quinta-feira, 7 de agosto de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 42


Novela de Janete Clair

Adaptação de Antonio Figueira

CAPÍTULO 42

Participam deste capítulo

Cyro  -  Tarcísio Meira
Ester  -  Gloria Menezes
Bárbara  -  Zilka Salaberry

 CENA 1  -  CASA DE ESTER  -  SALA  -  INTERIOR  -  DIA

ESTER AGUARDAVA O DR. CYRO NA VARANDA DA RESIDENCIA DE LUXO. DEIXARA A CASA DE OTTO DESDE O ACIDENTE, RECOLHENDO-SE À SUA MORADIA PARTICULAR, ACOLHEDORA, COM VISTA PANORÂMICA PARA O LITORAL CATARINENSE.

CYRO ENTROU, IMPACIENTE.

CYRO  -  Pensei que tivesse acontecido alguma coisa a você ou ao menino.

ESTER – (mostrou-lhe um papel, com letra feminina) Veja isto!

CYRO  -  (leu-o de um só fôlego) O que quer dizer?

ESTER  -  (à beira de uma crise de histeria) É a prova de que a atriz de circo foi testemunha ou cúmplice do crime de Otto. Se eu levar este bilhete à polícia, ela será obrigada a dizer a verdade.

CYRO ACENDEU UM CIGARRO E SENTOU-SE NA CADEIRA DE VIME.

ESTER  -  (continuou) Vanda Vidal. Ela nega ter conhecido Otto, mas este bilhete desmente tudo. Ela teve participação importante na morte de Carlos.

CYRO  -  Em resumo, a atriz pode esclarecer o crime.

ESTER  -  Exato. E eu posso arrasar de uma vez com Otto. Esta pista pode levá-lo à cadeia. Chamei você aqui para lhe dizer que vou levar o caso adiante.

CYRO  -  (em tom baixo e sombrio) E o que é que você pretende? Quer que ele morra? Não vê que levantando esse problema agora será o mesmo que matar o seu ex-marido?

ESTER  -  Por que, não?

CYRO  -  Seria o mesmo que lhe dar um tiro à queima-roupa. Você seria capaz?

ESTER  -  (explodiu, irritada) Eu não seria capaz de nada. Mas a verdade é que eu não tenho nenhum motivo para ter escrúpulos. Ou talvez você não saiba que esse homem levou meu pai ao suicídio... Certamente não sabe das torturas que ele me infligiu quando era sua mulher. Você dirá que eu devo esquecer e perdoar, mas com uma coisa há de concordar. No momento ele é o único obstáculo à nossa felicidade.

CYRO  -  Eu sei. Há outras maneiras de se resolver esse obstáculo. É claro que temos de dar tempo ao tempo...

ESTER  -  (enérgica) Não (movimentava-se por entre as cadeiras da varanda) Com Otto Muller não há mais maneira.

CYRO  -  (franziu a testa, apreensivo) Prefiro imaginar que você não sabe o que está dizendo.

ESTER  -  (encarou-o com olhar cruel) Sei, sim, e sei que no íntimo você também deseja que ele morra.

CYRO  -  (levantou-se como que impulsionado por uma mola) Não diga isto! Eu sou um médico! Minha obrigação é salvá-lo a qualquer preço!

ESTER  -  Enquanto esteve tratando dele, nunca lhe passou isto pela cabeça, Cyro? Que bastaria um simples descuido...

CYRO  -  (cortou, veemente) Não, não, não! Nunca me passou isto pela cabeça e nem vai passar! Minha missão é salvar vidas!

ESTER  -  (se alterou) Você tem tantos escrúpulos! Talvez não saiba que estava marcado para morrer! E se nada lhe aconteceu, foi apenas pela sua fama aqui... e no resto do mundo.

CYRO  -  Ainda não me convenci disso, Ester!

ESTER  -  Quer provas de que o homem que está cuidando é um assassino?

CYRO  -  (com firmeza) É problema dele! A mim, compete salvá-lo!

ESTER  -  E    o negro Gabriel? Por que foi morto? Só porque espionava Lia tomar banho de piscina... de maiô! E o meu filho? Ele quer afastá-lo de mim! Teve a coragem de me confessar na cama do hospital!

CYRO  -  Sei, sei de tudo isso!

ESTER  -  E ainda assim ainda acha que ele... merece continuar vivendo?

CYRO  -  Não sou juiz, Ester. Não serei eu quem há de julgá-lo. Eu cumpro o meu dever, como médico. E como homem. E me recuso a continuar raciocinando nesta base.

ESTER  -  Quero saber somente uma coisa: se fosse essa a única maneira de conquistarmos tudo aquilo que desejamos?...

ELE PENSOU DEMORADAMENTE ANTES DE RESPONDER.

CYRO  -  (com decisão e tristeza na inflexão da voz) Eu preferia renunciar a tudo!

ESTER  -  (com a voz rouca, irreconhecível) Preferia renunciar... a mim?

CYRO  -  (repetiu, hesitante) Preferia.

ESTER  -  (deu-lhe as costas, fitando o mar) É o que eu queria saber. Agora tenho certeza: você não me ama. Adeus, Cyro. Saia desta casa... para sempre!

CYRO  -  Ester, você não está sendo racional...

ESTER  -  (explodiu de vez, enlouquecida) Saia desta casa, já disse! Não quero mais vê-lo, nunca mais! E saiba o que eu penso de você, agora: você é um covarde! Um covarde!

CYRO  -  (humilhou-se com o insulto) Covarde, porque não sou assassino? Porque respeito a vida humana? (levantou-se, vermelho de raiva) Adeus, Ester!

ESTER  -  Vou lhe provar que você seria a próxima vítima de Otto Muller! Vou lhe provar, Dr. Cyro!

CORTA PARA:
Cyro e D. Bárbara

CENA 2  -  HOSPITAL  -  CONSULTÓRIO DE CYRO  -  INTERIOR  -  DIA

FOI GRANDE A SURPRESA DO MÉDICO AO RETORNAR AO CONSULTÓRIO NAQUELA MANHÃ. DONA BÁRBARA, A AVÓ, ESPERAVA-O, TRANQUILAMENTE SENTADA DIANTE DE SUA MESA DE ATENDIMENTO.

CYRO  -  (parou ao ver a velha, risonha) Minha avó... que foi isso? Milagre?

ABRAÇOU-A E BEIJOU, CARINHOSAMENTE.

BÁRBARA  -  Precisava muito falar com você. E não podia ser lá em casa. Peguei o carro e me mandei pra Florianópolis. Fiz mal?

CYRO  -  Não... claro que não! Mas o que há?

PUXOU O BANQUINHO DE FERRO E SE SENTOU FRENTE A FRENTE COM A AVÓ.

BÁRBARA  -  Eu vou dizer, Cyro... mas venha cá (pegou carinhosamente no rosto do rapaz, afagando-o) Você sabe que sou uma velha turrona, não sabe?

CYRO  -  Sei e a adoro assim, como a senhora é.

BÁRBARA  -  Sabe também que eu já te quero muito bem, não sabe?

CYRO   -  (sorriu, fazendo que sim com a cabeça) Mas... a que vem essa declaração de amor fora de hora?

BÁRBARA  -  (baixou os olhos, meio acanhada) É que tenho algo muito sério a lhe dizer... e estou sem coragem.

CYRO  -  (prensou as mãos da avó entre as suas, olhando-a fundo) Fale, velhinha, e não se incomode com o resto!

BÁRBARA  -  Você entrou na minha vida... de um jeito que... agora parece que só vivo para pensar em você, nos seus problemas, na sua tranquilidade... na sua vida, enfim...

BÁRBARA ENXUGOU UMA LÁGRIMA INDISCRETA.

CYRO  -  (brincou) Mas é mesmo uma declaração de amor!

BÁRBARA  -  É sim, meu filho. É uma declaração de amor!

CYRO  -  Que esse amor não seja sofrimento para a senhora. Vamos lá, o que está lhe afligindo tanto?

BÁRBARA  -  É que você entrou aqui... agora mesmo... e eu já o conheço tão bem... senti que você veio com um problema.

CYRO  -  (foi sincero) É... estou com problemas.

BÁRBARA  -  E eu sei também que você poderia resolvê-los... se quisesse... porque tudo para você poderia ser facilitado.

CYRO  -  Quero resolver meus problemas como um homem comum. Quero acreditar que sou um homem como outro qualquer.

BÁRBARA  -  Você sabe que não é.

CYRO  -  Eu não sei de nada. Sei apenas que minha mente me leva mais além...

BÁRBARA  -  Muito além...

CYRO  -  E isto não pode ser encarado como um fato sobrenatural.

BÁRBARA  -  (olhou-o, séria) Cyro, use agora o poder de sua mente... e tente ver o que está se passando neste momento, em sua casa!

CYRO  -  Não me peça isso, vovó. Acabei de lhe dizer que quero fugir a qualquer coisa nesse sentido.

BÁRBARA  -  (segurou a mão do neto com força) Vim avisá-lo, Cyro. Estou preocupada. Um casal tem feito perguntas a sua mãe. E ela fez a essas pessoas uma revelação espantosa, pela primeira vez em sua vida. Disse que existe uma marca daquela noite do espanto... 

CYRO  -  (com os olhos esbugalhados) Uma marca!

BÁRBARA  -  É. Uma marca no corpo de sua mãe. Não sei com que propósito esse casal está interessado nisso. Mas eu creio que não deve ser para boa coisa. Se existe realmente alguma prova, não deve ser vulgarizada assim.

CYRO  -  Naturalmente. Isso pode levar a interpretações maldosas.

FIM DO CAPÍTULO 42




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