quarta-feira, 3 de setembro de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 53


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 53

Participam deste capítulo

Cyro  -  Tarcísio Meira
Baby  -   Claudio Cavalcanti
Comendador Liberato  -  Macedo Neto
Inês  -  Betty Faria
Zoraida  - Jurema Penna 
Ester  -  Gloria Menezes
Lia  -  Arlete Salles
Catarina  -  Lidia Mattos
Cesário  -  Carlos Eduardo Dolabela
Sônia  - Suzana Faini
Tula  -  Lúcia Alves

CENA 1  -  PALACETE DO COMENDADOR LIBERATO  -  SALA   -  INTERIOR  -  NOITE

JÁ ERA NOITE ALTA EM FLORIANÓPOLIS, QUANDO BABY LIBERATO ABRIU A PORTA DA MANSÃO E, DEPOIS DE ATRAVESSAR A ESPAÇOSA SALA, IA SUBIR AS ESCADAS DE ACESSO AOS SEUS APOSENTOS. APENAS A LUZ DO ESCRITÓRIO DO PAI ESTAVA ACESA. A DO ABAJUR DA ESCRIVANINHA.

O RAPAZ OUVIU A VOZ GRAVE DO VELHO COMENDADOR.

COMENDADOR LIBERATO  -  Espere, Baby! Quero falar com você! (sem encarar o pai, Baby entrou no escritório) Só hoje o senhor aparece em casa?

BABY  -  Hem? Só hoje? Ah... andei ocupado com problemas, desde ontem. Fiquei numa das casas desocupadas da vila dos mineiros. Tinha de estar muito cedo no escritório de campo.

COMENDADOR LIBERATO  -  (severo) Já se esqueceu do que deixou aí em cima? Uma moça continua esperando por você.

BABY  -  Quem?

COMENDADOR LIBERATO  -  Você é desmemoriado... louco... ou está se fazendo de engraçadinho?

ZORAIDA  -  (entrou no escritório) A moça está no quarto, desde ontem, chorando o tempo todo. Até parece que nós a estamos maltratando.

BABY  -  (bateu com a mão aberta na cabeça, num gesto de lembrança) Deus do Céu! Que cabeça! Esqueci da Inês! Caramba! Mas eu sou abilolado mesmo!

FEZ MENÇÃO DE CORRER PARA O PAVIMENTO SUPERIOR, ONDE SE LOCALIZAVAM OS APOSENTOS ÍNTIMOS DA FAMÍLIA.

COMENDADOR LIBERATO  -  (deteve-o) Espere! Agora, vamos conversar!

BABY  -  Pera aí, velho! Me deixa ir falar com ela, coitada!

COMENDADOR LIBERATO  -  Sabe o que você fez, Baby? Já atinou com as consequências de sua loucura? Casando-se com essa moça nessas condições? Trazendo-a para cá?

BABY  -  Pra onde você queria que eu a levasse? Se casamos, tinha de trazê-la para cá!

COMENDADOR LIBERATO  -  O que você não devia ter feito era ter se casado com ela (erguendo o indicador) Será que não entende que isso é um erro terrível, que pode trazer consequências seríssimas para sua vida?

BABY  -  (com ar de galhofa) Bem, pai, pode ser um erro, e se for, já está feito. Agora, é tocar o bonde pra frente...

CORTA PARA:

CENA 2  -  PALACETE DO COMENDADOR LIBERATO  -  QUARTO DE HÓSPEDES  -  INTERIOR  -  NOITE

INÊS NEM LEVANTOU A CABEÇA DO TRAVESSEIRO QUANDO O MARIDO ENTROU NO QUARTO E SE JOGOU NA CAMA, COM ROUPA E TUDO. ELA JÁ CONHECIA AS ATITUDES IRREFLETIDAS DE BABY E SÓ SE O MUNDO VIRASSE ELE PODERIA MODIFICAR SEU TEMPERAMENTO AMOLECADO DE PLAYBOY MILIONÁRIO.

BABY BATEU COM A MÃO ESPALMADA NAS NÁDEGAS DA MOÇA, SUSPENDENDO SEU VESTIDO ATÉ A CALCINHA.

BABY  -  Oi, esposa adorada do meu coração!

INÊS CHORAVA E NÃO MOVEU UM MÚSCULO.

BABY  -  (alisando-lhe as coxas) Me esqueci de você! Esqueci mesmo! Reconheço minha culpa, minha máxima culpa! Mas, olhe... não estive na farra. Juro! Estive dando duro, nas minas. Estava doido por uma cama. Houve um problema sério, lá nas minas... você nem imagina. Foi uma galeria que deu defeito (bocejou) Dr. Ricardo não estava lá. Tive, eu mesmo,  de  resolver  o  problema...  olhe...  vem  cá... de outra vez... eu te aviso... mas eu acho... que... não vai... haver outra... vez... porque eu... euu...

NÃO CONSEGUIU CONCLUIR O PENSAMENTO. OS OLHOS LHE PESARAM, AS PÁLPEBRAS PARECIAM DE CHUMBO E O RAPAZ DORMIU COMO UM DOENTE ANESTESIADO. A MÃO DESCANSANDO SOBRE A PERNA MORENA DA MULHER QUE TINHA AO LADO. POR ENTRE AS COXAS.

INÊS ENXUGOU OS OLHOS, OLHOU O MARIDO E TIROU-LHE OS SAPATOS SUJOS DE BARRO E O PALETÓ. ENDIREITOU-O SOBRE A CAMA DE CASAL.  COBRIU-O COM UM LENÇOL BRANCO E, SEM PERDER TEMPO, FECHOU A PEQUENA MALA DE VIAGEM.

CORTA PARA:

CENA 3  -  PALACETE DO COMENDADOR LIBERATO  -  SALA  -  INTERIOR  -  NOITE

INÊS DESCIA AS ESCADAS QUANDO O COMENDADOR A AVISTOU.

COMENDADOR LIBERATO  -  Espere, moça! Aonde você vai?

INÊS  -  Vou para minha casa. Num deu certo!

COMENDADOR LIBERATO  -  (aproximou-se da nora e fitou-a demoradamente) Não. Agora você não pode fazer isso. Já que o mal está feito, você tem de ficar.

INÊS  -  (com energia) Não. Não quero atrapalhar a vida dele, nem a do senhor. Não quero servi de motivo de vergonha!

COMENDADOR LIBERATO  -  Eu quero que você fique (e acrescentou com voz macia) Estou lhe pedindo para ficar.

CORTA PARA:


CENA 4  -  PALACETE DO COMENDADOR LIBERATO  -  ESCRITÓRIO  -  INTERIOR  -  DIA

O TELEFONE TOCOU E O COMENDADOR ATENDEU.

COMENDADOR LIBERATO  -  Fale, Ester. Sim. Pedi para me avisar. Está no final? Houve problemas? Como? O coração receptor não está reagindo? Quer dizer que todo o esforço da operação será inútil?

ESTER  -  (do outro lado da linha) Os médicos estão recorrendo a tudo... ainda tem esperança...

CORTA PARA:

CENA 5  -  HOSPITAL  -  CENTRO CIRÚRGICO  -  INTERIOR  -  DIA

NO CENTRO CIRÚRGICO, OS MÉDICOS SE APINHAVAM POR DETRÁS DOS VIDROS DIVISORES, PARA ASSISTIR À OPERAÇÃO INÉDITA NA CIDADE. O PEITO DO NEGRO FÔRA SUTURADO E SEU CORPO JÁ SE ENCAMINHAVA PARA O NECROTÉRIO. NA MESA AO LADO, OTTO MULLER RESPIRAVA COM DIFICULDADE E O CORAÇÃO RECEBIA ESTÍMULOS ELÉTRICOS PARA COMEÇAR A PULSAR, MAS NADA ACONTECIA. CYRO SE DESDOBRAVA E O SUOR DE SUA TESTA ERA LIMPADO A CADA INSTANTE PELA ENFERMEIRA-ASSISTENTE. O AMBIENTE ERA DE TENSÃO.

CYRO  -  O coração não está batendo (com nervosismo, dirigiu-se a um dos colegas) Reforce o estímulo eletrônico.

DE REPENTE, O CORAÇÃO COMEÇOU A PULSAR. A PRINCÍPIO DESORDENADAMENTE. DEPOIS NUM RITMO CERTO, ATÉ ALCANÇAR A NORMALIDADE POSSÍVEL PARA O CASO. CYRO RESPIROU ALIVIADO E OLHOU, POR CIMA DA MÁSCARA BRANCA, PARA OS OLHOS APREENSIVOS DOS COLEGAS.

CORTA PARA:

CENA 6  -  CAPELA DO HOSPITAL  -  INTERIOR  -  DIA

NO SILENCIO DA PEQUENA CAPELA, A MÃE DE OTTO MULLER ORAVA CONTRITA, QUANDO LIA SE SENTOU A SEU LADO.

LIA  -  Dona Catarina! A operação foi coroada de êxito! Passamos um susto,  mas  o  novo  coração  já  está  pulsando  no  peito  de  Otto!  Já superamos a primeira fase! A mais importante, eu acho! Agora, tudo será mais fácil!

A MÃE DE OTTO LEVANTOU-SE E SEGUROU AS MÃOS DA SECRETÁRIA DO FILHO COM SOFREGUIDÃO, VISÍVELMENTE EMOCIONADA.

CATARINA  -  Já terminaram?

LIA  -  Já. Já terminaram! Otto está sendo levado para um quarto especial, onde ficará isolado nas primeiras semanas...

CATARINA  -  (rindo e chorando, descontroladamente) Por que... por que, isolado?

LIA  -  Para evitar contaminação. É um quarto de assepsia, onde ele passará o período mais crítico da operação. O de uma possível rejeição do órgão implantado.

CORTA PARA:

CENA 7  -  CASA DE RICARDO  -  SALA  -  INTERIOR  -  NOITE

SÔNIA. A MULHER DE RICARDO, ESPANTOU-SE COM A PRESENÇA DO CAPATAZ ÀQUELA HORA, JÁ NOITE ALTA, DIANTE DA PORTA DE SUA RESIDENCIA. SABIA DA INIMIZADE EXISTENTE ENTRE O MARIDO E O MINEIRO FORTE, DE ROSTO BELO, MAS TRAIÇOEIRO.

CESÁRIO  -  (com as mãos nas cadeiras) Quero falar com o Dr. Ricardo. Ele está?

SÔNIA  -  O que é que o senhor quer do meu marido?

CESÁRIO  -  Um assunto muito grave, dona!

SÔNIA  -  Só com ele?

CESÁRIO  -  Com a senhora também serve.

DENTRO DA SALA, TULA EMPALIDECEU, AO OUVIR A VOZ DO HOMEM A QUEM AMAVA E ODIAVA AO MESMO TEMPO.

SÔNIA  -  (ríspida) Pode dizer, estou ouvindo!

CESÁRIO  -  (depois de uma breve pausa, baixou a voz, com uma modulação estudada, fingida) Diga a ele que eu sei quem foi que atropelou o Vicentão!

TULA ESTREMECEU. UM SUOR FRIO COMEÇOU A CORRER-LHE ROSTO ABAIXO. E AS PERNAS TREMIAM.

SÔNIA  -  (sem ligar os fatos) Quem é Vicentão?

CESÁRIO  -  (com tranquilidade e um riso irônico nos lábios) É o homem que morreu debaixo das rodas do seu carro.

TULA  -  (berrou, aproximando-se dos dois) Você está louco! (arranjara forças para reagir à revelação) É um mentiroso, despeitado!

CESÁRIO  -  (com voz pausada, sem um mínimo de sensibilidade) Naquela noite... eu vi. Ninguém mais viu... eu segui seu carro com a vista... depois, a derrapada forte... Corri pra estrada... tive tempo de ver a senhora, Dona Tula, dar no pé. Mas eu vi. O negro tava lá, esticado, com a cara em farrapos e os membros envergados como um U.

TULA  -  Muito bem, seu sujeito à-toa! Você viu! E agora? O que pretende fazer? Me entregar? Isso vai satisfazer a sua maldade? Você vai à forra, não vai? Não era isso o que queria? Se vingar de mim porque não me casei com você...

SÔNIA  -  (cortou, acalmando-a) Deixe que ele nos diga o que pretende fazer.

CESÁRIO  -  O que eu pretendo fazer? (riu um riso odiento) Prefiro falar com o Dr. Ricardo. A senhora diz que eu quero falar com ele. O mais depressa possível. Ele sabe onde me encontrar. Tá? Boa noite, minhas senhoras!

CORTA PARA:

CENA 8  -  CASA DE RICARDO  -  SALA  -  INTERIOR  -  NOITE

TULA PUXOU UMA GARRAFA DO BAR, ENQUANTO A MÃE DISCAVA PARA O MARIDO.

SÔNIA  -  Pára de beber, Tula! Não vai resolver nada! Melhor seria se você tivesse evitado o acidente  (a linha estava ocupada; e num movimento rápido, arrancou o copo das mãos da moça) Não complique mais as coisas!

TULA  -  Posso lhe fazer uma confissão? Estou louca por esse tipo à-toa que saiu daqui!

SÔNIA  -  (sem acreditar)  Louca... como?!

TULA  -  Tou apaixonada por ele, mãe! Gamadona por ele! Tudo aconteceu por culpa dele. Porque não me quis. Eu fui lá me oferecer. Me entregar a ele... se ele quisesse! Não sei... era uma loucura... um desejo incontido. Me descontrolei e atropelei aquele homem...

SÔNIA  -  (explodiu, irritada) Isso tem graça, Tula? Você, apaixonada por esse tipo moleque, acanalhado, sem classe. Um homem inútil, sem cultura e... sem caráter... o que é pior!

TULA  -  (baixou a cabeça, abatida) O que é que eu posso fazer, mãe? Como é que eu vou lutar contra uma paixão tão forte?

SÔNIA  -  Controlando-se!

TULA  -  (agarrou-lhe as mãos, com força) Tem que dizer ao papai que se ele quiser se casar comigo pra calar a boca e não me entregar à polícia, deve aceitar imediatamente!

SÔNIA  -  Tula!

TULA  -  Imediatamente, mamãe! Imediatamente!

UM BRILHO DIFERENTE REFLETIA-SE NOS OLHOS DA JOVEM.

FIM DO CAPÍTULO 52

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