quinta-feira, 18 de setembro de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 60


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 60

Participam deste capítulo

Baby  -  Claudio Cavalcanti
Comendador Liberato  -  Macedo Neto
Inês  -  Betty Faria
Otto  -  Jardel Filho
Paulus  -  Emiliano Queiroz
Zoraida  -  Jurema Penna



CENA 1  -  MANSÃO DE OTTO MULLER  -  QUARTO DE OTTO  -  INTERIOR  -  DIA

O ALEMÃO FEZ UM TREMENDO ESFORÇO PARA LEVANTAR-SE SOZINHO. DESPREZOU O AUXÍLIO QUE O AMIGO PRETENDEU LHE OFERECER.

OTTO  -  Vou lhe mostrar... o que vai acontecer com Ester!

PAULUS  -  Não se esqueça do seu pai. Sabe que ela nos tem nas mãos. Obedeci às suas ordens. Von Muller está empregado nas minas, como engenheiro, com documentos falsos. Ele agora é Henrique Hermann. E já começou a dar trabalho aos homens... não é nada sensato, o velho.

OTTO  -  (rispidamente) Deixe-o lá!

ABRIU UMA MALA DE COURO, FUNDA. RETIROU DO SEU INTERIOR DOIS BONECOS ESTRANHOS, DE PERNAS MOLES, BAMBAS. PAULUS NÃO SE CONTINHA DE CURIOSIDADE.

OTTO  -  Vê isto? É Ester... e o menino (pegou mais dois fantoches) Este é o Dr. Cyro... e este outro sou eu...

PAULUS  -  O que você quer dizer com isto?

OTTO LEVOU OS BONECOS PARA O SOFÁ E SENTOU-SE COM DIFICULDADE.

PAULUS  -  Deixe-me ajudá-lo.

OTTO  -  Não toque nos meus bonequinhos! (berrou e colocou os bonecos paralelos; o de Ester ao lado de Cyro, dançando estranhamente) Aqui  estou  eu... na cama, doente...  coitadinho. Mas, de repente... o que vai acontecer? (escondeu o boneco de Ivanzinho)  Onde está o garoto? Onde está?

PAULUS  -  (entendeu a jogada) Compreendo! Compreendo, agora, Otto! Bem bolado!

OTTO  -  Não é uma farsa trágica, Paulus?

PAULUS  -  É terrível, Otto!

APONTOU PARA O BONECO DE ESTER, CAÍDO NO CHÃO, DISTANTE DO DE CYRO VALDEZ.

OTTO  -  Pegue Ester... pobrezinha! Está caída. A farsa vai continuar, Paulus! Ainda não terminei o espetáculo!

CORTA PARA:
Zoraida (Jurema Penna)

CENA 2  -  PALACETE DO COMENDADOR LIBERATO  -  SALA  -  INTERIOR  -  DIA

CONTANDO NINGUÉM ACREDITAVA... MAS O VELHO COMENDADOR ENCHERA-SE DE AFETO PELA NORA E PERDIA HORAS ENSINANDO BOAS MANEIRAS À MOÇA. E, INCLUSIVE, ESTABELECERA UM HORÁRIO PARA AS AULAS DE CONHECIMENTOS GERAIS. ERA UMA FORMA DE PASSAR O TEMPO, EXERCITAR A MENTE E DISTRAIR-SE. GOSTAVA DE INÊS, DO SEU TEMPERAMENTO ALEGRE E DE SUAS CRIANCICES. A INGENUIDADE DELA FASCINAVA O VELHO. E ELE ADMITIA TORNÁ-LA UM DIA UMA DAMA DA ALTA SOCIEDADE. ERA UM JOGO A QUE SE DEDICAVA COM CARINHO. ÀS NOITES, COSTUMAVA SAIR COM A MOÇA E JANTAR NOS MAIS REFINADOS AMBIENTES DE FLORIANÓPOLIS.

NAQUELA MANHÃ, INÊS SUAVA PARA COMPREENDER A LIÇÃO.

COMENDADOR  -  Vamos lá... faça uma frase com a palavra manada.

INÊS  -  Manada? Eu num sei o que é manada...

COMENDADOR  -  Primeiro não diga num. É não. Num é feio e errado.

INÊS  -  Eu não sei.

COMENDADOR  -  Isto! E agora, manada é um rebanho de gado.

INÊS  -  Ah... eu gosto muito de comer carne de... manada!

COMENDADOR  -  (fez uma careta, rindo gostosamente) Não! Tá errado, Inês. Você come carne de boi!

INÊS  -  Boi não é gado?

LIBERATO FECHOU O LIVRO DE LIÇÕES, MEIO IMPACIENTE. ENTREGOU O LÁPIS E O CADERNO À NORA.

BABY  -  (do alto da escada, berrou para a sala) Inês, não deixei minha abotoadura no seu quarto?

COMENDADOR  -  Não amole, agora! Ela está na aula! (voltou-se para a jovem) Vamos lá! Uma frase com a palavra manada. Mas não venha me dizer que você come carne de manada.

BABY SORRIU, ENQUANTO ZORAIDA ENTRAVA E OUVIA A MOÇA GAGUEJAR UMA FRASE.

INÊS  -  Eu... gosto... muito... de ver... passar... uma manada!

COMENDADOR  -  (bateu palmas) Ah, até que enfim entendeu! Agora, escreva isso aí, no seu caderno!

BABY TINHA DESCIDO A ESCADA E A GOVERNANTA APROVEITOU PARA ATINGIR A JOVEM POR TABELA. ODIAVA A MOÇA E NÃO ACEITAVA A MANEIRA PELA QUAL O VELHO RICAÇO ESTAVA SE LIGANDO A ELA. ERA DEMAIS PARA SEU ORGULHO E SUA INVEJA.

ZORAIDA  -  (encaminhando-se para Baby) Que é que você quer, meu filho?

BABY  -  Faz tempo... que ele virou professor dela?

ZORAIDA  -  Há mais de uma semana. Ela não acertou com nenhum professor. Todos eles acharam que ela é uma negação. E não tinham paciência. Ela acaba chorando... vai ver daqui a pouco!

BABY OBSERVAVA A ESPOSA GARATUJAR UMAS LETRAS ENORMES.

BABY  -  Tá tudo errado! Você fez o quarto ano primário? Tudo errado! Olha só como ela escreve passar! Com z! Essa não!

INÊS LARGOU O LÁPIS, COM RAIVA, E BAIXOU A CABEÇA, DESARVORADA. O COMENDADOR VIROU BICHO E OLHOU COLÉRICO PARA O FILHO.

COMENDADOR  -  Olha... você só sabe atrapalhar! É para isso que ela está aprendendo! Ninguém nasceu sabendo! (passou a mão, carinhosamente, pela cabeça da nora, alisando-lhe os cabelos) Chega por hoje, minha filha. Tenho de me preparar para ir a um jantar, na casa de Otto. Você deve ir também, Baby.

BABY  -  Já disse que não sou hipócrita. Não admito essas convenções da alta sociedade. Pra mim tanto faz que ele morra ou não... e não piso na casa dele nem que paguem milhões! E se o senhor tivesse um pouco de vergonha... não iria também! (Liberato fitou-o enraivecido; Baby prosseguiu) É isso mesmo, não ia, não, porque afinal de contas tia Catarina não o suporta. O que ela lhe joga na cara é bem grave. Ainda se você pudesse se defender, podia ir lá, para enfrentá-la. Mas, você não pode, pai. Melhor seria que ... não passasse por esse vexame.

COMENDADOR  -  (explodiu, encolerizado) Eu vou à casa dele. De nada me acusa a consciência. E vou fazer coisa melhor. Vou levar sua mulher para me fazer companhia!

BABY, QUE COMEÇARA A SUBIR A ESCADA, ESTACOU E DEU MARCHA A RÉ, INCONTINENTI.

BABY  -  Essa não!

COMENDADOR  -  (ordenou à jovem) Vá se arrumar, Inês!

BABY  -  (berrou, fora de si, segurando a esposa) Já disse que não!

COMENDADOR  -  (ignorou a reação do filho) Vá se preparar, Inês. E use aquele vestido que usou naquela noite. O vestido da minha falecida mulher! Ficou muito bem em você!

BABY  -  (espumava de raiva) Pois muito bem. Se ela fizer isso... ela pode sumir desta casa... porque eu não olho nunca mais para a cara dela!

COMENDADOR  -  (tornou a dirigir-se à moça) Vá se preparar, Inês.

BABY  -  E nem para a sua!

FIM DO CAPÍTULO 60


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