sábado, 20 de setembro de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 61


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 61

Participam deste capítulo

Baby  -  Claudio Cavalcanti
Inês  -  Betty Faria
Comendador Liberato  -  Macedo Neto
Zoraida  -  Jurema Pena
Cyro  -  Tarcísio Meira
Ester  -  Gloria Menezes
Padre Miguel  -  Artur Costa Filho
Ivanzinho  -  Rogério Pitanga
Lia  -  Arlete Sales
Catarina  -  Lidia Matos
Vera  -  Louise Macedo

CENA 1  -  PALACETE DO COMENDADOR LIBERATO  -  QUARTO DE INÊS  -  INTERIOR  -  NOITE

BATERAM À PORTA DO QUARTO E INÊS MANDOU QUE ENTRASSEM. A JOVEM PENTEAVA OS CABELOS COMPRIDOS DIANTE DO ESPELHO. A EMPREGADA VERA ENTROU.

VERA  -  O comendador me mandou entregar este vestido... mas parece que vai dar um bode...

INÊS  -  Ele já está pronto?

VERA  -  Já. Mas o seu Baby tá lá embaixo, com cara de réu... bebendo, bebendo...

INÊS  -  Vai começar tudo de novo!

A GOVERNANTA ENTROU TAMBÉM NO QUARTO, FEIÇÕES ALTERADAS, O ÓDIO REFLETIDO NO OLHAR EMBARAÇADO.

ZORAIDA  -  Vim lhe dizer uma coisa. Dê uma desculpa qualquer ao comendador. Diga que está doente, ou coisa parecida. Mas não deve ir a essa reunião na companhia dele!

INÊS  -  Mas ele ta insistindo.

ZORAIDA  -  Ora, você é muito esperta! Sabe que vai provocar um caso grave entre pai e filho. Ou você está aqui para colocar um contra o outro?

INÊS  -  Eu não tou fazendo isso!

BABY APARECEU NA PORTA, DE COPO NA MÃO E OLHAR ZANGADO.

BABY  -  (ordenou, com energia) Sai todo mundo! Me deixem falar com ela!

AS DUAS MULHERES SAÍRAM DO QUARTO.

BABY  -  Olha aqui. Eu não quero me meter nos seus atos. Mas lhe dou um conselho. Você é minha mulher e nora do meu pai. É a mim que você tem de bajular... não a ele!

INÊS  -  Não me interessa bajulá ninguém. Nem você, nem ele (revoltava-se num crescente incontrolável) Ele é bom. Você é uma peste. Ele gosta um pouco de mim e me trata como gente. Se interessa em me dar um pouco de educação, me leva pra passear. Não tem vergonha de está do meu lado. Você me detesta e tem vergonha de mim!

BABY REFLETIU NAS VERDADES QUE ACABARA DE OUVIR.

BABY  -  Não sou de fazer declaração de amor a toda hora. Sou como sou. Se quer me agüentar assim, agüente. Se não quer, paciência.

INÊS  -  (mostrou-lhe o vestido esticado sobre a cama) Se você veio aqui pra me dizê que não use o vestido da sua mãe... fica sossegado. Eu já tinha desistido. Vou com meus trapo mesmo... porque você não liga nem pra isso. Que adianta ser mulher de milionário? Não tenho nada. Nem pra comprá  um sapato pra mulhé você não presta.

BABY  -  (mais calmo, com as verdades que recebera pela cara) Compra você, se quiser, e manda botar na conta! Não é isto que me chateia! O que me enche é você querer acompanhar meu pai à casa dos meus inimigos. Pra me fazer passar vergonha! Pra que eles me ridicularizem! A mulher do Baby é uma bobona! Uma palhaça, analfabeta, caipira!     

INÊS  -  E era você quem dizia que a gente tudo é igual!

BABY  -  Na teoria, minha cara. Na prática, tem muita diferença! O velho pode ir com você a qualquer outro lugar, menos à casa do primo Otto. Estamos entendidos?

IA SE VIRANDO PARA DEIXAR O QUARTO, QUANDO INÊS O IMPEDIU, CORRENDO À SUA FRENTE E SE COLOCANDO DE COSTAS PARA A PORTA.

INÊS  -  Espera! Por que você não se entende com seu pai? As coisas ia melhorá pra nós três!

BABY -  Não se meta entre nós dois! É caso pessoal!

INÊS  -  No caso de sua mãe... é você quem se acusa. Ninguém nunca te acusou. Conversei com o velho. Ele não guarda mágoa por ela ter morrido quando você nasceu. Nada disso!

BABY  -  (ficou tenso) Não lhe dei o direito... de falar no nome da minha mãe!

INÊS  -  Não sou tão burra que não perceba que você tem prazer de se martirizar. Teu pai me contou tudo. Que você se afastou dele, quando percebeu de que jeito foi que ele...

BABY  -  (gritou, inteiramente descontrolado, atirando o copo contra a parede) Cale a boca, sua... Então, você e o velho tem trocado confidências!

INÊS  -  Ele é bom pra mim e tem paciência comigo e com você. Senão já teria deserdado você e aí... onde ficaria o ricaço de boa vida? Babau! Voce teria de mendigar emprego e ganhar seu pão... Já pensou nisso?

BABY  -  Ele está te instruindo... pra você ficar contra mim. E você... idiota e imbecil... está indo na onda dele.

INÊS  -  Não é verdade! Não é verdade! Você não entende ele! Se entendesse não se martirizava quando me vê vestida com as roupas de sua mãe. Ficava até satisfeito. Porque seu pai gosta de lembrar dela! Bonita que ela era. Vi nos retratos. Você se parece pra burro com ela! Se fosse um sujeito normal, você tinha de gostá, também. Mas você não é normal. É um doente!

Baby  -  (se transformou, diante da reação da mulher) Sua... sua pretensiosa de uma figa! Só porque está aprendendo uma liçãozinha à toa... já se acha muito sabida. Quer bancar até a psicóloga! A professora, Doutora-sabe-tudo! Doutora metida! Doutora palhaça! Cuida da sua vida e me deixa com meus problemas. Sempre me dei bem com eles! Nunca precisei de ninguém. Nem de você. Vivia melhor sem você!

COM UM SAFANÃO, O RAPAZ JOGOU A MOÇA SOBRE A CAMA.
INÊS NÃO CONTROLAVA AS LÁGRIMAS. BABY TINHA SAÍDO E O VESTIDO ESTAVA A SEU LADO. BRANCO, VAPOROSO. A MOÇA TOMOU UMA DECISÃO. JÁ SABIA O QUE FAZER.

CORTA PARA:

Baby e Inês

CENA 2  -  PALACETE DO COMENDADOR LIBERATO  -  SALA  -  INTERIOR  -  NOITE

BABY BEBIA QUANDO INÊS APARECEU NA ESCADA.

ZORAIDA AVANÇOU ATÉ ELA. SUAS FEIÇÕES ERAM DE UMA BRUXA DESPEITADA.

ZORAIDA  -  Você... tem coragem? Acho que isto vai lhe custar muito caro!

BABY  -  (aproximou-se da mulher) Você acaba de tomar um partido, Inês!

ATIROU O COPO AOS PÉS DA JOVEM E, DANDO MEIA VOLTA, DESAPARECEU PORTA A FORA.

O COMENDADOR SE APROXIMOU, SATISFEITO.

COMENDADOR -   Não se impressione, minha filha. Vamos indo.

CORTA PARA:

CENA 3  -  PORTO AZUL  -  PRAÇA  -  EXTERIOR  -  NOITE

FICARA TUDO ACERTADO EM DEFINITIVO. CYRO PARTIRIA COM A FAMÍLIA E ESTER E NAQUELA NOITE, OS DOIS, ACOMPANHADOS DE IVANZINHO, FORAM DESPEDIR-SE DO PADRE MIGUEL. NA PRAÇA DA IGREJINHA, ALGUNS MENINOS BRINCAVAM DE ESCONDE-ESCONDE. O GAROTO UNIU-SE A ELES, FELIZ DA VIDA. O PADRE APERTAVA ENTRE AS SUAS AS MÃOS DA BELA SENHORA.

PADRE MIGUEL  -  Vou sentir muito a sua falta, Ester.

ESTER  -  Eu também a sua, padre. Mas o senhor sabe que minha partida, agora, é uma espécie de fuga. Tenho necessidade de deixar, o quanto antes, este lugar.

CYRO CUMPRIMENTOU O REVERENDO E PASSOU AS MÃOS POR SOBRE OS OMBROS DE ESTER.

CYRO  -  Vamos, amor. Minha mãe está nos esperando. Vocês duas vão bancar nora e sogra e vão fazer planos para a mudança...

OS TRÊS RIRAM COM A BRINCADEIRA DO MÉDICO.

PADRE MIGUEL  -  Vai me levar todas as pessoas queridas, Dr. Cyro. Espero que, pelo menos, Dona Bárbara fique em Porto Azul.

CYRO  -  Acho que vai ser difícil separá-la agora de nós, padre. Ela irá, também.

PADRE MIGUEL  -  Dona Bárbara? Olhe, tenho minhas dúvidas. É apegada demais a esta terra...

CYRO  -  Posso apostar como irá. Bem... com licença!

DE REPENTE, JÁ NO CENTRO DA PRACINHA, CYRO PERCEBEU A ESTRANHA LUZ DESCENDO DOS CÉUS. NA SUA MENTE A VISÃO DO MENINO A CORRER. DO MENINO A CORRER. E DE ESTER APAVORADA, PROCURANDO O FILHO. O MÉDICO SE TRANSFORMARA NUMA ESTÁTUA RÍGIDA. COMO NUM ECO A VOZ DE ESTER E JÚLIA A CHAMAR PELO MENINO.

ESTER  -  (off) “Ivan! Ivan! Onde você está, meu filho?”

ESTER SACUDIU O COMPANHEIRO.

ESTER  -  Cyro! Cyro! Está sentindo alguma coisa?

CYRO  -  (voltou a si, como saído de um transe mediúnico) O menino?

ESTER  -  Está aqui. Vamos embora!

CYRO  -  (agarrou o menino pelas mãos, como a convencer-se de sua presença; estava pálido e trêmulo) Vamos!

ESTER  -  (percebeu a transformação sofrida pelo médico) O que foi, Cyro?

CYRO  -  Nada. Vamos indo.

CORTA PARA:

CENA 4  -  PORTO AZUL  -  CASA DE DONA BÁRBARA  -  SALA  -  INTERIOR  -  NOITE

ERA PERCEPTÍVEL O ESTADO DE ESPÍRITO DO RAPAZ AO CHEGAR À VELHA CASA DA AVÓ. ESTER ENCAROU-O, DECIDIDA A SABER A VERDADE.

ESTER  -  Por que não quer me dizer qual foi o mau pensamento que teve na praça?

CYRO  -  Para quê? Esqueça!

ESTER  -  Você não me engana! Você viu alguma coisa, Cyro?

CYRO  -  Não... não vi coisa alguma. Por favor, não entre no rol dos que me tomam por feiticeiro.

ESTER  -  Mas você viu?

CYRO  -  Não, não toque mais nisso. Já lhe pedi pra esquecer, por favor!

CORTA PARA:

CENA 5  -  MANSÃO DE OTTO MULLER  -  SALA  -  INTERIOR  -  NOITE

ALGUMAS PESSOAS VIRAVAM-SE DISCRETAMENTE, OUTRAS OSTENSIVAMENTE, À PASSAGEM DO COMENDADOR E DA BELA MOÇA QUE O ACOMPANHAVA.  AUGUSTO LIBERATO ALCANÇOU OS UMBRAIS DA GRANDE PORTA DE ENTRADA DA MANSÃO, TODA ILUMINADA.

LIA E CATARINA APROXIMARAM-SE DO CASAL.

O COMENDADOR FEZ AS APRESENTAÇÕES, ORGULHOSO.

COMENDADOR  -  Esta... é minha nora... Inês. Já devem conhecer.

UM SUSSURRO PERCORREU O AMBIENTE, ENQUANTO, ACANHADA, A JOVEM ENTRAVA NO SALÃO DE RECEPÇÕES, DE BRAÇO COM O MILIONÁRIO E MAIOR ACIONISTA DAS MINAS DE VALONGO.

FIM DO CAPÍTULO 61


quinta-feira, 18 de setembro de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 60


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 60

Participam deste capítulo

Baby  -  Claudio Cavalcanti
Comendador Liberato  -  Macedo Neto
Inês  -  Betty Faria
Otto  -  Jardel Filho
Paulus  -  Emiliano Queiroz
Zoraida  -  Jurema Penna



CENA 1  -  MANSÃO DE OTTO MULLER  -  QUARTO DE OTTO  -  INTERIOR  -  DIA

O ALEMÃO FEZ UM TREMENDO ESFORÇO PARA LEVANTAR-SE SOZINHO. DESPREZOU O AUXÍLIO QUE O AMIGO PRETENDEU LHE OFERECER.

OTTO  -  Vou lhe mostrar... o que vai acontecer com Ester!

PAULUS  -  Não se esqueça do seu pai. Sabe que ela nos tem nas mãos. Obedeci às suas ordens. Von Muller está empregado nas minas, como engenheiro, com documentos falsos. Ele agora é Henrique Hermann. E já começou a dar trabalho aos homens... não é nada sensato, o velho.

OTTO  -  (rispidamente) Deixe-o lá!

ABRIU UMA MALA DE COURO, FUNDA. RETIROU DO SEU INTERIOR DOIS BONECOS ESTRANHOS, DE PERNAS MOLES, BAMBAS. PAULUS NÃO SE CONTINHA DE CURIOSIDADE.

OTTO  -  Vê isto? É Ester... e o menino (pegou mais dois fantoches) Este é o Dr. Cyro... e este outro sou eu...

PAULUS  -  O que você quer dizer com isto?

OTTO LEVOU OS BONECOS PARA O SOFÁ E SENTOU-SE COM DIFICULDADE.

PAULUS  -  Deixe-me ajudá-lo.

OTTO  -  Não toque nos meus bonequinhos! (berrou e colocou os bonecos paralelos; o de Ester ao lado de Cyro, dançando estranhamente) Aqui  estou  eu... na cama, doente...  coitadinho. Mas, de repente... o que vai acontecer? (escondeu o boneco de Ivanzinho)  Onde está o garoto? Onde está?

PAULUS  -  (entendeu a jogada) Compreendo! Compreendo, agora, Otto! Bem bolado!

OTTO  -  Não é uma farsa trágica, Paulus?

PAULUS  -  É terrível, Otto!

APONTOU PARA O BONECO DE ESTER, CAÍDO NO CHÃO, DISTANTE DO DE CYRO VALDEZ.

OTTO  -  Pegue Ester... pobrezinha! Está caída. A farsa vai continuar, Paulus! Ainda não terminei o espetáculo!

CORTA PARA:
Zoraida (Jurema Penna)

CENA 2  -  PALACETE DO COMENDADOR LIBERATO  -  SALA  -  INTERIOR  -  DIA

CONTANDO NINGUÉM ACREDITAVA... MAS O VELHO COMENDADOR ENCHERA-SE DE AFETO PELA NORA E PERDIA HORAS ENSINANDO BOAS MANEIRAS À MOÇA. E, INCLUSIVE, ESTABELECERA UM HORÁRIO PARA AS AULAS DE CONHECIMENTOS GERAIS. ERA UMA FORMA DE PASSAR O TEMPO, EXERCITAR A MENTE E DISTRAIR-SE. GOSTAVA DE INÊS, DO SEU TEMPERAMENTO ALEGRE E DE SUAS CRIANCICES. A INGENUIDADE DELA FASCINAVA O VELHO. E ELE ADMITIA TORNÁ-LA UM DIA UMA DAMA DA ALTA SOCIEDADE. ERA UM JOGO A QUE SE DEDICAVA COM CARINHO. ÀS NOITES, COSTUMAVA SAIR COM A MOÇA E JANTAR NOS MAIS REFINADOS AMBIENTES DE FLORIANÓPOLIS.

NAQUELA MANHÃ, INÊS SUAVA PARA COMPREENDER A LIÇÃO.

COMENDADOR  -  Vamos lá... faça uma frase com a palavra manada.

INÊS  -  Manada? Eu num sei o que é manada...

COMENDADOR  -  Primeiro não diga num. É não. Num é feio e errado.

INÊS  -  Eu não sei.

COMENDADOR  -  Isto! E agora, manada é um rebanho de gado.

INÊS  -  Ah... eu gosto muito de comer carne de... manada!

COMENDADOR  -  (fez uma careta, rindo gostosamente) Não! Tá errado, Inês. Você come carne de boi!

INÊS  -  Boi não é gado?

LIBERATO FECHOU O LIVRO DE LIÇÕES, MEIO IMPACIENTE. ENTREGOU O LÁPIS E O CADERNO À NORA.

BABY  -  (do alto da escada, berrou para a sala) Inês, não deixei minha abotoadura no seu quarto?

COMENDADOR  -  Não amole, agora! Ela está na aula! (voltou-se para a jovem) Vamos lá! Uma frase com a palavra manada. Mas não venha me dizer que você come carne de manada.

BABY SORRIU, ENQUANTO ZORAIDA ENTRAVA E OUVIA A MOÇA GAGUEJAR UMA FRASE.

INÊS  -  Eu... gosto... muito... de ver... passar... uma manada!

COMENDADOR  -  (bateu palmas) Ah, até que enfim entendeu! Agora, escreva isso aí, no seu caderno!

BABY TINHA DESCIDO A ESCADA E A GOVERNANTA APROVEITOU PARA ATINGIR A JOVEM POR TABELA. ODIAVA A MOÇA E NÃO ACEITAVA A MANEIRA PELA QUAL O VELHO RICAÇO ESTAVA SE LIGANDO A ELA. ERA DEMAIS PARA SEU ORGULHO E SUA INVEJA.

ZORAIDA  -  (encaminhando-se para Baby) Que é que você quer, meu filho?

BABY  -  Faz tempo... que ele virou professor dela?

ZORAIDA  -  Há mais de uma semana. Ela não acertou com nenhum professor. Todos eles acharam que ela é uma negação. E não tinham paciência. Ela acaba chorando... vai ver daqui a pouco!

BABY OBSERVAVA A ESPOSA GARATUJAR UMAS LETRAS ENORMES.

BABY  -  Tá tudo errado! Você fez o quarto ano primário? Tudo errado! Olha só como ela escreve passar! Com z! Essa não!

INÊS LARGOU O LÁPIS, COM RAIVA, E BAIXOU A CABEÇA, DESARVORADA. O COMENDADOR VIROU BICHO E OLHOU COLÉRICO PARA O FILHO.

COMENDADOR  -  Olha... você só sabe atrapalhar! É para isso que ela está aprendendo! Ninguém nasceu sabendo! (passou a mão, carinhosamente, pela cabeça da nora, alisando-lhe os cabelos) Chega por hoje, minha filha. Tenho de me preparar para ir a um jantar, na casa de Otto. Você deve ir também, Baby.

BABY  -  Já disse que não sou hipócrita. Não admito essas convenções da alta sociedade. Pra mim tanto faz que ele morra ou não... e não piso na casa dele nem que paguem milhões! E se o senhor tivesse um pouco de vergonha... não iria também! (Liberato fitou-o enraivecido; Baby prosseguiu) É isso mesmo, não ia, não, porque afinal de contas tia Catarina não o suporta. O que ela lhe joga na cara é bem grave. Ainda se você pudesse se defender, podia ir lá, para enfrentá-la. Mas, você não pode, pai. Melhor seria que ... não passasse por esse vexame.

COMENDADOR  -  (explodiu, encolerizado) Eu vou à casa dele. De nada me acusa a consciência. E vou fazer coisa melhor. Vou levar sua mulher para me fazer companhia!

BABY, QUE COMEÇARA A SUBIR A ESCADA, ESTACOU E DEU MARCHA A RÉ, INCONTINENTI.

BABY  -  Essa não!

COMENDADOR  -  (ordenou à jovem) Vá se arrumar, Inês!

BABY  -  (berrou, fora de si, segurando a esposa) Já disse que não!

COMENDADOR  -  (ignorou a reação do filho) Vá se preparar, Inês. E use aquele vestido que usou naquela noite. O vestido da minha falecida mulher! Ficou muito bem em você!

BABY  -  (espumava de raiva) Pois muito bem. Se ela fizer isso... ela pode sumir desta casa... porque eu não olho nunca mais para a cara dela!

COMENDADOR  -  (tornou a dirigir-se à moça) Vá se preparar, Inês.

BABY  -  E nem para a sua!

FIM DO CAPÍTULO 60


quarta-feira, 17 de setembro de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 59

  
Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 59

Participam deste capítulo

Baby  -  Claudio Cavalcanti
Cesário  -  Carlos Eduardo Dolabela
Delegado  -  Vinicus Salvatori
Cyro  -  Tarcisio Meira
Otto  -  Jardel Filho
Paulus  -  Emiliano Queiroz
Lia  -  Arlete Sales
Catarina  -  Lidia Matos
Conceição  -  Zeni Pereira



CENA 1  -  DELEGACIA DE VALONGO  -  INTERIOR  -  DIA

(continuação imediata da última cena do capítulo anterior)

DELEGADO  -  Muito bem. Um cara está fazendo chantagem. Quem é ele? Me diga que eu boto as mãos nele, seu Baby. Tenho nojo desse tipo de gente!

CESÁRIO CORREU A MÃO PELO PESCOÇO. UM SUOR FRIO CORRIA-LHE PELO CORPO.

BABY  -  Cesário também conhece. Ele vinha lhe dizer a mesma coisa. Não é verdade, Cesário? Nós apostamos... quem chegaria primeiro... para revelar o nome do bandido. Mas, pensando bem, eu deixo que ele mesmo diga. Afinal, sou pelo direito. Ele chegou na minha frente!

DELEGADO  -  (autoritário) Qual é o nome do cara, Cesário?

CESÁRIO EMUDECERA.

BABY  -  (estimulou-o) Estou mandando, rapaz. Diga o nome do sujeito que anda explorando o nosso amigo!

CESÁRIO  -  (cerrou os punhos, tenso) Não é nada disso. Eu... eu não ia dizer nada. Vamos parar por aqui!

CESÁRIO SAIU APRESSADAMENTE, SEM DAR EXPLICAÇÕES.

DELEGADO  -  (curioso) Bem... diga então o senhor, seu Baby.

BABY  -  Não... deixa pra lá.

DELEGADO  -  Agora eu quero saber!

BABY  -  Vamos fazer uma coisa. Eu... vou esperar mais um pouco. Se o cara continuar a explorar meu amigo, eu venho aqui e lhe digo o nome dele. Tá OK?

BABY VOLTOU ÁS MINAS ENQUANTO O POLICIAL FICAVA NÃO ENTENDENDO NADA.

CORTA PARA:

CENA 2  -  FLORIANÓPOLIS  -  MANSÃO DE OTTO MULLER  -  HALL  -  INTERIOR  -  DIA

OS CRIADOS POSTAVAM-SE, EM FILA, NO HALL DE ENTRADA, ENQUANTO OTTO MULLER OS EXAMINAVA E CUMPRIMENTAVA, UM A UM.

CIDA, A GOVERNANTA, CRIADA MAIS IDOSA E QUE VIRA OTTO MENINO, FALOU EM NOME DO GRUPO.

CIDA  -  Estamos satisfeitos do patrão ter voltado bom. Todos nós... sentimos sua falta nestes dois meses.

OTTO  -  Hum... você é uma empregada muito educada e amiga. Mamãe... aumente o ordenado dela.

CYRO, QUE O ACOMPANHARA, PARECIA RECONHECER A CARA DO MOTORISTA. JÁ O VIRA EM ALGUMA PARTE. NÃO AO VOLANTE DO CARRO DE OTTO. TINHA CERTEZA – PENSAVA.

OTTO  -  (dirigiu-se a uma jovem loura, com traços estrangeiros) Você... é nova aqui?

EMPREGADA  -  (nervosa) Sou, sim, senhor.

OTTO  -  Quem a empregou?

EMPREGADA  -  A patroa.

OTTO  -  Foi você, mamãe?

CATARINA  -  Foi, meu filho... é uma ótima empregada... Já trabalhou em casas de grandes famílias, inclusive na dos Antunes Graça. Deram-me ótimas informações dela.

MAIS ADIANTE, O ALEMÃO PAROU FRENTE A UMA VELHA GORDA, DE CABELOS BRANCOS.

OTTO  -  E você, como se chama?

EMPREGADA 2  -  Conceição.

OTTO  -  Quem a trouxe?

CONCEIÇÃO  -  A patroa, também.

CYRO RECONHECEU, DE PRONTO, A VELHA NEGRA.

OTTO  -  (sem tirar os olhos da negra) Que é que ela faz, mãe?

CATARINA  -  Cozinheira, filho. Da mesma forma, tem ótimas referencias.

CONCEIÇÃO  -  O sinhô... vai ficá satisfeito comigo... lhe prometo. Vou fazê de tudo pra lhe agradá. Eu... eu gosto muito do sinhô... pode me acreditá, patrão. Gosto muito, mesmo.

A VELHA PEGOU AS MÃOS DE OTTO, BEIJANDO-AS COM CARINHO. ELE AS RETIROU BRUTALMENTE, EMPURRANDO-A CONTRA O CHÃO.

OTTO  -  (berrou) Esta mulher está louca! Levem-na daqui!

LIA  -  Podem se retirar! Por favor! Voltem aos seus serviços. O patrão já conhece todos vocês e... agora precisa descansar.

CYRO  -  (ordenou, enérgico) Levem o Sr. Otto para o quarto. Já vou ter com ele. Com licença... voltarei em seguida.

CYRO VIRA O CHOFER QUE SE RETIRAVA DISFARÇADAMENTE E CORREU AO SEU ENCONTRO.

CORTA PARA:
Paulus (Emiliano Queiroz), Cesário (Carlos E. Dolabela) e Mestre Jonas (Gilberto Martilnho),
com uma correção ao erro da revista: Mestre Jonas não era vilão.

CENA 3  -  MANSÃO DE OTTO MULLER  -  JARDIM  -  EXTERIOR  -  DIA

O HOMEM HAVIA PENETRADO NO JARDIM DA RESIDENCIA, MAS CYRO NÃO O PERDERA DE VISTA.

CYRO  -  (gritou) Espera aí, rapaz. Quero falar com você!

O MOTORISTA DOBROU UMA DAS ALAS DO PRÉDIO E CORREU PARA O FUNDO DO QUINTAL.

CYRO -  (continuava na perseguição, gritando como um alucinado) Não adianta você fugir. Eu te agarro! Eu sei que foi você quem tentou me matar naquela noite. Está me ouvindo? Sei que foi você!

NUMA DAS CURVAS, CYRO AVISTOU OS PÉS DE UM HOMEM, POR TRÁS DE UNS ARBUSTOS. CAMINHOU PÉ-ANTE-PÉ E AFASTOU O MATO.

O ROSTO DO DR. PAULUS APARECEU, POR ENTRE A FOLHAGEM.

PAULUS  -  Falando sozinho, Dr. Cyro?

CYRO  -  Sabe que não, meu caro. Estou seguindo o homem que atentou contra a minha vida, em frente à casa de Ester. O senhor pode me dizer onde o escondeu?

PAULUS  -  (não se zangou) Que é isso, Dr. Cyro? Não estou entendendo suas palavras... eu não escondi ninguém. Cheguei aqui, há pouco, e ouvi o senhor chamar por alguém.

CYRO  -  O senhor sabe onde ele está!

PAULUS  -  Não sei... não percebo o que quer insinuar... repito... não estou entendendo!

CYRO  -  Pode abrir o jogo, Dr. Paulus. Estou preparado. Aliás, eu nunca me iludi a seu respeito!

PAULUS  -  Dr. Cyro, o senhor está me fazendo uma acusação muito grave. Se tem alguma dúvida de minha pessoa... por que não deu parte à polícia? Eu prefiro defender-me na justiça do que frente a frente com o senhor. A justiça me dá direitos de defesa. O senhor me acusa... sem provas! Não tenho culpa se o senhor tem muitos inimigos. Se alguém tentou matá-lo, não foi por minha iniciativa ou participação!

CYRO  -  Quem tentou me matar trabalha aqui. Para Otto Muller. É muita coincidência, o senhor não acha?

PAULUS  -  Pois aponte esse sujeito. Se o senhor o reconheceu, diga quem é e vamos tirar isso a limpo. Pode ser que não passe de uma impressão. Diga... quem é o homem a quem procura?

CYRO  -  Seu chofer. Ou melhor, o chofer do seu patrão. O mesmo que estava há poucos minutos diante dele.

PAULUS  -  O Santos? O chofer particular de Otto é o Santos. Vamos ver se o encontramos. Venha comigo.

SEGUIRAM POR ENTRE AS ALAS DE ARBUSTOS E ÁRVORES, ATÉ UM LOCAL DE CHÃO BATIDO, NUMA ÁREA LARGA, SUJA DE ÓLEO.

PAULUS  -  Felizmente, ali está ele. O senhor pode tirar a dúvida (apontou um homem de terno cinza acocorado próximo a um automóvel luxuoso. Gritou pelo homem) Santos! Venha cá. Quero falar com você.

AO APROXIMAR-SE, CYRO PERCEBEU NÃO TRATAR-SE DO MESMO HOMEM.

CYRO  -  Este... é o chofer do Sr. Otto?

PAULUS  -  Sim... é este. Santos, o Dr. Cyro tem uma pergunta a lhe fazer.

CYRO  -  Não é ele. Tenho perguntas a fazer ao outro sujeito que estava agora mesmo lá dentro. Este é outro homem.

PAULUS  -  É o mesmo, Dr. Cyro.

CYRO  -  Quer me enganar?

PAULUS  -  Diga a ele, Santos. Não foi você quem esteve há poucos minutos na presença do Sr. Otto?

HOMEM  -  Foi. Ele mandou chamar a gente. Por quê?

CYRO  -  (asseverou, aborrecido) Eu persegui o sujeito que deixou a sala... e não foi você!

HOMEM  -  Fui eu, sim. O senhor correu atrás de mim e eu corri do senhor, porque fiquei com medo.

CYRO IRRITOU-SE DE VEZ. PERCEBEU A TRAMA ARQUITETADA PELO PROCURADOR DO SEU PACIENTE. ESTAVA ENTRE CRIMINOSOS HÁBEIS E UNIDOS. NÃO ADIANTAVA FORÇAR A BARRA.

CYRO  -  Vamos parar com essa brincadeira. Por que o senhor ficaria com medo de mim? Sou algum monstro?

HOMEM  -  Dizem que o senhor hipnotiza a gente... tão dizendo... que o senhor faz o que quer da gente. Senti medo disto...

PAULUS  -  (sorridente) Se tem poderes sobre-humanos, Dr. Cyro, deve ver que este homem está falando a verdade.
CYRO  -  Sei me defender muito bem sem usar tais poderes. Eu encontro aquele outro. Pode estar certo.
O CIRURGIÃO REGRESSOU À MANSÃO, ENQUANTO O ADVOGADO ACENDIA UM CIGARRO E FAZIA UM GESTO COM O POLEGAR PARA O MOTORISTA.
PAULUS  -  Você representou muito bem. Mas não pense que o enganamos. Esse homem é astucioso e vivo. Tem uma mente poderosíssima. É um perigo para nós. Em todo o caso ele não terá provas, por enquanto. Onde está o Santos?
HOMEM  -  Na garagem, escondido.
PAULUS  -  Diga a ele para desaparecer. Evaporar-se. Pelo menos por algum tempo. (tirou um maço de notas do bolso e o entregou ao homem) Dê a ele. E diga ao idiota para aproveitar as férias e exercitar sua pontaria... que é péssima!
CORTA PARA:
CENA 4  -  MANSÃO DE OTTO MULLER  -  QUARTO DE OTTO  -  INTERIOR  -  DIA
OTTO  -  (já deitado e agasalhado, perguntou ao médico) Por que saiu correndo para o jardim, Dr. Cyro?
CYRO  -  Tive a impressão de ter visto o homem que tentou me matar, no mês passado.
OTTO  -  (espantou-se) Aqui? Quem?
CYRO  -  O seu chofer!
OTTO  -  O Santos? O Santos tentou matá-lo? Chame Paulus aqui, mamãe. Mande trazer o Santos!
CYRO  -  Eu estive com o Santos... ou com o falso Santos. Na verdade não era o homem a quem segui. Era outro. Parece que houve uma oportuna troca de pessoas. Em todo o caso não vou criar um caso com o senhor. Não deve se preocupar com isso. Eu vou encontrar aquele outro... e ele nos dirá por que tentou me eliminar.
OTTO  -  Não vá pensar o doutor que estou a par de coisas como esta...
CYRO VOLTOU-SE PARA A ENFERMEIRA QUE ACABARA DE APLICAR UMA INJEÇÃO NO PACIENTE E ALI FICARIA, POR ALGUM TEMPO, ACOMPANHANDO O PROCESSO DE RECUPERAÇÃO DO OPERADO.
CYRO  -  Qualquer anormalidade no estado geral dele, avise-me imediatamente (depois despediu-se de todos) Até amanhã, gente. Boa tarde para todos.
CORTA PARA:
CENA 5  -  MANSÃO DE OTTO MULLER  -  QUARTO DE OTTO  -  INTERIOR  -  DIA
ENQUANTO O MÉDICO TOMAVA O CARRO E A ENFERMEIRA IA AOS SEUS APOSENTOS, OTTO CHAMOU A VELHA.
OTTO  -  Mamãe! Aquele imbecil cretino do Paulus... Vá chamá-lo! Com certeza foi ele... que fez alguma burrada!
PAULUS APARECEU, MINUTOS DEPOIS.
OTTO  -  (berrou, querendo levantar-se para esbofeteá-lo) Quadrúpede! Energúmeno!
PAULUS  -  (enfureceu-se com a atitude do patrão) Otto... Otto, você está me ofendendo. (ameaçou) Uma hora eu não agüento mais, Otto!
OTTO  -  Pois reaja! Vamos. Faça alguma coisa. Reaja, se você tiver um pouco de miolo nesta cabeça. Ou sangue limpo nas suas veias! Reaja!
PAULUS  -  Como vou reagir... se você está num leito? É covardia, Otto. E depois... eu sou seu amigo, não sou? Ou você se esqueceu dos nossos laços de amizade?
OTTO  -  (irônico) E você... pensou nos nossos laços de amizade... quando mandou atirar no homem a quem devo a vida? Você só faz burrada, Paulus!
PAULUS  -  Tudo o que eu faço é só tentando protegê-lo. Dr. Cyro vai fugir com Ester e com o menino, não vai?
OTTO  -  Eu sei como impedir... sem ter de eliminar esse homem! Preciso dele, junto de mim, o resto da vida, Paulus!
PAULUS  -  Acho impossível retê-lo junto de você. Ele está apaixonado por Ester e tem planos juntos! Você sabe disso muito bem!
OTTO  -  Pois chegou o momento... de atingirmos Ester!
PAULUS  -  (interessou-se) Como, Otto? Como? Você só insinua, não chega a uma conclusão do que se deve fazer.


FIM DO CAPÍTULO 59