sábado, 9 de agosto de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 43


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 43

Participam deste capítulo

Cyro  -  Tarcísio Meira
Bárbara  -  Zilka Salaberry
Orjana  -  Neusa Amaral
Vanda  -  Dina Sfat
André  -  Paulo José
Godoy  -  Ivan Cândido
Baby  -  Claudio Cavalcanti
Otto  -  Jardel Filho
Paulus  -  Emiliano Queiroz

CENA 1  -  PORTO AZUL  -  CASA DE BÁRBARA  -  SALA  -  INTERIOR  -  DIA

A DEZENAS DE QUILÔMETROS DE FLORIANÓPOLIS, ORJANA RECEBIA A VISITA DE ANDRÉ E VANDA VIDAL.

ANDRÉ  -  A gente veio hoje porque a senhora prometeu nos mostrar a prova que ficou daquela noite...

VANDA  -  A gente nem dormiu direito... de curiosidade.

ORJANA  -  Eu compreendo. É muito natural.

VANDA  -  Onde é a marca?

ORJANA  -  (apontando um local nos ombros) Aqui.

IMEDIATAMENTE, ORJANA SE INTEIRIÇOU. ERA COMO SE VISSE OS OLHOS DE CYRO À SUA FRENTE REPROVANDO A ATITUDE. SIM. ALI ESTAVA O ROSTO DO FILHO. À SUA FRENTE. E A VOZ DELE. ORJANA NÃO MOVIA UM MÚSCULO.

ANDRÉ  -  (amedrontado) Tá sentindo alguma coisa?

ORJANA  -  Não... meu filho não quer... Quero dizer... eu não posso (voltou ao natural como se saísse de um transe mediúnico) Foi tudo invenção de minha parte. Queria ver até onde podia levar a imaginação de vocês... Não existe marca nenhuma em meu corpo. Queria apenas... que vocês voltassem aqui. A imaginação pode fazer milagres, sabiam? Gosto do assunto. E às vezes me deixo levar por ele. É fascinante. Façam vocês a experiência e vejam até onde pode chegar a imaginação humana. Se eu lhes mostrasse meus ombros... que não tem nada, vocês seriam capaz de ver neles, uma marca. Porque estavam condicionados a isso, preparados para se surpreenderem. Eu os preparei durante um dia inteiro.

ANDRÉ  -  (ainda intrigado) E por que desistiu da experiência?

ORJANA  -  (mentiu, sorrindo discretamente) Porque achei que vocês não mereciam ser enganados.

VANDA  -  Tudo o que disse... do seu filho... também foi uma experiência?

ORJANA  -  Tudo o que disse do meu filho, é verdade. Mas nem eu, nem ninguém, pode provar que ele seja um homem fora do comum.

CORTA PARA:

CENA 2  -  PORTO AZUL  -  CASA DE BÁRBARA  -  SALA  -  INTERIOR  -  NOITE

ORJANA ABRIU A PORTA PARA CYRO E DONA BÁRBARA, QUE ENTRARAM NO CASARÃO.

CYRO  -  Demorou, mamãe!

ORJANA  -  (voltou-se para o filho) E você?

CYRO  -  O quê?

ORJANA  -  Tem alguma coisa a me dizer?

CYRO NÃO RESPONDEU, APENAS FIXOU DEMORADAMENTE A MÃE.

BÁRBARA  -  Ele...

ORJANA  -  (insistiu) Ou a censurar?

CYRO  -  (afastou-se um pouco, colocando o paletó sobre a cadeira) Não, mãe, eu não tenho nada a censurar.

BÁRBARA SE ENCAMINHAVA PARA O FUNDO DA CASA, A PASSOS LENTOS, CORREDOR A FORA.

ORJANA  -  Cyro, diga alguma coisa. Será que estou ficando louca? Ou você penetrou mesmo dentro dos meus pensamentos?

CYRO  -  Mãe, eu a proíbo de falar no meu nascimento, na minha origem, a quem quer que seja!

ORJANA  -  (com humildade) Ia falar a um casal amigo. André e Vanda. André sonhou com você quando nasceu. Eu confio nele. Você também deve confiar.

O MÉDICO APROXIMOU-SE MAIS E SEGUROU A MÃE PELOS OMBROS, NUM GESTO DE DESESPÊRO.

CYRO  -  Me deixe ser um homem como outro qualquer. A senhora, que tem tanto medo do meu destino, sem sentir está tornando as coisas mais difíceis.

ORJANA  -  Cyro, mas eu só falei do seu nascimento!

CYRO  -  (ordenou, autoritário) Esqueça isso! Esqueça de que maneira eu vim ao mundo. Esqueça minha infância. Lembre-se apenas de que agora eu tenho o direito de viver.

CORTA PARA:

CENA 3  -  PORTO AZUL  -  PRAIA BONITA  -  EXTERIOR  -  NOITE

O MAR JOGAVA SUAS ONDAS VIOLENTAS CONTRA A BASE DO ROCHEDO, ENCHENDO A SUPERFÍCIE DE ESPUMA BRANCA. CYRO ESTAVA DE PÉ NO CIMO DO OUTEIRO, IMÓVEL, FIXANDO UM PONTO QUALQUER NO ESPAÇO.

CYRO  -  (off) “Não acredito no sobrenatural. Jamais acreditei. O fantástico, o impossível e o inexplicável são manifestações das leis naturais. Para tudo existe uma razão científica. Agora, estou diante de um fato. Já me faço perguntas que antes não me preocupavam. Quem sou eu? O que estou fazendo aqui? De onde vim? Por outro lado, os poderes que antes atribuía a estudos científicos, hoje estão tomando forma e se transformaram numa força... numa FORÇA... que eu sinto, cada vez mais, tomar conta de mim. E eu preciso investigar. Descobrir até onde a ciência explica isso. Eu estou á procura da minha verdade. Mas, seja o que for, para o que for, espero que esta força seja um bem. E que a lei dos homens não me obrigue nunca a usá-la contra eles. “

AS ONDAS AUMENTARAM ESTRANHAMENTE DE VIOLENCIA, VERGASTANDO A BASE DO ROCHEDO SOLITÁRIO. UM PONTO MINÚSCULO, PRATEADO E INDEFINIDO, RISCOU O CÉU, PARA ALÉM DO OCEANO IMENSO.

CORTA PARA:
Inês e Baby

CENA 4  -  ADMINISTRAÇÃO DAS MINAS  -  ESCRITÓRIO  -  INTERIOR  -  NOITE.

CYRO  -  Trabalhando a esta hora?

CYRO ATENDEU AO CHAMADO DE BABY LIBERATO E COMPARECEU AO BARRACÃO-ESCRITÓRIO DAS MINAS. OLHOU NO RELÓGIO: MEIA-NOITE E 20.

BABY  -  Oi, doutor! Estava esperando.

DERAM-SE AS MÃOS COM AMIZADE.

CYRO  -  Recebi seu recado.

BABY  -  Fiz questão de que o senhor me visse aqui, trabalhando, dando duro, como um mineiro...

CYRO  -  Isso é muito bom, Baby! Você compreendeu bem a necessidade de agir em favor de si mesmo.

O RAPAZ MOSTROU A MESA CHEIA DE PAPÉIS.

BABY  -  Há muito o que fazer, muito que lutar, doutor! O negócio não é mole! É mais sério do que a gente pensa. Um verdadeiro inferno, uma guerra! De um lado eu, do outro, meu primo, Otto. Ele é capaz de armar qualquer cilada para me desmoralizar. O doutor viu hoje nos jornais. O caso da cantora... foi arranjado com esse objetivo. Imagine o senhor. Reportagem nos jornais... com fotografia e tudo. “Preso, no xadrez, o presidente da Companhia de Mineração, Leandro “Baby” Liberato, o playboy irresponsável...”

CYRO  -  Não digo que você use das mesmas armas, mas reaja contra essa espécie de coisas e não se entregue nunca. Continue trabalhando. É sua melhor forma de lutar (segurou as mãos do rapaz, num gesto inesperado) Olhe... o homem tem um universo em suas mãos... e em sua mente. (colou o indicador junto à fronte direita) É preciso saber usá-los para o bem.

CORTA PARA:

CENA 5  -  FLORIANÓPOLIS  -  CIRCO  -  INTERIOR  -  DIA

NADA DERA CERTO. ANDRÉ PERAMBULAVA PELO INTERIOR DO CIRCO, ANOTANDO MENTALMENTE OS ÚLTIMOS ACONTECIMENTOS E A ESTRANHA MODIFICAÇÃO NO PROCEDIMENTO DE ORJANA. PARA ELE, ELA ESCONDIA A VERDADE. TUDO TÃO SUBITAMENTE CONTRÁRIO. DE REPENTE, A NEGATIVA E AQUELA CONVERSA DE “EXPERIENCIA MENTAL”. ANDRÉ AFAGOU O CORPO DA ZEBRA, ATIROU UM PEDAÇO DE CARNE NA JAULA DOS TIGRES E, AINDA COM AS VESTES DE PALHAÇO, CARA PINTADA, LÁBIOS VERMELHOS, DEU DE FRENTE COM O REPÓRTER GODOY.

GODOY  -  Estou esperando lá um tempão. Como é? Você já tem a prova?

ANDRÉ  -  (baixou os olhos para o chão) Que prova, rapaz?

GODOY  -  De Orjana?

ANDRÉ  -  Não, não consegui nada! Ela desmentiu tudo! Disse que era brincadeira.

GODOY  -  (surpreendeu-se) Não é possível. Estava tudo tão certo! Só faltava isso pra fechar a reportagem. Poxa, desde a chegada de Cyro Valdez a Florianópolis e Porto Azul, eu venho seguindo a trilha da história, em busca da verdadeira origem deste homem. Venho tentando reorganizar os acontecimentos do passado e o grande mistério da “noite do espanto”. Agora, quando pouca coisa restava para fechar a história, você me vem com essa negativa de Orjana. As revelações dessa mulher são fundamentais para a redação da matéria.

ANDRÉ  -  Eu não posso fazer nada. O que você sabe a respeito do caso é suficiente pra fazer uma boa reportagem, não é? Eu lhe contei muita coisa. Você pode muito bem me dar a minha parte e me arranjar aquele empréstimo no banco.

GODOY  -  Absolutamente. Nada disso. Eu só dou a sua parte e lhe arranjo o empréstimo, com a prova de Orjana nas mãos.

ANDRÉ  -  Mas o trato não foi esse!

GODOY  -  Claro que foi. Se Orjana decidir dizer a verdade, você sabe onde me encontrar. Tem dois dias, apenas. Depois disso, encerro a reportagem e vou levá-la para São Paulo.

O JORNALISTA AFASTOU-SE POR ENTRE TENDAS E JAULAS DE ANIMAIS SELVAGENS.

CORTA PARA:

CENA 6  -  MANSÃO DE OTTO MULLER  -  QUARTO DE OTTO  -  INTERIOR  -  DIA

NA MANHÃ DO DIA SEGUINTE, OTTO MULLER RECEBEU ALTA DO HOSPITAL CARDIOLÓGICO E REGRESSOU À CASA.

AS RECOMENDAÇÕES ERAM SEVERAS: RIGOROSO CONTROLE DIETÉTICO, REPOUSO ABSOLUTO E NENHUM ESFORÇO FÍSICO, AO LADO DA MEDICAÇÃO ESPECÍFICA.

FINALMENTE OTTO JÁ SE ACHAVA NA SUA RICA MANSÃO, AO LADO DE SEUS “SAPATOS” DE MULHER (RECORDAÇÕES FETICHISTAS DE AMORES FORTUITOS) E DE FILMES, GRAVURAS E REVISTAS PORNOGRÁFICAS  -  ATRATIVOS PARA UMA IMPOTÊNCIA DE ORIGEM PSICOLÓGICA. MAS, POR ENQUANTO, AS EMOÇÕES E EXCITAÇÕES LHE ERAM PROIBIDAS. SEDATIVOS, TRANQUILIZANTES, SONO E SILENCIO, NADA MAIS.

À TARDE DR. PAULUS APARECEU POR LÁ, CONTRARIANDO AS RECOMENDAÇÕES DO MÉDICO. E OTTO QUERIA SABER TUDO.

OTTO  -  Estou preparado (retirou um frasco de comprimidos do bolso e engoliu um) Fale sem rodeios. Sem me enganar. Eu quero saber de toda a verdade sobre as coisas que aconteceram durante minha doença.

PAULUS  -  (ajeitou os óculos) Bem... você que esteja preparado, porque as novidades são muitas. Em primeiro lugar Lia traiu você.

OTTO  -  (interessado) Explique-se.

PAULUS  -  Desobedeceu às suas ordens. Uma negra reles ficou doente num dia que não era de consulta e ela assumiu a responsabilidade e fez o médico cuidar da mulher. Das Dores era a negra, mãe do Lucas “Pé-na-Cova”.

OTTO  -  Das Dores... Bem, e daí?

PAULUS  -  Daí que Baby também resolveu dar uma de herói, de magnânimo e rasgou o cartaz que proibia as consultas.

OTTO  -  (começava a irritar-se) Baby? Por que Baby?

PAULUS  -  Esta é a segunda péssima notícia. Baby voltou à Companhia. Desta vez com toda a força.

OTTO  -  Voltou, como? E o caso dele com a cantora? O escândalo? Ele não estava afastado da direção?

PAULUS  -  Ele teve uma reação violenta, inesperada. E não está sozinho. Está sendo dirigido pelo Dr. Cyro Valdez!

OTTO  -  (perplexo) Cyro Valdez! O que tem a ver esse doutorzinho com meu primo e com a direção da Companhia?

PAULUS  -  O que tem a ver, não sei. Só sei e tenho provas que o médico está influenciando Baby a tomar estas atitudes. E ele está seguindo rigorosamente as ordens do Dr. Cyro... e o que é pior, conquistando a simpatia de todos os mineiros.

OTTO  -  Isto é um disparate! Você não devia ter permitido! Eu não quero que Baby tome atitudes! Quero que seja simples figura decorativa na Companhia... Um palhaço rico!

PAULUS  -  Já não é.

OTTO  -  (berrou) Mas você tem de fazer alguma coisa!

PAULUS  -  Já não podemos fazer mais nada. Ele captou inteiramente a simpatia de todos. Até mesmo o caso com a filha do pescador... ele está tirando partido... E é um gesto muito, mas muito liberal, o patrão se misturar às famílias pobres dos mineiros. O namoro dele com a garota... em vez de prejudicar... está até ajudando, Otto!

OTTO  -  (contava pelos dedos) Traição de Lia, atitudes de Baby... atendimento médico a negros... o que mais? Eu havia deixado ordem para castigar o homem que tentou matar você, dentro da galeria... já que a polícia não encontrou provas para puni-lo. (fez um gesto com a mão, como se cortasse o pescoço) Fazer com ele a mesma coisa feita com o negro Gabriel!

PAULUS  -  Transmiti sua ordem ao capataz. Ele mesmo está empenhado em executar a ordem. Não está sendo fácil. As coisas devem acontecer naturalmente... há uma preparação para envolver o Pedrão. Ele mesmo é quem deve procurar o desfecho. Como no caso do negro Gabriel... ele procurou a morte por suas próprias mãos. O jeito é matar essa negrada insolente!

OTTO MULLER LEVANTOU-SE, PREOCUPADO.

PAULUS  -  Olha o coração, homem!

OTTO  -  (ignorou o aviso) Mais nada?

PAULUS  -  Uma última notícia... a menos desagradável. Tudo indica que Ester rompeu com o Dr. Cyro Valdez.

OTTO  -  (ergueu os olhos) Como você sabe?

PAULUS  -  Ela me confessou. Creio que foi a verdade.

OTTO  -  Não é fingido? Não tem se encontrado às escondidas?

PAULUS  -  Não. Tenho certeza que não. Romperam, realmente. Só não encontro a razão, mas acho que é o que menos importa, não?

OS OLHOS AZUIS TORNARAM-SE DIMINUTOS E AS MÃOS DO HOMEM CRISPARAM-SE. PAULUS PERCEBEU O ESTADO EMOCIONAL DO PATRÃO.

PAULUS  -  Cuidado com o coração, Otto...

OTTO  -  (com rispidez) Meu coração que vá às favas! Chame Lia e marque um encontro com o Dr. Cyro, fora daqui!

PAULUS  -  (assustado) Você vai sair?

OTTO  -  Vou. Vou sair, Dr. Paulus. Vou provar a esses médicos que quem manda na minha vida, sou eu!

COLOCOU OUTRO COMPRIMIDO SOB A LÍNGUA E SE AFASTOU DA SALA.

FIM DO CAPÍTULO 43



 ... E NA PRÓXIMA QUINTA, CAPÍTULO INÉDITO!

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