sábado, 23 de agosto de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 49


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 49

Participam deste capítulo

Cyro  -  Tarcísio Meira
Ester  -  Gloria Menezes
Baby  -  Claudio Cavalcanti
Ricardo  -  Edney Giovenazzi
Otto  -  Jardel Filho
Lia  -  Arlete Sales
Catarina  -  Lidia Mattos
Paulus  -  Emiliano Queiroz
Dr. Avelar  -  Álvaro Aguiar
Dr. Roberto  -  Paulo Cesar Pereio

CENA 1  -  PALACETE DO COMENDADOR LIBERATO  -  QUARTO DE BABY  -  INTERIOR  -  DIA

RICARDO APARECEU CEDINHO NO PALACETE DOS LIBERATO. E JÁ ENCONTROU BABY DE PÉ, APRONTANDO-SE PARA SAIR. SOBRE A CAMA UMA MALA DE VIAGEM, ENTUPIDA DE TERNOS E ROUPAS BRANCAS. O ENGENHEIRO COMPREENDEU O PORQUÊ DAQUILO.

RICARDO  -  Vai fugir para não se casar com Inês?

BABY  -  Que que você acha? Devo ficar pra me amarrar nela? Isso tem graça?

RICARDO  -  Já pensou como vai ficar sua situação diante dos seus empregados?

BABY  -  E pra ficar bem diante deles, vou fazer uma burrada destas, velho! Tenha paciência!

RICARDO  -  Você gosta da Inês?

BABY  -  (pensou um pouco) Sei lá se gosto! Eu não me entendo! Às vezes sinto falta dela. Fico gamado por ela. Outras vezes ela me enche a paciência. Você sabe que sou meio aloprado. Não me prendo a coisa nenhuma. E depois, pensando bem, o casamento com Inês vai ser um disparate. Você já pensou?!

RICARDO  -  Coitada dessa moça...

BABY  -  Imagina os problemas  que essa situação pode trazer. Em absoluto, não sinto receio de confessar toda a história ao meu pai, apesar do trauma que, certamente, vai abalar o velho. Orgulhoso, rico, o Comendador Liberato jamais aceitaria o casamento do único herdeiro com a filha de um humilde pescador. Mas isso não impede de me decidir. Sabe que até acho interessante dar um susto no velho, casando com a jovem sem estudos e pobre? O mais sério, Ricardo, é que não se trata de casamento por amor, nem paixão. E não estou disposto a me sacrificar pra ficar quite com a sociedade! Nada disso! Eu quero sombra e água fresca!

RICARDO  -  Eu sei. Inês servia pra curar suas bebedeiras.

BABY  -  Pois é. Mas ela tirou proveito de uma delas. Foi depois de uma, que me levaram direitinho no bico. Mas não tem problema. Eu me mando daqui por alguns dias. Você vai lá e avisa que tive de fazer uma viagem de negócios. Quando eu voltar, a vontade de casar comigo já terá esfriado. (bateu nas costas do amigo) Tá?

RICARDO  -  Eu não vou me prestar a isso, Baby. Mande outra pessoa dar esse recado.

VIROU AS COSTAS PARA SAIR. BABY CORREU A AGARRÁ-LO.

BABY  -  Vem cá. Você tem de me ajudar!

RICARDO  -  Olha, Baby... você vai desfazer tudo o que conseguiu entre os mineiros; a simpatia, a confiança, tudo! Sabe o que vão pensar da sua atitude? Que você não passa de um moleque! Ótima propaganda para quem está exercendo a sua posição, numa luta de morte contra Otto Muller!

BABY BAIXOU A CABEÇA, SEM RESPONDER.

CORTA PARA:

CENA 2  -  HOSPITAL  -  SALA DOS MÉDICOS  -  INTERIOR  -  DIA

FRENTE A FRENTE, SENTADOS EM BANQUETAS DE FERRO CROMADO, OS DOIS MÉDICOS DISCUTIAM A QUESTÃO DO TRANSPLANTE.

CYRO  -  Sou da opinião que nada impede o êxito da operação. Não temos outra alternativa. Ou transplante, ou Otto Muller já era.

DR. ROBERTO  -  Bem, eu não sou tão crédulo como você. Sou a favor de uma intervenção de caráter recuperador. Mas, como especialista, sei de antemão que o caso é desesperador. Uma possibilidade em mil, de sucesso operatório. E parece que a mãe é contra. Reagiu muito mal diante da hipótese do transplante.

CYRO  -  Não podemos forçar.

A PORTA SE ABRIU E A ENFERMEIRA ENTROU.

ENFERMEIRA  -  (dirigiu-se a Cyro) Com licença. Doutor! A mãe do senhor Otto Muller deseja falar com o senhor. Ela está aí fora.

CYRO  -  (olhou significativamente para o colega) Pode deixá-la entrar.

DONA CATARINA VINHA COM A FACE ENRUGADA, PROFUNDAS OLHEIRAS. DENOTAVA CANSAÇO.

CATARINA  -  Doutor... quero saber o que vão fazer com o meu filho.

CYRO  -  Não operaremos sem o seu consentimento.

CATARINA  -  (estremeceu) Eu me horrorizo só de pensar que meu filho terá em seu peito o coração de outra pessoa!

CYRO  -  A senhora não é obrigada a aceitar isso como solução.

CATARINA  -  (segurou as mãos do médico, humilde) Responda, francamente: é uma solução?

CYRO  -  (demorou um pouco a responder) No caso dele, talvez seja. Porque é um caso perdido. (Catarina pôs a mão em concha sobre a boca) Não posso garantir à senhora que vamos salvar sua vida. É uma tentativa com 50% de probabilidades.

CATARINA  -  E se ele não se operar?

CYRO  -  Não vai resistir.

SEM LEVANTAR O ROSTO, DOS OLHOS DE CATARINA ESCORRIAM GROSSAS LÁGRIMAS.

CATARINA  -  Pode chamar aqui meu irmão e Dona Lia Sanches? Estão aí ao lado, na sala de espera.

CORTA PARA:

CENA 3  -  HOSPITAL  -  QUARTO DE OTTO  -  INTERIOR  -  NOITE

NA MEIA LUZ DO QUARTO, COM AS PERSIANAS BAIXADAS, OTTO DORMIA INCONSCIENTE. RESPIRAÇÃO ARFANTE. DO ALTO DE UMA ARMAÇÃO DE FERRO, DESCIA O SÔRO QUE SE INJETAVA, GOTA A GOTA, EM SUAS VEIAS.

CYRO  -  Acho conveniente que a família decida logo. Cada minuto representa um passo a mais em direção à morte. O transplante pode ser a solução.

DONA CATARINA MELHORARA. TRANQUILIZAVA-SE ANTE O IRREMEDIÁVEL. ENCAMINHOU DE VEZ O ASSUNTO.

CATARINA  -  Gostaria que todos vocês se interessassem pela vida de meu filho e tomassem comigo esta decisão importante. Chamem Dr. Paulus e Ester, que estão no quarto ao lado.

CYRO  -  (ordenou à enfermeira) Chame Dona Ester Keller aqui e o Dr. Paulus, que está com ela.

UM SILENCIO DESAGRADÁVEL CAIU SOBRE O QUARTO, QUEBRADO APENAS PELA RESPIRAÇÃO OFEGANTE DO HOMEM CONDENADO À MORTE.

CORTA PARA:
Otto e Ester

CENA 4  -  FLORIANÓPOLIS  -  RODOVIA  -  EXTERIOR  -  NOITE

O CARRO-ESPORTE VARAVA AS ESTRADAS A MAIS DE 100 POR HORA. BABY DIVISAVA DE UM LADO A LINHA DO HORIZONTE, NO MAR, E DE OUTRO O VERDE VIVO DAS MONTANHAS. A DECISÃO FÔRA INFLEXÍVEL. FUGIA DOS AMIGOS E DO CASAMENTO INDESEJÁVEL. DE UM COMPROMISSO SELADO COM A INSENSATEZ DO ÁLCOOL. MAS A CONSCIENCIA COMEÇAVA A ENERVÁ-LO. E A VOZ DE TODOS QUANTO O ESTIMAVAM SOAVA AOS SEUS OUVIDOS, MARTIRIZANDO-O.

VIA O ROSTO DE INÊS, BELO, CONFIANTE.

INÊS  -  (off) “Não quero nada pra mim, não te peço nada. Só quero você, mesmo. Pra que você seja um sujeito de bem.”

DESPRENDIMENTO. BONDADE. O CARRO GEMIA NAS CURVAS.

E DANIEL? OUVIRA SUA OPINIÃO, SEM QUE ELE SOUBESSE, NO DIA EM QUE RESOLVERA DIVIDIR OS GRUPOS DE MINEIROS. E TINHA SIDO FIEL.

DANIEL  -  (off) “Uma coisa tem de ficar clara: Seu Baby foi macho pra burro, com a gente. Aconteça o que acontecer, a gente tá do lado dele. E lutamos com ele. Se a Companhia vai se dividir, nós nos dividimos também. Somos nós contra os que ficam do lado do careca...”

FIDELIDADE. RECONHECIMENTO.

E PÉ-NA-COVA, NEGRO LEAL, SINCERO.

PÉ-NA-COVA  -  (off)  “A gente ta disposto até a dar a vida por ele. Seu Baby é um cara legal às pampa...”

INÊS  -  (off) “Eles te adoram, Baby...”

MESTRE JONAS  -  (off) “Deus lhe abençoe...”

INÊS  -  (off)  “Eles te adoram...”

ERA COMO SE TIVESSE ENVELHECIDO 10 ANOS, EM UMA HORA. BABY NÃO SE RECONHECEU AO OLHAR-SE NO RETROVISOR DO AUTOMÓVEL. SUA FISIONOMIA ERA A DE UM HOMEM EM LUTA CONTRA SI MESMO. CONTRA O QUE HÁ DE BOM NO INTERIOR DO SER HUMANO. AS PALAVRAS DAQUELA GENTE NÃO O DEIXAVAM DIRIGIR SOSSEGADO.

O CARRO ERA UM PONTO DE METAL VERMELHO DESLOCANDO-SE PELO ASFALTO ESCURO DA RODOVIA.

CORTA PARA:

CENA 5  -  HOSPITAL  -  ANTE-SALA  -  INTERIOR  -  NOITE.

ESTAVAM, FINALMENTE, TODOS REUNIDOS NA ANTE-SALA DO APARTAMENTO 16. NO QUARTO EM PENUMBRA OTTO, INCONSCIENTE. LIA ABRIU A CONVERSA.

LIA  -  Otto vai morrer (olhou com ódio para Ester à sua frente) e os médicos aqui, Dr. Cyro, Dr. Roberto e Dr. Avelar estão pensando em recorrer ao último recurso: um transplante de coração.

PAULUS  -  Pode salvar a vida dele?

DR. AVELAR  -  Há 50 por cento de probabilidades.

PAULUS  -  Bem... neste caso... devemos optar pelo único recurso que resta! É como se eu fosse defender um assassino condenado à morte e a única saída fosse... a prisão perpétua. Não há opção. Por mim, que se faça o transplante!

COMENDADOR LIBERATO  -  Sou da mesma opinião.

LIA  -  Eu também. Tenho absoluta confiança no Dr. Cyro.

CYRO  -  Obrigado! Será uma tentativa. Faremos tudo pelo êxito... mas não devemos esperar milagres.

ESTER  -  (ante os olhares furiosos de Lia e Dona Catarina) Deve-se tentar tudo o que for possível. Se a única alternativa é o transplante, devem realizá-lo.

COMENDADOR LIBERATO  -  E você, Catarina? A sua opinião é que vai prevalecer.

CATARINA  -  Se Deus quis assim... se as coisas foram encaminhadas para que se passassem assim... como posso impedir... que seja cumprido esse destino? Eu... eu... dou meu consentimento... para que o transplante seja realizado.

OS MÉDICOS SE ENTREOLHARAM.

CYRO  -  Obrigado, Dona Catarina. É uma prova de confiança. (levantou-se, encaminhando-se para o Dr. Avelar) Colega, temos que tomar todas as providencias.

PAULUS  -  (apreensivo) O mais importante. Conseguir um doador.

DONA CATARINA VIROU O ROSTO, REPUGNADA.

CYRO  -  Um doador que deve ser jovem e ter morrido sem ser portador de moléstia infecto-contagiosa. O coração deve ter o tamanho aproximado do receptor. Além disso, o transplante tem de ser feito logo no momento em que se constatar a ausência de qualquer estímulo cerebral. Isto é... o cérebro do paciente está morto, embora o coração ainda tenha vida. E mais: com a aquiescência dos familiares do morto. Só com sua autorização o coração pode ser tirado.

DR. AVELAR  -  (dirigiu-se para a porta) Vou avisar aos hospitais de pronto-socorro. Qualquer acidentado que dê entrada nestas condições, devemos ser avisados.

FIM DO CAPÍTULO  49




quinta-feira, 21 de agosto de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 48


Novela de Janete Clair

Adaptação de Antonio Figueira

CAPÍTULO 48

Participam deste capítulo

Cyro  -  Tarcísio Meira
Ester  -  Gloria Menezes
Otto  -  Jardel Filho
Von Muller  -  Jorge Cherques
Dr. Roberto  -  Paulo Cesar Pereio

 CENA 1  -  FLORIANÓPOLIS  -  CASA DE ESTER  -  SALA  -  INTERIOR  -  NOITE

TALVEZ FÔSSE A PRIMEIRA VEZ, EM MUITOS ANOS, QUE ESTER SE PERMITIA TELEFONAR PARA OTTO MULLER E CONVIDÁ-LO A IR À SUA CASA. ERA NOITE QUANDO O ALEMÃO CHEGOU EM SEU CARRO NOVO, AZUL, DE FABRICAÇÃO INGLESA. ESTER AGUARDAVA-O À PORTA.

ESTER  -  (parecia amena, carinhosa, talvez) Boa noite, Otto!

OTTO  -  (entrou, afogueado) Está sozinha?

ESTER  -  Não. Tem alguém aqui, esperando por você. Prepare-se para uma surpresa. Eu não quero lhe causar choque, mas creio que você vai ficar muito satisfeito de ver essa pessoa...

OTTO MULLER MOBILIZOU SUAS DEFESAS À ESPERA DO PIOR.

A MULHER COM UMA CALMA CONTROLADA, ACENDEU AS LUZES E FALOU EM ALEMÃO, DIRIGINDO-SE PARA UM PEQUENO COMPARTIMENTO LATERAL. SEGUNDOS DEPOIS O ESTRANGEIRO, DE OLHOS AZUIS E CARA VERMELHA, SE MOSTROU POR INTEIRO.

OTTO  -  (explodiu) Que significa isso?

ESTER  -  (ironizando a situação) Pensei que fosse ficar contente, Otto!

OTTO ESTAVA APAGADO. O HOMEM APROXIMOU-SE, ABRAÇANDO-O APERTADAMENTE.

VON MULLER  -  Filho... ela foi me buscar.

OTTO  -  (desvencilhou-se com um movimento grosseiro) Não devia ter vindo!

VON MULLER  -  Ela disse que você estava me esperando...

OTTO  -  Não devia ter acreditado nesta mulher! Ela está sempre pronta a fazer tudo para me contrariar!

ESTER  -  (fingindo surpresa) A presença do seu pai contraria você?

OTTO  -  (desvairado) O que está pretendendo, Ester? Qual é o seu jogo? Fale claro! Você trouxe este homem aqui, não foi para me ser agradável!

ESTER  -  Certamente que não foi, Otto.

OTTO  -  Então... o que quer?

ESTER  -  Ele está precisando de dinheiro. Dê o que ele necessita e deixe-o ir embora.

OTTO  -  (com as mãos trêmulas, retirou a carteira de notas) De quanto precisa?

VON MULLER  -  Muito. Estou passando necessidades.

ESTER  -  (simulava bondade, mas havia um tom de gozação em sua voz) Não é justo deixar seu pai passando miséria. Você é um homem rico. E bondoso, Otto!

O MILIONÁRIO PRATICAMENTE ATIROU NAS MÃOS DO VELHO UM MAÇO DE NOTAS, COM ESTUPIDEZ.

OTTO  -  (gritava em alemão) Agora desapareça! Desapareça! E nunca mais volte aqui! Não ponha os pés nesta terra! Trate de se esconder. Senão a polícia lhe põe a mão em cima e não é preciso dizer qual será o seu fim...

O VELHO SAIU A PASSOS APRESSADOS, COM AGILIDADE INCOMUM PARA UM HOMEM DE SUA IDADE.

ESTER  -  (encarou o ex-marido) Agora, vamos conversar, Otto!

OTTO  -  (estava tenso, com os nervos à flor da pele) Não fale nada. Cale a boca. É melhor.

ESTER  -  (balançou a cabeça, negativamente) Não, Otto. É importante.

OTTO  -  (curioso) Como encontrou meu pai?

ESTER  -  Dona Cândida reconheceu-o. Seguiu-o e descobriu onde ele está vivendo.

OTTO  -  E logo participou a você... para que, juntas, me destruíssem. Não foi isso?

ESTER  -  Não pretendo destruir ninguém. Nem a você, nem a ele... embora, todos dois mereçam. Mas, não me interessa quem ele é, embora ache que devia pagar pelos crimes que cometeu. Mas não sou juiz do mundo. Se ele tem de ser agarrado, não quero que seja por minha culpa. Preferia que não o fosse...

OTTO  -  Preferia... então... confessa que tem intenções...

ESTER  -  (levantou-se, com tranquilidade) Otto... procure entender... calmamente... racionalmente... Estou lhe pedindo... quase implorando... que você me restitua integralmente os direitos sobre meu filho. Deixe-me viver a minha vida... me dê a liberdade perdida, a que eu tenho direito. Você não pode mais me escravizar! (uniu as mãos, patèticamente) Estou implorando! Deixe-me levar meu filho! Nunca mais procurarei você e nós dois viveremos em paz!

OTTO COMPRIMIU O PEITO À ALTURA DO CORAÇÃO, COMO SE SENTISSE UMA DOR REPENTINA E FORTE. ESTAVA MAIS PÁLIDO.

OTTO  -  Você  disse que não quer se aproveitar... mas faz exigências!

ESTER  -  Eu não quero me aproveitar... mas denunciarei seu pai, se você não ceder!

OTTO  -  (tenso, inteiramente fora de si) Pois faça o que quiser! Denuncie-o! (agarrou o telefone com raiva, enfiando-o por entre as mãos da mulher) Chame a polícia internacional! Avise o Serviço Secreto de Israel! Werner Von Muller Leoschen, criminoso de guerra, sentenciado e fugitivo, encontra-se aqui! Vamos! Denuncie!

ESTER  -  Será possível, Otto, que você tenha coragem de permitir uma coisa destas... e tudo para quê? Para alimentar um capricho?

OTTO  -  Eu não lhe darei os direitos sobre meu filho! Denuncie e eu desmentirei... direi que você está louca!

ESTER  -  Não se esqueça de que foi Dona Cândida Sales quem o viu!

OTTO  -  Direi que as duas estão loucas! Que estão armando uma trama contra mim... para... para me matar! E vão conseguir! Vão... conse...

O HOMEM EMBORCOU COM A MÃO DIREITA CONTRA O LADO  ESQUERDO DO PEITO. COMPRIMINDO-O FORTEMENTE. GEMIA ENQUANTO PROCURAVA ALGUMA COISA NO BOLSO DO PALETÓ.

ESTER  -  (empalideceu com a expressão de sofrimento do homem a quem odiava) O que é, Otto?

OTTO  -  (falou com dificuldade) O... re... médio!

ESTER  -  (rebuscou os bolsos com mãos ávidas) Não está com você, Otto! Não está! O que é que eu faço?

NA TENTATIVA DE ERGUER-SE DA POLTRONA, OTTO MULLER AUMENTOU OS ESFORÇOS FÍSICOS. A DOR SE TORNOU MAIS DIFUSA E VIOLENTA E O CORPO IMENSO TORNOU-SE FLÁCIDO COMO O DE UM BONECO DE PALHA.  OTTO MULLER DESABOU CONTRA O CHÃO, ESTICANDO-SE SOBRE O TAPETE DA SALA DE RECEPÇÕES DA CASA DE ESTER. ARROXEADO NO PESCOÇO. COMPLETAMENTE SEM COR NA CARA HEDIONDA.

ESTER, PROCURANDO ACALMAR-SE, VERIFICOU QUE ELE RESPIRAVA. COM DIFICULDADE, MAS RESPIRAVA. ESTAVA VIVO. CORREU AO LIVRO DE TELEFONES, SOBRE A MESINHA, E DISCOU UM NÚMERO.

ESTER  -  Dr. Cyro? Cyro... Ester. Venha depressa! Acho que Otto está morrendo. Não! Na minha casa. Aqui.

CORTA PARA:


CENA 2  -  CASA DE ESTER  -  SALA  -  INTERIOR  -  NOITE.

CYRO PAROU O CARRO DIANTE DA PORTA DE ENTRADA E, MAL FECHOU A PORTA, CORREU PARA O INTERIOR DA CASA.

CYRO  -  Como foi isso?

OTTO ESTAVA CAÍDO SOBRE O TAPETE. CYRO EXAMINOU-LHE OS OLHOS, REVIRADOS. PULSAÇÃO QUASE NENHUMA. PRESSÃO TERRÍVELMENTE BAIXA. ABRIU A MALETA E PREPAROU UMA INJEÇÃO.

ESTER  -  Discutimos!

CORTA PARA:

CENA 3  -  FLORIANÓPOLIS  -  HOSPITAL  -  QUARTO DE OTTO  -  INTERIOR  -  NOITE

OS DOIS MÉDICOS TROCAVAM IDÉIAS A RESPEITO DO CASO. MOMENTANEAMENTE, CYRO VALDEZ TINHA CONSEGUIDO ESTACIONAR O PROCESSO EVOLUTIVO DO MAL CARDÍACO. MAS ERA QUESTÃO DE MINUTOS. ALI ESTAVA O ELETROCARDIOGRAMA CONFIRMANDO SUAS APREENSÕES. MOSTROU AS LINHAS IRREGULARES E UMA MANCHA OVALÓIDE QUE APARECIA NO FLANCO ESQUERDO DO MÚSCULO VISTO ATRAVÉS DE UMA CHAPA RADIOGRÁFICA.

CYRO  -  Que é que você acha disso?

DOUTOR ROBERTO OLHOU DETIDAMENTE. A VEIA NO LADO DIREITO DA FRONTE PULSAVA DE FORMA ESQUISITA.

DR. ROBERTO  -  É sério. Com agravamento... Um enfarte gravíssimo.

O CORPO DE OTTO ESTENDIA-SE EM CIMA DA MACA.

CYRO  -  (dirigiu-se ao enfermeiro-assistente) Vamos levá-lo. Com muito cuidado... vamos.

UMA ESPUMA ESBRANQUIÇADA COMEÇOU A ESCORRER PELO CANTO DA BOCA DO PACIENTE. CYRO MASSAGEOU A REGIÃO DO ESTERNO, ENQUANTO O COLEGA APLICAVA-LHE OUTRA INJEÇÃO REANIMADORA. OTTO PIORAVA A CADA SEGUNDO.

CYRO  -  A área do enfarte é muito extensa. O coração está batendo mal... já fibrilou algumas vezes. A resposta ao tratamento clínico é nula. (olhou fundo nos olhos do colega assistente) Estou pensando em termos de cirurgia das coronárias, apesar do péssimo resultado da coronariografia. A cirurgia é quase impossível numa situação destas. Só existe uma solução para salvá-lo. Um transplante!

DR. ROBERTO  -  Transplante!

CYRO  -  Não há outra saída. Neste estado ele não resistirá mais que alguns dias. Nada mais.

FIM DO CAPÍTULO  48





quarta-feira, 20 de agosto de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 47



Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 47

Participam deste capítulo

Baby  -  Claudio Cavalcanti
Mestre Jonas  -  Gilberto Martinho
Daniel  -  Paulo Araujo
Padre Miguel  - Artur Costa Filho
Pé-na-Cova  -  Antonio Pitanga
Ricardo  -  Edney Giovenazzi
Rosa  - Ana Ariel
Inês  - Betty Faria



CENA 1  -  PORTO AZUL  -  RUA  -  EXTERIOR  -  DIA

MESTRE JONAS E DANIEL CAMINHAVAM RUMO À IGREJINHA DE PORTO AZUL.

MESTRE JONAS  -  (contando nos dedos) Já se passaram 30 dias. Um pouco mais, 33, eu acho. E desde a noite do pedido de casamento, Padre Miguel não deu a mínima notícia sobre a data do casório de Inês com Baby Liberato.

DANIEL  -      Esse negócio é pra levar a sério mesmo, pai?

MESTRE JONAS  -  Claro que é, filho. O moço deixou os documentos dele e tudo aí, com o padre!

DANIEL  -  (entusiasmado) Então vamos falar com ele, pai!

CORTA PARA:

CENA 2  -  VILA DOS MINEIROS  -  CASA DE DAS DORES  -  INTERIOR  -  DIA

NAQUELE MESMO INSTANTE, BABY CHEGAVA À CASA DA NEGRA DAS DORES, NA BANDA DE SUA JURISDIÇÃO.

BABY  -  Das Dores... estou procurando meus documentos que perdi há mais de um mês. Como andei por aqui naquela ocasião, se recorda?

DAS DORES  -  Me recordo. Foi nos dia de nossa mudança. Num se lembra onde deixou, seu Baby?

BABY  -  Lembro nada! Aconteceram tantas coisas naqueles dias!

CORTA PARA:

CENA 3  -  PORTO AZUL  -  IGREJA  -  INTERIOR  -  DIA

PADRE MIGUEL DEIXOU A BÍBLIA SOBRE A MESA E SE ENCAMINHOU PARA OS RECÉM-CHEGADOS.

PADRE MIGUEL -  Querem falar comigo?

MESTRE JONAS  -  E a gente num tem de conversá, padre?

PADRE MIGUEL  -  Ah, sim... eu ia mesmo procurá-los. É sobre o casamento!

MESTRE JONAS   -  Isso mesmo. Sobre o casamento.

DANIEL  -  (curioso) Como é que está a história?

PADRE MIGUEL  -  Tudo muito bem. Muito bem, mesmo. Ia procurar vocês para marcarmos a data! Os papéis já estão prontos. Houve demora, mas foi culpa do Senhor Juiz.

MESTRE JONAS  -  (não cabia em si de contentamento) Se tá tudo pronto, a gente pode marcar pra amanhã mesmo, que é domingo. É um dia bunito!

PADRE MIGUEL  -  Ótimo. Então marcaremos para amanhã. Os noivos podem estar aqui, na igreja, às duas da tarde.

MESTRE JONAS   -  Tá certo, padre, às duas da tarde. Té amanhã!

MESTRE JONAS SAIU QUASE A CORRER DO INTERIOR DA IGREJINHA BRANCA. DANIEL APRESSOU O PASSO PARA ACOMPANHAR O VELHO PAI.

CORTA PARA:

CENA 4  -  REGIÃO DAS MINAS  -  EXTERIOR  -  DIA

ERA SÁBADO. AS MINAS VAZIAS TINHAM UM ASPECTO SOMBRIO, MAIS SILENCIOSAS DO QUE NUNCA. DANIEL PROCUROU ALGUÉM. UM VIGIA. QUERIA SABER ONDE ACHAR O PRESIDENTE DA COMPANHIA. VIU PÉ-NA-COVA APOIADO NO BALCÃO DA BIROSCA, NO CENTRO DA PEQUENA PRAÇA QUE LIMITAVA COM A ALDEIA DOS MINEIROS. FOI ATÉ ELE.

DANIEL  -  Viu o chefe?

PÉ-NA-COVA  -  Tá na administração.

DANIEL  -  (falou alegre) Olha, convida a turma toda pro casamento da minha irmã, amanhã, na igreja de Porto Azul!

PÉ-NA-COVA  -  (surpreendeu-se) Inês vai casá? Com quem?

DANIEL NÃO RESPONDEU. SUBIU CORRENDO OS POUCOS DEGRAUS DE MADEIRA QUE DAVAM ACESSO AOS ESCRITÓRIOS.

CORTA PARA:

CENA 5  -  ADMINISTRAÇÃO DAS MINAS  -  ESCRITÓRIO  -  INTERIOR  -  DIA.

BABY EXAMINAVA UNS DOCUMENTOS, ENQUANTO RICARDO CALCULAVA, COM AUXÍLIO DE UMA RÉGUA E ALGUNS APARELHOS COMPLICADOS.

DANIEL PAROU À ENTRADA DA PORTA.

DANIEL  -  Dá licença!

RICARDO  -  (ergueu os olhos e fez que sim com a cabeça) Fala, Daniel. O quê que há?

DANIEL  -  (hesitou) Desculpe a intromissão...

RICARDO  -  (cortou) Vai dizendo!

DANIEL  -  Eu... queria... falá com seu Baby.

LIBERATO LEVANTOU OS OLHOS DOS PAPÉIS, FITANDO O FILHO DO PESCADOR.

BABY  -  Comigo? Pois não. O que há?

DANIEL  -  Queria avisá... do casamento, amanhã.

BABY FRANZIU A TESTA, INTRIGADO. RICARDO PRESTOU ATENÇÃO.

RICARDO  -  Quem vai casar?

DANIEL  -  Minha irmã, Inês.

BABY  -  (aguçou a atenção) Ah, Inês vai casar? Bom pra ela. Muito bom, mesmo. Quem é o felizardo?

DANIEL CAIU EM SI DEPOIS DE ALGUNS SEGUNDOS DE ESTUPEFAÇÃO.

DANIEL  -  O senhor não tem ideia... de quem seja o noivo?

BABY  -  (com sinceridade) Não. Palavra de honra. Nem sabia que ela estava noiva. Mais de um mês que não vejo sua irmã!

DANIEL ENGOLIU EM SÊCO. OLHOU PARA UM E OUTRO SEM SABER COMO COMEÇAR A DIZER.

RICARDO  -  (animou-o) Diga, rapaz! Você veio nos convidar para o casamento. Nós iremos, sim! A que horas?

DANIEL  -  Às duas, na igreja de Porto Azul.

BABY  -  Estaremos lá, Daniel. (voltou-se para o engenheiro, apontando-lhe uns documentos com carimbo vermelho) Isto aqui, Ricardo, é preciso ver com urgência.

O ENGENHEIRO LEVANTOU-SE PARA EXAMINAR OS PAPÉIS, QUANDO DANIEL VOLTOU A FALAR. SUA VOZ SAÍA ÔCA, VAZIA, COMO SE NÃO HOUVESSE VIDA EM SEU CORPO.

DANIEL  -  Me dão licença de dizer mais uma coisa?

BABY  -  Diga, meu caro!

DANIEL  -  (respirou fundo) O noivo... o noivo é o senhor, seu Baby!

DURANTE ALGUNS SEGUNDOS NINGUÉM EMITIU PALAVRA. BABY EMPALIDECEU SEM ENTENDER COISA ALGUMA.

BABY  -  Calma, rapaz, calma! Você não pode me assustar desse jeito!

AO LADO, RICARDO ABRIA A BOCA DE ADMIRAÇÃO.

DANIEL  -  (começou a irritar-se) Não tou dizendo mentira! Faz um mês que seu Baby foi com minha irmã falar com padre Miguel. Entregou pra ele os documento tudo... pra fazê o casamento com ela! Disse que ia cumpri a palavra! Não pode ter se esquecido disso! E acho bom cumpri mesmo a palavra! Porque senão vai ficar muito ruim pro senhor e pra todo mundo! Minha família não é de graça! Meu pai não é palhaço! Minha irmã não é brinquedo! (as mãos agitavam-se, ferozmente) Acho bom tá lá na igreja de Porto Azul, amanhã, na hora marcada. Senão... senão... vai ter!

SAIU SEM VOLTAR O ROSTO PARA OS DOIS ALTOS CHEFES DA COMPANHIA.

BABY  -  Caramba... só agora lembro de qualquer coisa, muito vagamente... Um altar... um padre... E mais nada. Agora eu sei! Meus documentos! Eu estava de pileque, rapaz! E agora?!

RICARDO  -  Agora... agora... sei lá! Você se mete em cada uma!

CORTA PARA:

CENA 6  -  PORTO AZUL  -  CHOUPANA DE MESTRE JONAS  -  INTERIOR  -  DIA

HAVIA UM MOVIMENTO DIFERENTE NA VILAZINHA DE PORTO AZUL, ONDE OS PESCADORES CONCENTRAVAM SEUS BARRACOS HUMILDES. NA CHOUPANA DE MESTRE JONAS, ROSA PROVAVA O VESTIDO DE NOIVA NA FILHA. RETOCAVA COM ALFINÊTES, AJEITAVA O VÉU, ENQUANTO INÊS, COM AR DISTANTE, PARECIA ALHEIA A TUDO.

CENA  7  -  PORTO AZUL  -  PRAÇA  -  EXTERIOR  -  DIA

MESTRE JONAS CENTRALIZAVA AS ATENÇÕES, RODEADO DE SEUS AMIGOS, PESCADORES.

MESTRE JONAS  -  Tá todo mundo convidado, minha gente! Afinal. Vou ser sogro de um dos mais importantes figuraços de Santa Catarina! Sorte grande que só a muito poucos é dada na vida!

FIM DO CAPÍTULO  47