Novela de Janete Clair
Adaptação de Toni Figueira
CAPÍTULO 54
Participam deste
capítulo
Cyro -
Tarcísio Meira
Ricardo -
Edney Giovenazzi
Cesário -
Carlos Eduardo Dolabela
Dr. Roberto -
Paulo Cesar Pereio
Godoy - Ivan
Cândido
Orjana -
Neusa Amaral
Prof. Valdez - Enio
Santos
CENA 1 - VILA
DOS MINEIROS - CEMITÉRIO -
EXTERIOR - DIA
CENTENAS DE MINEIROS ACOMPANHAVAM O CORPO DE VICENTÃO ATÉ O
HUMILDE CEMITÉRIO DA GENTE POBRE DA REGIÃO. CRUZES TÔSCAS, COM NÚMEROS
ILEGÍVEIS, DESBOTADOS PELO TEMPO, ASSINALAVAM O LOCAL ONDE DESCANSAVAM MUITOS
DAQUELES QUE HAVIAM DADO SUA VIDA PELO PROGRESSO DA COMPANHIA DE VALONGO. NA
CAPELINHA CAIADA, O CADÁVER FICOU EXPOSTO Á VISITAÇÃO DOS COMPANHEIROS E
FAMILIARES. COBERTO DE FLORES, DEIXANDO VER APENAS O ROSTO ENEGRECIDO AINDA
MAIS COM OS TALHOS E CONTUSÕES DO DESASTRE. VICENTÃO DESCANSAVA NUM CAIXÃO DE
TERCEIRA.
CESÁRIO APROXIMOU-SE DO ENGENHEIRO, APOIADO NA CAPOTA DO SEU
CARRO CINZA.
CESÁRIO - Preciso conversar com o senhor!
RICARDO - (olhou-o com ódio e nojo) Conversar o quê,
miserável?
CESÁRIO - Falou com sua mulher? Sua filha?
RICARDO - Já sei de tudo. Você está pensando que pode
me sujeitar à sua vontade... porque viu o acidente! Eu imagino o que você está
pretendendo! Mas fique sabendo que eu não vou dar minha filha em casamento a um
tipo como você!
CESÁRIO - Eu não vou querer sua filha em casamento
(revelou, com um sorriso irônico) É muito pouca coisa para mim! Não é ela que
me interessa!
RICARDO FITOU-O DESCONFIADO. À DISTANCIA OS MINEIROS JOGAVAM
PÁS DE CAL NA COVA RASA DO NEGRO VICENTÃO.
RICARDO - (a voz rouca) O que... lhe interessa?
CESÁRIO - (esfregou
o indicador no polegar, com movimentos rápidos) O seu dinheiro. Muito, mesmo...
pra não meter a sua querida filha na cadeia.
RICARDO - E quem lhe disse que atropelamento dá cadeia?
É um acidente, até prova em contrário. Há todo um processo a ser desenvolvido.
O que me preocupa unicamente é a repercussão do caso... os aborrecimentos, nada
mais. Minha filha jamais iria para cadeia por um caso destes. Para evitar o que
lhe disse é que lhe pergunto: quanto?
CESÁRIO - Veremos se ela não irá para cadeia... Eu
saberei conduzir as coisas. Digo que testemunhei um crime...
RICARDO CONTROLOU-SE PARA NÃO APLICAR UM SOCO NO INIMIGO.
CESÁRIO - (sorriu, com cinismo) Pra começar...só pra
começar... eu quero duzentos mil cruzeiros.
RICARDO - (pulou) Eu não tenho esse dinheiro!
CESÁRIO - (limpou mão
contra mão) Isso não me interessa. Arranje. Lhe dou 15 dias.
CESÁRIO DEU-LHE AS COSTAS E SE ENCAMINHOU PARA O PEDAÇO DE
CHÃO ONDE ALGUNS MINEIROS ACABAVAM DE FINCAR UMA CRUZ DE MADEIRA PINTADA DE BRANCO,
COM UM NÚMERO EM NEGRO NA HASTE VERTICAL. SOBRE O MONTE DE TERRA, FLORES SÓ. E
ALGUMAS MANCHAS BRANCAS DE CAL VIRGEM. VICENTÃO DORMIA O SONO ETERNO LÁ
EMBAIXO. NO PEITO UM VAZIO IMENSO NO LUGAR ONDE UM DIA BATERA UM CORAÇÃO FORTE
E BONDOSO.
CORTA PARA:
Cesário (Carlos E. Dolabela) e Tula (Lucia Alves) |
CENA 2 -
PORTO AZUL - CASA DE DONA BÁRBARA -
SALA - INTERIOR
- DIA
A FÚRIA DE ORJANA ERA UM DESESPERO TOTAL. LEVANTOU-SE,
ATIRANDO A REVISTA ABERTA PARA O ALTO. A FOTO DE CYRO E ESTER OCUPAVA PÁGINA
INTEIRA E NO OUTRO LADO UMA MULHER, QUE SE DIZIA ORJANA, NO TEXTO LEGENDA,
EXIBIA OS OMBROS NUS, COM A ESTRANHA MARCA. O TÍTULO ERA DE UMA INDECÊNCIA A
TODA PROVA – JULGAVA A MÃE DO
MÉDICO: “NASCIMENTO E
PAIXÃO DO DR.
CYRO VALDEZ”. ABAIXO, O RESPONSÁVEL PELA REPORTAGEM: GODOY DE
CASTRO.
O PROFESSOR VALDEZ FOLHEOU A REVISTA PASSANDO OS OLHOS PELA
MATÉRIA.
PROF. VALDEZ - Vejam só! Nascimento e paixão do Dr. Cyro
Valdez!
ORJANA - Isto é uma indignidade!
PROF. VALDEZ - Diz aí que você tem uma marca no ombro,
proveniente dos acontecimentos da noite do espanto.
ORJANA - (apontou com o dedo para a fotografia) Mas
este retrato aqui não é meu! Alguém posou de costas passando por mim!
PROF. VALDEZ - Foi o que eu também pensei. Mas o pior não é
isso... é o que dizem de Cyro e Ester no final da reportagem! Ouça (leu em voz
alta) “Embora uns acreditem que o Dr. Cyro tenha como pai um ser vindo de outro
planeta, e alguns afirmem que ele é a reencarnação de um espírito superior, a
verdade é que o famoso cirurgião é sujeito a paixões bem terrenas. E seu
procedimento em relação ao amor não obedece muito a ética profissional. Tanto
que a bela Ester Muller, esposa de seu paciente Oto Muller, é o seu mais
recente caso amoroso.”
ORJANA - (vermelha de raiva) Isto é uma infâmia! Não
sabem que ela está separada do marido? Aí dá a impressão de que Cyro se
aproveitou da doença de Otto Muller para tomar-lhe a mulher!
PROF. VALDEZ - Exatamente! É isso que o repórter insinua.
Cyro vai ficar furioso! E o pior é que várias pessoas a quem tínhamos em grande
consideração, se prestaram a fazer declarações a respeito!
ORJANA - André, o ator de circo, prova que viu a marca
em meu corpo... Vanda... Nossa! Quanta falsidade!
CORTA PARA:
CENA 3 -
HOSPITAL - CONSULTÓRIO DE CYRO -
INTERIOR - NOITE
DEPOIS DE ACENDER O CIGARRO, CYRO VALDEZ PROCUROU AQUIETAR-SE
NA OBSCURIDADE DE SEU CONSULTÓRIO. HÁ VÁRIOS DIAS NÃO SE AFASTAVA DALI,
ACOMPANHANDO A EVOLUÇÃO DO QUADRO OPERATÓRIO DE OTTO MULLER.
NAQUELE INSTANTE, ACABARA DE TELEFONAR PARA BÁRBARA E NÃO ATINARA
COM A PERGUNTA DA AVÓ. A QUE REVISTA SE REFERIA, AO PERGUNTAR SE JÁ A TINHA
LIDO? A VELHA FÔRA RETICENTE E EVITARA PROSSEGUIR NO ASSUNTO.
FOI AÍ QUE O DR. ROBERTO ABRIU A PORTA E ENTROU NA SALA.
ACENDEU A LUZ, ILUMINANDO O RECINTO.
DR. ROBERTO - Olhe aí, Dr. Cyro (jogou a revista sobre a
mesinha branca) Veja a que ponto pôde chegar a maldade humana.
AO LER POR INTEIRO O TÍTULO DA MATÉRIA, O SEMBLANTE DE CYRO
MODIFICOU-SE INSTANTANEAMENTE. O CIRURGIÃO PERDEU A COR. PASSOU A DEVORAR O
TEXTO.
DR. ROBERTO - Maldosa, não? Depois disso vai ser muito
difícil você continuar cuidando do caso de Otto Muller. Ou... se não pode
deixar o caso... o paciente agora depende de você... deve deixar de ver a
mulher dele!
CYRO - (explodiu, com raiva) Por que você não cala
essa boca, hem?
DR. ROBERTO - Caiu muito mal no hospital. O diretor, Dr.
Max Ribeiro, veio aqui para esclarecimentos... eu disse a ele que Dona Ester é
desquitada e tudo... porém continua vivendo na casa do ex-marido.
CYRO - (berrou) Mas ninguém tem nada a ver com minha
vida particular!
BATEU A PORTA COM FORÇA E DEIXOU O GABINETE ENFURECIDO, COM A
REVISTA AMASSADA NA MÃO.
CORTA PARA:
CENA 4 -
FLORIANÓPOLIS - JORNAL
- REDAÇÃO -
EXTERIOR - DIA
CYRO SABIA QUE INFRINGIRA PELO MENOS 5 OU 6 VEZES A LEI DO
TRÂNSITO E NÃO RESPEITARA UM SINAL, SEQUER, DOS QUE TINHA ENCONTRADO PELO
CAMINHO. AGORA, FREAVA O CARRO DIANTE DA FACHADA DO JORNAL. MAL FECHOU A PORTA
E ARRANCOU COMO UM RAIO PARA A REDAÇÃO.
CORTA PARA:
CENA 5 -
FLORIANÓPOLIS - JORNAL
- REDAÇÃO -
INTERIOR - DIA
CYRO SUBIU AS ESCADAS A PÉ, SEM PACIENCIA DE AGUARDAR O
ELEVADOR.
AVISTOU O JORNALISTA SENTADO À FRENTE DA MÁQUINA, ESCREVENDO.
A FUMAÇA DOS CIGARROS EMPESTEAVA O AMBIENTE. CYRO ENTROU COMO UMA FERA
ENLOUQUECIDA.
CYRO - Onde está o moleque do repórter José Godoy de
Castro?
TODOS SE CONCENTRAVAM NA FIGURA DO MÉDICO QUE INVADIA A
GRANDE SALA.
GODOY - (ergueu-se, acovardado) Dr. Cyro... quanta
honra!
COMPLETAMENTE FORA DE SI, O CIRURGIÃO MOSTROU-LHE A
REPORTAGEM.
CYRO - O senhor é o responsável por... por isto?
GODOY - (sorriu, tentando resolver a situação) Gostou
da minha reportagem, Dr. Cyro? Pelo menos ninguém pode dizer que ela não está
fiel...
O JORNALISTA MAL TEVE TEMPO DE PRONUNCIAR A DERRADEIRA
PALAVRA. O SOCO DE CYRO APANHOU-O POR DEBAIXO DO QUEIXO, JOGANDO-O ESTATELADO
CONTRA A MESA DE UM COMPANHEIRO. COMO NUM FILME DE FAROESTE. GODOY RODOPIOU POR
SOBRE A ESCRIVANINHA, ENTERROU A CABEÇA NO ENCOSTO DA CADEIRA E DE PERNAS PARA
O AR ESPARRAMOU-SE NO CHÃO, DESMAIADO.
CYRO VALDEZ VIROU AS COSTAS E DEIXOU A REDAÇÃO, ENQUANTO OS
DEMAIS JORNALISTAS CORRIAM A ACUDIR O COLEGA.
FIM DO CAPÍTULO 54
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