segunda-feira, 27 de outubro de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 76


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 76

Participam deste capítulo

Cyro  -  Tarcísio Meira
Otto  -  Jardel Filho
Mestre Jonas  -  Gilberto Martinho
Lia  -  Arlete Salles
Dr. Max  -  Álvaro Aguiar
Dr. Gustavo  -  Francisco Serrano
Catarina  -  Lidia Mattos
Paulus  -  Emiliano Queiroz
Dirce  -  Sônia Ferreira


CENA 1  -  MANSÃO DE OTTO MULLER  -  QUARTO DE OTTO  -  INTERIOR  -  DIA

SERIA DIFÍCIL ABORDAR OTTO MULLER E CONVENCÊ-LO A ACEITAR A PRESENÇA DE CYRO VALDEZ EM SUA CASA, MAS LIA NÃO DISPUNHA DE MUITO TEMPO. NEM DE OUTRA OPÇÃO.

LIA  -  Otto, preciso falar com você.

OTTO  -  E eu com você. Chegou a nossa hora, Lia. Há muito tempo que eu pretendia ter esse papo com você.

OTTO SUSPENDEU O COBERTOR ATÉ O PESCOÇO. SENTIA FRIO.

LIA  -  Acho que sei o que você vai dizer, Otto. Mas aconselho a não se preocupar muito com o assunto. Não é o mais importante, agora.

OTTO  -  (ignorou a advertência) Lia... você me enganou durante muito tempo. Nunca me disse quem eram seus parentes. Você mentiu para mim.

LIA  -  Nunca me foi perguntado, Otto. Portanto, não menti.

OTTO  -  Nunca lhe foi perguntado... porque eu nunca podia imaginar que aquela mulher... a tal Das Dores... uma negra... fosse irmã da sua mãe! Mamãe me contou.

LIA  -  Bem... agora que você já sabe, isto altera alguma coisa?

OTTO  -  (deu um berro, estremecendo o quarto) Se altera? Você não tem vergonha de me perguntar isso?

LIA  -  Será possível, Otto, que nem a lição que Deus lhe deu, não mudou sua maneira de pensar? Por que você acha que tem no peito o coração de Vicente Marques, o filho de Conceição? Hem, Otto? Será que você não entendeu?

OTTO  -  (babou de raiva) Não foi Deus quem fez isso comigo! Deus é branco! Foi aquele demônio, auxiliado por você, Lia! E eu acho que tanto você quanto ele tem de pagar por isso!

LIA  -  (juntando as mãos com força) Muito bem. O que pretende fazer?

OTTO  -  Eu quero... que você expulse seus parentes do Valongo. Eles trabalham para meu primo... mas você encontrará razões convincentes para levá-los a desaparecer. Pense já numa idéia, numa razão. Eu não tenho pressa.

LIA  -  Fique sabendo de uma coisa, meu marido... eu não vou fazer isso. Se você impõe como condição, eu irei com eles. E se eu deixar você, você vai morrer, Otto! Porque eu sou a única pessoa que pode convencer o Dr. Cyro a vir aqui... lhe salvar a vida! Porque você não sabe e é preciso saber... está condenado a morrer em 12 horas... se ele não vier socorrê-lo. E eu deixarei você esticar as canelas!

A MULHER FÔRA RUDE PROPOSITADAMENTE E AGORA VIA SURTIR EFEITO SUA ATITUDE ENÉRGICA. OTTO EMPALIDECEU E LEVANTOU-SE, ARFANTE. ERA OUTRO HOMEM. O MEDO REFLETIDO NOS OLHOS AZUIS, PEQUENOS E MAUS. BERROU, INVESTINDO CONTRA A MULHER QUE AMEAÇAVA DEIXAR O QUARTO.

OTTO  -  Lia! Lia! Diga que é mentira o que acaba de me dizer!

LIA  -  É verdade. Foi dito agora mesmo pelo Dr. Max. Ele disse que você só pode esperar 12 horas pelo soro. E quem tem a fórmula é o Dr. Cyro.

OTTO  -  E o que está esperando? Faça alguma coisa! Está me ouvindo? Chame aquele demônio! Vá buscá-lo nas profundezas do inferno... onde ele estiver! Eu não quero morrer! Eu não quero morrer!

LIA  - Eu vou chamá-lo, com uma condição. Meus parentes... vão ficar onde estão. E você vai esquecer que eles existem!

OTTO  -  (vociferou, zangado) Você... preparou tudo! Você sabia que isso tudo iria acontecer. Você e o médico... tramaram tudo!

LIA  -  Nós não tramamos, Otto. Mas já que as coisas foram assim encaminhadas, você tem de se submeter a elas. Aceita a minha condição ou tem alguma coisa a objetar?

OTTO  -  Quero que seus parentes vão pro diabo... (falou, tenso e em voz baixa, afogada no desespero) faça o que quiser com eles... mas não me deixe morrer. Chame o médico feiticeiro... depressa... não me deixe morrer!

CORTA PARA:
Mestre Jonas (Gilberto Martinho)

CENA 2  -  PORTO AZUL  -  CHOUPANA DE MESTRE JONAS  -  SALA  -  INTERIOR  -  DIA

ERA A ÚNICA SOLUÇÃO. PROCURAR MESTRE JONAS E, POR INTERMÉDIO DELE, ATRAIR CYRO ATÉ A CASA DE OTTO MULLER. E FOI O QUE FEZ LIA.

MESTRE JONAS  -  Difícil, Lia, mas vamos ver o que se pode fazer.

CORTA PARA:

CENA 3  -  MANSÃO DE OTTO MULLER  -  QUARTO DE OTTO  -  INTERIOR  -  DIA

TODOS ESPERAVAM, AFLITOS, NA RESIDENCIA LUXUOSA: LIA, PAULUS, DIRCE, DONA CATARINA E OTTO, SEMI-INCONSCIENTE, ESTICADO NA LARGA CAMA DE CASAL. O SILENCIO FOI QUEBRADO PELAS PASSADAS FIRMES DE UM HOMEM. TODOS OS OLHARES SE VOLTARAM PARA A PORTA. MESTRE JONAS ENTROU, SOZINHO.

DR. MAX  -  (levantou-se, nervoso) Onde está Cyro? Pensei que viesse com ele.

LIA  -  Não havia tempo. Ele está longe daqui. Horas de barco. Mestre Jonas garantiu que Dr. Cyro virá a este quarto... agora!

DR. MAX  -  (pulou, incrédulo) Como? Vocês estão loucos? Estão loucos?

SEM LEVAR EM CONSIDERAÇÃO A ATITUDE DO CIRURGIÃO, O PESCADOR APROXIMOU-SE DA CAMA DO MORIBUNDO.

MESTRE JONAS  -  Eu peço a todo mundo que fique calado... num pensamento só.

DR. MAX  - Uma loucura!

VISIVELMENTE CONTRARIADO, O MÉDICO SAIU DO QUARTO.

JONAS BAIXOU OS OLHOS, CONTRITO E CONCENTROU-SE. ABRIU OS LÁBIOS, COMO NUMA PRECE AOS SANTOS.

MESTRE JONAS  -  Dr. Cyro... sou eu... Jonas... seu amigo. Sua presença é necessária... neste quarto... para salvar a vida de um homem... seu paciente.

NA PENUMBRA AMBIENTE, UMA FORMA INDECISA SURGIU AO LADO DO PESCADOR. COMO UM PENSAMENTO MATERIALIZADO. ERA CYRO VALDEZ. CABELOS LONGOS E NEGROS. BARBA CERRADA. OLHOU A CAMA DE OTTO MULLER. TENTOU ABRIR OS OLHOS DO DOENTE.

LIA PERCEBEU QUE A ENFERMEIRA IA DIRIGIR-SE AO VULTO.

LIA  -  Não diga nada, Dirce.

A PORTA ABRIU-SE E PAULUS PAROU, AO CONSTATAR A PRESENÇA FÍSICA DO MÉDICO, QUE CONCLUÍA O EXAME NO DOENTE. PEGOU-LHE O PULSO E CONTOU OS BATIMENTOS. EM SEGUIDA ESCREVEU COM MÃO FIRME NUM BLOCO DE RECEITAS.

A VOZ INCONFUNDÍVEL SAIU DO FUNDO DA GARGANTA DA VISÃO MATERIALIZADA. NINGUÉM SE MOVIA NO INTERIOR DO QUARTO.

CYRO  -  Entregue ao Dr. Max. É urgente. Ele não tem mais que duas horas de vida, se não for submetido ao soro imediatamente. Está tudo aí.

JONAS PEGOU O PAPEL E ACENOU COM A CABEÇA. COMO NUM PASSE DE MÁGICA, CYRO PARECEU IR SE DILUINDO ATÉ QUE DESAPARECEU.

 NINGUÉM CONSEGUIA FALAR.

MESTRE JONAS  -  (sem mostrar surpresa) Onde está o Dr. Max?

LIA  -  (única pessoa, além do pescador, a manter-se calma diante do “milagre”) Venha comigo, mestre Jonas!

CATARINA  -  (suando frio, passou o lenço de seda na testa) Vocês viram o que eu vi?

PAULUS  -  É espantoso! Com certeza se trata de um truque do Dr. Cyro... ou do próprio Mestre Jonas. Eu creio que todos nós estávamos hipnotizados!

CATARINA  -  Espere... mas se é pura ilusão nossa, o pescador não teria recebido um papel das mãos dele!

CORTA PARA:

CENA 4  -  MANSÃO DE OTTO MULLER  -  SALA  -  INTERIOR  -  DIA

MESTRE JONAS  -  (dando o papel ao Dr. Max) Ele lhe mandou entregar isso. Disse que é urgente. Disse ainda que Seu Otto não tem mais de duas horas de vida, se não for submetido ao soro, já...

COM A RECEITA NA MÃO, O DR. MAX SE RECUSAVA A LER O QUE ESTAVA ESCRITO.

DR. MAX  -  Ora, absurdo! Você quer que eu acredite nisso, Mestre Jonas?

DR. GUSTAVO  -  (médico-assistente, aproximou-se do diretor do hospital)  Max... vamos ler o que está escrito aí.

AMBOS EXAMINARAM O PAPEL. ERA A LETRA E A ASSINATURA DO EX-COLEGA DE TRABALHO. RECONHECIAM-MA A MIL QUILÔMETROS.

OS MÉDICOS ABRIRAM OS OLHOS, DE ESPANTO.

DR. GUSTAVO  -  Incrível! A fórmula do soro.

DR. MAX  -  Não acredito! (bufou, lendo mais uma vez a fórmula salvadora) Sim, é a letra dele! A fórmula que precisamos... Mas isto foi entregue agora? Ou Mestre Jonas já a havia trazido e quer nos enganar?

MESTRE JONAS  -  (encarou o médico com expressão severa) Eu não tenho necessidade disso. E sua dúvida já tá me enchendo! O home ta morrendo. E o senhô tá discutindo se eu tô falando verdade ou mentira!

OS DOIS MÉDICOS SAÍRAM APRESSADOS DEIXANDO O VELHO PESCADOR ENTRE A GENTE RICA E ORGULHOSA DA FAMÍLIA VON MULLER.

LIA  -  (abraçando-o. comovida) Foi maravilhoso. Não sei como o senhor e Cyro conseguem. Só sei que foi maravilhoso. Nunca vi coisa igual, nem verei. Estou emocionada e agradecida. Tenho muita pena de Otto. Gosto muito dele, apesar de tudo.                                      

FIM DO CAPÍTULO 76



                                                

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 75


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 75

Participam deste capítulo

Cyro  -  Tarcísio Meira
Mestre Jonas  -  Gilberto Martinho
Rosa  -  Ana Ariel
Prof. Valdez  -  Enio Santos
Conceição  -  Zeni Pereira
Lia  -  Arlete Salles
Dr. Max  -  Álvaro Aguiar
                                         

CENA 1  -  ILHA DOS CARDOS  -  CHOUPANA  -  INTERIOR  -  DIA

HÁ TRÊS DIAS CYRO MAL SE LEVANTAVA DA ESTEIRA LARGA, ESTENDIDA NO CHÃO DURO DA CHOUPANA. A FEBRE ALTA COMEÇAVA A DECLINAR, MAS A PERNA, ENVOLVIDA POR UM PANO BRANCO, DOÍA-LHE MUITO. A BARBA ESPESSA COBRIA-LHE O ROSTO SOFRIDO E O MÉDICO TINHA DIFICULDADE EM MOVIMENTAR-SE, APESAR DE TER, ELE MESMO, PROTEGIDO O FERIMENTO COM SULFA E MERTHIOLATE.

A CABANA DE MADEIRA COM TETO DE SAPÉ ERA USADA RARAMENTE PELOS PESCADORES QUE SE AVENTURAVAM NO MAR ALTO. A UM CANTO A REDE VELHA, CARCOMIDA. VARAS DE PESCA, SAMBURÁS. ERA TUDO O QUE EXISTIA DENTRO DA CHOUPANA, ALÉM DE UM FOGÃO DE BARRO, ALGUMAS PANELAS, PRATOS E GARFOS ENFERRUJADOS E UMA MORINGA, COM ÁGUA FRESCA, RETIRADA DO POÇO.

O MÉDICO MEDITAVA, OLHANDO A LINHA DE LIGAÇÃO DO CÉU COM O MAR, QUANDO UMA VOZ CHEGOU-LHE AOS OUVIDOS.

VOZ  -  Dr. Cyro!

ERA COMO A COMUNICAÇÃO MENTAL DE UM OUTRO MUNDO.
O VENTO SOPRAVA POR ENTRE AS COPAS DAS ÁRVORES.

CYRO  -  (identificou o chamamento) Mestre Jonas!

EM PORTO AZUL, MESTRE JONAS CONCENTRAVA-SE, SENTADO À BEIRA-MAR, COM OS OLHOS FIXOS NO HORIZONTE.

MESTRE JONAS  -  Dr. Cyro, onde está?

CYRO  -  Mestre Jonas... vim para cá... pra fugir de tudo. Aluguei um barco... pedi ao Chico pescador que me levasse para um lugar fora do mundo. Estou aqui há três dias... na Ilha dos Cardos... você sabe onde é. É afastada... mas não tão longe que me dê a paz que preciso. Eu vou encontrá-la, Jonas; vou encontrá-la. Estou em meditação, procurando a explicação de tudo... tem de haver uma explicação... você pode me ajudar, Jonas. Você pode. Chamei porque preciso de você.

CYRO FEZ UM ESFORÇO, APOIANDO-SE NAS MÃOS, PARA LEVANTAR O CORPO E DIRIGIR-SE AO EXTERIOR DA CABANA. SUA FIGURA SILHUETOU-SE NA MOLDURA DA PORTA RÚSTICA. UM DEUS DE BARBA CRESCIDA, CALÇAS RASGADAS E CORPO FERIDO. ENCAMINHOU-SE PARA O MAR, PARA A PRAIA BRANCA. DESENROLOU O PANO, LAVOU-O NAS ÁGUAS CLARAS E COLOCOU ALGAS MARINHAS SOBRE O FERIMENTO FEIO, ARROXEADO. GEMEU COM O ARDOR DO SAL.

CORTA PARA:

CENA 2  -  PORTO AZUL  -  PRAIA BONITA  -  EXTERIOR  -  DIA

MESTRE JONAS PREPAROU O BOTE E ATIROU OS REMOS NO FUNDO DE MADEIRA. ROSA CORREU ATÉ PERTO DO MARIDO.

ROSA  -  Onde tu vai, Jona?

MESTRE JONAS  -  Ao encontro dele. Do Dr. Cyro.

ROSA  -  Já sabe onde ele tá?

MESTRE JONAS  -  Sei.

O PEQUENO BARCO SINGROU AS ONDAS E SE PERDEU NO RUMO DA ILHA DOS CARDOS.

CORTA PARA:


CENA 3  -  ILHA DOS CARDOS  -  EXTERIOR  -  DIA

COM MOVIMENTOS RÁPIDOS DE QUEM VIVERA NO MAR ANOS A FIO, JONAS ATRACOU O BOTE NA PRAIA DE AREIAS CLARAS. OLHOU EM TORNO E DIVISOU A CHOUPANA. MAIS ALÉM, DE PÉ NUMA ROCHA, VOLTADO PARA O NASCENTE, O VULTO DE CYRO VALDEZ RECORTAVA-SE CONTRA O CÉU AZUL.

O PESCADOR APROXIMOU-SE.

CYRO  -  Estava à sua espera.

MESTRE JONAS  -  Esperei seu chamado (abraçou o amigo, visìvelmente emocionado) Sabia que tava precisando de mim. (olhou em volta) Ilha dos Cardos... já pesquei muito aqui.

CYRO  -  (apontou para a cabana) Estou vivendo ali.

MESTRE JONAS  -  Como tá essa perna?

ENTRARAM NA CABANA ABANDONADA.

CYRO  -  Esteve pior... agora já aliviou um pouco, mas a bala está aí dentro... e eu precisava que você estivesse aqui para me ajudar a retirá-la.

CYRO DESATOU O PANO E MOSTROU O FERIMENTO AO VELHO HOMEM DO MAR.

MESTRE JONAS  -  É melhor eu ir buscar um médico.

CYRO  -  Não... não quero médico. Não quero ver ninguém. Você tem uma faca?

JONAS DESEMBAINHOU O AFIADO FACÃO DE PESCA QUE TRAZIA NA CINTURA.

CYRO  -  Acenda o fogo... para desinfetá-lo. Nós vamos fazer esse servicinho.

ENQUANTO JONAS ATIÇAVA O FOGO E FERVIA ÁGUA, CYRO LIMPOU A FERIDA, DESINFETANDO-A COM SULFA EM PÓ.

MESTRE JONAS  -  (examinando a cozinha empoeirada e vazia) Como tem se arrumado sem alimento?

CYRO  -  Eu mesmo tenho pescado... caranguejo é o que não falta por aí. Um homem não morre de fome quando tem dois braços. Não morre de sede. Nem de desespero, quando se descobre que a causa do sofrimento humano é a ignorância. Eu tenho tido muita pena dos homens, Jonas. (fez uma pequena pausa enquanto amolava o facão e o colocava sobre as chamas do braseiro) Estive, algum tempo, na Índia, Jonas... e nestes dias tenho meditado sobre as palavras do meu primeiro mestre. Ele dizia que... estamos sempre ansiando por satisfazer de várias maneiras uma coisa que chamamos eu. Mas não há eu. Somos apenas formações transitórias, cristalizadas pelo fluxo geral de coisas e acontecimentos. Precisamos abandonar essa ilusão de egocentrismo... desejo de satisfação das nossas paixões. Precisamos aprender, por meio da libertação de nosso espírito contra a superstição... por meio de uma austera disciplina de nossa  vontade...  e  por  meio  do amor... a participar do fluxo do mundo... como humilde e discreta parcela dele. Nisso estão a paz e a felicidade perfeitas.

JONAS OUVIA EMBEVECIDO AS PALAVRAS, ENQUANTO CYRO, SENTADO NUM TAMBORETE, RASGAVA A PERNA COM A LÂMINA AMOLADA. FEZ UMA CARETA, SUPORTANDO A DOR VIOLENTA. O SANGUE ESPIRROU E A PONTA DA FACA PENETROU MAIS FUNDO, À PROCURA DO PEDAÇO DE CHUMBO. CYRO SEGUIU FALANDO, E O SUOR COMEÇOU A DESCER DE SEUS CABELOS LONGOS, INFILTRANDO-SE PELA BARBA NEGRA.

CYRO  -  Meu mestre indiano dizia... bem-aventurados os que ganham a vida de maneira a não trazer mal ou perigo a qualquer vivente. Bem-aventurados os tranqüilos, que se despojaram da má vontade, orgulho e falsa convicção, substituindo-os por amor, piedade e compreensão. Bem-aventurados... todos aqueles que dirigem os melhores esforços no sentido de preparação e domínio de si mesmos...

NUM MOVIMENTO DE TORÇÃO, CYRO ARRANCOU A BALA. MOSTROU-A A JONAS. O PESCADOR SEGUROU O CHUMBO.

MESTRE JONAS  -  De tudo o que me disse... quer dizê que já encontrou seu caminho?

CYRO  -  Não... ainda não. Não sei se meu caminho será de Buda... Não sei se é verdade que vim de outro planeta... Não sei se tenho aqui na Terra uma missão a cumprir e que missão é essa. Ainda não recebi a explicação do mistério.  Não sei quem sou. Mas... vou saber, Jonas!

DO BURACO ABERTO PARA A EXTRAÇÃO DA BALA FLUÍA UM FILETE DE SANGUE. O PESCADOR LIMPOU-O E ENROLOU A PERNA DO CIRURGIÃO COM TIRAS DE PANO, RASGADAS PA PRÓPRIA CALÇA.

MESTRE JONAS  -  Eu tenho a minha certeza. Mas seja qual for o mistério... seja qual for a verdade... mesmo que não venha de encontro à minha... eu sou e hei de ser sempre... o seu seguidor.

CYRO SORRIU MELANCOLICAMENTE E ABRAÇOU O AMIGO.

CORTA PARA:

CENA 4  -  ILHA DOS CARDOS  -  EXTERIOR  -  DIA

DOIS DIAS DEPOIS MESTRE JONAS VOLTOU À ILHA DOS CARDOS. MAS NÃO IA SÓ. ACOMPANHAVAM-NO OS ADEPTOS DA FILOSOFIA DA BONDADE, PREGADA PELO MÉDICO DE PORTO AZUL. JONAS LIDEROU-OS PELOS CAMINHOS DO MAR. TRÊS EMBARCAÇÕES APINHADAS DE PESCADORES E MINEIROS HUMILDES.

JONAS GUIOU-OS ATÉ UM TRECHO AMPLO ENTRE A PRAIA O O ROCHEDO ONDE O ENVIADO COSTUMAVA MEDITAR. CYRO RECEBEU-OS COM ALEGRIA.

CYRO  -  Meus amigos... meus irmãos... vocês tiveram o trabalho de vir aqui... ao meu encontro. Quero lhes falar da minha emoção ao ver que vocês confiam em mim, ainda... depois de tudo o que passamos juntos.

DIVISOU ENTRE OS PRESENTES O VELHO PROFESSOR VALDEZ, SEU AVÔ, E CONCEIÇÃO, A NEGRA. OLHARES MÍSTICOS.

CYRO  -  Ainda não chegou o momento de eu voltar. Mas vai chegar.  Estou  procurando  a  minha  Verdade. (olhou para o céu azul, sem nuvens) A explicação de tudo. Seja ela qual for... será no sentido de ajudar. De uma coisa estou certo. Deus me dotou de algum poder... e não foi em vão. Eu recebo humildemente esse favor de Deus. E vou usá-lo em benefício de todos aqueles que precisam. Tentarei, com a permissão DELE, mostrar a todos um caminho justo... um caminho de amor... de paz... de compreensão... de caridade humana.

CORTA PARA:

CENA 5  -  MANSÃO DE OTTO MULLER  -  SALA  -  INTERIOR  -  DIA

LIA MANDOU CHAMAR, COM URGÊNCIA, O DIRETOR DO HOSPITAL E O DR. MAX, DEPOIS DE DEMORADO EXAME, CONVENCEU-SE DA VERDADE.

DR. MAX  -  O estado do Sr. Otto é gravíssimo. Sem o soro, ele morre. Já tinha sido advertido por Dona Dirce. O soro terminou!

LIA  -  E não podemos encontrá-lo?

DR. MAX  -  Trata-se de uma experiência exclusiva do Dr. Cyro. Eu já lhe disse. Só ele poderá salvá-lo!

LIA  -  (tomou a decisão) Eu vou procurar o Dr. Cyro.

DR. MAX  -  Vai trazê-lo aqui? E se o paciente não quiser vê-lo?

LIA  -  Eu não acredito que Otto prefira morrer. No momento em que ele sentir o perigo, mandará chamar o Dr. Cyro, correndo. Sei quem pode me dizer onde ele está. (segurou o médico pela manga do paletó) Diga, doutor: quanto tempo acha que ele pode esperar pelo soro?

DR. MAX  -  Mais ou menos umas 12 horas. O estado irá se agravando a cada hora que passa.

LIA  -  Vou ver o que posso fazer.

DR. MAX  -  Voltarei amanhã cedo.

FIM DO CAPÍTULO 75

                                                

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 74


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 74

Participam deste capítulo

Comendador Liberato  -  Macedo Netto
Inês  -   Betty Faria
Enfermeira Dirce  -  Sônia Ferreira
Conceição  -  Zeni Pereira


CENA 1  -  PALACETE DO COMENDADOR LIBERATO  -  ESCRITÓRIO  -  INTERIOR  -  DIA

INÊS AGUARDAVA UMA OCASIÃO PARA REPOR A CARTA NA ESCRIVANINHA DO COMENDADOR. A CURIOSIDADE A LEVARA A ABRIR O MÓVEL E ROUBAR O PAPEL QUE, HÁ ANOS, AUGUSTO LIBERATO MANTINHA GUARDADO A SETE CHAVES.

INÊS ABRIU A PESADA PORTA DE MADEIRA. O CORAÇÃO A BATER AGITADO. PÉ ANTE PÉ ENTROU NO APOSENTO. VIU A GRANDE MESA DE PÉS MACIÇOS E AS ESTANTES LATERAIS. O AMBIENTE DE TOTAL ESCURIDÃO. TINHA DE ABRIR A GAVETA E JOGAR O ENVELOPE DENTRO, OU PELO MENOS ENFIÁ-LO PELA FRESTA E COM UM LEVE EMPURRÃO ATIRÁ-LO AO FUNDO DO MÓVEL. PREFERIU ABRIR A GAVETA. SABIA ONDE ENCONTRAR A CHAVE E – QUEM SABE? – DISPORIA DE TEMPO PARA LER OUTRA CARTA. ELAS REVELAVAM TODA A VERDADE SOBRE A VIDA DO COMENDADOR E DO MARIDO, BABY.

LEMBROU-SE DA MUDANÇA OPERADA NO RAPAZ. AGORA, MAIS AMIGO, BONDOSO E DEDICANDO UM POUCO DE SUA EXISTÊNCIA À MULHER. PELO MENOS JÁ A CONVIDAVA PARA SAIR E ALGUMAS VEZES PROCURAVA-A À NOITE. AS MÃOS DE BABY! OS SEUS LÁBIOS! PENSAVA EM TUDO ISSO QUANDO A PORTA SE ABRIU E UM FOCO DE LUZ ILUMINOU O ESCRITÓRIO DO MILIONÁRIO. INÊS SENTIU AS PERNAS BAMBAS E A FALA PRESA NO FUNDO DA GARGANTA. TENTOU FUGIR DALI, MAS O VELHO RETEVE-A PELO BRAÇO.

INÊS  -  (gaguejou) O senhor... me... desculpe! Eu vim só... guardar uma coisa... mas... já ia... embora... me deixa sair... por favor! (tremia da cabeça aos pés) Me deixa... sair!

COMENDADOR  -  Está nervosa, Inês?

INÊS  -  É claro! O senhor pode pensar mal de mim! Eu... eu não estou aqui... por nada!

COMENDADOR  -  Eu sei que você está aqui por curiosidade, mas pode pagar caro por isso, Inês...

O COMENDADOR SORRIU, ZOMBETEIRO, E FECHOU A PORTA À CHAVE.

INÊS  -  Comendador... espera aí... o senhor não pode fazer isso comigo! Me deixa sair, por favor!

COMENDADOR  -  Por quê? Está com medo de mim? Já que estamos aqui... só os dois... vamos conversar. Você tem fugido de mim nos últimos dias. Parece até que eu a ofendi. Eu não lhe disse nada por você ter entrado aqui, disse?

INÊS  -  Não, o senhor não disse. Mas parece que tá zangado comigo!

APONTANDO PARA A GAVETA, AINDA ABERTA, AUGUSTO LIBERATO LEMBROU À MOÇA.

COMENDADOR  -  Aqui existia um segredo... que você desvendou. Não acha que deve pagar por isso? (juntou as cartas num pequeno monte, envolvendo-as com um elástico. Estava calmo, sem nervosismo) Não é verdade... que você desvendou?

INÊS  -  (pôs a mão na boca) Não pensei... que fosse tão horrível.

COMENDADOR  -  Afinal, você ficou sabendo que fui traído por minha mulher... e que ela teve um filho... que criei como se fosse meu!

INÊS  -  O que justifica muita coisa que tenho visto nesta casa...

COMENDADOR  -  Sim... Talvez justifique alguma coisa...

INÊS BUSCOU APOIO NA AMIZADE QUE O VELHO SEMPRE LHE DEMONSTRARA.

INÊS  -  Olha... o senhor me deixa ir embora. A gente fala depois... Leandro vai chegar aqui de repente... fica mal pro senhor. Sabe como ele é.

COMENDADOR  -  Não... ele não vai chegar aqui de repente. Foi não sei aonde. Vi os dois no carro... agarradinhos... cruzei com eles, na rua, quando vinha para cá. Ele gosta de Tula, você sabia? Não gosta de você... como eu gosto!

INÊS  -  (afastando-se do velho) Eu sei por que o senhor tá me dizendo isto! Eu sei! Agora, eu entendo tudo, viu? O senhor não gosta dele. Claro, não podia gostar. O senhor tem uma idéia, desde que ele nasceu! Tudo o que faz é pra castigar ele... pelo que a mãe dele fez! Ela não morreu... quando ele nasceu, não! Ela morreu só três meses depois. Li a carta. Pensa que não li? Ela escrevia pro cara, pai do menino.  Um estrangeiro... desconhecido.  Nome complicado. Alemão, parece... ou austríaco. Pedia socorro a ele. Tava com medo do senhor... tava sim, pensa que eu não sei? Ela morria de medo do senhor! Eu só quero dizer... que sei que o senhor não gosta do Leandro. E sempre mentiu pra ele que a mãe dele morreu de parto... Tudo o que faz é pra castigar o rapaz. Até a mim o senhor tem usado... pra castigar ele. Se me trancou aqui, no escritório... também é pra castigar ele!

HAVIA UM BRILHO MAU NOS OLHOS DO VELHO MILIONÁRIO. TODA A MALDADE DA JUVENTUDE PARECIA TER RETORNADO NUM SEGUNDO.

COMENDADOR  -  (sombrio e ofegante) Talvez não, Inês. Você é alguma coisa muito à parte. Alguma coisa diferente que aconteceu na minha vida sempre vazia. Independente de tudo... independente da aversão que eu sinto por ele... eu gosto de você. E não é pra castigar ninguém. Foi até muito bom você ficar sabendo de tudo. Porque assim, tem a certeza de que não estou cometendo nenhum crime... (encarou fundo os olhos da mulher à sua frente) quando digo que estou apaixonado por você! (aproximou-se lentamente da nora) Louco por você!

INÊS  -  (ameaçou, apavorada com a revelação) Se o senhor não abrir essa porta... eu grito!

LIBERATO NÃO TOMOU CONHECIMENTO E APERTOU O SEIO DA JOVEM, ENTRE AS MÃOS. PEQUENO E DURO. INÊS DESVENCILHOU-SE COM UM PULO.

COMENDADOR -  Não vou lhe fazer nada... mas queria que você soubesse...

INÊS  -  Eu grito!

COMENDADOR  -  Não tenho culpa. Aconteceu... e eu não pude me proteger. Foi a única coisa boa que aconteceu comigo... em 25 anos de martírio.

INÊS  -  (implorou) Por favor! Me deixe sair.

COMENDADOR  -  Elisa me traiu... e eu a odiei. Encontrei em você... o que perdi com Elisa.

INÊS  -  Me deixa sair.

COMENDADOR  -  Não quero que me leve a mal... nem tenha medo de mim. Desejo apenas que saiba... que me perdi de amores por você. Doidamente.

INÊS CORREU À PORTA, BATENDO COM OS PUNHOS, FORTEMENTE.

INÊS  -  Vera! Zoraida! Vera! Zoraida!

CORTA PARA:
Inês (Betty Faria)

CENA 2  -  FLORIANÓPOLIS  -  PERIFERIA  -  CHOUPANA DE CONCEIÇÃO  -  INTERIOR  -  NOITE

A NEGRA CONCEIÇÃO ATIÇAVA O FOGO, QUANDO ALGUÉM BATEU À PORTA DA CHOUPANA.

CONCEIÇÃO  -  Ué, Dona Dirce! Que milagre foi esse? Entre.

AFASTOU O CORPO GORDO, PERMITINDO QUE A JOVEM ENTRASSE NA PEQUENA SALA DO CASEBRE. DIRCE PUXOU UM BANCO E SENTOU-SE.

CONCEIÇÃO  -  Já jantou?

DIRCE  -  Já. Obrigada. Soube que esteve doente. Melhorou?

CONCEIÇÃO  -  Num foi nada, não, moça. O que me faz falta é um pouco de paz. Um pouco de paz.

DIRCE  -  Talvez isto, Conceição... lhe traga um pouco de paz.

PUXOU UM ENVELOPE BRANCO, MEIO SUJO, DO FUNDO DA BOLSA, E ENTREGOU-O À VELHA ADMIRADA.

CONCEIÇÃO  -  O que é?

DIRCE  -  A certeza... de que seu filho não tinha mais do que alguns minutos de vida. A prova definitiva de que o Dr. Cyro Valdez é inocente!

A VELHA NÃO ENTENDERA BEM O SIGNIFICADO DE TUDO AQUILO. OLHOU O ENVELOPE E, ABRINDO-O MECANICAMENTE, RETIROU O ESTRANHO PAPEL COM TRAÇOS NEGROS SOBRE LINHAS CRUZADAS.

CONCEIÇÃO  -  A prova? Como? O que é isto, moça?

DIRCE  -  Os exames que desapareceram do cofre do hospital!

CONCEIÇÃO ARREGALOU OS OLHOS. MAL PODIA ACREDITAR NO QUE LHE REVELAVA A ENFERMEIRA.

CONCEIÇÃO  -  Os exames... o tal... do eletro?

DIRCE  -  É. O eletro... Conceição!

CONCEIÇÃO  -  Eu num entendo nada... mas vou levá pra quem entende, vê.

DIRCE  -  Leve pra quem você quiser, Conceição. E pode dizer que uma enfermeira sem sentimentos roubou estas provas, instigada por um repórter sem caráter, que queria incriminar o Dr. Cyro Valdez! (sentia-se sufocar à medida que se castigava pelo erro) Diga... também... que esse repórter não tinha interesse nela... só pretendia obrigá-la a cometer esse ato sujo. Diga ainda... que depois de tudo... ele a abandonou porque era casado e tinha filhos!

CONCEIÇÃO  -  Foi a senhora que... fez uma maldade dessas?

A JOVEM FEZ QUE SIM COM UM LEVE MOVIMENTO DE CABEÇA. COMEÇAVA A CHORAR, INCONTIDAMENTE. 

DIRCE  -  Fui eu... fui eu!

CONCEIÇÃO  -  Num pudia ter entregado isso, antes... daquelas coisas tudo acontecê?

DIRCE  -  Não esperava que acontecesse! E tinha medo de me comprometer! Nunca pensei que as coisas poderiam chegar aonde chegaram... Dr. Cyro desprezado por todos... Todo o futuro de um cientista jogado no lixo! O menino Ivanzinho morto... Conceição, eu precisava me aliviar... confessar a alguém, não envolvido nas tramas contra o Dr. Cyro Valdez , a verdade de tudo!  De nada adiantava revelar a verdade ao Senhor Otto e Dona Catarina. Eu contei tudo ao Dr. Paulus, mas preferiu me acusar de criminosa, para evitar que a verdade viesse limpar o nome manchado do Dr. Cyro. Agora, não importa mais nada. A senhora pode fazer o que quiser com estas provas. Leve pra polícia... leve para os médicos do hospital... leve para os jornais... Faça, faça o que desejar. E diga que fui eu que roubei!

CORTA PARA:

CENA 3  -  PALACETE DO COMENDADOR LIBERATO  -  ESCRITÓRIO  -  INTERIOR  -  NOITE

COMENDADOR  -  Não adianta você chamar. Não há ninguém em casa. Não precisa tremer de medo, nem ficar assustada. Eu vou abrir a porta e você vai sair calmamente.

RODOU A CHAVE NA FECHADURA E ABRIU A PORTA.

INÊS  -  Sei que o senhor não...

COMENDADOR  -  (cortou) Você ficou por dentro de um segredo da minha vida e eu não fiz nada para isso.

INÊS  -  Eu não digo a ninguém! Não conto a ninguém! Juro que, por mim, Leandro nunca vai saber que o senhor não é o pai dele... e odeia ele.

COMENDADOR  -  Não convém dizer a ele porque não posso amá-lo, como não é conveniente revelar que a mãe dele... não morreu... e pode encontrá-la, se quiser, em São Paulo, usando nome falso... um nome de guerra... desses vulgares... muito comuns no meio em que vive. É uma Margô, qualquer... ou Suzete... ou Naná...

INÊS ESTREMECIA, DE SURPRESA EM SURPRESA.

INÊS  -  A mãe dele? A mãe dele?

COMENDADOR  -  Prostituta!

INÊS  -  Se ele sabe disso.. ele... morre de desgosto!

COMENDADOR  -  Justamente, e é para ele não saber disso... é para ele não morrer de desgosto... que você vai abandoná-lo de uma vez. Porque eu quero, porque eu exijo. Porque se a mãe dele me fez sofrer... ele também não tem o direito de viver bem. Com ninguém. Tem de sofrer até o fim!

INÊS  -  (apavorada) Agora eu sei! Agora entendo tudo!

CALMO E FRIO, AUGUSTO LIBERATO TORNOU A FALAR. HAVIA ENERGIA REFREADA EM SUA VOZ E UM TOM AUTORITÁRIO DE QUEM SE ACOSTUMARA A MANDAR DURANTE TODA A VIDA.

COMENDADOR  -  Quero que você deixe esta casa hoje mesmo. E que nenhuma palavra dita aqui seja repetida a quem quer que seja. É a condição para não matar o Baby de desgosto... Ele tem de morrer aos poucos... lentamente... como a mãe dele fez comigo.

COMO UM SÁDICO LOUCO, O COMENDADOR FITOU UM PONTO VAGO NO CASARÃO, ENQUANTO INÊS CORRIA, SUBINDO A ESCADARIA DO PALACETE.  

FIM DO CAPÍTULO 74