quinta-feira, 4 de setembro de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 54


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 54

Participam deste capítulo

Cyro  -  Tarcísio Meira
Ricardo  -  Edney Giovenazzi
Cesário  -  Carlos Eduardo Dolabela
Dr. Roberto  -  Paulo Cesar Pereio
Godoy  -  Ivan Cândido
Orjana  -  Neusa Amaral
Prof. Valdez  -  Enio Santos


CENA 1  -  VILA DOS MINEIROS  - CEMITÉRIO  -  EXTERIOR  -  DIA

CENTENAS DE MINEIROS ACOMPANHAVAM O CORPO DE VICENTÃO ATÉ O HUMILDE CEMITÉRIO DA GENTE POBRE DA REGIÃO. CRUZES TÔSCAS, COM NÚMEROS ILEGÍVEIS, DESBOTADOS PELO TEMPO, ASSINALAVAM O LOCAL ONDE DESCANSAVAM MUITOS DAQUELES QUE HAVIAM DADO SUA VIDA PELO PROGRESSO DA COMPANHIA DE VALONGO. NA CAPELINHA CAIADA, O CADÁVER FICOU EXPOSTO Á VISITAÇÃO DOS COMPANHEIROS E FAMILIARES. COBERTO DE FLORES, DEIXANDO VER APENAS O ROSTO ENEGRECIDO AINDA MAIS COM OS TALHOS E CONTUSÕES DO DESASTRE. VICENTÃO DESCANSAVA NUM CAIXÃO DE TERCEIRA.

CESÁRIO APROXIMOU-SE DO ENGENHEIRO, APOIADO NA CAPOTA DO SEU CARRO CINZA.

CESÁRIO  -  Preciso conversar com o senhor!

RICARDO  -  (olhou-o com ódio e nojo) Conversar o quê, miserável?

CESÁRIO  -  Falou com sua mulher? Sua filha?

RICARDO  -  Já sei de tudo. Você está pensando que pode me sujeitar à sua vontade... porque viu o acidente! Eu imagino o que você está pretendendo! Mas fique sabendo que eu não vou dar minha filha em casamento a um tipo como você!

CESÁRIO  -  Eu não vou querer sua filha em casamento (revelou, com um sorriso irônico) É muito pouca coisa para mim! Não é ela que me interessa!

RICARDO FITOU-O DESCONFIADO. À DISTANCIA OS MINEIROS JOGAVAM PÁS DE CAL NA COVA RASA DO NEGRO VICENTÃO.

RICARDO  -  (a voz rouca) O que... lhe interessa?

CESÁRIO  -  (esfregou o indicador no polegar, com movimentos rápidos) O seu dinheiro. Muito, mesmo... pra não meter a sua querida filha na cadeia.

RICARDO  -  E quem lhe disse que atropelamento dá cadeia? É um acidente, até prova em contrário. Há todo um processo a ser desenvolvido. O que me preocupa unicamente é a repercussão do caso... os aborrecimentos, nada mais. Minha filha jamais iria para cadeia por um caso destes. Para evitar o que lhe disse é que lhe pergunto: quanto?

CESÁRIO  -  Veremos se ela não irá para cadeia... Eu saberei conduzir as coisas. Digo que testemunhei um crime...

RICARDO CONTROLOU-SE PARA NÃO APLICAR UM SOCO NO INIMIGO.

CESÁRIO  -  (sorriu, com cinismo) Pra começar...só pra começar... eu quero duzentos mil cruzeiros.

RICARDO  -  (pulou) Eu não tenho esse dinheiro!

CESÁRIO  - (limpou mão contra mão) Isso não me interessa. Arranje. Lhe dou 15 dias.

CESÁRIO DEU-LHE AS COSTAS E SE ENCAMINHOU PARA O PEDAÇO DE CHÃO ONDE ALGUNS MINEIROS ACABAVAM DE FINCAR UMA CRUZ DE MADEIRA PINTADA DE BRANCO, COM UM NÚMERO EM NEGRO NA HASTE VERTICAL. SOBRE O MONTE DE TERRA, FLORES SÓ. E ALGUMAS MANCHAS BRANCAS DE CAL VIRGEM. VICENTÃO DORMIA O SONO ETERNO LÁ EMBAIXO. NO PEITO UM VAZIO IMENSO NO LUGAR ONDE UM DIA BATERA UM CORAÇÃO FORTE E BONDOSO.

CORTA PARA:
Cesário (Carlos E. Dolabela) e Tula (Lucia Alves)

CENA 2  -  PORTO AZUL  -  CASA DE DONA BÁRBARA  -  SALA  -  INTERIOR  -  DIA

A FÚRIA DE ORJANA ERA UM DESESPERO TOTAL. LEVANTOU-SE, ATIRANDO A REVISTA ABERTA PARA O ALTO. A FOTO DE CYRO E ESTER OCUPAVA PÁGINA INTEIRA E NO OUTRO LADO UMA MULHER, QUE SE DIZIA ORJANA, NO TEXTO LEGENDA, EXIBIA OS OMBROS NUS, COM A ESTRANHA MARCA. O TÍTULO ERA DE UMA INDECÊNCIA A TODA PROVA – JULGAVA  A MÃE DO MÉDICO:   “NASCIMENTO  E  PAIXÃO  DO  DR.  CYRO VALDEZ”. ABAIXO, O RESPONSÁVEL PELA REPORTAGEM: GODOY DE CASTRO.

O PROFESSOR VALDEZ FOLHEOU A REVISTA PASSANDO OS OLHOS PELA MATÉRIA.

PROF. VALDEZ  -  Vejam só! Nascimento e paixão do Dr. Cyro Valdez!

ORJANA  -  Isto é uma indignidade!

PROF. VALDEZ  -  Diz aí que você tem uma marca no ombro, proveniente dos acontecimentos da noite do espanto.

ORJANA  -  (apontou com o dedo para a fotografia) Mas este retrato aqui não é meu! Alguém posou de costas passando por mim!

PROF. VALDEZ  -  Foi o que eu também pensei. Mas o pior não é isso... é o que dizem de Cyro e Ester no final da reportagem! Ouça (leu em voz alta) “Embora uns acreditem que o Dr. Cyro tenha como pai um ser vindo de outro planeta, e alguns afirmem que ele é a reencarnação de um espírito superior, a verdade é que o famoso cirurgião é sujeito a paixões bem terrenas. E seu procedimento em relação ao amor não obedece muito a ética profissional. Tanto que a bela Ester Muller, esposa de seu paciente Oto Muller, é o seu mais recente caso amoroso.”

ORJANA  -  (vermelha de raiva) Isto é uma infâmia! Não sabem que ela está separada do marido? Aí dá a impressão de que Cyro se aproveitou da doença de Otto Muller para tomar-lhe a mulher!

PROF. VALDEZ  -  Exatamente! É isso que o repórter insinua. Cyro vai ficar furioso! E o pior é que várias pessoas a quem tínhamos em grande consideração, se prestaram a fazer declarações a respeito!

ORJANA  -  André, o ator de circo, prova que viu a marca em meu corpo... Vanda... Nossa! Quanta falsidade!

CORTA PARA:

CENA 3  -  HOSPITAL  -  CONSULTÓRIO DE CYRO  -  INTERIOR  -  NOITE

DEPOIS DE ACENDER O CIGARRO, CYRO VALDEZ PROCUROU AQUIETAR-SE NA OBSCURIDADE DE SEU CONSULTÓRIO. HÁ VÁRIOS DIAS NÃO SE AFASTAVA DALI, ACOMPANHANDO A EVOLUÇÃO DO QUADRO OPERATÓRIO DE OTTO MULLER.

NAQUELE INSTANTE, ACABARA DE TELEFONAR PARA BÁRBARA E NÃO ATINARA COM A PERGUNTA DA AVÓ. A QUE REVISTA SE REFERIA, AO PERGUNTAR SE JÁ A TINHA LIDO? A VELHA FÔRA RETICENTE E EVITARA PROSSEGUIR NO ASSUNTO.

FOI AÍ QUE O DR. ROBERTO ABRIU A PORTA E ENTROU NA SALA. ACENDEU A LUZ, ILUMINANDO O RECINTO.

DR. ROBERTO  -  Olhe aí, Dr. Cyro (jogou a revista sobre a mesinha branca) Veja a que ponto pôde chegar a maldade humana.

AO LER POR INTEIRO O TÍTULO DA MATÉRIA, O SEMBLANTE DE CYRO MODIFICOU-SE INSTANTANEAMENTE. O CIRURGIÃO PERDEU A COR. PASSOU A DEVORAR O TEXTO.

DR. ROBERTO  -  Maldosa, não? Depois disso vai ser muito difícil você continuar cuidando do caso de Otto Muller. Ou... se não pode deixar o caso... o paciente agora depende de você... deve deixar de ver a mulher dele!

CYRO  -  (explodiu, com raiva) Por que você não cala essa boca, hem?

DR. ROBERTO  -  Caiu muito mal no hospital. O diretor, Dr. Max Ribeiro, veio aqui para esclarecimentos... eu disse a ele que Dona Ester é desquitada e tudo... porém continua vivendo na casa do ex-marido.

CYRO  -  (berrou) Mas ninguém tem nada a ver com minha vida particular!

BATEU A PORTA COM FORÇA E DEIXOU O GABINETE ENFURECIDO, COM A REVISTA AMASSADA NA MÃO.

CORTA PARA:

CENA 4  -  FLORIANÓPOLIS  -  JORNAL  -  REDAÇÃO  -  EXTERIOR  -  DIA

CYRO SABIA QUE INFRINGIRA PELO MENOS 5 OU 6 VEZES A LEI DO TRÂNSITO E NÃO RESPEITARA UM SINAL, SEQUER, DOS QUE TINHA ENCONTRADO PELO CAMINHO. AGORA, FREAVA O CARRO DIANTE DA FACHADA DO JORNAL. MAL FECHOU A PORTA E ARRANCOU COMO UM RAIO PARA A REDAÇÃO.

CORTA PARA:

CENA 5  -  FLORIANÓPOLIS  -  JORNAL  -  REDAÇÃO  -  INTERIOR  -  DIA

CYRO SUBIU AS ESCADAS A PÉ, SEM PACIENCIA DE AGUARDAR O ELEVADOR.

AVISTOU O JORNALISTA SENTADO À FRENTE DA MÁQUINA, ESCREVENDO. A FUMAÇA DOS CIGARROS EMPESTEAVA O AMBIENTE. CYRO ENTROU COMO UMA FERA ENLOUQUECIDA.

CYRO  -  Onde está o moleque do repórter José Godoy de Castro?

TODOS SE CONCENTRAVAM NA FIGURA DO MÉDICO QUE INVADIA A GRANDE SALA.

GODOY  -  (ergueu-se, acovardado) Dr. Cyro... quanta honra!

COMPLETAMENTE FORA DE SI, O CIRURGIÃO MOSTROU-LHE A REPORTAGEM.

CYRO  -  O senhor é o responsável por... por isto?

GODOY  -  (sorriu, tentando resolver a situação) Gostou da minha reportagem, Dr. Cyro? Pelo menos ninguém pode dizer que ela não está fiel...

O JORNALISTA MAL TEVE TEMPO DE PRONUNCIAR A DERRADEIRA PALAVRA. O SOCO DE CYRO APANHOU-O POR DEBAIXO DO QUEIXO, JOGANDO-O ESTATELADO CONTRA A MESA DE UM COMPANHEIRO. COMO NUM FILME DE FAROESTE. GODOY RODOPIOU POR SOBRE A ESCRIVANINHA, ENTERROU A CABEÇA NO ENCOSTO DA CADEIRA E DE PERNAS PARA O AR ESPARRAMOU-SE NO CHÃO, DESMAIADO.

CYRO VALDEZ VIROU AS COSTAS E DEIXOU A REDAÇÃO, ENQUANTO OS DEMAIS JORNALISTAS CORRIAM A ACUDIR O COLEGA.

FIM DO CAPÍTULO 54



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