Novela de Janete Clair
Adaptação de Toni Figueira
CAPÍTULO 49
Participam deste
capítulo
Cyro -
Tarcísio Meira
Ester -
Gloria Menezes
Baby -
Claudio Cavalcanti
Ricardo -
Edney Giovenazzi
Otto -
Jardel Filho
Lia -
Arlete Sales
Catarina -
Lidia Mattos
Paulus -
Emiliano Queiroz
Dr. Avelar -
Álvaro Aguiar
Dr. Roberto -
Paulo Cesar Pereio
CENA 1 - PALACETE
DO COMENDADOR LIBERATO - QUARTO DE BABY -
INTERIOR - DIA
RICARDO APARECEU CEDINHO NO PALACETE DOS LIBERATO. E JÁ
ENCONTROU BABY DE PÉ, APRONTANDO-SE PARA SAIR. SOBRE A CAMA UMA MALA DE VIAGEM,
ENTUPIDA DE TERNOS E ROUPAS BRANCAS. O ENGENHEIRO COMPREENDEU O PORQUÊ DAQUILO.
RICARDO - Vai fugir para não se casar com Inês?
BABY - Que que você acha? Devo ficar pra me amarrar
nela? Isso tem graça?
RICARDO - Já pensou como vai ficar sua situação diante
dos seus empregados?
BABY - E pra ficar bem diante deles, vou fazer uma
burrada destas, velho! Tenha paciência!
RICARDO - Você gosta da Inês?
BABY - (pensou um pouco) Sei lá se gosto! Eu não me
entendo! Às vezes sinto falta dela. Fico gamado por ela. Outras vezes ela me
enche a paciência. Você sabe que sou meio aloprado. Não me prendo a coisa
nenhuma. E depois, pensando bem, o casamento com Inês vai ser um disparate.
Você já pensou?!
RICARDO - Coitada dessa moça...
BABY - Imagina os problemas que essa situação pode trazer. Em absoluto,
não sinto receio de confessar toda a história ao meu pai, apesar do trauma que,
certamente, vai abalar o velho. Orgulhoso, rico, o Comendador Liberato jamais
aceitaria o casamento do único herdeiro com a filha de um humilde pescador. Mas
isso não impede de me decidir. Sabe que até acho interessante dar um susto no
velho, casando com a jovem sem estudos e pobre? O mais sério, Ricardo, é que
não se trata de casamento por amor, nem paixão. E não estou disposto a me
sacrificar pra ficar quite com a sociedade! Nada disso! Eu quero sombra e água
fresca!
RICARDO - Eu sei. Inês servia pra curar suas
bebedeiras.
BABY - Pois é. Mas ela tirou proveito de uma delas.
Foi depois de uma, que me levaram direitinho no bico. Mas não tem problema. Eu
me mando daqui por alguns dias. Você vai lá e avisa que tive de fazer uma
viagem de negócios. Quando eu voltar, a vontade de casar comigo já terá
esfriado. (bateu nas costas do amigo) Tá?
RICARDO - Eu não vou me prestar a isso, Baby. Mande
outra pessoa dar esse recado.
VIROU AS COSTAS PARA SAIR. BABY CORREU A AGARRÁ-LO.
BABY - Vem cá. Você tem de me ajudar!
RICARDO - Olha, Baby... você vai desfazer tudo o que
conseguiu entre os mineiros; a simpatia, a confiança, tudo! Sabe o que vão
pensar da sua atitude? Que você não passa de um moleque! Ótima propaganda para
quem está exercendo a sua posição, numa luta de morte contra Otto Muller!
BABY BAIXOU A CABEÇA, SEM RESPONDER.
CORTA PARA:
CENA 2 -
HOSPITAL - SALA DOS MÉDICOS -
INTERIOR - DIA
FRENTE A FRENTE, SENTADOS EM BANQUETAS DE FERRO CROMADO, OS
DOIS MÉDICOS DISCUTIAM A QUESTÃO DO TRANSPLANTE.
CYRO - Sou da opinião que nada impede o êxito da
operação. Não temos outra alternativa. Ou transplante, ou Otto Muller já era.
DR. ROBERTO - Bem, eu não sou tão crédulo como você. Sou a
favor de uma intervenção de caráter recuperador. Mas, como especialista, sei de
antemão que o caso é desesperador. Uma possibilidade em mil, de sucesso
operatório. E parece que a mãe é contra. Reagiu muito mal diante da hipótese do
transplante.
CYRO - Não podemos forçar.
A PORTA SE ABRIU E A ENFERMEIRA ENTROU.
ENFERMEIRA
- (dirigiu-se a Cyro) Com
licença. Doutor! A mãe do senhor Otto Muller deseja falar com o senhor. Ela
está aí fora.
CYRO - (olhou significativamente para o colega) Pode
deixá-la entrar.
DONA CATARINA VINHA COM A FACE ENRUGADA, PROFUNDAS
OLHEIRAS. DENOTAVA CANSAÇO.
CATARINA - Doutor... quero saber o que vão fazer com o
meu filho.
CYRO - Não operaremos sem o seu consentimento.
CATARINA - (estremeceu) Eu me horrorizo só de pensar que
meu filho terá em seu peito o coração de outra pessoa!
CYRO - A senhora não é obrigada a aceitar isso como
solução.
CATARINA - (segurou as mãos do médico, humilde)
Responda, francamente: é uma solução?
CYRO - (demorou um pouco a responder) No caso dele,
talvez seja. Porque é um caso perdido. (Catarina pôs a mão em concha sobre a
boca) Não posso garantir à senhora que vamos salvar sua vida. É uma tentativa
com 50% de probabilidades.
CATARINA - E se ele não se operar?
CYRO - Não vai resistir.
SEM LEVANTAR O ROSTO, DOS OLHOS DE CATARINA ESCORRIAM
GROSSAS LÁGRIMAS.
CATARINA - Pode chamar aqui meu irmão e Dona Lia
Sanches? Estão aí ao lado, na sala de espera.
CORTA PARA:
CENA
3 -
HOSPITAL - QUARTO DE OTTO -
INTERIOR - NOITE
NA MEIA LUZ DO QUARTO, COM AS PERSIANAS BAIXADAS, OTTO
DORMIA INCONSCIENTE. RESPIRAÇÃO ARFANTE. DO ALTO DE UMA ARMAÇÃO DE FERRO,
DESCIA O SÔRO QUE SE INJETAVA, GOTA A GOTA, EM SUAS VEIAS.
CYRO - Acho conveniente que a família decida logo.
Cada minuto representa um passo a mais em direção à morte. O transplante pode
ser a solução.
DONA CATARINA MELHORARA. TRANQUILIZAVA-SE ANTE O
IRREMEDIÁVEL. ENCAMINHOU DE VEZ O ASSUNTO.
CATARINA - Gostaria que todos vocês se interessassem
pela vida de meu filho e tomassem comigo esta decisão importante. Chamem Dr.
Paulus e Ester, que estão no quarto ao lado.
CYRO - (ordenou à enfermeira) Chame Dona Ester
Keller aqui e o Dr. Paulus, que está com ela.
UM SILENCIO DESAGRADÁVEL CAIU SOBRE O QUARTO, QUEBRADO
APENAS PELA RESPIRAÇÃO OFEGANTE DO HOMEM CONDENADO À MORTE.
CORTA PARA:
Otto e Ester
CENA
4 -
FLORIANÓPOLIS - RODOVIA
- EXTERIOR - NOITE
O CARRO-ESPORTE VARAVA AS ESTRADAS A MAIS DE 100 POR
HORA. BABY DIVISAVA DE UM LADO A LINHA DO HORIZONTE, NO MAR, E DE OUTRO O VERDE
VIVO DAS MONTANHAS. A DECISÃO FÔRA INFLEXÍVEL. FUGIA DOS AMIGOS E DO CASAMENTO
INDESEJÁVEL. DE UM COMPROMISSO SELADO COM A INSENSATEZ DO ÁLCOOL. MAS A
CONSCIENCIA COMEÇAVA A ENERVÁ-LO. E A VOZ DE TODOS QUANTO O ESTIMAVAM SOAVA AOS
SEUS OUVIDOS, MARTIRIZANDO-O.
VIA O ROSTO DE INÊS, BELO, CONFIANTE.
INÊS - (off) “Não quero nada pra mim, não te peço
nada. Só quero você, mesmo. Pra que você seja um sujeito de bem.”
DESPRENDIMENTO. BONDADE. O CARRO GEMIA NAS CURVAS.
E DANIEL? OUVIRA SUA OPINIÃO, SEM QUE ELE SOUBESSE, NO
DIA EM QUE RESOLVERA DIVIDIR OS GRUPOS DE MINEIROS. E TINHA SIDO FIEL.
DANIEL - (off) “Uma coisa tem de ficar clara: Seu Baby
foi macho pra burro, com a gente. Aconteça o que acontecer, a gente tá do lado
dele. E lutamos com ele. Se a Companhia vai se dividir, nós nos dividimos
também. Somos nós contra os que ficam do lado do careca...”
FIDELIDADE. RECONHECIMENTO.
E PÉ-NA-COVA, NEGRO LEAL, SINCERO.
PÉ-NA-COVA - (off)
“A gente ta disposto até a dar a vida por ele. Seu Baby é um cara legal
às pampa...”
INÊS - (off) “Eles te adoram, Baby...”
MESTRE JONAS - (off) “Deus lhe abençoe...”
INÊS - (off)
“Eles te adoram...”
ERA COMO SE TIVESSE ENVELHECIDO 10 ANOS, EM UMA HORA. BABY
NÃO SE RECONHECEU AO OLHAR-SE NO RETROVISOR DO AUTOMÓVEL. SUA FISIONOMIA ERA A
DE UM HOMEM EM LUTA CONTRA SI MESMO. CONTRA O QUE HÁ DE BOM NO INTERIOR DO SER
HUMANO. AS PALAVRAS DAQUELA GENTE NÃO O DEIXAVAM DIRIGIR SOSSEGADO.
O CARRO ERA UM PONTO DE METAL VERMELHO DESLOCANDO-SE PELO
ASFALTO ESCURO DA RODOVIA.
CORTA PARA:
CENA 5 -
HOSPITAL - ANTE-SALA
- INTERIOR -
NOITE.
ESTAVAM, FINALMENTE, TODOS REUNIDOS NA ANTE-SALA DO
APARTAMENTO 16. NO QUARTO EM PENUMBRA OTTO, INCONSCIENTE. LIA ABRIU A CONVERSA.
LIA - Otto vai morrer (olhou com ódio para Ester à sua
frente) e os médicos aqui, Dr. Cyro, Dr. Roberto e Dr. Avelar estão pensando em
recorrer ao último recurso: um transplante de coração.
PAULUS - Pode salvar a vida dele?
DR. AVELAR - Há 50 por cento de probabilidades.
PAULUS - Bem... neste caso... devemos optar pelo único
recurso que resta! É como se eu fosse defender um assassino condenado à morte e
a única saída fosse... a prisão perpétua. Não há opção. Por
mim, que se faça o transplante!
COMENDADOR LIBERATO
- Sou da mesma opinião.
LIA - Eu também. Tenho absoluta confiança no Dr.
Cyro.
CYRO - Obrigado! Será uma tentativa. Faremos tudo
pelo êxito... mas não devemos esperar milagres.
ESTER - (ante os olhares furiosos de Lia e Dona
Catarina) Deve-se tentar tudo o que for possível. Se a única alternativa é o
transplante, devem realizá-lo.
COMENDADOR LIBERATO
- E você, Catarina? A sua opinião
é que vai prevalecer.
CATARINA - Se Deus quis assim... se as coisas foram
encaminhadas para que se passassem assim... como posso impedir... que seja
cumprido esse destino? Eu... eu... dou meu consentimento... para que o
transplante seja realizado.
OS MÉDICOS SE ENTREOLHARAM.
CYRO - Obrigado, Dona Catarina. É uma prova de
confiança. (levantou-se, encaminhando-se para o Dr. Avelar) Colega, temos que
tomar todas as providencias.
PAULUS - (apreensivo) O mais importante. Conseguir um
doador.
DONA CATARINA VIROU O ROSTO, REPUGNADA.
CYRO - Um doador que deve ser jovem e ter morrido
sem ser portador de moléstia infecto-contagiosa. O coração deve ter o tamanho
aproximado do receptor. Além disso, o transplante tem de ser feito logo no
momento em que se constatar a ausência de qualquer estímulo cerebral. Isto é...
o cérebro do paciente está morto, embora o coração ainda tenha vida. E mais:
com a aquiescência dos familiares do morto. Só com sua autorização o coração
pode ser tirado.
DR. AVELAR - (dirigiu-se para a porta) Vou avisar aos
hospitais de pronto-socorro. Qualquer acidentado que dê entrada nestas
condições, devemos ser avisados.
FIM DO CAPÍTULO 49
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