domingo, 28 de setembro de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 64


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 64

Participam deste capítulo

Cyro  -  Tarcísio Meira
Otto Muller  -  Jardel Filho
Paulus  -  Emiliano Queiroz
Delegado  -  Vinicius Salvatori
Lia  -  Arlete Sales
Catarina  -  Lidia Mattos



CENA 1  -  MANSÃO DE OTTO MULLER  -  HALL DE ENTRADA  -  INTERIOR  -  DIA

PASSADAS 24 HORAS, ESTER COMEÇAVA A DESESPERAR-SE. OTTO NÃO CUMPRIRA A PALAVRA E A MULHER REINGRESSAVA NO ESTADO DE ANGÚSTIA, AMENIZADO APENAS PELA ESPERANÇA DE TER O MENINO DE VOLTA. FOI QUANDO O TELEFONE TOCOU E ALGUÉM, DA RESIDENCIA DE OTTO MULLER, SOLICITOU A PRESENÇA DO MÉDICO, COM URGENCIA. COM UMA RESSALVA: NÃO SE REFERIA A NENHUM PROBLEMA RELACIONADO COM A SAÚDE DO OPERADO. ERA – DIZIA A VOZ – UM CASO PARTICULAR. DO INTERESSE DELE E DE ESTER KELLER.

CYRO, AVISADO NO HOSPITAL, ENCAMINHOU-SE DIRETAMENTE PARA A CASA DO PACIENTE. ALGUMA COISA LHE DIZIA, MUITO INTIMAMENTE, QUE AS NOVIDADES NÃO SERIAM AGRADÁVEIS. OTTO MULLLER ESTAVA AGINDO ESTRANHAMENTE PARA UM HOMEM CONDICIONADO PELO HIPNOTISMO.

O MÉDICO ALCANÇOU A ENTRADA PRINCIPAL DA LUXUOSA RESIDENCIA E ESBARROU COM O DELEGADO.

DELEGADO  -  Dr. Cyro... fui chamado porque aconteceu uma coisa que esclarece todo o caso do desaparecimento do garotinho.

CYRO  -  Que aconteceu?

DELEGADO  -  O Sr. Otto recebeu um bilhete do seqüestrador!

CYRO  -  Um bilhete?

DELEGADO  -  Exato. Um bilhete fazendo exigências para entregar a criança. Isto era de se esperar!

CYRO  -  Não é possível, delegado!

DELEGADO  -  Por que não é possível, Dr. Cyro? O papel foi encontrado hoje na caixa do correio desta casa.

CYRO  -  Deixe-me ver!

CYRO RETIROU O PAPEL DO INTERIOR DO ENVELOPE. LEU PARA SI MESMO.

CYRO  -  “Sr. Otto Muller. Seu filho lhe será devolvido imediatamente após a entrega de 300 mil reais que serão deixados dentro de uma mala, na estrada entre Porto Azul e Florianópolis. Num trecho desta estrada, perdida no mato, existe uma capelinha. Deixe lá o dinheiro. Não avise á polícia. Espero até amanhã. Nessa mesma capela será entregue o garoto, no dia seguinte. Se houver dificuldade de localizar a capelinha, procure o Daniel, na cadeia. Ele dará maiores explicações. Como sabe, ele foi entregue às autoridades pelo Seu Baby Liberato, que agora vai procurar defendê-lo. Daniel não deve ficar comprometido. Será pior para todos. Inclusive para o menino.”

DELEGADO  -  E então? Ainda acha que Daniel não tem culpa?

CYRO  -  (perplexo) Isto é um disparate! É uma mentira, delegado! O senhor não pode dar crédito a este bilhete! Qualquer pessoa poderia tê-lo escrito para acusar o rapaz. Continuo certo... mais certo do que nunca... de que ele não tem nada a ver com este rapto!

DELEGADO  -  (irritou-se com a negativa do outro) A quem o senhor está querendo defender, Dr. Cyro? Ao seqüestrador?

CYRO SENTIU VONTADE DE REVELAR TUDO. ABRIR O JOGO E CONTAR O PROCESSO DE HIPNOSE E A CONFISSÃO DO MILIONÁRIO. PREFERIU MANTER DISCRIÇÃO.

CYRO  -  Não existe seqüestrador! Isto aqui não passa de uma farsa, muito mal representada, aliás! Este bilhete foi forjado, repito, para comprometer Daniel!

CORTA PARA:
Lia (Arlete Sales), Otto (Jardel Filho) e Ester (Glória Menezes)

CENA 2  -  MANSÃO DE OTTO MULLER  -  QUARTO DE OTTO  -  INTERIOR  -  DIA

CYRO ATENDEU AO CHAMADO DE OTTO MULLER E DESPEDIU-SE DO DELEGADO. NO INTERIOR DO QUARTO, O ALEMÃO PARECIA OUTRO HOMEM. MAIS CORADO E SORRIDENTE. VICTOR PAULUS SE MANTINHA QUIETO, DE OLHOS ATENTOS, A UM CANTO DO APOSENTO.

CYRO  -  Como se sente hoje?

OTTO  -  (apertou-lhe a mão, com energia) Muito, mas muito bem. Parece que... seu método de ontem... foi infalível. Que fez comigo... hipnotizou-me? E convenceu-me... de que sou um homem forte... alegre... sem doença?

PAULUS  -  (irônico, descruzando os braços) O poder da sugestão é fantástico. Deviam usar esse método em todas as clínicas...

CYRO  -  Não é bem um problema de sugestão... é um problema de desrecalque. No hipnotismo, o sujeito liberta seu subconsciente. Ontem, o Sr. Otto estava com um problema... e queria desabafá-lo. Eu o hipnotizei. O senhor o revelou (olhou para os olhos de fera que o fitavam) Sentiu-se melhor, depois.

PAULUS  -  É mesmo? E que problema era esse?

CYRO  -  (pensou um pouco antes de tornar a falar) Estão acontecendo coisas terríveis. Estão querendo acusar um inocente de estar envolvido no desaparecimento de Ivanzinho. Nós sabemos perfeitamente que ninguém o raptou e não é preciso rodeios nem mentiras. Sabemos que foi o Sr. Otto quem mandou afastá-lo de Ester. E os motivos não interessam neste momento.

OS HOMENS ENTREOLHARAM-SE, COLÉRICOS.

CYRO  -  Interessa-me, apenas, provar que Daniel está sendo acusado injustamente de ter tomado parte no rapto. Há poucos instantes tomei conhecimento de um bilhete forjado por alguém que deseja comprometê-lo. Eu apelo para a consciência de vocês. Eu confio ainda nos seus bons sentimentos. Apelo para a consciência do Sr. Otto. Apelo para que esta farsa seja desfeita já, na presença do delegado. Apelo em nome de uma mãe que sofre a ausência de um filho.  Apelo por Daniel, que vai sofrer injustamente o pêso desta acusação. Por Deus, acabem com esta comédia!

OTTO MULLER PULOU, COMO SE ESPETADO POR UM ESTILETE AFIADO. TINHA OS LÁBIOS SECOS E ENRUGADOS.

OTTO  -  O senhor não pode me acusar... para defender seu amigo!

CYRO  -  No seu caso não seria uma acusação. Afinal, o senhor é... o pai. E poderia ter afastado o menino de Ester... pelos seus direitos.

O MÉDICO BUSCAVA UMA SOLUÇÃO, UMA SAÍDA POR ONDE OTTO PUDESSE DESLIZAR, SEM SE SENTIR HUMILHADO.

OTTO  -  Mas... Dr. Cyro, eu não mandei afastar o menino de Ester...

CYRO  -  (exaltou-se, diante da resposta mentirosa) Sr. Otto, ontem eu o hipnotizei e o senhor me revelou a verdade!

PAULUS SE MOVIMENTOU, ENRAIVECIDO.

OTTO  -  Não é possível! A não ser que o senhor... me obrigasse a mentir, hipnotizado!

CYRO  -  Mentir para quem? Estávamos nós dois, sozinhos!

PAULUS  -  (nos olhos, um brilho de ódio) Não podemos acreditar na sua palavra. É a sua contra a de Otto!

CYRO  -  Sr. Otto, o senhor quer se submeter de novo ao hipnotismo, na presença da senhora sua mãe, desse homem que aqui está e do delegado?

PAULUS  -  Submeta-se, Otto! Acho a experiência muito interessante.

OTTO  -  Muito bem. Eu me submeto.

CYRO  -  (ordenou) Mandem chamar o delegado.

CORTA PARA:

CENA 3  -  MANSÃO DE OTTO MULLER  -  SALA  -  INTERIOR  -  DIA

O POLICIAL RETORNOU À MANSÃO COM CARA FEIA. VISÌVELMENTE DE MÁ VONTADE.

PAULUS  -  (veio buscá-lo à porta) Pode subir, delegado. O senhor assistirá a uma cena de hipnotismo. Dr. Cyro garante que ontem Otto confessou ter mandado afastar o menino de Ester. Nós não queremos acreditar na palavra do médico. Sugerimos que repita a experiência... agora... para termos a certeza com quem está a verdade, se com Otto... ou com o Dr. Cyro.

CORTA PARA:

CENA 4  -  MANSÃO DE OTTO MULLER  -  QUARTO DE OTTO  -  INTERIOR  -  DIA

OTTO FEZ CARA DE FINGIMENTO. DE HOMEM BATIDO PELA INSENSATEZ DE UMA ACUSAÇÃO INFAME. RECEBEU O DELEGADO COM OLHOS QUASE LACRIMOSOS.

OTTO  -  Estou sendo acusado injustamente pelo meu médico, mas não o levo a mal... Sei que o poder de sua imaginação é fantástico. Com certeza Dr. Cyro  sonhou que me hipnotizou  e que fiz certas confissões absurdas.

CYRO  -  Palavras são inúteis agora. Já que a situação está explicada ao delegado, eu peço licença para submetê-lo de novo á experiência do hipnotismo.

OTTO  -  (estendendo-se na cama e piscando, discreta e imperceptivelmente para o comparsa) Estou às suas ordens.

SENTADO DIANTE DO PACIENTE, CYRO FEZ SINAL AOS PRESENTES PARA QUE SE MANTIVESSEM EM SILENCIO E AFASTADOS. ENCAROU DEMORADAMENTE O HOMEM DEITADO À SUA FRENTE. PEQUENINOS OLHOS DE FERA ACUADA, ENDOIDECIDA. PERCEBEU O PERIGO QUE ENFRENTAVA AO PROCURAR DESTRUIR O QUE AQUELE CÉREBRO MALÉFICO VINHA ELABORANDO DESDE OS PRIMEIROS MOMENTOS DE LUCIDEZ, NA VIDA.

CYRO  -  Olhe para mim, Sr. Otto... para meus olhos... meus olhos... o senhor vai dormir... vai dormir profundamente... um sono calmo, tranqüilo... se existe alguma coisa que o aflige... que atormenta sua consciência... o senhor vai dizer... vai desabafar... vai confiar em mim... está diante do seu médico... seu amigo. Abra os olhos! (o alemão obedeceu e fixou um olhar vazio no cientista) Sente-se bem?

OTTO  -  Muito bem.

CYRO  -  Sente dores?

OTTO  -  Não...

CYRO  -  Tem algum problema que o aflige?

OTTO  -  (sem pestanejar) Nada! Nenhum problema!

CYRO  -  Sr. Otto... o delegado quer saber se foi o senhor quem mandou afastar o filho de Ester. Nós queremos a verdade, Sr. Otto!

OTTO  -  (gaguejou, fingindo indecisão) Eu... não sei de nada... sobre o desaparecimento... do menino!

PAULUS SORRIU, SILENCIOSAMENTE.

CYRO  -  Ontem o senhor confessou que isso o estava afligindo.

OTTO  -  (reafirmou, sem titubear) Eu não sei nada sobre o desaparecimento do menino!

CYRO  -  (quase sussurrante) O senhor está tentando me enganar, Sr. Otto!

PAULUS  -  Isso é demais! Dr. Cyro está querendo forçar Otto a confessar uma mentira!

CYRO  -  Sr. Otto, eu não estou forçando. Estou lhe pedindo apenas a verdade.

OTTO  -  Dr. Cyro quer me obrigar a mentir. Ontem me obrigou, mas eu não tenho nada que me aflija a consciência... porque não sei quem desapareceu com meu filho!

CATARINA  -  Acabe com isto, por favor. Faça Otto acordar!

CYRO  -  (finalmente atinou com a verdade) Não é preciso. Ele está acordado! Pode parar de representar, Sr. Otto. É um grande artista!

INCONTINENTI, LEVANTOU-SE E SE AFASTOU DO QUARTO A PASSOS LARGOS.

LIA  -  Otto, acorde!

PAULUS PASSAVA AS MÃOS SOBRE OS OLHOS DE OTTO. A CENA FÔRA LONGAMENTE ENSAIADA PARA IMPRESSIONAR O DELEGADO. OTTO ABRIU OS OLHOS, COM EXPRESSÃO DE ASSOMBRO.

OTTO  -  Ahn... ahn... o que foi?

PAULUS BATEU DE LEVE COM AS MÃOS CONTRA A FACE DO OUTRO.

PAULUS  -  Dr. Cyro saiu daqui... nervoso... porque você não disse, hipnotizado, o que ele queria que você dissesse. Você só falou a verdade e espero que o delegado esteja convencido.

DELEGADO  -  (com ar severo) Claro! Claro! Peço desculpas por tudo. Amanhã... tentarei descobrir a tal capelinha onde o tipo quer que se entregue o dinheiro.

OTTO TORNOU A MASCARAR-SE COM O AR DE INOCENCIA E INFELICIDADE.

OTTO  -  Faça tudo com muito cuidado (disse, juntando as mãos) Eu não quero que algo aconteça ao menino. Lia, mamãe... acompanhem o delegado.

MAL O QUARTO FICOU VAZIO, PAULUS ESFREGOU AS MÃOS DE CONTENTAMENTO.

PAULUS  -  Você representou muito bem!

OTTO  -  Tive de fechar os olhos... para não encarar os olhos daquele diabo!

PAULUS  -  Eu percebi. Você os fechou antes do tempo e ele não se deu conta...

FIM DO CAPÍTULO 64




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