domingo, 5 de outubro de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 67


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 67

Participam deste capítulo

Cyro  -  Tarcísio Meira
Ester  -  Gloria Menezes
Paulus  -  Emiliano Queiroz
Orjana  -  Neusa Amaral
Dr. Max  -  Álvaro Aguiar
Godoy  -  Ivan Cândido

 CENA 1  -  RODOVIA  -  EXTERIOR  -  NOITE

ESTER ACONCHEGAVA-SE AO OMBRO DO MÉDICO, QUE A RODEAVA COM O BRAÇO DIREITO. COM A MÃO ESQUERDA, MANOBRAVA O VOLANTE, CONDUZINDO O AUTOMÓVEL A VELOCIDADE MÉDIA PELA ESTRADA DE ACESSO À CAPITAL PAULISTA. ERA NOITE E A RODOVIA, ÀS ESCURAS, ERA CORTADA A TODO INSTANTE POR VEÍCULOS PESADOS, QUE OFUSCAVAM COM FARÓIS POSSANTES, OS CARROS MENORES, QUE TRAFEGAVAM EM SENTIDO CONTRÁRIO. CYRO DIRIGIA COM TODO O CUIDADO E ATENÇÃO.

ESTER  -  Quando vamos chegar a São Paulo?

CYRO  -  De manhã cedo. Vamos diretamente para o Consulado da Bolívia. Está tudo preparado para nos casarmos.

ESTER  -  Desistiu da ideia de morarmos por lá?

CYRO  -  Tenho muito o que fazer em Santa Catarina, amor. E já não existe razão para nos afastarmos. Não corremos mais nenhum risco. Por outro lado, eu sinto que Otto precisa ainda muito de mim. Essa dependência dele garante a nossa tranquilidade.

ESTER APERTOU-SE AINDA MAIS CONTRA O AMANTE.

ESTER  -  Sabe... é muito certo quando dizem... que há males que vem para bem.

CORTA PARA:

CENA 2  -  SÃO PAULO  -  CONSULADO DA BOLÍVIA  -  INTERIOR  -  DIA

SENTADOS DIANTE DA GRANDE MESA DE MOGNO, CYRO E ESTER ASSINAVAM UM LIVRO VOLUMOSO E DE TAMANHO FORA DO COMUM. COM AS ARMAS DA BOLÍVIA EM DOURADO NA CAPA. O FUNCIONÁRIO DIPLOMÁTICO EXAMINOU O DOCUMENTO E ENTREGOU UM PAPEL AO MÉDICO, APERTANDO AS MÃOS DOS RECÉM-CASADOS. CYRO MOSTROU A CERTIDÃO À ESPOSA.

CORTA PARA:

CENA 3  -  SÃO PAULO  -  HOTEL REAL  -  APARTAMENTO DE CYRO E ESTER  -  INTERIOR  -  DIA

JÁ NO LUXUOSO APARTAMENTO DO HOTEL NA AVENIDA SÃO JOÃO, OLHANDO A CIDADE QUE SE ABRIA NUM PANORAMA DE CONCRETO E AÇO, OS DOIS LEMBRARAM-SE DA PEQUENA E LÍRICA PORTO AZUL.

E DECIDIRAM COMUNICAR-SE COM ORJANA.

O TELEFONE CHAMOU E A MÃE DO MÉDICO CORREU A ATENDER. ESPERAVA PELA CHAMADA INTERESTADUAL. SABIA QUE O FILHO NÃO DEIXARIA DE LHE FALAR NO DIA MAIS IMPORTANTE DE SUA VIDA.

ORJANA  -  Ah, Cyro, diga! Já casados? Meus parabéns, filho! (Dr. Max ouvia o telefone, bebendo um gole de uísque. Orjana avisou-o, sorridente) Cyro já está casado com Ester, Dr. Max.

DR. MAX  -  Preciso falar com ele.

ORJANA ENTREGOU-LHE O FONE.

DR. MAX  -  Alô, Cyro! Meu abraço para vocês! Sim, estive lá, hoje, pela manhã. Examinei o Otto. Está relativamente bem. Teve um choque quando lhe dei a notícia do seu casamento.  Você não me pediu segredo...

ESTER UNIA SEU OUVIDO AO DO MARIDO, PROCURANDO ESCUTAR A CONVERSA.

CYRO  -  Claro, Max! Fez muito bem. Não era para fazer segredo. E qual foi a reação dele? Péssima? Eu faço uma ideia... Não, não tem importância. Faça-me um favor, Max. Volte amanhã de novo, para vê-lo. Você acha que posso ficar afastado três dias? Bem... se houver novidade, você sabe onde me encontrar... Voltamos hoje para Santa Catarina, mas não vamos para casa imediatamente... embora minha mulher já esteja querendo voltar. Acho que se decepcionou com... o casamento.

ESTER RIU E ARRANCOU O TELEFONE DE SUA MÃO.

ESTER  -  Mentira, Dr. Max. Mentira dele. Só disse que podíamos dar uma passada em casa e depois iríamos para nossa lua-de-mel improvisada, aí mesmo, em Florianópolis. Mas ele é muito egoísta e não quer os parentes, nem os amigos! Como ele é dominador, tenho de submeter-me à sua vontade. Mas estou muito feliz... com o casamento!

CORTA PARA:


CENA 4  -  MANSÃO DE OTTO MULLER  -  ESCRITÓRIO DE OTTO  -  INTERIOR  -  DIA

GODOY DE CASTRO POSSUÍA A ALMA DO MAU JORNALISTA, PREOCUPADO NÃO COM A INFORMAÇÃO SENSATA E PURA DOS ACONTECIMENTOS, MAS COM A REPERCUSSÃO MALDOSA DAS INVENCIONICES ASSACADAS CONTRA AQUELES DE QUEM NÃO  GOSTAVA. E CYRO VALDEZ OCUPAVA A CABEÇA DA LISTA DOS SEUS DESAFETOS. O JORNALISTA HÁ SEMANAS TENTAVA SABER O NOME DO DOADOR DO CORAÇÃO DE OTTO. INSINUARA-SE NOS MEIOS HOSPITALARES E MÉDICOS DA CAPITAL, USARA ARTIFÍCIOS, DINHEIRO, MAS OBTIVERA ÊXITO. FOI QUASE SEM QUERER QUE TOMOU CONHECIMENTO DA EXISTENCIA DO PROFESSOR SPINEZZI. E ESTIMULADO POR PAULUS, CONSEGUIU REALIZAR A REPORTAGEM QUE JULGAVA FUNDAMENTAL PARA  A DESTRUIÇÃO DA FAMA E DO RENOME INTERNACIONAL DO CIRURGIÃO CYRO VALDEZ.

NO ESCRITÓRIO DE OTTO MULLER, COM OS PÉS EM CIMA DA MESA DE MÁRMORE, O ADVOGADO ACABARA DE LER A MATÉRIA E SORRIA SATISFEITO. ENTREGOU O JORNAL AO DR. MAX.

PAULUS  -  Veja este depoimento de um médico paulista. Muito grave, por sinal. Leia, por favor.

O MÉDICO COMEÇOU A LER, ENQUANTO A EMPREGADA CONCEIÇÃO ENCHIA OS COPOS, PREPARANDO DOSES DE UÍSQUE. OUVIA AENTA, A PRINCÍPIO SEM COMPREENDER E AOS POUCOS PERTURBANDO-SE COM AS PALAVRAS DO MÉDICO. MAX LIA EM VOZ ALTA, A PEDIDO DO ADVOGADO.

MAX  -  “Cirurgião condena transplante e acusa Dr. Cyro Valdez. – O Professor Geraldo Spinezzi, da Universidade de São Paulo, condenou hoje o Dr. Cyro Valdez, acusando-o de buscar popularidade, mediante o transplante do coração que, em última análise – diz ele – foi realizado à custa do sacrifício da vida de um homem. De um pobre homem. A fim de conseguir um coração vivo, pulsando, que é essencial para a citada operação, o Dr. Cyro Valdez inventou a “morte cerebral”, afirmando que o cérebro do doador estava destruído e a morte era iminente. Mas hoje todos os centros neurológicos do mundo contestam essa teoria absurda. Em primeiro lugar – prossegue o cientista paulista – o eletroencefalograma apagado não é sinal de morte iminente, principalmente num prazo de duas horas, como quer o Dr. Cyro Valdez. Dizer que o coração é ressuscitado no receptor é confessar uma eutanásia por omissão. Então, por que não ressuscitá-lo no doador? O professor observa que o eletro, para significar morte, tem de ser nulo. Na massa encefálica e não no couro cabeludo. Durante 24 horas e não apenas duas. Lembra ainda os numerosos casos de acidentados, com eletrochoques, que depois de vários dias, se recuperaram inteiramente. Por tudo isso, o Professor Spinezzi garante que no caso do paciente do Dr. Cyro Valdez, o doador teve o coração retirado em vida. O que constitui um crime.”

A NEGRA CONCEIÇÃO MAL PODIA SUSTENTAR-SE EM PÉ.

PAULUS  -  (apoiou-se na palavra final do especialista de São Paulo) O que constitui um crime. Na opinião do professor Spinezzi, o Dr. Cyro é um criminoso.

DR. MAX  -  Feriu a ética. Deve e vai ser punido pela Ordem. É uma opinião muito particular, dele. Não é a opinião geral. E ele não tem condições de contradizer Barnard, Zerbini e outros cirurgiões de renome internacional. Este médico é, decididamente contra transplantes. Já é conhecido. Não é seu primeiro depoimento, neste sentido. Apenas faz aí algumas considerações de ordem pessoal, que atingem a honra de um profissional como o Dr. Cyro Valdez.

PAULUS  -  Mas sua opinião torna-se muito válida, quando se trata de respeitar uma vida humana. Se ele acusa o Dr. Cyro Valdez de ter arrancado o coração do doador ainda com vida e diz que poderia haver uma possibilidade do homem viver... o senhor há de convir que se trata de um crime!

O MÉDICO COMEÇAVA A DEMONSTRAR NERVOSISMO, DIANTE DA ARGUMENTAÇÃO INSISTENTE DO ADVOGADO.

DR. MAX  -  O Dr. Cyro estava certo de que não havia a mínima possibilidade de sobrevivência. Para isso são feitos testes.

GODOY  -  (que se mantinha silencioso, no findo da sala) Nós sabemos. Mas o Professor acusa-o de não ter esperado o tempo suficiente. Esperou apenas duas horas... quando, necessariamente, seriam precisas 24 horas.

DR. MAX  -  Este médico... não pode dizer uma coisa dessas! Se o resultado da prova foi nulo em duas horas... é porque o homem já estava clinicamente morto!

PAULUS  -  Pode convencer ao senhor, que é favorável ao transplante. Mas... convencerá à família do morto, por exemplo?

DR. MAX  -  Repito, senhores. Esta declaração não faz sentido. É capciosa, leviana, mal intencionada. E só tem um propósito: destruir a boa reputação do Dr. Cyro Valdez. Com licença!

O MÉDICO DEIXOU O APOSENTO, VISIVELMENTE CONTRARIADO.

CORTA PARA:

CENA 5  -  FLORIANÓPOLIS  -  HOSPITAL  -  SALA DE REUNIÕES  -  INTERIOR  -  DIA

A CAMPANHA COMEÇARA. E NOS DIAS SEGUINTES OS JORNAIS ABRIRAM ESPAÇOS E MANCHETES PARA FOCALIZAR O QUE JÁ QUALIFICAVAM DE “CRIME CIENTÍFICO”. NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O NOME DE CYRO VALDEZ TORNARA-SE UM SINÔNIMO DE AVENTUREIRO DA CIENCIA. E OS DIRETORES DOS ÓRGÃOS DE IMPRENSA EXIGIAM UMA ENTREVISTA COLETIVA COM O MÉDICO PARA TIRAR A LIMPO O QUE REALMENTE ACONTECERA. COMEÇAVAM, INCLUSIVE, A ESPECULAR E EXIGIR A REVELAÇÃO DO NOME DO DOADOR. O DIRETOR DO HOSPITAL RESOLVEU DAR UM PARADEIRO NA CAMPANHA E A MUITO CUSTO OBTEVE A APROVAÇÃO DE CYRO VALDEZ. ELE ACEITAVA AVISTAR-SE COM OS JORNALISTAS, DESDE QUE SUAS PALAVRAS NÃO FOSSEM DISTORCIDAS E ELES NÃO VOLTASSEM A SOLICITAR NOVOS DEPOIMENTOS.

O DR. MAX OLHOU A SALA DE REUNIÕES DO HOSPITAL. REPLETA DE REPÓRTERES, FOTÓGRAFOS, CINEGRAFISTAS E HOMENS DE MICROFONE EM PUNHO, TESTANDO FITAS E GRAVADORES.

DR. MAX  -  Boa tarde, senhores. O Dr. Cyro Valdez já chegou ao hospital e irá, em seguida, conceder a entrevista aos senhores. Ele vai falar sobre o transplante que realizou nesta casa e mostrar aos senhores a prova definitiva... de que não existia no doador a mínima condição de sobreviver.

CYRO VALDEZ ENTROU TRANQUILO, SEGUIDO POR UM HOMEM POUCO CONHECIDO NA CAPITAL: MESTRE JONAS. O PESCADOR PROCUROU UM CANTO ONDE PUDESSE PERMANECER DESPERCEBIDO.

O CIRURGIÃO CUMPRIMENTOU OS JORNALISTAS, ENQUANTO ESPOCAVAM FLASHES E AS LUZES OFUSCANTES DO APARELHAMENTO DE ILUMINAÇÃO DA TV ENCHIAM DE CLARIDADE SOLAR O RECINTO DE ESTUDOS E DEBATES DO HOSPITAL.

DR. CYRO  -  Estou aqui para me defender. Fiquem à vontade.

GODOY DE CASTRO ABRIU O ROL DE PERGUNTAS.

GODOY  -  Dr. Cyro, em primeiro lugar, qual era o estado do paciente, isto é, do doador, no momento em que foi realizado o transplante?

CYRO  -  Apresentava lesões cerebrais que tornavam impossível a sua recuperação. Em outras palavras... ele se encontrava cerebralmente morto.

GODOY  -  Isto foi uma opinião sua, no momento, ou um fato comprovado?

CYRO  -  Era um fato comprovado pelo eletroencefalograma.

GODOY  -  Foi tentada alguma cirurgia para salvá-lo?

CYRO  -  Não, porque o eletro era nulo.

UM DOS REPÓRTERES PEDIU UM ESCLARECIMENTO.

REPÓRTER  -  O senhor pode explicar, em palavras simples, o que quer dizer um eletroencefalograma nulo?

CYRO  -  É muito simples. É quando a linha traçada pela agulha não apresenta ondulação de espécie alguma. É uma linha reta.

REPÓRTER  -  E o que é um eletroencefalograma chato?

CYRO  -  É quando essa linha apresenta ligeiras ondulações, quase imperceptíveis. E é esse o equívoco do Dr. Spinezzi. Ele  julga que o último eletro do doador era chato e não nulo. E, nesse caso levanta a hipótese de que o paciente poderia ter alguma chance, mesmo remota, de recuperação. Eu não vou discutir esse assunto com os senhores. Vou apenas provar que o Dr. Spinezzi agiu levianamente. Tenho em meu poder (mostrou dois envelopes brancos) o último eletro realizado no doador e, como os senhores verão, ele é absolutamente nulo, não restando qualquer dúvida de que o paciente morreria dentro de algumas horas. (abriu o envelope que tinha nas mãos, retirou o exame e mostrou-o aos jornalistas) Faço questão de que cada um dos senhores o examine, detidamente.

À MEDIDA QUE OS REPÓRTERES O EXAMINAVAM, AS EXPRESSÕES SE TRANSMUDAVAM E UMA ONDA DE COCHICHOS ENCHEU A SALA.

CYRO  -  (intrigado) O que há? Não estão entendendo?

GODOY  -  Não estamos, mesmo. Pelo que o senhor nos explicou, este não é um eletro nulo!

CYRO  -  (aproximou-se do grupo, tomou o eletro das mãos do repórter e analisou-o) Não... não é esse! Trocaram o eletro!

GODOY TROCOU OLHARES IRÔNICOS COM OS COLEGAS E PRESSENTIU A DERROTA DO HOMEM A QUEM ODIAVA.

GODOY  -  Como é que trocaram, Dr. Cyro? Não estavam em seu poder?

CYRO  -  Estavam... estavam no meu cofre particular, no meu consultório!

DR. MAX  -  O que aconteceu, Cyro?

CYRO  -  Veja isto, Dr. Max! Eu não entendo!

DR. MAX  -  (admirado) Não é o resultado verdadeiro!

POR UM MOMENTO OS MÉDICOS FICARAM PERPLEXOS E NÃO PERCEBERAM QUE O ENVELOPE COM O NOME DO DOADOR CAÍRA AOS PÉS DE GODOY DE CASTRO. O REPÓRTER RECOLHEU O PAPEL E LEU EM VOZ ALTA, PARA QUE TODOS OUVISSEM, NA SALA.

GODOY  -  O nome do doador é... aqui está... Senhor Marques... apenas um sobrenome. Marques... acidentado no dia 20 de maio de 1968, traumatismo craniano.

CYRO  -  Sim... não há engano. O envelope é do doador. Mas este resultado do exame é falso.

REPÓRTER  -  (exaltado) Não é possível! Como é isso?

CYRO  -  Só posso explicar como... como uma troca de exames. Eu vou averiguar... o que está acontecendo, senhores. Com licença.

CYRO DEIXOU A SALA SOB OS OLHARES DESCONFIADOS DO GRUPO.

IMEDIATAMENTE, GODOY CORREU AO TELEFONE. DISCOU O NÚMERO DA RESIDENCIA DE OTTO MULLER.

GODOY  -  Dr. Paulus? Olha, o senhor vai cair de costas! Podemos conversar?

PAULUS  -  Fale!

GODOY  -  Aconteceu um troço, rapaz! O Dr. Cyro Valdez está perdido, arrasado, graças a Deus! Já era, o imbecil!

PAULUS  -  Fale logo!

GODOY  -  Ninguém sabe como, nem por que... mas os exames que podiam comprovar a impossibilidade de sobrevivência do doador... desapareceram. Pelo menos ele afirma que desapareceram. O que ele mostrou foi um exame com possibilidade de vida!

PAULUS BATEU PALMAS DE ALEGRIA E SEUS OLHOS BRILHARAM COM A NOTÍCIA.

PAULUS  -  Incrível! Como pode ter acontecido?

GODOY  -  Ah... outra grande descoberta. Eu já tenho o nome... ou melhor... o sobrenome do doador! Vi no envelope dos exames. Um tal senhor Marques, ou Marquês, não sei!

PAULUS  -  Ótimo! Excelente nova! Venha jantar conosco hoje. Otto e Lia se casam.

FIM DO CAPÍTULO 67


quinta-feira, 2 de outubro de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 66


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 66

Participam deste capítulo

Cyro  -  Tarcísio Meira
Comendador Liberato  -  Macedo Neto
Baby  -  Claudio Cavalcanti
Inês  -  Betty Faria
Zoraida  -  Jurema Penna
Ester  -  Gloria Menezes
Paulus  -  Emiliano Queiroz
Delegado  -  Vinicius Salvatori
Daniel  -  Paulo Araújo


CENA 1  -  PALACETE DO COMENDADOR LIBERATO  -  SALA  -  INTERIOR  -  DIA

COMENDADOR  -  Chegou na hora, filho. Telefone para você. É o Dr. Cyro!

BABY NEM TIROU O PALETÓ. CORREU AO APARELHO E COM AS PERNAS CRUZADAS SENTOU-SE NA POLTRONA À VONTADE.

BABY  -  Oi, Cyro! Fala! Quais são as novidades? (esperou alguns instantes a resposta do amigo e, à medida que tomava conhecimento dos fatos, sua expressão se modificava) Não é possível! Bacana, rapaz! Como foi? Você... bancou o policial?

CYRO SORRIA DO OUTRO LADO DA LINHA COM A INFANTILIDADE DO JOVEM LIBERATO.

CYRO  -  Não, Baby. Não banquei o policial. E é para não querer bancar o policial que estou lhe telefonando.  Você pode ir buscar o homem que levou Ivan a mando do Dr. Paulus e levá-lo à polícia. Deve desfazer essa trama, imediatamente, porque disso depende a liberdade de Daniel. Está me entendendo? E Daniel, além de seu empregado, é seu cunhado! Não está de acordo, meu caro Baby?

BABY  -  Mas é claro! Me diga onde está o patife, que vou buscá-lo, imediatamente. Hem? Está ferido? E que me importa o ferimento? Me diga onde está, rápido!

CYRO LEMBROU-LHE QUE QUALQUER PRECIPITAÇÃO PODERIA BOTAR TUDO A PERDER. AS COISAS TERIAM DE SER FEITAS COM FRIEZA E RACIOCÍNIO. PESANDO OS PRÓS E OS CONTRAS DAS MANOBRAS.

CYRO  -  (acrescentou) Baby, lembre-se de que ele merece um tratamento humano. Acho que não preciso lhe dizer que não deve cometer excessos. Lembre-se de que ele foi um instrumento...

BABY  -  (cortou, com cinismo) Sei. Um instrumentozinho tão inocentinho que raptou o filho de Ester. Sei que foi para obedecer ordens. Qual, Cyro. A gente não entra num acordo. Me diga onde está o sem-vergonha. Claro. (estava impaciente) Se ele tiver fugido, eu levo a mulher dele, que tomou conta do menino. Ela estava inocente, concordo, mas pode desfazer a tramóia, não pode? Então me diz, onde posso achar esses dois? (abriu a gaveta à procura de um lápis) Vai dizendo. Estou tomando nota.

CYRO REVELOU O LOCAL, ENQUANTO O RAPAZ ANOTAVA, COM PRESTEZA.

BABY  -  Imagine... aqui mesmo, na cidade... sei. Em frente á praia. Legal! Vou correndo pra lá, à cata do inimigo! Sou o agente 007! Baby Bond! Vou levar todas as minhas armas secretas! Legal! Tchau, Cyro! Parabéns! Você dá para Sherlock! Te telefono depois! (colocou o fone no gancho) Minhas armas secretas, onde estão minhas armas secretas? (gritou para a governanta parada no meio da sala) Vou prender um bandido sem-vergonha, que raptou o filho de Ester!

SUBIU A ESCADA DE DOIS EM DOIS DEGRAUS, ABRINDO OS BOTÕES DA CAMISA DE SEDA.

BABY  -  Minha mulher! (gritou do alto) Tenho de levar a mocinha ingênua  para  servir  de  isca  para  o  bandido!  Não posso entrar sozinho nesta caçada! Vá chamar a minha mosquinha morta, Zoraida!

ZORAIDA  -  Sua mosquinha morta... está neste momento... dando remedinho na boquinha do seu pai!

BABY FICOU SÉRIO E SUA FISIONOMIA ADQUIRIU UM AR DE DESPEITO.

BABY  -  Vou acabar com essa pouca vergonha já, já!

ZORAIDA  -  Acho que você faz muito bem!

CORTA PARA:

Baby (Claudio Cavalcanti)

CENA 2  -  PALACETE DO COMENDADOR LIBERATO  -  QUARTO DO COMENDADOR  -  INTERIOR  -  DIA

BABY PAROU À PORTA DO QUARTO DO COMENDADOR E OBSERVOU O QUE SE PASSAVA NO INTERIOR PELA PORTA ENTREABERTA. INÊS LIA UM LIVRO DE CAPA AZULADA.

INÊS PAROU DE LER E OLHOU PARA O RELÓGIO.

INÊS  -  Espera. Tá na hora do seu remédio.

ENQUANTO A MOÇA ENCHIA A COLHERINHA E DAVA O REMÉDIO NA BOCA DO COMENDADOR, BABY ENTROU NO QUARTO, IRRITADO.

BABY  -  Que fricote é esse?

INÊS  -  Seu pai tá doente, Baby. Não passou bem, de noite. Eu não deixei ele se levantar, hoje.

BABY  -  Ah... e está servindo de babá pra ele?

INÊS  -  Tou cuidando dele, sim. E daí?

COMENDADOR  -  Você vem ao meu quarto, entra sem bater e começa a implicar!

BABY  -  Acontece que minha mulher está aqui, e onde minha mulher está, eu entro como quero!

INÊS  -  A gente tá dando aula de português e eu não posso deixar de dá minha aula.

BABY  -  Entendo. O comendador quer transformá-la!

COMENDADOR  -  Não pretendo transformar ninguém. Quero que ela se eduque, para alcançar um nível mais ou menos igual ao nosso. Se bem que já estou ficando arrependido, porque ela não tem educação, mas tem melhores sentimentos do que qualquer um de nós.

BABY  -  Muito bem. Ela será uma nova Galatéia!

INÊS  -  Num quero sê esse negócio, aí, não! Quero sê Inês, mesmo. E falá direito, ué!

BABY  -  Muito bem, Galatéia, vá se preparar, que a senhora vai sair comigo.

INÊS  -  A gente vai pronde?

BABY  -  Pronde... (balançou a cabeça, enquanto o pai sorria, discretamente) Pronde eu quiser, ué!

COMENDADOR  - Ela tem o direito de saber aonde você vai levá-la.

BABY  -  Vou prender o sujeito que raptou o filho de Ester. Cyro o agarrou, ferido. Agora, eu vou lá para levá-lo à policia.

COMENDADOR  -  (ergueu-se da cama) Quer arriscar sua mulher? Isso é coisa para homem! Ela não pode ir!

BABY  -  Você não manda nela, comendador! Afinal, vou prender o sujeito que  vai desfazer a tramóia e livrar o irmão dela da cadeia. Ela precisa ir comigo.

CORTA PARA:

CENA 2  -  FLORIANÓPOLIS  -  RODOVIA  NO LITORAL  -  NOITE   

DURANTE MAIS DE MEIO QUILÔMETRO, BABY LIBERATO DIRIGIU O CARRO COM AS LUZES APAGADAS E MÁQUINA SILENCIOSA, PRESSIONANDO AO MÍNIMO O ACELERADOR. POR ENTRE AS ÁRVORES QUE PROJETAVAM SOMBRAS ESCURAS NA NOITE PRAIANA, O RAPAZ AVISTOU A PEQUENA CHOUPANA, FRACAMENTE ILUMINADA. RETIROU A ARMA DO PORTA-LUVAS E, PÉ-ANTE-PÉ, ENCAMINHOU-SE PARA A CASA DE MADEIRA. OLHOU PARA UM E OUTRO LADOS, ATENTO. ESTAVA VESTIDO DE NEGRO, COM LUVAS. PAROU A ALGUNS METROS DA PORTA E, COM UM TROMPAÇO, ATIROU-A PARA DENTRO DA CHOUPANA.

SENTIU-SE MACHÃO AO LEVANTAR O BICO DA SMITH AND WESSON CONTRA O PEITO ENVOLVIDO EM GAZE DO ASSECLA DE OTTO MULLER. SANTOS ERGUEU OS BRAÇOS, INDEFESO.

BABY  -  Você está perdido! Vim buscá-lo. Você está perdido!

A VOZ DA MULHER, AMENA E INFELIZ, TIROU-O DO SÚBITO ARRABATAMENTO AVENTUREIRO.

MULHER  -  Não precisa nada disso, não, moço. Ele mesmo ia se entregá.

BABY  -  (guardou a arma, confiante e sem graça) Ia mesmo? Neste caso... quer uma carona até Porto Azul?

O BANDIDO ENTROU NO CARRO DO MILIONÁRIO E ENCOLHEU-SE NO BANCO.

A MULHER SEGUIU-OS.

MULHER  -  Eu vou também para explicar essa história direito pro delegado. Nem sabia que o menino estava sendo raptado. Pra mim tinha sido o pai dele...

BABY ACIONOU A CHAVE E O MOTOR PEGOU, NA PRIMEIRA.

CORTA PARA:

CENA 3  -  PORTO AZUL  -  DELEGACIA  -  INTERIOR  -  NOITE

PAULUS ACABARA DE TELEFONAR E COMUNICADO A ESTER AS MANOBRAS POLICIAIS PARA RESGATE DO MENINO. E A MULHER DECIDIRA RIR UM POUCO À CUSTA DO HOMEM RESPONSÁVEL PELA TRAMA CRIMINOSA.

A SEU LADO, O DELEGADO ACOMPANHAVA O DIÁLOGO E ACEITAVA AS FORMULAÇÕES DO ADVOGADO. DE FATO, HAVIA DESTACADO VÁRIOS HOMENS PARA, NUMA AÇÃO RÁPIDA, ENVOLVEREM A CAPELINHA E TENTAR ENCONTRAR O MENINO.

FOI NESSE INSTANTE QUE BABY LIBERATO ENTROU NA SALA COM O CASAL. PAULUS EMPALIDECEU.

O DELEGADO LEVANTOU-SE PARA CUMPRIMENTAR O PRESIDENTE DA COMPANHIA DE MINERAÇÃO.

BABY  -  Tenho uma surpresa para os senhores. Delegado, eis aí os responsáveis pelo rapto do filho de Ester. (empurrou Santos para a frente do policial) Este é o sujeito!

DELEGADO  -  Este é o cara que perseguimos?

BABY  -  Exato.

PAULUS  -  Prenda ele!

BABY  -  (apontando para o comparsa de Otto) E prenda aquele, também. Ele é o cabeça de tudo, delegado!

MULHER  -  O senhor, hem, Dr. Paulus? Me fazê entrá numa fria destas!

PAULUS  -  (tremia de aflição) Esta mulher está louca! Eu não tenho nada com isso!

MULHER  -  Tem, sim! Foi ele, delegado, quem mandou o Santos levá o menino pra lá. A gente estava pensando que era pra fazer um favor pro seu Otto.

O DELEGADO INTERESSOU-SE, PASSADO O PRIMEIRO INSTANTE DE ESTUPEFAÇÃO. OLHOU COM ÓDIO PARA A CARA DO BANDIDO.

DELEGADO  -  Vamos, vamos ouvir esta história direitinho!

PAULUS  -  Eles estão loucos! Eu nunca vi esses dois na minha vida!

MULHER  -  (avançou, decidida) Tenho vontade de lhe dar umas bolachas! Então não me conhece... nem o motorista do seu patrão, calhorda?

PAULUS  -  (deu um pulo para trás, ante a investida da mulher) Tire as mãos de cima de mim! Tire as mãos!

BABY SORRIU E O DELEGADO PROCUROU INTERVIR.

A MULHER CRAVOU AS UNHAS, ARRANCANDO PEQUENOS PEDAÇOS DA PELE DA CARA DO ADVOGADO. O SANGUE JORROU PELAS TRILHAS VERMELHO-ESBRANQUIÇADAS.

PAULUS  -  (berrou de dor) É uma doida! Uma doida, delegado! Tira essas mãos sujas de cima de mim!

CORTA PARA:

CENA 4  -  PORTO AZUL  -  BAR  -  EXTERIOR  -  NOITE

FINALMENTE TUDO ESTAVA ESCLARECIDO. BABY E DANIEL SAÍRAM DA DELEGACIA. O MINEIRO RESPIROU FUNDO E CONVIDOU O CUNHADO PARA UM TRAGO NO BAR EM FRENTE.

DANIEL  -  Puxa! Cheguei a perdê a esperança de respirar ar puro!

BABY  -  Em que encrenca iam te meter, hem?

DANIEL  -  E o Dr. Paulus?

BABY  -  Está lá dentro, tentando convencer o delegado a abafar o escândalo, dizendo que tudo não passou de um engano. Nesta hora é que se desejava chamar todos os jornalistas de Florianópolis para desmascarar esta quadrilha do primo Otto.


FIM DO CAPÍTULO 66



quarta-feira, 1 de outubro de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 65


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 65

Participam deste capítulo

Cyro  -  Tarcísio Meira
Ester  -  Gloria Menezes
Paulus  -  Emiliano Queiroz
Júlia  -  Ida Gomes
Orjana  -  Neusa Amaral
Ivan  -  Rogério Pitanga


CENA 1  -  PORTO AZUL  -  CASA DE D. BÁRBARA  -  EXTERIOR  -  DIA

CYRO TINHA AS FEIÇÕES TRANSTORNADAS E OS CABELOS DESPENTEADOS, A CAÍREM POR SOBRE O ROSTO. FECHOU A PORTA DO SEDAN E SUBIU O PEQUENO DEGRAU DE ACESSO AO PORTÃO DE SUA RESIDENCIA.

ESTER  -  (saindo ao seu encontro) Cyro! Estava aflita para que você chegasse!

ORJANA  -  (apreensiva) Ester recebeu uma carta! Uma carta do sujeito que levou Ivan!

CORTA PARA:

CENA 2  -  PORTO AZUL  -  CASA DE D. BÁRBARA  -  SALA  -  INTERIOR  -  DIA

O MÉDICO ATIROU-SE SOBRE O SOFÁ, ESTICANDO AS PERNAS, PARA DESENTORPECER OS MÚSCULOS CANSADOS.

CYRO  -  Eu sei, mãe. Ele pede 300 mil reais e manda que você leve o dinheiro a uma capelinha na estrada. Se não encontrar a capela, deve perguntar a Daniel. Não é isso?

AS DUAS MULHERES ABRIRAM A BOCA DE ESPANTO.

ESTER  -  Como sabe?

CYRO  -  Mandaram o mesmo bilhete a Otto. O safado, ele mesmo, mandou forjar o bilhete. Não entende, Ester? Para comprometer Daniel! Não sei por que... ou melhor, creio que entendo... eles querem implicar o mineiro nesta história.

ESTER  -  Você acha mesmo?

CYRO  -  Evidente demais, Ester!

ESTER  -  Você disse, ontem, que Otto, hipnotizado, lhe prometera libertar Ivan!

CYRO  -  Ontem ele disse. Mudou de idéia. Hoje não se deixou hipnotizar e não repetiu a mesma coisa diante do delegado. Fêz-me passar por mentiroso e farsante. Quando ele é que é mentiroso e farsante. Mas... o que é que posso fazer? Me digam... Como penetrar na mente deste homem e fazê-lo compreender o erro? É muito difícil. Muito difícil mesmo.

ESTER  -  Só há uma saída, Cyro... mas esta você não aceitaria... ameace deixar de acompanhar o seu caso. Você é o único médico nesta parte do mundo que pode garantir a vida de Otto Muller... pelo menos... por algum tempo... Otto deve saber disso. Peça a ele: ou a verdade, ou a sua desistência!

CYRO  -  Como você mesma já disse, não posso aceitar isso, Ester. Não posso admitir a hipótese de enredar minha profissão de médico nos problemas advindos de minha luta com meu próprio cliente. O homem é um. O médico, outro.

CORTA PARA:

CENA 3  -  FLORIANÓPOLIS  -  CASA DE ESTER  -  SALA  -  INTERIOR  -  NOITE

OS FATOS SE DESENROLARAM COMO A ESTRATÉGIA DE OTTO MULLER PRESSUPUNHA. O DINHEIRO FÔRA ENTREGUE, DISFARÇADAMENTE, A UM SUPOSTO RECEPTADOR.

O TELEFONE TOCOU E ESTER JOGOU-SE CONTRA ELE.

ESTER  -  A-alô! Alô!

PAULUS  -  (do outro lado da linha, a voz macia) Ester... eu só queria dizer que te amo. Confie em mim, porque eu te amo. Eu, sozinho, vou encontrar teu filho. Mas vou fazer uma exigência: que você me ame um pouquinho, também, Ester. Fique calma. Amanhã seu filho estará nos seus braços. Eu lhe prometo.

PAULUS DESLIGOU.

TUDO LHE PARECIA UM PESADELO TERRÍVEL E ESTER PROCUROU ACALMAR-SE. PREPAROU UM DRINQUE COM BASTANTE GELO. PENSAVA NO MENINO. NO SEU FILHO, DISTANTE. ONDE? EM QUE LUGAR DA REGIÃO ESTARIA ESCONDIDO?

CORTA PARA:

CENA 4  -  FLORIANÓPOLIS  -  CASA DE ESTER  -  SALA  -  INTERIOR  -  DIA

A VOZ INFANTIL E SUAVE PARECEU-LHE IRREAL. IMPRESSÃO, TALVEZ. MAS O CHAMAMENTO TORNOU A SE FAZER OUVIR.

IVAN -  Mamãe! Júlia! Mamãe!

AS DUAS MULHERES SE ENTREOLHARAM, DESCRENTES.

ESTER  -  Está ouvindo? Estou ficando louca? Estou, Júlia? Ou é Ivan que nos está chamando?

JÚLIA NÃO SABIA SE CHORAVA OU RIA DE CONTENTAMENTO.

JÚLIA  -  (mal pôde responder) Não, Dona Ester! Eu estou ouvindo também! É ele!

CORTA PARA:
Júlia (Ida Gomes)

CENA 5  -  FLORIANÓPOLIS  -  CASA DE ESTER  -  JARDIM  -  EXTERIOR  -  DIA

SAÍRAM CORRENDO NA DIREÇÃO DO JARDIM DA RESIDENCIA. ANTES DE ALCANÇAREM O GRAMADO QUE LIGAVA A CASA COM A ENTRADA DOS CARROS, AVISTARAM A FIGURA PEQUENINA DO GAROTO. ESTER SENTIU O MUNDO ESCURECER, MAS CONTINUOU CORRENDO. IVANZINHO CONTINUAVA CHAMANDO A MÃE.

ESTER ABRAÇOU-O, ERGUENDO-O NOS BRAÇOS, COMO LOUCA. AS LÁGRIMAS ESCORRIAM-LHE PELO ROSTO. JÚLIA ESTAVA PARALISADA, SEM FORÇAS PARA DAR UM PASSO.

A MULHER RODOPIOU COM O FILHO AO COLO, INTEIRAMENTE FORA DE SI.

ESTER  -  Eu estou sonhando? Diga, Júlia! Ivan! Ivan! Meu filhinho!

CYRO SE APROXIMOU, SORRINDO. PERMANECEU, DE LONGE, APRECIANDO A EUFORIA DA MULHER POR QUEM DARIA A PRÓPRIA VIDA, SE NECESSÁRIO.

CORTA PARA:

CENA 6  -  FLORIANÓPOLIS  -  CASA DE ESTER  -  SALA  -  INTERIOR  -  DIA

JÚLIA  -  (abraçando o menino) Seu moleque! Não sentiu saudades?

IVAN  -  Senti!

CYRO PEDIU QUE LEVASSEM O MENINO PARA A CAMA E SE SENTOU AO LADO DAS MULHERES. TINHA UM AR CIRCUNSPECTO, PROFESSORAL.

CYRO  -  Não devem mencionar rapto, nem desespero, nem sofrimentos, pelos dias em que esteve fora, na frente dele. Ele não está participando de nada. Levaram-no para uma boa casa, dizendo que você iria logo ao seu encontro. Ele passou bem, comeu bem, brincou à beça...

ESTER  -  Onde?

CYRO  -  Uma casa de praia. A mulher que tomou conta dele estava pensando que fazia um favor a Otto.

ESTER  -  Quem era, Cyro?

CYRO  -  Uma boa mulher. Tratou Ivan muito bem. Só se espantou quando viu um tal Santos chegar ferido, hoje.

ESTER  -  Ele está muito ferido?

CYRO  -  Não. Não muito. Fiz um curativo logo que cheguei lá. Estava perdendo sangue e não queria se medicar com medo da polícia.

ESTER  -  Você o deixou lá?

CYRO  -  A esta altura deve ter fugido, embora eu o tenha aconselhado a se entregar e contar a verdade à polícia. Foi ele, inclusive, quem tentou me matar. De qualquer maneira, agora podemos desfazer a farsa de Paulus. Foi ele quem preparou todo este plano, para levar você ao desespero.

ESTER  -  Com ordem de Otto, com certeza!

CYRO  -  Naturalmente!

ESTER  -  E como foi que você conseguiu desvendar a trama?

CYRO  -  Não foi preciso recorrer a poderes sobrenaturais. Eu apenas... coloquei a questão às claras. Fiz o que você me sugeriu e eu não queria fazer... (Ester espantou-se ante a revelação da verdade) Simplesmente me recusei a continuar tratando de Otto. O resto... foi fácil. Dona Catarina e Lia resolveram acabar com a farsa.

ESTER  -  (agastada) Lia também estava de acordo?

CYRO  -  Não. Ela não tinha certeza de nada. É bom que se diga. Lia não é má criatura. Apenas deseja se casar com Otto, talvez por um problema de afirmação. No momento em que isso acontecer... ela se realizará. Estou certo de que será uma pessoa que teremos a nosso favor, cem por cento.

ESTER  -  (levantou-se do sofá) Vou ver...

CYRO  -  (puxou-a pelo braço, deitando-a a seu lado) Será possível... que depois de tudo isso... não ganho nem um beijo de agradecimento?

ESTER RIU FELIZ, ABRAÇANDO-O E BEIJANDO-O AMOROSAMENTE.

ESTER  -  (caçoou) E você, tem algum problema, seu bobão?

CYRO  -  Sim. Eu também... estou com certo problema de afirmação. Parece que vou ficar solteirão se determinada moça não se decidir a casar comigo...

ESTER  -  (brincalhona, pondo um dedo sobre o lábio superior do rapaz) Pois esta moça está morrendo de medo de ficar só. E está louquinha para ser pedida em casamento.

FIM DO CAPÍTULO 65