as lágrimas que lhe banhavam os olhos)  Eu... eu tava tão contente, doutor! Casado com ela... a criança que vinha... era até uma esperança de que ela ia se curá... o senhor mesmo disse, doutô! E de repente...  (fez uma pausa, com as mãos postas diante do rosto, afugentou algumas gotas teimosas que insistiam em deslizar por sobre sua face)  ... e de repente, tudo vai por água abaixo... por culpa de um desgraçado... um desgraçado que, a troco de nada... por pura maldade... manda fazê o que fizero com minha mulhé. Doutô... é de enlouquecer qualquer um. (gritava, em desespêro) É de enlouquecer, doutô!

Em largas passadas cruzou a sala para olhar o campo que se estendia á sua frente.

JOÃO  -  Olha... avisa ao pai dela que eu volto pra pegar ele... e venho disposto a tudo. Ai daquele que tentá se atravessá no meu caminho!

Rafael e Dalva ouviram o desabafo do rapaz, sem nada comentar.

CORTA PARA:

CENA  4  -  CASA DO RANCHO CORAGEM  -  SALA    -  INT.  -  NOITE.


CEMA  -  Duda levô um tiro, mas num tá mal.

Ritinha,  que havia retornado ao rancho, acompanhando Sinhana e Potira, quase desfaleceu com o impacto da notícia. Apoiou-se á parede calada aguardando a verdade pior.

CEMA  -  Num tá mal, tou dizendo. Acho que é coisa á toa. Tou te avisano procê não ficá nesse desespero.

Ritinha, com esforço, conseguiu soerguer-se.

CORTA PARA:

CENA  5  -  CASA DO RANCHO CORAGEM  -  QUARTO  -  INT.  -  NOITE.


Sentado na cama com a perna esticada sobre o colchão, Duda contraía os músculos da face, numa careta de dor. A seu lado, Jerônimo tentava estancar o sangue, aplicando um torniquete com ligaduras improvisadas de sua própria camisa.

SINHANA  -  Deixa. Faço isso. Vão buscá mais água fervida. Depressa! Corre, índia!

Ritinha, transtornada pelos acontecimentos, viu Duda por entre o vão formado pelos corpos de Sinhana e Jerônimo. Correu até ele.

RITINHA  -  Eduardo! Eduardo! Que foi que fizeram com você?

Abraçou-se ao rapaz, alisando-lhe a testa suada.


DUDA  -  Calma, Ritinha! Isto não é nada!

A jovem olhou para a perna ensangüentada do marido, razão de seu êxito na vida.


RITINHA  -  Foi na perna, Eduardo? Na perna!
  
DUDA  -  Eu acho que isso não tem importância.
  
JERÔNIMO  -  Mandei o Braz chamar o Dr. Maciel.

A velha lembrou-se do marido, até àquele instante esquecido de todos. Ninguém se lembrara da presença do chefe da família, exceto Sinhana.

SINHANA  -  Seu pai, como é que tá?

JERÕNIMO  -  Num tá bom, não, mãe. Quando cheguei tava passano mal, mas dei aquele remédio pro coração e agora parece que acalmô.

SINHANA  -  Diabo de home frôxo!

JERÔNIMO  -  (sentido)  Ele é doente!

SINHANA  -  E João?

JERÔNIMO  -  Deve de tá pajeando a mulhé dele na casa do sogro (olhando demoradamente para os presentes, o rapaz revelou a verdade do atentado) Olha só pra aquilo! (mostrou o buraco no chão, recentemente escavado)  Levaro o diamante dele!
  
SINHANA  -  Se Deus destinô o diamante pro João, ninguém fica com ele.

JERÕNIMO  -  Se João num estivesse com a mulhé dele, nada disso teria acontecido... (retornando à perna do irmão e ajeitando o travesseiro de fronha bordada. Duda gemia fracamente, trincando os dentes)  João é um fraco, mãe. Aquela mulhé desgraçô com ele... desgraçô com todos nós...

Os olhares voltaram-se repentinamente para a porta do quarto. João Coragem acabava de chegar, camisa aberta ao peito, de onde, por entre os cabelos negros, a imagem dourada de Cristo rebrilhava á luz baça do candeeiro.

JOÃO  -  Que foi que houve?

O garimpeiro, espantado, verificou de imediato a situação do irmão deitado na cama, com a perna apoiada no colo de Ritinha.
  
DUDA  -  Temos más notícias, irmão...

Jerônimo tornou a apontar para o local onde a pedra estivera guardada.

JERÕNIMO  -  Olha!

Os olhos do garimpeiro esbugalharam-se e a voz como o som cavo de um trombone rachado, saiu-lhe do peito, abafada pela exclamação:

JOÃO  -  Meu... diamante!

JERÕNIMO  -  (cabisbaixo)  Foi roubado...   Olha pro teu irmão. Foi ferido a bala. Fala com Cema. Foi judiada pelos home. Fala com pai. O coitado nem pode. Tá ruim do coração.
   
JOÃO  -  Mas... como? Como, Santo Deus! Como pode ter acontecido isto?

JERÕNIMO  -  Pergunta ao teu sogro! Pergunta a tua mulhé! Foram os home de Pedro Barros...
   
JOÃO  -  Não tanto pelo diamante... sim, também por ele... mas, muito mais por você, meu irmão...

João  dirigiu-se até a beira da cama onde Duda permanecia deitado. Afagou-lhe a cabeça, os cabelos desgrenhados. O suor molhou-lhe os dedos, empapou-lhe a palma da mão. Duda sorriu, meio desligado.

DUDA  -  Isto talvez não seja nada, João. Eu tentei evitar que o sujeito fugisse com a sua pedra... agarrei-me a ele... e o bandido me impediu, atirando...

RITINHA  -  (nervosa)  ... foi na perna dele, João! Logo na perna dele!

JOÃO  -  (para Sinhana)  É grave, mãe?

SINHANA  -  Num sei, filho. Só um médico pode dizê... Já mandaro chamá Dr. Maciel, mas tá demorano como diabo...

Ritinha levantou-se, colocando a perna do esposo sobre almofadas trazidas por Potira.


RITINHA  -  Eu vou buscar papai!

FIM DO CAPÍTULO  45
Lázaro e João


E NO PRÓXIMO CAPÍTULO...

*** JOÃO E JERÔNIMO DUSCUTEM.

*** DR. MACIEL SE NEGA A CUIDAR DE DUDA, E JOÃO E JERÔNIMO VÃO Á CASA DELE, DISPOSTOS A TUDO PARA QUE O MÉDICO SOCORRA O IRMÃO BALEADO.


NÃO PERCA O CAPÍTULO 46 DE

sexta-feira, 22 de julho de 2011

IRMÃOS CORAGEM - CAPÍTULO 44


Roteirizado por Toni Figueira
do original de Janete Clair

CAPÍTULO 44

PARTICIPAM DESTE CAPÍTULO:
INDAIÁ
POTIRA
JOÃO
SEBASTIÃO
LOURENÇO
JUCA CIPÓ
CEMA
VIRGÍLIO
OTO
DUDA
JERÔNIMO
BRAZ CANOEIRO

CENA 1  -  COROADO  -  PRAÇA  -  EXT.  -  NOITE.

Coroado vibrava de alegria. Viera gente de todos os vilarejos da região e de todos os rincões do garimpo para assistir á posse de Jerônimo. A cidade estava em festas, com as biroscas iluminadas pelos candeeiros e a praça agitada pelas discussões dos grupos que optavam por esta ou aquela facção. Os partidários do coronel preferiam manter-se num ponto de mediação.

Indaiá surgiu, de repente, esbaforida, diante da sede da Associação. Viu, com um suspiro de alívio, a mestiça Potira tranquilamente sentada num dos bancos do jardim. A índia meditava, observando o movimento da cidadezinha. 


INDAIÁ  -  (aproximando-se)  Se alembra de mim, menina?
    
POTIRA  -  Lembro, dona. Como vai?

INDAIÁ  -  Estou procurando João. É urgente. Sabe por onde ele anda?

POTIRA  -  Tava por aqui, agorinha mesmo...  (passeou os olhos pela praça cheia de gente. Apontou, satisfeita)  Olha lá ele!

Indaiá correu em direção ao moço.

INDAIÁ  -  (tocando-lhe no ombro, com dedos nervosos)  João, preciso falar com ocê.

Um brilho de curiosidade surgiu nos olhos do rapaz.

INDAIÁ  -  Trago recado de Dona Lara, minha patroa.  Ela tá muito mal!

As mãos fortes do garimpeiro chegaram a magoar os braços da mestiça, ante a notícia desagradável.

JOÃO  -  Mal? Doente? De quê?

INDAIÁ  -  Depois explico. Agora, seu doutô Rafael, da cidade, mandou lhe buscá. E lhe pede pra mandá vê estes remédios, na farmácia, com urgência.

Entregou a receita a João e ambos saíram ligeiros á procura dos medicamentos.

Foguetes espocavam nos céus de Coroado. A praça regurgitava de gente. Potira, Sinhana, Jerônimo. Toda a família Coragem viera á cidade para assistir á posse do líder dos garimpeiros.

CORTA PARA:

CENA 2  -  CASA DO RANCHO CORAGEM  -  SALA  -  INT.  -  NOITE.

 
Apenas o velho Sebastião permanecera no longínquo rancho, imerso em pensamentos. Vez por outra o sono o dominava por minutos.

    
Os quatro homens entraram sem fazer barulho, passos macios, a deslizar por sobre o chão de barro da velha casa. Enquanto Juca perscrutava o ambiente, Lourenço e os outros “cabras” ingressavam nas dependências escuras do rancho. Apenas a luz mortiça de um lampião iluminava as feições cansadas do garimpeiro pai. Lourenço lançou a luz de uma lanterna sobre o rosto de Sebastião. O velho assustou-se.

SEBASTIÃO  -  O que é isto?

LOURENÇO  -  (com ironia)  Um pesadelo, velho.

Sebastião tentou levantar-se, contido pelas mãos grosseiras de Virgílio. O velho imobilizou-se como se tocado por mão de ferro.

SEBASTIÃO  -  (gritou com voz fraca)  Cema! Braz!

LOURENÇO  -  Não adianta.  Não tem ninguém aí. Juca tá de vigia.

VIRGÍLIO  -  (já alterado, sequioso de sangue)  Que faço com ele?
   
LOURENÇO  -  Nada, se ele disser logo onde João guarda o diamante.

Os homens com gestos bruscos levantaram o velho e o empurraram para fora do quarto.


LOURENÇO  -  Tá fazendo a gente perdê muito tempo, velho. Diga logo! Onde escondem o diamante de João?

SEBASTIÃO  -  -Podem me matar. De mim não arrancam palavra...

O capataz virava bicho, á medida que Sebastião se retesava e negava-se a dizer palavra.


Oto, o capanga manco de um pé, convidou com sadismo:


OTO  -  Vamo dá a lição nele!

CORTA PARA:

CENA 3  -  CASA DO RANCHO CORAGEM  -  EXT.  -  NOITE.


Lá fora Juca Cipó detinha Cema, após luta de alguns minutos. A esposa de Braz sofria o abraço asqueroso do jagunço lunático. Juca ria e se babava com o corpo provocante de Cema colado ao seu.

Lourenço surgiu á porta.


LOURENÇO  -  (ordenou, enérgico)  Ei, você aí! (evitava dizer nomes, protegidos que estavam pela escuridão da noite)  Larga de brinquedo! Traz essa mulher!

Juca Cipó forçava os seios da mulher de Braz e procurava, desesperado, levantar-lhe a saia. Cema resistia rasgando as carnes do bandido com dentes e unhas.

CORTA PARA:

CENA 4  -  COROADO  -  PRAÇA  -  EXT.  -  NOITE.

Na barraca de tiro ao alvo, Duda ensinava Ritinha a acertar na mosca. Viu Jerônimo, nostálgico, perambulando pela praça. Chamou-o com um assovio estridente.


DUDA  -  Se anime, Jerônimo. Que cara é essa?

JERÔNIMO  -  Sei não. Meu coração tá apertado, quereno me avisá de alguma coisa.

Duda forçou um sorriso sem graça, com o visível objetivo de animar o irmão.


DUDA  -   (de brincadeira, ironizando a tristeza do outro)  Você já viu coração falar?

JERÔNIMO  -  (afirmou, profético)  O meu tá dizeno: alguma coisa de ruim tá pra acontecer.

Braz se aproximou, sorridente, com uma espiga de milho assada trincada nos dentes. Jerônimo admirou-se com a presença do negro. Devia, a essa hora, estar vigilante nos arredores do rancho.


JERÔNIMO  -  (com energia)  Que é que tá fazeno aqui?

BRAZ CANOEIRO  -  Vim só dá uma espiada na festa.  Cema ficô lá, tomano conta do velho.

O pressentimento de Jerônimo tornava-se real. O rapaz empalideceu e o queixo tremeu-lhe, nervosamente.


JERÔNIMO  -  Cema... sozinha! E você deixou, home?

BRAZ CANOEIRO  -  Tem nada, não. A noite tá calma.
  
JERÕNIMO  -  (reprovou a atitude do negro)  Por quê fez isso, Braz?

Duda entrou na conversa, depois de acertar dois tiros no alvo da barraca.


DUDA  -  O que foi?

JERÔNIMO  -  Esse... esse doido sem responsabilidade deixou a mulhé dele sozinha tomano conta do pai.
   
DUDA  -  (sem atinar com o perigo)  O pai tá correndo perigo, gente?

JERÔNIMO  -  (sêcamente)     Todos nós tamo, Duda!  Você não sente... que uma ameaça parece que tá em cima da gente?
    
DUDA  -  Uai, sendo assim... que é que a gente tá fazendo aqui, se divertindo?

Jerônimo acompanhou seu raciocínio, locado por uma onda de apreensão.


JERÔNIMO  -  Vamo lá vê o pai, Duda. Vem comigo!

CORTA PARA:

CENA 5  -  CASA DO RANCHO CORAGEM  -  SALA  -  INT.  -  NOITE.


Juca entrou na grande sala do rancho, arrastando Cema, de olhar irado, vestes em frangalhos e os cabelos em completo desalinho. A mulher buscava reunir os trapos que restavam da blusa, envergonhada, com os seios á mostra, cheios e pontiagudos.


JUCA CIPÓ  -  Foi difícil domá ela.  Parece uma onça! Me lanhou todo, a fera! A gente se divertiu um bocado.

A jovem esposa do garimpeiro negro abraçou-se ao corpo do velho Sebastião, amedrontada.


CEMA  -  (apavorada, voz embargada)  Que fizero a ele? Que é que vocês qué, bandidos?

Lourenço, protegido pela total escuridão, direcionou o foco da lanterna mostrando, apenas, dois rostos surpresos e temerosos.

LOURENÇO  -  (firme e decidido) Só a pedra do João, que tá escondida nesta casa. Onde está?

CEMA  -  Eu não sei e se soubesse, não diria!

JUCA CIPÓ  -  (histérico, levantava o dedo na direção do idoso chefe de família)  O velho sabe! O velho sabe! Sabe sim!

LOURENÇO  -   ... e vai dizer agora, se não quer que a mulher morra.

O capataz apontou o revólver para o ar e num trajeto curto, deixou-o com a mira na testa da bela mulher.

    
CEMA  -  (sem perder a coragem)  Pode deixá! Não diz, seu Bastião! Eu não tenho medo!

SEBASTIÃO  -  (murmurou, junto ao ouvido da mulher)  Eles te matam, Cema!

LOURENÇO  -  Eu vou dá um tempo. Vou contá até três!

JUCA CIPÓ  -  Acaba logo com isso! Vem gente aí!
    
OTO  -  (da porta, onde permanecia de vigília, avisou)  Ou muito me engano ou tou ouvindo um tropel de cavalo...
    
LOURENÇO  -  Um...

JUCA CIPÓ  -  (esfregando as mãos, nervosamente)  Como é? Diz ou não diz?

O tropel aumentava.


LOURENÇO  -  Dois...
    
OTO  -  (gritou, embaraçado)  Não tou enganado. Vem gente por aí.
    
CEMA  -  Num diz, seu Bastião. Num diz!
   
LOURENÇO  -  Se acabô o tempo.
    
VIRGÍLIO  -  (com requintes de sadismo, estimulou)  Atira, atira nela!
   
SEBASTIÃO  -  (temeroso, acedeu)  Eu digo! Eu digo, mas acende o lume, pra mim vê as cara de ocês.

LOURENÇO  -  Não dá tempo pra isso.  Diz logo. Anda, velho!

Com os dedos em gancho o ancião apontou para o quarto.


SEBASTIÃO  -  Ali... onde os menino dorme.

Rápidos os homens deslizaram para o cômodo do lado. Ao longe o rumor do tropel aumentava de intensidade. Lourenço empurrou o velho até o quarto, dobrando-o com uma chave-de-braço. O velho gemia. Cema em desespero, tentava ganhar tempo.

CEMA  -  Num diz, seu Bastião. Não conta! Não conta!

O tropel tornava-se mais claro.


CORTA PARA:

CENA  6  -  CASA DO RANCHO CORAGEM  -  QUARTO  -  INT.  -  NOITE.

Lourenço forçou o velho mais fortemente.

Sebastião mostrou o lugar exato onde João escondera a pedra.


SEBASTIÃO  -  É aqui!   No chão... enterrado.
    
LOURENÇO  -  (gritava para os asseclas)  Cuidado! Se ele mentiu, acertem nele antes dos cavalo chegá por aqui.

Com as mãos em atividade, os homens retiraram a pedra que ocultava o local, depois de afastarem rudemente o velho garimpeiro, derrubando-o sobre o chão de barro.
    
OTO  -  (gritou da porta de entrada)  Mais depressa! Já estão mais perto!

Removida a terra, surgiu diante dos olhos ávidos dos assaltantes a bolsinha de couro de João Coragem. Lourenço examinou-a, ràpidamente.

LOURENÇO  -  É ela... Vamos indo. (deu as ordens)  Ocês seguem na frente... eu me encontro com ocês mais adiante.  Pra despistá os home que vêm aí. Cada um segue um caminho.

Deixaram o rancho correndo, escapulindo pelas laterais escuras da estrada.

FIM DO CAPÍTULO 44
Ritinha e Sinhana
E NO PRÓXIMO CAPÍTULO...

*** GRANDES EMOÇÕES NA VIDA DOS IRMÃOS CORAGEM: OS CAPANGAS DE PEDRO BARROS INVADEM O RANCHO , PARA ROUBAR O DIAMANTE, AGRIDEM CEMA E DEIXAM O VELHO SEBASTIÃO Á BEIRA DA MORTE.

*** NA PERSEGUIÇÃO AOS BANDIDOS, DUDA LEVA UM TIRO NA PERNA!
NÃO PERCA O CAPÍTULO 45 DE

quarta-feira, 20 de julho de 2011

IRMÃOS CORAGEM - CAPÍTULO 43


Roteirizado por Toni Figueira
do original de Janete Clair

CAPÍTULO 43
 PARTICIPAM DESTE CAPÍTULO:
 DUDA
JOÃO
SINHANA
RITINHA
DR. MACIEL
DR. RAFAEL
JAGUNÇO
BEATO ZACARIAS
LOURENÇO
DALVA
INDAIÁ
MARIA DE LARA

CENA 1 - CASA DO RANCHO CORAGEM - INT. - DIA.

Duda via pela primeira vez o diamante achado pelo irmão.

DUDA - Caramba, João! É um pedrão! Como foi que você encontrou essa coisa de doido? O pai envelheceu na cata e nunca achou uma igual!

Sorrindo, feliz da vida, João Coragem contou pormenores da descoberta.

DUDA - (preocupado) E você guarda isto aí, enterrado? Até quando?

JOÃO - (decidido) Só até amanhã. Amanhã eu vou direto vendê e volto cheio da nota. Vamo eu e Jerônimo, um tomano conta do outro.

DUDA - Olha aí, eu acho que posso ir também, pra te dar mais garantia. Três dá mais certeza de segurança.

JOÃO - E os teu compromisso?

DUDA - Consegui uma semana de licença. Foi duro, mano! Mas, essa semana toda o meu time não jogou e como eu tou com um cartazão lá com os homens, eles me deixaram vir buscar minha mulher. Só volto no domingo, hoje é quinta, dá tempo de eu ir com vocês fazer o negócio do diamante. (tornou a insistir, preocupado) Alguém sabe que tá escondido aqui, neste chão?

JOÃO - Bem... o povo deve de sabê que eu nun ando com ele pra baixo e pra cima. E que a gente guarda em algum lugá. Mas ninguém sabe onde, né?

Sinhana apareceu pálida, na sala.

SINHANA - Eduardo, vem cá depressa!

Duda assustou-se com a fisionomia da velha. Algo acontecera de muito grave, a ponto de transtornar a mãe, sabidamente mulher de nervos fortes e emoções controladas.

DUDA - Que foi, mãe?

SINHANA - Tua mulher... me obrigou a dizê as coisa lá do pai dela... aí, eu peguei e disse... pensando em acalmá ela... mas ela saiu em disparada... dizendo que precisava falá com o pai. Vai trás dela, home! Veja se evita dela fazê uma besteira.

Correndo, Eduardo deixou a sala á procura da esposa. Ao cruzar a porta, derrubou no chão a velha ferradura enferrujada que servia de talismã “contra mau-olhado e doença ruim”, acreditava Sinhana.

DUDA - (gritava a altos brados) Ritinha! Ritinha!

CORTA PARA:

CENA 2 - COROADO - CASA DO DR. MACIEL - EXT. - DIA.

Eduardo, esbaforido, alcançou Ritinha no momento em que esta batia á porta da casa do pai.

DUDA - Ritinha, espera, se acalma primeiro! Depois você fala com seu pai.

RITINHA - (sem dar ouvidos ao marido) Não me atrapalha, Eduardo, eu preciso dizer tudo o que sinto a ele.

Maciel veio atender. Mais ou menos lúcido, mas visivelmente abatido pelas bebedeiras sucessivas.

DR. MACIEL - Que foi isso? Que barulho é esse? Eu estou descansando...

DUDA - Ritinha está muito nervosa.

RITINHA - Diga a ele por quê.

DUDA - Eu não digo nada. Digo sim, que é melhor a gente dar uma volta pela praça, pra ver a preparação da festa de hoje á noite...

Impaciente, o médico observava as reações da filha.

DR. MACIEL - Ela quer me dizer alguma coisa?

RITINHA - Quero sim. Quero dizer que já sei de tudo.

DR. MACIEL - (com a voz velada) Tudo... quê?

RITINHA - Sinhana me contou a verdade. Você se embriagou pra ter coragem de... pra ter coragem de fazer o que fez com a minha mãe.

DR. MACIEL - Eu não posso confirmar uma coisa dessas (com a voz rouca pela surpresa) Não é verdade.

RITINHA - (sem pena) Mas eu não quero nunca mais olhar para a sua cara... porquê para mim você é um assassino. (descontrolada, gritou na cara do pai) Assassino! Assassino!

CORTA PARA:

CENA 3 - FAZENDA DE PEDRO BARROS - PORTEIRA - EXT. - NOITE.

Dois riscos de luzes paralelas rodeados por um halo amarelado, cortaram como raios a escuridão que envolvia a fazenda de Pedro Barros. Diante da grande porteira o carro estacionou fazendo ouvir o ruído cadenciado da máquina a trabalhar. O motorista pressionou duas vezes o aro da buzina. Um vulto surgiu na escuridão e se encaminhou para o veículo.

JAGUNÇO - Quem é?

O motorista colocou a cabeça para fora por entre o quadrado da janela estreita.

DR. RAFAEL - (autoritário) Sou o médico da filha do Senhor Barros. Me deixe passar logo. Estou com pressa.

JAGUNÇO - (grosseiro) Ninguém aqui chamou médico.

No foco de luz a figura do jagunço destacava-se como um boneco num quadro de fundo negro. O cano longo da espingarda fazia mira no quadrado da janelinha.

DR. RAFAEL - Venho de fora, ninguém me chamou. Qual é o problema? Estou proibido de entrar?

JAGUNÇO - Não... não me disseram que o médico não podia entrar. (abriu a porteira num gesto rápido) Pode passar, doutor.

CORTA PARA:

CENA 4 - FAZENDA DE PEDRO BARROS - GALPÃO - INT. - NOITE.

O beato Zacarias acabara de vergastar as costas nuas de Maria de Lara, deixando marcas arroxeadas da chibata “que tirava o demônio do corpo”. Entre orações balbuciadas e tiradas cênicas com a cruz de Cristo, o beato castigara o “espírito mau” que dominava a moça. Sangue coagulado e pedaços de pele lanhada eram tudo o que restava das costas macias da filha de Pedro Barros. Lourenço ria disfarçadamente, encostado a uma viga de madeira do galpão, gozando o espetáculo medieval. Contrito, o beato Zacarias invocava a divindade, levantando as mãos para os céus. Lara caiu ao solo.

BEATO ZACARIAS - Padre Nosso, que estais no céu...

CORTA PARA:

CENA 5 - FAZENDA DE PEDRO BARROS - CASA-GRANDE - QUARTO DE LARA - INT. - NOITE.

O movimento na casa grande era incomum ante a gravidade do estado da filha do coronel. Levada ás pressas para o quarto, Lara era assistida por Dalva e Indaiá, que lhe aplicavam compressas de salmoura sobre a pele rasgada. Continuava inerte, sem sentidos; o barulho de um motor despertou as atenções da casa.

CORTA PARA:

CENA 6 - FAZENDA DE PEDRO BARROS - CASA-GRANDE - EXT. - NOITE

LOURENÇO - (gritou) Um carro desconhecido...

Os freios rangeram e a figura do Dr. Rafael surgiu do interior do carro.

DALVA - Deus é grande. Chegou quem devia.

A exclamação de Dalva irritou o capataz da fazenda. Lourenço correu apressado para a porta.

LOURENÇO - Oto não devia ter deixado entrar este tipo.

Rafael encaminhou-se para a confortável residência, depois de retirar do banco traseiro a pequena mala de viagem. Notou a presença de Lourenço e Indaiá.

DR. RAFAEL - Que está acontecendo aqui? Um sujeito no portão quase não me deixa entrar.

INDAIÁ - Coisas muito estranhas, doutor. Caso de polícia...

DR. RAFAEL - (apreensivo) E Lara?

INDAIÁ - Está muito mal. (apontou para o capataz que permanecia mudo) Este sujeito aí tentou matar a pobre.

DR. RAFAEL - (contraiu os músculos da face) Tentou matar!

LOURENÇO - Doutor, esta mulher não sabe o que está dizendo, não é nada disso. O senhor não precisava ter vindo. Nada está acontecendo...

DR. RAFAEL - Quero ver Lara, agora!

O médico afastou com rispidez o jagunço e adentrou a residência.

Lourenço olhou o relógio e, consultando o tempo, falou para os capangas:

LOURENÇO - Virgílio! Oto! Chicão! Onde estão vocês? Está na hora! Os cavalos estão prontos, mãos á obra, minha gente! Chegou a nossa hora! Juca, vamo!

O tropel perdia-se no silencio da noite.

CORTA PARA:

CENA 7 - FAZENDA DE PEDRO BARROS - QUARTO DE LARA - INT. - NOITE.

O Dr. Rafael penetrou no quarto de Lara e, de imediato, constatou a gravidade da situação. O flagelo fôra demasiado violento. Dalva correu a abraçá-lo.

DALVA - Bendito seja Deus!

Em poucas palavras pôs o médico a par dos acontecimentos e da presença do beato Zacarias.

DR. RAFAEL - (recriminou) E a senhora permitiu que fizessem uma coisa dessas?

DALVA - Eu fiquei desesperada, doutor! Cheguei a um ponto em que acreditaria no próprio demônio se aparecesse aqui, dizendo que a tiraria daquele estado...

DR. RAFAEL - (se benzia, admirado) Que estupidez! Que atraso!

Retirou o paletó, atirando-o sobre a cama. “Pulsação irregular. Pressão 11,3 x 4”. O estetoscópio subia e descia acompanhando o ritmo acelerado do peito da moça. O pequeno cone metálico de audição, assentado sobre o baixo ventre, registrava irregularidade no ritmo cardíaco. O médico balançou a cabeça, desconsoladamente.

DALVA - (ansiosa) Nada se pode fazer, doutor?

DR. RAFAEL - Acredito que não.

DALVA - O senhor fala de Lara ou... ou da criança?

Rafael levantou-se. Visivelmente irritado.

DR. RAFAEL - Da criança, evidentemente! (voltou-se para Indaiá, em voz baixa) Prepare água fervente, toalhas, algodão e álcool puro e uma bacia.

A criada deixou o quarto correndo, enquanto o médico se preparava para atender a paciente. Dirigiu-se a Dalva, sem a fixar diretamente.

DR. RAFAEL - Não sou especialista neste assunto, mas creio que neste caso não há muito o que fazer. Seria um crime esperar que viesse um ginecologista... não haveria tempo.

Pacientemente, virou Lara de bruços.

DR. RAFAEL - Limpe as feridas das costas. O resto é comigo.

A moça gemeu ao ser tocada pela tia. Os ferimentos tinham assumido um aspecto azul-arroxeado, com profundos sulcos de bordas ensangüentadas.

DALVA - Como foi... que o senhor veio?

DR. RAFAEL - Dona Estela passou pelo hospital hoje de manhã. Parecia aflita. Percebi que o marido a havia forçado a viajar...

DALVA - De fato. Estela não queria viajar.

A criada retornou com a bacia e o material pedido pelo médico. A água fervente levantava leve fumaça, amornando o ambiente.

DR. RAFAEL - O marido de Lara... onde está?

DALVA - (com má vontade) Não sei.

DR. RAFAEL - Vá chamá-lo (dirigindo-se á criada) Quero-o aqui. Imediatamente.

Dalva ensaiou uma negativa, procurando impedir a presença de João Coragem naquela casa.

DALVA - Doutor... isto é contra a vontade de Pedro!

DR. RAFAEL - Muita coisa aconteceu aqui contra a vontade de muita gente. Eu o quero aqui. Repito. Imediatamente. (rabiscou algumas notas sobre um papel de receita) E mande ele trazer estes remédios, com urgência.

Indaiá deixou apressadamente o quarto. O médico deu início, sem demora, á délivrance forçada. Lara gemia. Dalva suava e o Dr. Rafael, atento, trabalhava em silencio.

FIM DO CAPÍTULO 43
Lara amarrada e chicoteada pelo Beato Zacarias

E NO PRÓXIMO CAPÍTULO...

*** INDAIÁ PROCURA JOÃO EM COROADO E O AVISA DE QUE LARA ESTÁ PASSANDO MAL.

*** OS CAPANGAS DE PEDRO BARROS INVADEM O RANCHO DOS CORAGEM E RENDEM CEMA E O VELHO SEBASTIÃO EM BUSCA DO DIAMANTE!

NÃO PERCA O CAPÍTULO 44 DE

domingo, 17 de julho de 2011

IRMÃOS CORAGEM - CAPÍTULO 42


Roteirizado por Toni Figueira
do original de Janete Clair

CAPÍTULO 42

PARTICIPAM DESTE CAPÍTULO:
RITINHA
DUDA
DR. MACIEL 
DOMINGAS
JOÃO
ESTELA
MARIA DE LARA
PEDRO BARROS
JUCA CIPÓ
LOURENÇO

CENA 1  -  COROADO  -  CASA DO DR. MACIEL  -  QUARTO DE RITINHA  -  INT.  -  DIA.

Duda, sentado na cama, espreguiçava-se languidamente. Os olhos inchados do longo sono, abriam-se devagar, ambientando-se á escuridão. A porta abriu-se e Ritinha entrou.


RITINHA  -  (brincalhona) Que homem preguiçoso!

DUDA  -  Eu dormi, não foi?

RITINHA  -  Hum, hum! Cansaço da viagem.

DUDA  -  (levantou-se com esforço)  Se arruma, Rita. A gente vai ver o meu pessoal.

Com um gesto ligeiro, puxou a moça para si, abraçando-a com paixão. Suspendeu-lhe o queixo com a ponta dos dedos.

DUDA  -  Se disser que não estava com saudades de mim, apanha!

RITINHA  -  Precisa dizer, amor? Então, você não viu? Como eu te adorei esse tempo todo que tá aí, deitado como um paxá! Vim aqui umas cem vezes...

DUDA  -  Senti muita falta de você. E vim te buscar. Você vai comigo, quando eu for.
   
RITINHA  -  (suspirou) Não sei, Eduardo... eu tenho medo.

DUDA  -  Já decidi aquela situação toda. Aluguei outro apartamento pra gente.

RITINHA  -  Quando você volta?

DUDA  -  Vou só esperar meu irmão tomar posse aí, desse cargo... que ele dá tanta importância, mas que no fundo não é nada...
   
RITINHA  -  (aborrecida) Não diga isso! Jerônimo está com uma fama de justiceiro, de homem de fibra, rígido, que você nem imagina! Me disseram que a fama dele está correndo até pelos arredores de Coroado.

Eduardo afastou-a de si.

DUDA  -  Larga mão de falar dele, senão fico com ciúmes.
   
RITINHA  -  Mas Jerônimo é um grande sujeito!

DUDA  -  (zangado) João também é, pombas! Eu sou o maior jogador de futebol da atualidade! E você não fala de mim com esse orgulho!

Rindo gostosamente da reação enciumada do marido, Rita de Cássia abraçou-o mais fortemente, traçando com a unha um longo percurso sobre as costas nuas do rapaz. Duda sentiu um arrepio de prazer.

RITINHA  -  (encarando-o com meiguice) Pra mim você é o maior homem do mundo, Duda! E não precisava nem jogar futebol. Ciumento! Egoísta! Bobo!

CORTA PARA:

CENA 2  -  CASA DO DR. MACIEL  -  SALA  -  INT.  -  DIA.

Da sala, Maciel ouvia as gargalhadas.


DR. MACIEL  -  (iracundo) Oh, Domingas! Chama aí esses dois indecentes pra jantar!

DOMINGAS  -  Que é! Tá com inveja, tá?

O médico enchia um copo de bebida. A ama observava, enquanto estendia a toalha sobre a mesa.


DOMINGAS  -  Menti pra Ritinha que você não bebia mais.

DR. MACIEL  -  (grosseiro) Azar seu! Eu não falei nada.

O álcool queimou-lhe a garganta provocando-lhe uma exclamação. Comprimiu a face e abriu a boca, como á procura de ar.

DOMINGAS  -  Ao menos... pra tapear a coitadinha, não é?

DR. MACIEL  -  Ela está muito feliz da vida, não precisa de tapeação. Eu... eu é que não aguento nem olhar pra cara do filho daquela feiticeira.

Domingas baixou a voz, evitando que a pergunta fosse ouvida no quarto ao lado:


DOMINGAS  -  O caso... na polícia... como está?

DR. MACIEL  -  Eu não confessei a minha culpa, mas existe a acusação como uma faca sobre a minha cabeça. Vira e mexe, eu vou ter que ir lá... me submeter ás indagações do delegado. Um dia, eu eu perco a cabeça, confesso o que fiz... e estou perdido pro resto da minha vida.
    
DOMINGAS  -  (espantada) Então... você... matou ela mesmo?

DR. MACIEL  -  (Irritado, atirou o copo contra a parede)  Não amola, estúpida!

O choque do copo contra a parede misturou-se ás pancadas enérgicas na porta de entrada.


DR. MACIEL  -  (ordenou, furioso) Vá, vá ver quem é e não me enche!

O cumprimento de João Coragem multiplicou por mil a ira do homem.


JOÃO  -  Boa noite, seu doutô. Vim vê meu irmão que chegô hoje.

DR. MACIEL  -  Essa não... essa não. Já agüento um Coragem... por obrigação. Dois é demais...

JOÃO  -  Licença, seu doutô.

O garimpeiro ameaçou entrar na sala, mas mal dera um passo, a voz de Maciel estourou no ambiente.


DR. MACIEL -  Ponha-se daqui pra fora... está me ouvindo? Eu não quero saber de mais ninguém da sua raça aqui dentro da minha casa.

Duda e Ritinha, movidos pelos gritos, correram para a sala.


RITINHA  -  Papai! Meu Deus, o que é isso?

João, com o dedo em brasa, avermelhado pela cólera, anunciou a retirada.


JOÃO  -  Pode deixá, eu vou embora. Tinha vindo só pra vê meu irmão...

DUDA  -  Absolutamente! Se meu irmão não pode ficar aqui, eu também não posso. Veja as minhas coisas, Ritinha!

A moça estava aflita, quase sem ação, diante do incidente que envolvia o esposo, o cunhado e o pai.


RITINHA  -  Eduardo...

DUDA  -  Se você quer... você vem comigo. Aqui é que eu não posso ficar.

Louco de raiva, o médico bradava, gesticulando com os braços.


DR. MACIEL  -  Vão pro inferno! Vão todos pro inferno!

Ritinha correu ao quarto e retornou, minutos depois, com a pequena mala de viagem do marido. João e Duda, ignorando a presença de Maciel, abraçaram-se a poucos passos da porta de entrada da residência.


JOÃO  -  Sinto muito, irmão. Sinto muito ter sido a causa...
    
DUDA  -  (cortou) Já estava por aqui com esse velho viciado...
    
RITINHA  -  (com a mala na mão) Eduardo... você vai mesmo... você tem coragem... de me deixar de novo?

DUDA  -  Na casa do pai tem lugar pra gente. (voltando-se para o irmão) Não tem, João?

O mano confirmou.


Os três deixaram a casa a caminho do rancho dis Coragem. Maciel, embriagado, resmungou palavrões ininteligíveis e aos poucos foi caindo ao chão.
CORTA PARA:

CENA 3  -  FAZENDA DE PEDRO BARROS  -  CASA-GRANDE  -  QUARTO DE LARA  - INT.  -  DIA.

Lara penteava-se diante do espelho quando Estela entrou repentinamente no quarto.


MARIA DE LARA  -  (estremecendo) O que foi?

ESTELA  -  Lara... eu preciso te avisar... sobre tudo o que está acontecendo.

Estela segurou entre as suas as mãos da filha. Buscava palavras que lhe permitissem explicar as maquinações do marido, sem abalar os nervos já desgastados da jovem.

ESTELA  -  Seu pai... nunca pretendeu entregar você ao seu marido. Está preparando um golpe contra o João, no dia da festa do Divino.

Lara sentiu as pernas bambearem.


MARIA DE LARA  -  (atônita) Preparando... o que?
    
ESTELA  -  (incisiva) Um golpe! Um golpe, Lara!

Pedro Barros apareceu na porta, como um louco. Estivera ouvindo a delação da esposa e espumava de raiva.

PEDRO BARROS  -  Mentira! Invencionice da cabeça dela!

MARIA DE LARA  -  (incrédula)  Papai!

PEDRO BARROS  -  Tira essas coisa da cabeça, Estela! Ninguém tá preparando coisa nenhuma!
    
MARIA DE LARA  -  Agora eu entendo... o mistério da reunião de hoje á tarde.

PEDRO BARROS  -  Não é nada que ocêis tão pensando!  (acentuou, voltando-se para a filha) Eu te dou minha palavra como não é verdade...

Mentia. E Estela sabia disso. Via, de um lado a ingenuidade de Lara e do outro, a falsidade do marido. Tinha de forçar a verdade.

ESTELA  -  Pedro, ela não merece isso! Eu errei muito, eu sei, mas agora que existe uma esperança para ela... uma esperança de salvação, nós temos de ajudá-la...

O desespero tomou conta de Lara, revelando-se em gestos nervosos.


MARIA DE LARA  -  Eu confiei tanto... tanto no senhor, papai.

PEDRO BARROS  -  E vai continuar confiando, porque quando eu dou minha palavra, eu cumpro...

MARIA DE LARA  -  Não, o senhor não vai cumprir... e eu vou ter que avisar meu marido!

Era demais para os ouvidos do coronel, acostumado a não aceitar desobediência ás suas ordens. O caráter impiedoso do chefe do garimpo, grosseiro e brutal, transpareceu vívido nas palavras que dirigiu á filha.

PEDRO BARROS  -  (gritava) Ninguém avisa ninguém. É tudo mentira da sua mãe, mas você não sai deste quarto!

Pedro Barros deixou o quarto no instante em que Lara se debruçava sobre a cama, mãos pressionando fortemente as têmporas, em expressão de dor. A cabeça parecia partir-se em mil outras diferentes. Uma dor intensa, irresistível, estourava-lhe os miolos. Quando levantou a cabeça, as feições de Lara haviam desaparecido. E uma voz rouca, colérica, quebrou o silencio do ambiente.

MARIA DE LARA  -  Quem vai me impedir, velho sujo?

Barros voltou-se, assustado. Estela tremia.


MARIA DE LARA  -  Quem vai me impedir, raposa matreira, miserável? Toque em mim pra ver o que lhe acontece. Vamos! Experimenta tentar me impedir de sair daqui!

O velho coronel parou, eletrizado, sem acreditar no que ouvia. Não era Lara. Não podia ser.


PEDRO BARROS  -  (olhos arregalados e voz mansa) Lara... eu sou seu pai... veja como fala comigo.

MARIA DE LARA  -  Eu não tenho pai.(atrevidamente, rodeou o corpo do coronel) Preferia ser a filha de um animal... não teria tanta vergonha. (apontou para a mãe que se encolhia a um canto do quarto) Ela... ela não tem toda a culpa. Você a tem! Você, que trama ás escondidas, que rouba, que mata, que traça planos de vingança. Ela não suportou e eu agora sei por quê. Porque você não presta! Você não vale nada!

Às últimas palavras, desapareceu, correndo pela porta. A surpresa de Pedro Barros paralisou-lhe a reação. Estava lívido. A voz não lhe saía do peito. Aos poucos, recompondo-se, berrou para dentro da casa.

PEDRO BARROS  -  Juca! Lourenço! Agarrem ela! Não deixem ela sair!

CORTA PARA:

CENA 4  -  FAZENDA DE PEDRO BARROS  -  CASA-GRANDE - SALA - INT. - DIA.


Ao pé da escada, Lara parou por alguns segundos. Lá estavam os dois homens em posição de ataque. Olhou-os com ódio.


MARIA DE LARA  -  Eu mato o primeiro que puser as mãos em mim! Saiam os dois da frente!

Os jagunços retesaram os músculos. Aproximaram-se da moça com decisão. Juca agarrou-lhe os braços. com firmeza.

MARIA DE LARA  -  Eu disse que te mato, jagunço de uma figa!

Lara esperneava, agressiva como uma gata louca. Os dentes brancos fecharam-se, de repente, e uma mancha vermelha surgiu na mão grosseira de Juca Cipó. Era sangue. O berro do jagunço ecoou pela sala.

JUCA CIPÓ  -  Ai, me mordeu! Cruiz credo! Parece que tá com o diabo no corpo!

Barros descia a escada.

JUCA CIPÓ  -  Patrãozinho, que é que a gente faz com ela?
    
PEDRO BARROS  -  (ordenou, seguro) Deixem ela! 

Fechou a porta com uma tranca pesada de madeira e, a passos lentos, encaminhou-se para a moça.


PEDRO BARROS  -  Não se envergonha... de fazer este papel?
    
MARIA DE LARA  -  (com ódio) Não adianta me prender. Eu vou sair e vou dizer ao João quem você é.

PEDRO BARROS  -  Se fizer isso... eu não te considero mais minha filha!

MARIA DE LARA  -  Mas, eu não sou sua filha. Já disse isso.

PEDRO BARROS  -  Eu posso te dar uma lição, Lara, por tuas palavras.

MARIA DE LARA  -  Dá! Dá uma lição! Manda me matar como faz com todo mundo que te atrapalha! Pensa que é muito ladino, pensa que enxerga muito longe. Não vê nem um palmo adiante do nariz. É cercado de falsidade, mas não enxerga, porque gosta de ser bajulado.

LOURENÇO  -  (afobado) Que é que a gente faz com ela, patrão?
    
PEDRO BARROS  -  Viajo amanhã cedo. Vocês, tratem de impedir que ela deixe esta casa até eu voltar com Estela. Por enquanto... cuidem de sua vida, que eu cuido dela. Fechem bem os portões do jardim e avisem os outros homens.

Lara esperneava contida pelos braços de Juca Cipó que a envolviam pela cintura.


PEDRO BARROS  -  Se você não amansa, eu te levo comigo pra te internar num sanatório em Belo Horizonte. Ou então chamo o beato Zacarias pra te tirá esse demônio do corpo!

Barros afastou-se e Juca libertou a moça.


MARIA DE LARA  -  (entre os dentes) Ele me paga!

Dirigindo-se para o sofá, a moça ligou a vitrola no último volume e com as pernas apoiadas no peitoril da janela, deitou-se, ante os olhos esbugalhados de Juca Cipó.

FIM DO CAPÍTULO 42

E NO PRÓXIMO CAPÍTULO...

*** SINHANA CONTA A RITINHA A VERDADE SOBRE A MORTE DA MÃE E A JOVEM, DESCONTROLADA, VAI TOMAR SATISFAÇÕES COM O PAI.

*** O DR. RAFAEL CHEGA Á FAZENDA DE PEDRO BARROS E ENCONTRA LARA EM ESTADO GRAVE, PRESTES A FAZER UM ABORTO!
NÃO PERCA O CAPÍTULO 43 DE

segunda-feira, 11 de julho de 2011

IRMÃOS CORAGEM - CAPÍTULO 41


Roteirizado por Toni Figueira
do original de Janete Clair

CAPÍTULO 41


PARTICIPAM DESTE CAPÍTULO:

SINHANA
JOÃO
JERÔNIMO
POTIRA
DR. MACIEL
DOMINGAS
MARIA DE LARA
RITINHA
DUDA

CENA  1  -  CASA DO RANCHO CORAGEM  -  SALA  -  INT.  -  DIA.

Enlameados e com a pele curtida pelo sol,  João e Jerônimo entraram céleres pela porta a dentro. A voz firme de Sinhana obrigou-os a parar.


SINHANA  -  Recebero o recado no garimpo?  Pedro Barros mandou cê ir na casa do Doutô Maciel, pra se encontrá com sua mulhé...

No rosto do garimpeiro transpareceu a surpresa que lhe provocara a notícia.


JOÃO  -  Isso é verdade, mãe?

SINHANA  -  Verdade.  Os home sairo daqui agorica mesmo.

Os olhos dos irmãos fixaram-se no rosto de Sinhana á espera de mais novidades. Entreolharam-se, logo após, espantados.

JERÔNIMO  -  Que será que tá acontecendo? Essa mudança de repente...

Algo de perigoso devia haver por trás do gesto amigo do coronel. 


JOÃO  -  Uai... um hôme pode se arrependê dos seus erro. Pode ser que ele aprendeu ou tá começando a aprendê a lição que a gente tá dando nele.
 
JERÔNIMO  -  Hoje á tarde foi me propor um negócio sujo... de noite muda de idéia e deixa você ver sua mulher... sei não. Me parece esquisito! Cê toma cuidado, mano!
  
SINHANA  -  Eu quero ir com cê. Há mais de uma semana tenho tentado falar com Ritinha e o pai dela não me deixa nem me aproximar da casa dele.

Com expressão alegre, João Coragem dirigiu-se ao quarto. Com as mãos nas cadeiras, Sinhana balançava a cabeça, diante da transformação do filho.

JOÃO  -  Se apressa, mãe. Vamo! Cadê aquela camisa de sêda que eu comprei? E o perfume? Vou ter que ir bem arrumado... ver minha mulhé.

Jerônimo sorriu, discretamente, envolvido pelo contagiante entusiasmo do irmão.


JOÃO  -  (off)  Minha mulhé! Não tem inveja, Jerônimo? Cê não tem mulhé. Precisa arranjá uma, home!

CORTA PARA:

CENA 2  -  CASA DO RANCHO CORAGEM  - EXT.  -  DIA.

Enquanto lavava o rosto e o peito de fortes músculos, Jerônimo se dava conta de que alguém o observava. Era Potira.


POTIRA  -  O seu encelência já chegou? Por acaso já viu a Ritinha?

JERÔNIMO  -  (com rudeza)  Num enche, Potira.

POTIRA  -  Tá muito importante, num tá? É o chefão dos garimpeiro... só faltava mesmo, ela. Cê num vai vê ela, também?  Vai, vai contá a ela a tua prosa e dizê que é importante.
  
JERÔNIMO  -  (enfurecido)  Olha, se continua com isso, eu te encho a cara!

POTIRA  -  Encelência de araque!

A índia  correu, célere, para o interior da casa. Jerônimo, como uma fera raivosa, partira ao seu encontro.

JERÔNIMO  -  Índia dos diabos...

De longe continuava insultando o garimpeiro.

POTIRA  -  Num se envergonha? Cê num tem mulhé! Arranja uma, home! Arranja uma!

Por pouco o sabonete atirado com força pelo rapaz, não atingiu o peito da moça. Espatifou-se de encontro á pilastra atrás da qual ela se escondera, no último instante. Zombeteira, continuava a provocar o homem a quem amava.

POTIRA  -  Olha aí, seu bobo, num sou garimpeiro. Em mim cê num manda, encelência!

A gargalhada de Jerônimo pôs fim ao conflito amoroso. Era puro ciúme e criancice e, qualquer atitude séria, só poderia intensificar a ira ingênua da moça.

CORTA PARA:

CENA 3  -  COROADO  -  CASA DO DR. MACIEL  -  SALA  -  INT.  -  NOITE.

Dr. Maciel andava de uma para o outro lado da sala, mãos ás costas, falando nervosamente.


DR. MACIEL  -  Que idéia bêsta foi essa de Pedro Barros combinar encontro da filha e João na minha casa!

Domingas explicou que o recado lhe fôra dado por Juca Cipó, a mando do coronel.

DR. MACIEL  -  Negar eu não posso. Tenho de aceitar o pedido dele... ou melhor, é uma ordem, não um pedido. Mas não vou ficar aqui pra ver a cara daquele safado. E ele é bem capaz de vir com aquela feiticeira da mãe dele...

Minutos depois Maria de Lara surgia. Modestamente vestida, como era de seu hábito. Parecia feliz.


DR. MACIEL  -  Entre, Dona Lara, entre. Esta casa é sua. Eu vou sair, mas minha filha e Domingas estão aí para atendê-la. Fique á vontade. Tenho que sair para atender um paciente...

Lara cumprimentou, cortêsmente, Domingas e Rita.


MARIA DE LARA  -  (surpresa)  Não chegou ninguém... ainda?

DOMINGAS  -  (tranquilizou-a)  Não, mas pode ficar sossegada. Ele não vai deixar de vir.

Ritinha dirigiu-se á recém-chegada em atitude amistosa:


RITINHA  -  É Lara? Que prazer! Queria muito conhecer você!

CORTA PARA :

CENA  4  -  COROADO  -  CASA DO DR. MACIEL  -  SALA  -  INT.  -  NOITE.

João Coragem entrou, apreensivo, olhando cuidadosamente o ambiente. Viu Lara e Ritinha. Domingas lhe abriu a porta, sorridente. Dirigiu-se para as moças.


JOÃO  -   ...noite procêis!

Lara apertou-lhe as mãos, trêmula.

MARIA DE LARA  -  Como vai, João?

JOÃO  -  Tou bem. Satisfeito com este encontro. Que foi que deu no seu pai?

MARIA DE LARA  -  Acho que ele se apiedou de mim. Tenho sofrido muito.

João não acreditava no que ouvia.


JOÃO  -  (atônito)  Por minha causa?

MARIA DE LARA  -  Por tudo. Eu me sinto bem com você. Você me transmite uma confiança que não tenho em ninguém. Uma segurança de que eu preciso como do ar que respiro.

O jovem apertou carinhosamente a mão que a moça lhe entregava. Beijou-a, com amor, e sentou-se a seu lado. Tudo lhe parecia irreal – as palavras de Lara, os gestos amorosos, a confidência sincera que esta lhe fizera.

JOÃO  -  É esquisito a gente tá conversano como dois namorado, com arreceio.

Ela sorriu ante as palavras ingênuas e erradas do marido. Rude, inculto, mas bom e honesto.


MARIA DE LARA  -  Foi ele mesmo quem mandou saber a  data certa para o cumprimento do trato. Quer que você lhe diga quando vai poder me levar pra casa...

JOÃO  -  (incrédulo)  Ele mesmo?

MARIA DE LARA  -  É. Para isso planejou este encontro.

O rapaz pensou, espalmando a mão sobre a fronte.

JOÃO  -  Bem... no dia trinta meu irmão vai tomá posse no cargo. No dia seguinte, logo cedo, eu penso em viajá pra cidade de Franca. É onde eu vou vendê meu diamante. Já entrei em contato com o comprador. Já tá todo mundo me esperano e vão me pagá um preço justo.  (virando-se para a esposa)  Quer ir comigo, Lara?

MARIA DE LARA  -  Eu te espero, João...

JOÃO  -   ... e quando eu voltá, cheio da nota... aí tudo vai depender do seu pai.

MARIA DE LARA  -  Depois disso eu quero ir logo viver com você. Não importa para onde você me leve, João. Não me deixe esperar muito. Eu lhe peço...

CORTA PARA:

CENA  5  -  COROADO  -  CASA DO DR. MACIEL  -  EXT.  -  DIA.


Os freios rangeram na estrada poeirenta, dianta da casa do Dr. Maciel. Duda estacionou o carro e se lançou, apressado, para o interior da residencia.  Durante a viagem refletira longamente, e a conclusão era uma só: tinha de levar Ritinha de volta e reorganizar sua vida, fugir aos excessos de outros tempos, arrancar Paula de sua existência e dedicar as horas disponíveis ao carinho e amor que sua esposa tão lealmente procurava dar-lhe. Amava Ritinha, esta era a verdade. E nem mesmo as homenagens que o Flamengo lhe prestaria e todo o dinheiro acenado com a propaganda comercial foram obstáculos á decisão de voltar a Coroado. Agora, frente a frente com a mulher, usaria de franqueza. Não poderia viver distante dela por mais tempo.

CORTA PARA:


CENA  6  -  CASA DO DR. MACIEL  -  SALA  -  INT.  -  DIA.

Domingas estava só.


DOMINGAS  -  Ela deve estar no cemitério, Duda. Vai todos os dias visitar a campa da mãe e colocar flores sobre o túmulo.

Duda saiu, apressado.

CORTA PARA:

CENA 7  -  COROADO  -  CEMITÉRIO  -  EXT.  -  DIA.


E realmente Ritinha lá se encontrava ao lado de Jerônimo. A possante buzina do automóvel chamou a atenção dos dois e a voz de Eduardo, brincalhona, deixou a moça paralisada.


DUDA  -  Tá querendo paquerar minha mulher, mano?

A camisa vermelha, com finas listras pretas, destacava-se no fundo claro do carro-esporte. Jerônimo sorriu, acenando para o irmão.

JERÔNIMO  -  Falando do diabo e... o diabo aparece.

A porta se abriu e Duda correu em direção á esposa. Não havia palavras, apenas o longo beijo poderia expressar o imenso amor que envolvia ambos. Jerônimo assistia a tudo, imperturbável.

JERÔNIMO  -  É. Eu acho que preciso arranjá uma mulhé!

CORTA PARA:

CENA 8  -  CASA DO RANCHO CORAGEM  -  SALA  -  INT.  -  DIA.


JOÃO  -  Mas é verdade, mano? O Duda está na terra?

A notícia dada por Jerônimo deixou a família estupefata. Ninguém acreditava que o jovem estivesse de volta a Coroado. Sinhana, com um toque de despeito, voltou-se para o filho.

SINHANA  -  E por que o sem-vergonha não veio vê a gente?

JERÔNIMO  -  Primeiro a mulhé, mãe.
 
SINHANA  -  (sorriu, sem graça)  É... filho depois que arranja mulhé... se esquece até da mãe. Fica que nem filho de chocadeira.

Sentindo a tristeza da mãe, Jerônimo deu um passo e abraçou-a amorosamente.

JERÔNIMO  -  Tão veno só que velha ciumenta!

Os risos acabaram por contagiar Sinhana e o vozeirão do filho pôs fim á sua contrariedade repentina.

JOÃO  -  Vamo, vamo buscá o Duda senão a mãe tem um troço!

FIM DO CAPÍTULO 41
Sinhana

E NO PRÓXIMO CAPÍTULO...

JOÃO VAI Á CASA DO DR. MACIEL VER O IRMÃO E É EXPULSO PELO MÉDICO BÊBADO, PROVOCANDO A REVOLTA DE DUDA E RITINHA!

ESTELA ADVERTE LARA DE QUE O PAI ESTÁ PREPARANDO UM GOLPE CONTRA JOÃO.

DIANA DESAFIA PEDRO BARROS, E LHE DIZ TODAS AS VERDADES QUE LARA NÃO TERIA CORAGEM FALAR!

NÃO PERCA O CAPÍTULO 42 DE