Novela de Janete Clair
Adaptação de Toni Figueira
CAPÍTULO 43
Participam deste
capítulo
Cyro -
Tarcísio Meira
Bárbara -
Zilka Salaberry
Orjana -
Neusa Amaral
Vanda - Dina
Sfat
André -
Paulo José
Godoy - Ivan Cândido
Baby -
Claudio Cavalcanti
Otto -
Jardel Filho
Paulus -
Emiliano Queiroz
CENA 1 -
PORTO AZUL - CASA DE BÁRBARA -
SALA - INTERIOR
- DIA
A DEZENAS DE QUILÔMETROS DE FLORIANÓPOLIS, ORJANA RECEBIA A
VISITA DE ANDRÉ E VANDA VIDAL.
ANDRÉ - A gente veio hoje porque a senhora prometeu
nos mostrar a prova que ficou daquela noite...
VANDA - A gente nem dormiu direito... de curiosidade.
ORJANA - Eu compreendo. É muito natural.
VANDA - Onde é a marca?
ORJANA - (apontando um local nos ombros) Aqui.
IMEDIATAMENTE, ORJANA SE INTEIRIÇOU. ERA COMO SE VISSE OS OLHOS
DE CYRO À SUA FRENTE REPROVANDO A ATITUDE. SIM. ALI ESTAVA O ROSTO DO FILHO. À
SUA FRENTE. E A VOZ DELE. ORJANA NÃO MOVIA UM MÚSCULO.
ANDRÉ - (amedrontado) Tá sentindo alguma coisa?
ORJANA - Não... meu filho não quer... Quero dizer...
eu não posso (voltou ao natural como se saísse de um transe mediúnico) Foi tudo
invenção de minha parte. Queria ver até onde podia levar a imaginação de
vocês... Não existe marca nenhuma em meu corpo. Queria apenas... que vocês
voltassem aqui. A imaginação pode fazer milagres, sabiam? Gosto do assunto. E
às vezes me deixo levar por ele. É fascinante. Façam vocês a experiência e
vejam até onde pode chegar a imaginação humana. Se eu lhes mostrasse meus
ombros... que não tem nada, vocês seriam capaz de ver neles, uma marca. Porque
estavam condicionados a isso, preparados para se surpreenderem. Eu os preparei
durante um dia inteiro.
ANDRÉ - (ainda intrigado) E por que desistiu da
experiência?
ORJANA - (mentiu, sorrindo discretamente) Porque achei
que vocês não mereciam ser enganados.
VANDA - Tudo o que disse... do seu filho... também
foi uma experiência?
ORJANA - Tudo o que disse do meu filho, é verdade. Mas
nem eu, nem ninguém, pode provar que ele seja um homem fora do comum.
CORTA PARA:
CENA 2 -
PORTO AZUL - CASA DE BÁRBARA -
SALA - INTERIOR
- NOITE
ORJANA ABRIU A PORTA PARA CYRO E DONA BÁRBARA, QUE ENTRARAM
NO CASARÃO.
CYRO - Demorou, mamãe!
ORJANA - (voltou-se para o filho) E você?
CYRO - O quê?
ORJANA - Tem alguma coisa a me dizer?
CYRO NÃO RESPONDEU, APENAS FIXOU DEMORADAMENTE A MÃE.
BÁRBARA - Ele...
ORJANA - (insistiu) Ou a censurar?
CYRO - (afastou-se um pouco, colocando o paletó
sobre a cadeira) Não, mãe, eu não tenho nada a censurar.
BÁRBARA SE ENCAMINHAVA PARA O FUNDO DA CASA, A PASSOS LENTOS,
CORREDOR A FORA.
ORJANA - Cyro, diga alguma coisa. Será que estou
ficando louca? Ou você penetrou mesmo dentro dos meus pensamentos?
CYRO - Mãe, eu a proíbo de falar no meu nascimento,
na minha origem, a quem quer que seja!
ORJANA - (com humildade) Ia falar a um casal amigo.
André e Vanda. André sonhou com você quando nasceu. Eu confio nele. Você também
deve confiar.
O MÉDICO APROXIMOU-SE MAIS E SEGUROU A MÃE PELOS OMBROS, NUM
GESTO DE DESESPÊRO.
CYRO - Me deixe ser um homem como outro qualquer. A
senhora, que tem tanto medo do meu destino, sem sentir está tornando as coisas
mais difíceis.
ORJANA - Cyro, mas eu só falei do seu nascimento!
CYRO - (ordenou, autoritário) Esqueça isso! Esqueça
de que maneira eu vim ao mundo. Esqueça minha infância. Lembre-se apenas de que
agora eu tenho o direito de viver.
CORTA PARA:
CENA 3 - PORTO
AZUL -
PRAIA BONITA - EXTERIOR
- NOITE
O MAR JOGAVA SUAS ONDAS VIOLENTAS CONTRA A BASE DO ROCHEDO,
ENCHENDO A SUPERFÍCIE DE ESPUMA BRANCA. CYRO ESTAVA DE PÉ NO CIMO DO OUTEIRO,
IMÓVEL, FIXANDO UM PONTO QUALQUER NO ESPAÇO.
CYRO - (off) “Não acredito no sobrenatural. Jamais
acreditei. O fantástico, o impossível e o inexplicável são manifestações das
leis naturais. Para tudo existe uma razão científica. Agora, estou diante de um
fato. Já me faço perguntas que antes não me preocupavam. Quem sou eu? O que
estou fazendo aqui? De onde vim? Por outro lado, os poderes que antes atribuía
a estudos científicos, hoje estão tomando forma e se transformaram numa
força... numa FORÇA... que eu sinto, cada vez mais, tomar conta de mim. E eu
preciso investigar. Descobrir até onde a ciência explica isso. Eu estou á
procura da minha verdade. Mas, seja o que for, para o que for, espero que esta
força seja um bem. E que a lei dos homens não me obrigue nunca a usá-la contra
eles. “
AS ONDAS AUMENTARAM ESTRANHAMENTE DE VIOLENCIA, VERGASTANDO A
BASE DO ROCHEDO SOLITÁRIO. UM PONTO MINÚSCULO, PRATEADO E INDEFINIDO, RISCOU O
CÉU, PARA ALÉM DO OCEANO IMENSO.
CORTA PARA:
Inês e Baby
CENA 4 -
ADMINISTRAÇÃO DAS MINAS - ESCRITÓRIO
- INTERIOR -
NOITE.
CYRO - Trabalhando a esta hora?
CYRO ATENDEU AO CHAMADO DE BABY LIBERATO E COMPARECEU AO
BARRACÃO-ESCRITÓRIO DAS MINAS. OLHOU NO RELÓGIO: MEIA-NOITE E 20.
BABY - Oi, doutor! Estava esperando.
DERAM-SE AS MÃOS COM AMIZADE.
CYRO - Recebi seu recado.
BABY - Fiz questão de que o senhor me visse aqui,
trabalhando, dando duro, como um mineiro...
CYRO - Isso é muito bom, Baby! Você compreendeu bem
a necessidade de agir em favor de si mesmo.
O RAPAZ MOSTROU A MESA CHEIA DE PAPÉIS.
BABY - Há muito o que fazer, muito que lutar,
doutor! O negócio não é mole! É mais sério do que a gente pensa. Um verdadeiro
inferno, uma guerra! De um lado eu, do outro, meu primo, Otto. Ele é capaz de
armar qualquer cilada para me desmoralizar. O doutor viu hoje nos jornais. O
caso da cantora... foi arranjado com esse objetivo. Imagine o senhor.
Reportagem nos jornais... com fotografia e tudo. “Preso, no xadrez, o
presidente da Companhia de Mineração, Leandro “Baby” Liberato, o playboy irresponsável...”
CYRO - Não digo que você use das mesmas armas, mas
reaja contra essa espécie de coisas e não se entregue nunca. Continue
trabalhando. É sua melhor forma de lutar (segurou as mãos do rapaz, num gesto
inesperado) Olhe... o homem tem um universo em suas mãos... e em sua mente.
(colou o indicador junto à fronte direita) É preciso saber usá-los para o bem.
CORTA PARA:
CENA 5 -
FLORIANÓPOLIS - CIRCO
- INTERIOR - DIA
NADA DERA CERTO. ANDRÉ PERAMBULAVA PELO INTERIOR DO CIRCO,
ANOTANDO MENTALMENTE OS ÚLTIMOS ACONTECIMENTOS E A ESTRANHA MODIFICAÇÃO NO
PROCEDIMENTO DE ORJANA. PARA ELE, ELA ESCONDIA A VERDADE. TUDO TÃO SUBITAMENTE
CONTRÁRIO. DE REPENTE, A NEGATIVA E AQUELA CONVERSA DE “EXPERIENCIA MENTAL”.
ANDRÉ AFAGOU O CORPO DA ZEBRA, ATIROU UM PEDAÇO DE CARNE NA JAULA DOS TIGRES E,
AINDA COM AS VESTES DE PALHAÇO, CARA PINTADA, LÁBIOS VERMELHOS, DEU DE FRENTE COM
O REPÓRTER GODOY.
GODOY - Estou esperando lá um tempão. Como é? Você já
tem a prova?
ANDRÉ - (baixou os olhos para o chão) Que prova,
rapaz?
GODOY - De Orjana?
ANDRÉ - Não, não consegui nada! Ela desmentiu tudo!
Disse que era brincadeira.
GODOY - (surpreendeu-se) Não é possível. Estava tudo
tão certo! Só faltava isso pra fechar a reportagem. Poxa, desde a chegada de
Cyro Valdez a Florianópolis e Porto Azul, eu venho seguindo a trilha da
história, em busca da verdadeira origem deste homem. Venho tentando reorganizar
os acontecimentos do passado e o grande mistério da “noite do espanto”. Agora,
quando pouca coisa restava para fechar a história, você me vem com essa
negativa de Orjana. As revelações dessa mulher são fundamentais para a redação
da matéria.
ANDRÉ - Eu não posso fazer nada. O que você sabe a
respeito do caso é suficiente pra fazer uma boa reportagem, não é? Eu lhe
contei muita coisa. Você pode muito bem me dar a minha parte e me arranjar
aquele empréstimo no banco.
GODOY - Absolutamente. Nada disso. Eu só dou a sua
parte e lhe arranjo o empréstimo, com a prova de Orjana nas mãos.
ANDRÉ - Mas o trato não foi esse!
GODOY - Claro que foi. Se Orjana decidir dizer a
verdade, você sabe onde me encontrar. Tem dois dias, apenas. Depois disso,
encerro a reportagem e vou levá-la para São Paulo.
O JORNALISTA AFASTOU-SE POR ENTRE TENDAS E JAULAS DE ANIMAIS
SELVAGENS.
CORTA PARA:
CENA 6 - MANSÃO
DE OTTO MULLER - QUARTO DE OTTO -
INTERIOR - DIA
NA MANHÃ DO DIA SEGUINTE, OTTO MULLER RECEBEU ALTA DO
HOSPITAL CARDIOLÓGICO E REGRESSOU À CASA.
AS RECOMENDAÇÕES ERAM SEVERAS: RIGOROSO CONTROLE DIETÉTICO,
REPOUSO ABSOLUTO E NENHUM ESFORÇO FÍSICO, AO LADO DA MEDICAÇÃO ESPECÍFICA.
FINALMENTE OTTO JÁ SE ACHAVA NA SUA RICA MANSÃO, AO LADO DE
SEUS “SAPATOS” DE MULHER (RECORDAÇÕES FETICHISTAS DE AMORES FORTUITOS) E DE
FILMES, GRAVURAS E REVISTAS PORNOGRÁFICAS
- ATRATIVOS PARA UMA IMPOTÊNCIA
DE ORIGEM PSICOLÓGICA. MAS, POR ENQUANTO, AS EMOÇÕES E EXCITAÇÕES LHE ERAM
PROIBIDAS. SEDATIVOS, TRANQUILIZANTES, SONO E SILENCIO, NADA MAIS.
À TARDE DR. PAULUS APARECEU POR LÁ, CONTRARIANDO AS
RECOMENDAÇÕES DO MÉDICO. E OTTO QUERIA SABER TUDO.
OTTO - Estou preparado (retirou um frasco de
comprimidos do bolso e engoliu um) Fale sem rodeios. Sem me enganar. Eu quero
saber de toda a verdade sobre as coisas que aconteceram durante minha doença.
PAULUS - (ajeitou os óculos) Bem... você que esteja
preparado, porque as novidades são muitas. Em primeiro lugar Lia traiu você.
OTTO - (interessado) Explique-se.
PAULUS - Desobedeceu às suas ordens. Uma negra reles
ficou doente num dia que não era de consulta e ela assumiu a responsabilidade e fez o médico cuidar da mulher. Das Dores era a negra, mãe do Lucas
“Pé-na-Cova”.
OTTO - Das Dores... Bem, e daí?
PAULUS - Daí que Baby também resolveu dar uma de
herói, de magnânimo e rasgou o cartaz que proibia as consultas.
OTTO - (começava a irritar-se) Baby? Por que Baby?
PAULUS - Esta é a segunda péssima notícia. Baby voltou
à Companhia. Desta vez com toda a força.
OTTO - Voltou, como? E o caso dele com a cantora? O
escândalo? Ele não estava afastado da direção?
PAULUS - Ele teve uma reação violenta, inesperada. E
não está sozinho. Está sendo dirigido pelo Dr. Cyro Valdez!
OTTO - (perplexo) Cyro Valdez! O que tem a ver esse
doutorzinho com meu primo e com a direção da Companhia?
PAULUS - O que tem a ver, não sei. Só sei e tenho
provas que o médico está influenciando Baby a tomar estas atitudes. E ele está
seguindo rigorosamente as ordens do Dr. Cyro... e o que é pior, conquistando a
simpatia de todos os mineiros.
OTTO - Isto é um disparate! Você não devia ter
permitido! Eu não quero que Baby tome atitudes! Quero que seja simples figura
decorativa na Companhia... Um palhaço rico!
PAULUS - Já não é.
OTTO - (berrou) Mas você tem de fazer alguma coisa!
PAULUS - Já não podemos fazer mais nada. Ele captou
inteiramente a simpatia de todos. Até mesmo o caso com a filha do pescador...
ele está tirando partido... E é um gesto muito, mas muito liberal, o patrão se
misturar às famílias pobres dos mineiros. O namoro dele com a garota... em vez
de prejudicar... está até ajudando, Otto!
OTTO - (contava pelos dedos) Traição de Lia,
atitudes de Baby... atendimento médico a negros... o que mais? Eu havia deixado
ordem para castigar o homem que tentou matar você, dentro da galeria... já que
a polícia não encontrou provas para puni-lo. (fez um gesto com a mão, como se
cortasse o pescoço) Fazer com ele a mesma coisa feita com o negro Gabriel!
PAULUS - Transmiti sua ordem ao capataz. Ele mesmo
está empenhado em executar a ordem. Não está sendo fácil. As coisas devem
acontecer naturalmente... há uma preparação para envolver o Pedrão. Ele mesmo é
quem deve procurar o desfecho. Como no caso do negro Gabriel... ele procurou a
morte por suas próprias mãos. O jeito é matar essa negrada insolente!
OTTO MULLER LEVANTOU-SE, PREOCUPADO.
PAULUS - Olha o coração, homem!
OTTO - (ignorou o aviso) Mais nada?
PAULUS - Uma última notícia... a menos desagradável.
Tudo indica que Ester rompeu com o Dr. Cyro Valdez.
OTTO - (ergueu os olhos) Como você sabe?
PAULUS - Ela me confessou. Creio que foi a verdade.
OTTO - Não é fingido? Não tem se encontrado às
escondidas?
PAULUS - Não. Tenho certeza que não. Romperam,
realmente. Só não encontro a razão, mas acho que é o que menos importa, não?
OS OLHOS AZUIS TORNARAM-SE DIMINUTOS E AS MÃOS DO HOMEM
CRISPARAM-SE. PAULUS PERCEBEU O ESTADO EMOCIONAL DO PATRÃO.
PAULUS - Cuidado com o coração, Otto...
OTTO - (com rispidez) Meu coração que vá às favas!
Chame Lia e marque um encontro com o Dr. Cyro, fora daqui!
PAULUS - (assustado) Você vai sair?
OTTO - Vou. Vou sair, Dr. Paulus. Vou provar a esses
médicos que quem manda na minha vida, sou eu!
COLOCOU OUTRO COMPRIMIDO SOB A LÍNGUA E SE AFASTOU DA SALA.
FIM DO CAPÍTULO 43
... E NA PRÓXIMA QUINTA, CAPÍTULO INÉDITO!
Nenhum comentário:
Postar um comentário