Novela de Janete Clair
Adaptação de Toni Figueira
CAPÍTULO 53
Participam deste
capítulo
Cyro -
Tarcísio Meira
Baby -
Claudio Cavalcanti
Comendador
Liberato - Macedo Neto
Inês -
Betty Faria
Zoraida - Jurema Penna
Ester -
Gloria Menezes
Lia -
Arlete Salles
Catarina -
Lidia Mattos
Cesário -
Carlos Eduardo Dolabela
Sônia - Suzana Faini
Tula -
Lúcia Alves
CENA 1 -
PALACETE DO COMENDADOR LIBERATO
- SALA -
INTERIOR - NOITE
JÁ ERA NOITE ALTA EM FLORIANÓPOLIS, QUANDO BABY LIBERATO
ABRIU A PORTA DA MANSÃO E, DEPOIS DE ATRAVESSAR A ESPAÇOSA SALA, IA SUBIR AS
ESCADAS DE ACESSO AOS SEUS APOSENTOS. APENAS A LUZ DO ESCRITÓRIO DO PAI ESTAVA
ACESA. A DO ABAJUR DA ESCRIVANINHA.
O RAPAZ OUVIU A VOZ GRAVE DO VELHO COMENDADOR.
COMENDADOR LIBERATO
- Espere, Baby! Quero falar com
você! (sem encarar o pai, Baby entrou no escritório) Só hoje o senhor aparece
em casa?
BABY - Hem? Só hoje? Ah... andei ocupado com
problemas, desde ontem. Fiquei numa das casas desocupadas da vila dos mineiros.
Tinha de estar muito cedo no escritório de campo.
COMENDADOR LIBERATO
- (severo) Já se esqueceu do que
deixou aí em cima? Uma moça continua esperando por você.
BABY - Quem?
COMENDADOR LIBERATO
- Você é desmemoriado... louco...
ou está se fazendo de engraçadinho?
ZORAIDA - (entrou no escritório) A moça está no quarto,
desde ontem, chorando o tempo todo. Até parece que nós a estamos maltratando.
BABY - (bateu com a mão aberta na cabeça, num gesto
de lembrança) Deus do Céu! Que cabeça! Esqueci da Inês! Caramba! Mas eu sou
abilolado mesmo!
FEZ MENÇÃO DE CORRER PARA O PAVIMENTO SUPERIOR, ONDE SE
LOCALIZAVAM OS APOSENTOS ÍNTIMOS DA FAMÍLIA.
COMENDADOR LIBERATO
- (deteve-o) Espere! Agora, vamos
conversar!
BABY - Pera aí, velho! Me deixa ir falar com ela,
coitada!
COMENDADOR LIBERATO
- Sabe o que você fez, Baby? Já
atinou com as consequências de sua loucura? Casando-se com essa moça nessas
condições? Trazendo-a para cá?
BABY - Pra onde você queria que eu a levasse? Se
casamos, tinha de trazê-la para cá!
COMENDADOR LIBERATO
- O que você não devia ter feito
era ter se casado com ela (erguendo o indicador) Será que não entende que isso
é um erro terrível, que pode trazer consequências seríssimas para sua vida?
BABY - (com ar de galhofa) Bem, pai, pode ser um
erro, e se for, já está feito. Agora, é tocar o bonde pra frente...
CORTA PARA:
CENA 2 -
PALACETE DO COMENDADOR LIBERATO
- QUARTO DE HÓSPEDES -
INTERIOR - NOITE
INÊS NEM LEVANTOU A CABEÇA DO TRAVESSEIRO QUANDO O MARIDO
ENTROU NO QUARTO E SE JOGOU NA CAMA, COM ROUPA E TUDO. ELA JÁ CONHECIA AS
ATITUDES IRREFLETIDAS DE BABY E SÓ SE O MUNDO VIRASSE ELE PODERIA MODIFICAR SEU
TEMPERAMENTO AMOLECADO DE PLAYBOY
MILIONÁRIO.
BABY BATEU COM A MÃO ESPALMADA NAS NÁDEGAS DA MOÇA,
SUSPENDENDO SEU VESTIDO ATÉ A CALCINHA.
BABY - Oi, esposa adorada do meu coração!
INÊS CHORAVA E NÃO MOVEU UM MÚSCULO.
BABY - (alisando-lhe as coxas) Me esqueci de você!
Esqueci mesmo! Reconheço minha culpa, minha máxima culpa! Mas, olhe... não
estive na farra. Juro! Estive dando duro, nas minas. Estava doido por uma cama.
Houve um problema sério, lá nas minas... você nem imagina. Foi uma galeria que
deu defeito (bocejou) Dr. Ricardo não estava lá. Tive, eu mesmo, de
resolver o problema...
olhe... vem cá... de outra vez... eu te aviso... mas eu acho... que... não vai... haver outra...
vez... porque eu... euu...
NÃO CONSEGUIU CONCLUIR O PENSAMENTO. OS OLHOS LHE PESARAM, AS
PÁLPEBRAS PARECIAM DE CHUMBO E O RAPAZ DORMIU COMO UM DOENTE ANESTESIADO. A MÃO
DESCANSANDO SOBRE A PERNA MORENA DA MULHER QUE TINHA AO LADO. POR ENTRE AS
COXAS.
INÊS ENXUGOU OS OLHOS, OLHOU O MARIDO E TIROU-LHE OS SAPATOS
SUJOS DE BARRO E O PALETÓ. ENDIREITOU-O SOBRE A CAMA DE CASAL. COBRIU-O COM UM LENÇOL BRANCO E, SEM PERDER
TEMPO, FECHOU A PEQUENA MALA DE VIAGEM.
CORTA PARA:
CENA 3 -
PALACETE DO COMENDADOR LIBERATO
- SALA -
INTERIOR - NOITE
INÊS DESCIA AS ESCADAS QUANDO O COMENDADOR A AVISTOU.
COMENDADOR LIBERATO
- Espere, moça! Aonde você vai?
INÊS - Vou para minha casa. Num deu certo!
COMENDADOR LIBERATO
- (aproximou-se da nora e fitou-a
demoradamente) Não. Agora você não pode fazer isso. Já que o mal está feito,
você tem de ficar.
INÊS - (com energia) Não. Não quero atrapalhar a
vida dele, nem a do senhor. Não quero servi de motivo de vergonha!
COMENDADOR LIBERATO
- Eu quero que você fique (e
acrescentou com voz macia) Estou lhe pedindo para ficar.
CENA 4 -
PALACETE DO COMENDADOR LIBERATO
- ESCRITÓRIO -
INTERIOR - DIA
O TELEFONE TOCOU E O COMENDADOR ATENDEU.
COMENDADOR LIBERATO
- Fale, Ester. Sim. Pedi para me
avisar. Está no final? Houve problemas? Como? O coração receptor não está
reagindo? Quer dizer que todo o esforço da operação será inútil?
ESTER - (do outro lado da linha) Os médicos estão
recorrendo a tudo... ainda tem esperança...
CORTA PARA:
CENA 5 -
HOSPITAL - CENTRO CIRÚRGICO - INTERIOR
- DIA
NO CENTRO CIRÚRGICO, OS MÉDICOS SE APINHAVAM POR DETRÁS DOS
VIDROS DIVISORES, PARA ASSISTIR À OPERAÇÃO INÉDITA NA CIDADE. O PEITO DO NEGRO
FÔRA SUTURADO E SEU CORPO JÁ SE ENCAMINHAVA PARA O NECROTÉRIO. NA MESA AO LADO,
OTTO MULLER RESPIRAVA COM DIFICULDADE E O CORAÇÃO RECEBIA ESTÍMULOS ELÉTRICOS
PARA COMEÇAR A PULSAR, MAS NADA ACONTECIA. CYRO SE DESDOBRAVA E O SUOR DE SUA
TESTA ERA LIMPADO A CADA INSTANTE PELA ENFERMEIRA-ASSISTENTE. O AMBIENTE ERA DE
TENSÃO.
CYRO - O coração não está batendo (com nervosismo,
dirigiu-se a um dos colegas) Reforce o estímulo eletrônico.
DE REPENTE, O CORAÇÃO COMEÇOU A PULSAR. A PRINCÍPIO
DESORDENADAMENTE. DEPOIS NUM RITMO CERTO, ATÉ ALCANÇAR A NORMALIDADE POSSÍVEL
PARA O CASO. CYRO RESPIROU ALIVIADO E OLHOU, POR CIMA DA MÁSCARA BRANCA, PARA
OS OLHOS APREENSIVOS DOS COLEGAS.
CORTA PARA:
CENA 6 -
CAPELA DO HOSPITAL - INTERIOR
- DIA
NO SILENCIO DA PEQUENA CAPELA, A MÃE DE OTTO MULLER ORAVA
CONTRITA, QUANDO LIA SE SENTOU A SEU LADO.
LIA - Dona Catarina! A operação foi coroada de
êxito! Passamos um susto, mas o novo coração já está
pulsando no peito
de Otto! Já superamos a primeira fase! A mais importante, eu acho! Agora,
tudo será mais fácil!
A MÃE DE OTTO LEVANTOU-SE E SEGUROU AS MÃOS DA SECRETÁRIA DO
FILHO COM SOFREGUIDÃO, VISÍVELMENTE EMOCIONADA.
CATARINA - Já terminaram?
LIA - Já. Já terminaram! Otto está sendo levado
para um quarto especial, onde ficará isolado nas primeiras semanas...
CATARINA - (rindo e chorando, descontroladamente) Por
que... por que, isolado?
LIA - Para evitar contaminação. É um quarto de
assepsia, onde ele passará o período mais crítico da operação. O de uma
possível rejeição do órgão implantado.
CORTA PARA:
CENA 7 - CASA
DE RICARDO - SALA
- INTERIOR -
NOITE
SÔNIA. A MULHER DE RICARDO, ESPANTOU-SE COM A PRESENÇA DO
CAPATAZ ÀQUELA HORA, JÁ NOITE ALTA, DIANTE DA PORTA DE SUA RESIDENCIA. SABIA DA
INIMIZADE EXISTENTE ENTRE O MARIDO E O MINEIRO FORTE, DE ROSTO BELO, MAS TRAIÇOEIRO.
CESÁRIO - (com as mãos nas cadeiras) Quero falar com o
Dr. Ricardo. Ele está?
SÔNIA - O que é que o senhor quer do meu marido?
CESÁRIO - Um assunto muito grave, dona!
SÔNIA - Só com ele?
CESÁRIO - Com a senhora também serve.
DENTRO DA SALA, TULA EMPALIDECEU, AO OUVIR A VOZ DO HOMEM A
QUEM AMAVA E ODIAVA AO MESMO TEMPO.
SÔNIA - (ríspida) Pode dizer, estou ouvindo!
CESÁRIO - (depois de uma breve pausa, baixou a voz, com
uma modulação estudada, fingida) Diga a ele que eu sei quem foi que atropelou o
Vicentão!
TULA ESTREMECEU. UM SUOR FRIO COMEÇOU A CORRER-LHE ROSTO
ABAIXO. E AS PERNAS TREMIAM.
SÔNIA - (sem ligar os fatos) Quem é Vicentão?
CESÁRIO - (com tranquilidade e um riso irônico nos
lábios) É o homem que morreu debaixo das rodas do seu carro.
TULA - (berrou, aproximando-se dos dois) Você está
louco! (arranjara forças para reagir à revelação) É um mentiroso, despeitado!
CESÁRIO - (com voz pausada, sem um mínimo de
sensibilidade) Naquela noite... eu vi. Ninguém mais viu... eu segui seu carro
com a vista... depois, a derrapada forte... Corri pra estrada... tive tempo de
ver a senhora, Dona Tula, dar no pé. Mas eu vi. O negro tava lá, esticado, com
a cara em farrapos e os membros envergados como um U.
TULA - Muito bem, seu sujeito à-toa! Você viu! E
agora? O que pretende fazer? Me entregar? Isso vai satisfazer a sua maldade?
Você vai à forra, não vai? Não era isso o que queria? Se vingar de mim porque
não me casei com você...
SÔNIA - (cortou, acalmando-a) Deixe que ele nos diga
o que pretende fazer.
CESÁRIO - O que eu pretendo fazer? (riu um riso
odiento) Prefiro falar com o Dr. Ricardo. A senhora diz que eu quero falar com
ele. O mais depressa possível. Ele sabe onde me encontrar. Tá? Boa noite,
minhas senhoras!
CORTA PARA:
CENA 8 - CASA
DE RICARDO - SALA - INTERIOR
- NOITE
TULA PUXOU UMA GARRAFA DO BAR, ENQUANTO A MÃE DISCAVA PARA O
MARIDO.
SÔNIA - Pára de beber, Tula! Não vai resolver nada!
Melhor seria se você tivesse evitado o acidente
(a linha estava ocupada; e num movimento rápido, arrancou o copo das
mãos da moça) Não complique mais as coisas!
TULA - Posso lhe fazer uma confissão? Estou louca
por esse tipo à-toa que saiu daqui!
SÔNIA - (sem acreditar) Louca... como?!
TULA - Tou apaixonada por ele, mãe! Gamadona por
ele! Tudo aconteceu por culpa dele. Porque não me quis. Eu fui lá me oferecer.
Me entregar a ele... se ele quisesse! Não sei... era uma loucura... um desejo
incontido. Me descontrolei e atropelei aquele homem...
SÔNIA - (explodiu, irritada) Isso tem graça, Tula?
Você, apaixonada por esse tipo moleque, acanalhado, sem classe. Um homem
inútil, sem cultura e... sem caráter... o que é pior!
TULA - (baixou a cabeça, abatida) O que é que eu
posso fazer, mãe? Como é que eu vou lutar contra uma paixão tão forte?
SÔNIA - Controlando-se!
TULA - (agarrou-lhe as mãos, com força) Tem que
dizer ao papai que se ele quiser se casar comigo pra calar a boca e não me
entregar à polícia, deve aceitar imediatamente!
SÔNIA - Tula!
TULA - Imediatamente, mamãe! Imediatamente!
UM BRILHO DIFERENTE REFLETIA-SE NOS OLHOS DA JOVEM.
FIM DO CAPÍTULO 52
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