sábado, 23 de agosto de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 49


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 49

Participam deste capítulo

Cyro  -  Tarcísio Meira
Ester  -  Gloria Menezes
Baby  -  Claudio Cavalcanti
Ricardo  -  Edney Giovenazzi
Otto  -  Jardel Filho
Lia  -  Arlete Sales
Catarina  -  Lidia Mattos
Paulus  -  Emiliano Queiroz
Dr. Avelar  -  Álvaro Aguiar
Dr. Roberto  -  Paulo Cesar Pereio

CENA 1  -  PALACETE DO COMENDADOR LIBERATO  -  QUARTO DE BABY  -  INTERIOR  -  DIA

RICARDO APARECEU CEDINHO NO PALACETE DOS LIBERATO. E JÁ ENCONTROU BABY DE PÉ, APRONTANDO-SE PARA SAIR. SOBRE A CAMA UMA MALA DE VIAGEM, ENTUPIDA DE TERNOS E ROUPAS BRANCAS. O ENGENHEIRO COMPREENDEU O PORQUÊ DAQUILO.

RICARDO  -  Vai fugir para não se casar com Inês?

BABY  -  Que que você acha? Devo ficar pra me amarrar nela? Isso tem graça?

RICARDO  -  Já pensou como vai ficar sua situação diante dos seus empregados?

BABY  -  E pra ficar bem diante deles, vou fazer uma burrada destas, velho! Tenha paciência!

RICARDO  -  Você gosta da Inês?

BABY  -  (pensou um pouco) Sei lá se gosto! Eu não me entendo! Às vezes sinto falta dela. Fico gamado por ela. Outras vezes ela me enche a paciência. Você sabe que sou meio aloprado. Não me prendo a coisa nenhuma. E depois, pensando bem, o casamento com Inês vai ser um disparate. Você já pensou?!

RICARDO  -  Coitada dessa moça...

BABY  -  Imagina os problemas  que essa situação pode trazer. Em absoluto, não sinto receio de confessar toda a história ao meu pai, apesar do trauma que, certamente, vai abalar o velho. Orgulhoso, rico, o Comendador Liberato jamais aceitaria o casamento do único herdeiro com a filha de um humilde pescador. Mas isso não impede de me decidir. Sabe que até acho interessante dar um susto no velho, casando com a jovem sem estudos e pobre? O mais sério, Ricardo, é que não se trata de casamento por amor, nem paixão. E não estou disposto a me sacrificar pra ficar quite com a sociedade! Nada disso! Eu quero sombra e água fresca!

RICARDO  -  Eu sei. Inês servia pra curar suas bebedeiras.

BABY  -  Pois é. Mas ela tirou proveito de uma delas. Foi depois de uma, que me levaram direitinho no bico. Mas não tem problema. Eu me mando daqui por alguns dias. Você vai lá e avisa que tive de fazer uma viagem de negócios. Quando eu voltar, a vontade de casar comigo já terá esfriado. (bateu nas costas do amigo) Tá?

RICARDO  -  Eu não vou me prestar a isso, Baby. Mande outra pessoa dar esse recado.

VIROU AS COSTAS PARA SAIR. BABY CORREU A AGARRÁ-LO.

BABY  -  Vem cá. Você tem de me ajudar!

RICARDO  -  Olha, Baby... você vai desfazer tudo o que conseguiu entre os mineiros; a simpatia, a confiança, tudo! Sabe o que vão pensar da sua atitude? Que você não passa de um moleque! Ótima propaganda para quem está exercendo a sua posição, numa luta de morte contra Otto Muller!

BABY BAIXOU A CABEÇA, SEM RESPONDER.

CORTA PARA:

CENA 2  -  HOSPITAL  -  SALA DOS MÉDICOS  -  INTERIOR  -  DIA

FRENTE A FRENTE, SENTADOS EM BANQUETAS DE FERRO CROMADO, OS DOIS MÉDICOS DISCUTIAM A QUESTÃO DO TRANSPLANTE.

CYRO  -  Sou da opinião que nada impede o êxito da operação. Não temos outra alternativa. Ou transplante, ou Otto Muller já era.

DR. ROBERTO  -  Bem, eu não sou tão crédulo como você. Sou a favor de uma intervenção de caráter recuperador. Mas, como especialista, sei de antemão que o caso é desesperador. Uma possibilidade em mil, de sucesso operatório. E parece que a mãe é contra. Reagiu muito mal diante da hipótese do transplante.

CYRO  -  Não podemos forçar.

A PORTA SE ABRIU E A ENFERMEIRA ENTROU.

ENFERMEIRA  -  (dirigiu-se a Cyro) Com licença. Doutor! A mãe do senhor Otto Muller deseja falar com o senhor. Ela está aí fora.

CYRO  -  (olhou significativamente para o colega) Pode deixá-la entrar.

DONA CATARINA VINHA COM A FACE ENRUGADA, PROFUNDAS OLHEIRAS. DENOTAVA CANSAÇO.

CATARINA  -  Doutor... quero saber o que vão fazer com o meu filho.

CYRO  -  Não operaremos sem o seu consentimento.

CATARINA  -  (estremeceu) Eu me horrorizo só de pensar que meu filho terá em seu peito o coração de outra pessoa!

CYRO  -  A senhora não é obrigada a aceitar isso como solução.

CATARINA  -  (segurou as mãos do médico, humilde) Responda, francamente: é uma solução?

CYRO  -  (demorou um pouco a responder) No caso dele, talvez seja. Porque é um caso perdido. (Catarina pôs a mão em concha sobre a boca) Não posso garantir à senhora que vamos salvar sua vida. É uma tentativa com 50% de probabilidades.

CATARINA  -  E se ele não se operar?

CYRO  -  Não vai resistir.

SEM LEVANTAR O ROSTO, DOS OLHOS DE CATARINA ESCORRIAM GROSSAS LÁGRIMAS.

CATARINA  -  Pode chamar aqui meu irmão e Dona Lia Sanches? Estão aí ao lado, na sala de espera.

CORTA PARA:

CENA 3  -  HOSPITAL  -  QUARTO DE OTTO  -  INTERIOR  -  NOITE

NA MEIA LUZ DO QUARTO, COM AS PERSIANAS BAIXADAS, OTTO DORMIA INCONSCIENTE. RESPIRAÇÃO ARFANTE. DO ALTO DE UMA ARMAÇÃO DE FERRO, DESCIA O SÔRO QUE SE INJETAVA, GOTA A GOTA, EM SUAS VEIAS.

CYRO  -  Acho conveniente que a família decida logo. Cada minuto representa um passo a mais em direção à morte. O transplante pode ser a solução.

DONA CATARINA MELHORARA. TRANQUILIZAVA-SE ANTE O IRREMEDIÁVEL. ENCAMINHOU DE VEZ O ASSUNTO.

CATARINA  -  Gostaria que todos vocês se interessassem pela vida de meu filho e tomassem comigo esta decisão importante. Chamem Dr. Paulus e Ester, que estão no quarto ao lado.

CYRO  -  (ordenou à enfermeira) Chame Dona Ester Keller aqui e o Dr. Paulus, que está com ela.

UM SILENCIO DESAGRADÁVEL CAIU SOBRE O QUARTO, QUEBRADO APENAS PELA RESPIRAÇÃO OFEGANTE DO HOMEM CONDENADO À MORTE.

CORTA PARA:
Otto e Ester

CENA 4  -  FLORIANÓPOLIS  -  RODOVIA  -  EXTERIOR  -  NOITE

O CARRO-ESPORTE VARAVA AS ESTRADAS A MAIS DE 100 POR HORA. BABY DIVISAVA DE UM LADO A LINHA DO HORIZONTE, NO MAR, E DE OUTRO O VERDE VIVO DAS MONTANHAS. A DECISÃO FÔRA INFLEXÍVEL. FUGIA DOS AMIGOS E DO CASAMENTO INDESEJÁVEL. DE UM COMPROMISSO SELADO COM A INSENSATEZ DO ÁLCOOL. MAS A CONSCIENCIA COMEÇAVA A ENERVÁ-LO. E A VOZ DE TODOS QUANTO O ESTIMAVAM SOAVA AOS SEUS OUVIDOS, MARTIRIZANDO-O.

VIA O ROSTO DE INÊS, BELO, CONFIANTE.

INÊS  -  (off) “Não quero nada pra mim, não te peço nada. Só quero você, mesmo. Pra que você seja um sujeito de bem.”

DESPRENDIMENTO. BONDADE. O CARRO GEMIA NAS CURVAS.

E DANIEL? OUVIRA SUA OPINIÃO, SEM QUE ELE SOUBESSE, NO DIA EM QUE RESOLVERA DIVIDIR OS GRUPOS DE MINEIROS. E TINHA SIDO FIEL.

DANIEL  -  (off) “Uma coisa tem de ficar clara: Seu Baby foi macho pra burro, com a gente. Aconteça o que acontecer, a gente tá do lado dele. E lutamos com ele. Se a Companhia vai se dividir, nós nos dividimos também. Somos nós contra os que ficam do lado do careca...”

FIDELIDADE. RECONHECIMENTO.

E PÉ-NA-COVA, NEGRO LEAL, SINCERO.

PÉ-NA-COVA  -  (off)  “A gente ta disposto até a dar a vida por ele. Seu Baby é um cara legal às pampa...”

INÊS  -  (off) “Eles te adoram, Baby...”

MESTRE JONAS  -  (off) “Deus lhe abençoe...”

INÊS  -  (off)  “Eles te adoram...”

ERA COMO SE TIVESSE ENVELHECIDO 10 ANOS, EM UMA HORA. BABY NÃO SE RECONHECEU AO OLHAR-SE NO RETROVISOR DO AUTOMÓVEL. SUA FISIONOMIA ERA A DE UM HOMEM EM LUTA CONTRA SI MESMO. CONTRA O QUE HÁ DE BOM NO INTERIOR DO SER HUMANO. AS PALAVRAS DAQUELA GENTE NÃO O DEIXAVAM DIRIGIR SOSSEGADO.

O CARRO ERA UM PONTO DE METAL VERMELHO DESLOCANDO-SE PELO ASFALTO ESCURO DA RODOVIA.

CORTA PARA:

CENA 5  -  HOSPITAL  -  ANTE-SALA  -  INTERIOR  -  NOITE.

ESTAVAM, FINALMENTE, TODOS REUNIDOS NA ANTE-SALA DO APARTAMENTO 16. NO QUARTO EM PENUMBRA OTTO, INCONSCIENTE. LIA ABRIU A CONVERSA.

LIA  -  Otto vai morrer (olhou com ódio para Ester à sua frente) e os médicos aqui, Dr. Cyro, Dr. Roberto e Dr. Avelar estão pensando em recorrer ao último recurso: um transplante de coração.

PAULUS  -  Pode salvar a vida dele?

DR. AVELAR  -  Há 50 por cento de probabilidades.

PAULUS  -  Bem... neste caso... devemos optar pelo único recurso que resta! É como se eu fosse defender um assassino condenado à morte e a única saída fosse... a prisão perpétua. Não há opção. Por mim, que se faça o transplante!

COMENDADOR LIBERATO  -  Sou da mesma opinião.

LIA  -  Eu também. Tenho absoluta confiança no Dr. Cyro.

CYRO  -  Obrigado! Será uma tentativa. Faremos tudo pelo êxito... mas não devemos esperar milagres.

ESTER  -  (ante os olhares furiosos de Lia e Dona Catarina) Deve-se tentar tudo o que for possível. Se a única alternativa é o transplante, devem realizá-lo.

COMENDADOR LIBERATO  -  E você, Catarina? A sua opinião é que vai prevalecer.

CATARINA  -  Se Deus quis assim... se as coisas foram encaminhadas para que se passassem assim... como posso impedir... que seja cumprido esse destino? Eu... eu... dou meu consentimento... para que o transplante seja realizado.

OS MÉDICOS SE ENTREOLHARAM.

CYRO  -  Obrigado, Dona Catarina. É uma prova de confiança. (levantou-se, encaminhando-se para o Dr. Avelar) Colega, temos que tomar todas as providencias.

PAULUS  -  (apreensivo) O mais importante. Conseguir um doador.

DONA CATARINA VIROU O ROSTO, REPUGNADA.

CYRO  -  Um doador que deve ser jovem e ter morrido sem ser portador de moléstia infecto-contagiosa. O coração deve ter o tamanho aproximado do receptor. Além disso, o transplante tem de ser feito logo no momento em que se constatar a ausência de qualquer estímulo cerebral. Isto é... o cérebro do paciente está morto, embora o coração ainda tenha vida. E mais: com a aquiescência dos familiares do morto. Só com sua autorização o coração pode ser tirado.

DR. AVELAR  -  (dirigiu-se para a porta) Vou avisar aos hospitais de pronto-socorro. Qualquer acidentado que dê entrada nestas condições, devemos ser avisados.

FIM DO CAPÍTULO  49




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