Novela de Janete Clair
Adaptação de Toni Figueira
CAPÍTULO 74
Participam deste
capítulo
Comendador
Liberato - Macedo Netto
Inês -
Betty Faria
Enfermeira Dirce -
Sônia Ferreira
Conceição - Zeni
Pereira
CENA 1 -
PALACETE DO COMENDADOR LIBERATO -
ESCRITÓRIO - INTERIOR
- DIA
INÊS AGUARDAVA UMA OCASIÃO PARA REPOR A CARTA NA ESCRIVANINHA
DO COMENDADOR. A CURIOSIDADE A LEVARA A ABRIR O MÓVEL E ROUBAR O PAPEL QUE, HÁ
ANOS, AUGUSTO LIBERATO MANTINHA GUARDADO A SETE CHAVES.
INÊS ABRIU A PESADA PORTA DE MADEIRA. O CORAÇÃO A BATER
AGITADO. PÉ ANTE PÉ ENTROU NO APOSENTO. VIU A GRANDE MESA DE PÉS MACIÇOS E AS
ESTANTES LATERAIS. O AMBIENTE DE TOTAL ESCURIDÃO. TINHA DE ABRIR A GAVETA E
JOGAR O ENVELOPE DENTRO, OU PELO MENOS ENFIÁ-LO PELA FRESTA E COM UM LEVE
EMPURRÃO ATIRÁ-LO AO FUNDO DO MÓVEL. PREFERIU ABRIR A GAVETA. SABIA ONDE
ENCONTRAR A CHAVE E – QUEM SABE? – DISPORIA DE TEMPO PARA LER OUTRA CARTA. ELAS
REVELAVAM TODA A VERDADE SOBRE A VIDA DO COMENDADOR E DO MARIDO, BABY.
LEMBROU-SE DA MUDANÇA OPERADA NO RAPAZ. AGORA, MAIS AMIGO,
BONDOSO E DEDICANDO UM POUCO DE SUA EXISTÊNCIA À MULHER. PELO MENOS JÁ A
CONVIDAVA PARA SAIR E ALGUMAS VEZES PROCURAVA-A À NOITE. AS MÃOS DE BABY! OS
SEUS LÁBIOS! PENSAVA EM TUDO ISSO QUANDO A PORTA SE ABRIU E UM FOCO DE LUZ
ILUMINOU O ESCRITÓRIO DO MILIONÁRIO. INÊS SENTIU AS PERNAS BAMBAS E A FALA
PRESA NO FUNDO DA GARGANTA. TENTOU FUGIR DALI, MAS O VELHO RETEVE-A PELO BRAÇO.
INÊS - (gaguejou) O senhor... me... desculpe! Eu vim
só... guardar uma coisa... mas... já ia... embora... me deixa sair... por
favor! (tremia da cabeça aos pés) Me deixa... sair!
COMENDADOR - Está nervosa, Inês?
INÊS - É claro! O senhor pode pensar mal de mim!
Eu... eu não estou aqui... por nada!
COMENDADOR - Eu sei que você está aqui por curiosidade,
mas pode pagar caro por isso, Inês...
O COMENDADOR SORRIU, ZOMBETEIRO, E FECHOU A PORTA À CHAVE.
INÊS - Comendador... espera aí... o senhor não pode
fazer isso comigo! Me deixa sair, por favor!
COMENDADOR - Por quê? Está com medo de mim? Já que estamos
aqui... só os dois... vamos conversar. Você tem fugido de mim nos últimos dias.
Parece até que eu a ofendi. Eu não lhe disse nada por você ter entrado aqui,
disse?
INÊS - Não, o senhor não disse. Mas parece que tá
zangado comigo!
APONTANDO PARA A GAVETA, AINDA ABERTA, AUGUSTO LIBERATO
LEMBROU À MOÇA.
COMENDADOR - Aqui existia um segredo... que você
desvendou. Não acha que deve pagar por isso? (juntou as cartas num pequeno
monte, envolvendo-as com um elástico. Estava calmo, sem nervosismo) Não é
verdade... que você desvendou?
INÊS - (pôs a mão na boca) Não pensei... que fosse
tão horrível.
COMENDADOR - Afinal, você ficou sabendo que fui traído por
minha mulher... e que ela teve um filho... que criei como se fosse meu!
INÊS - O que justifica muita coisa que tenho visto
nesta casa...
COMENDADOR - Sim... Talvez justifique alguma coisa...
INÊS BUSCOU APOIO NA AMIZADE QUE O VELHO SEMPRE LHE
DEMONSTRARA.
INÊS - Olha... o senhor me deixa ir embora. A gente
fala depois... Leandro vai chegar aqui de repente... fica mal pro senhor. Sabe
como ele é.
COMENDADOR - Não... ele não vai chegar aqui de repente.
Foi não sei aonde. Vi os dois no carro... agarradinhos... cruzei com eles, na
rua, quando vinha para cá. Ele gosta de Tula, você sabia? Não gosta de você...
como eu gosto!
INÊS - (afastando-se do velho) Eu sei por que o
senhor tá me dizendo isto! Eu sei! Agora, eu entendo tudo, viu? O senhor não
gosta dele. Claro, não podia gostar. O senhor tem uma idéia, desde que ele
nasceu! Tudo o que faz é pra castigar ele... pelo que a mãe dele fez! Ela não
morreu... quando ele nasceu, não! Ela morreu só três meses depois. Li a carta.
Pensa que não li? Ela escrevia pro cara, pai do menino. Um estrangeiro... desconhecido. Nome complicado. Alemão, parece... ou
austríaco. Pedia socorro a ele. Tava com medo do senhor... tava sim, pensa que
eu não sei? Ela morria de medo do senhor! Eu só quero dizer... que sei que o
senhor não gosta do Leandro. E sempre mentiu pra ele que a mãe dele morreu de
parto... Tudo o que faz é pra castigar o rapaz. Até a mim o senhor tem usado...
pra castigar ele. Se me trancou aqui, no escritório... também é pra castigar
ele!
HAVIA UM BRILHO MAU NOS OLHOS DO VELHO MILIONÁRIO. TODA A
MALDADE DA JUVENTUDE PARECIA TER RETORNADO NUM SEGUNDO.
COMENDADOR - (sombrio e ofegante) Talvez não, Inês. Você é
alguma coisa muito à parte. Alguma coisa diferente que aconteceu na minha vida
sempre vazia. Independente de tudo... independente da aversão que eu sinto por
ele... eu gosto de você. E não é pra castigar ninguém. Foi até muito bom você
ficar sabendo de tudo. Porque assim, tem a certeza de que não estou cometendo
nenhum crime... (encarou fundo os olhos da mulher à sua frente) quando digo que
estou apaixonado por você! (aproximou-se lentamente da nora) Louco por você!
INÊS - (ameaçou, apavorada com a revelação) Se o
senhor não abrir essa porta... eu grito!
LIBERATO NÃO TOMOU CONHECIMENTO E APERTOU O SEIO DA JOVEM,
ENTRE AS MÃOS. PEQUENO E DURO. INÊS DESVENCILHOU-SE COM UM PULO.
COMENDADOR - Não vou
lhe fazer nada... mas queria que você soubesse...
INÊS - Eu grito!
COMENDADOR - Não tenho culpa. Aconteceu... e eu não pude
me proteger. Foi a única coisa boa que aconteceu comigo... em 25 anos de
martírio.
INÊS - (implorou) Por favor! Me deixe sair.
COMENDADOR - Elisa me traiu... e eu a odiei. Encontrei em
você... o que perdi com Elisa.
INÊS - Me deixa sair.
COMENDADOR - Não quero que me leve a mal... nem tenha medo
de mim. Desejo apenas que saiba... que me perdi de amores por você. Doidamente.
INÊS CORREU À PORTA, BATENDO COM OS PUNHOS, FORTEMENTE.
INÊS - Vera! Zoraida! Vera! Zoraida!
CENA 2 -
FLORIANÓPOLIS - PERIFERIA
- CHOUPANA DE CONCEIÇÃO -
INTERIOR - NOITE
A NEGRA CONCEIÇÃO ATIÇAVA O FOGO, QUANDO ALGUÉM BATEU À
PORTA DA CHOUPANA.
CONCEIÇÃO - Ué, Dona Dirce! Que milagre foi esse? Entre.
AFASTOU O CORPO GORDO, PERMITINDO QUE A JOVEM ENTRASSE NA
PEQUENA SALA DO CASEBRE. DIRCE PUXOU UM BANCO E SENTOU-SE.
CONCEIÇÃO - Já jantou?
DIRCE - Já. Obrigada. Soube que esteve doente.
Melhorou?
CONCEIÇÃO - Num foi nada, não, moça. O que me faz falta é
um pouco de paz. Um pouco de paz.
DIRCE - Talvez isto, Conceição... lhe traga um pouco
de paz.
PUXOU UM ENVELOPE BRANCO, MEIO SUJO, DO FUNDO DA BOLSA, E
ENTREGOU-O À VELHA ADMIRADA.
CONCEIÇÃO - O
que é?
DIRCE
- A certeza... de que seu filho
não tinha mais do que alguns minutos de vida. A prova definitiva de que o Dr.
Cyro Valdez é inocente!
A VELHA NÃO ENTENDERA BEM O
SIGNIFICADO DE TUDO AQUILO. OLHOU O ENVELOPE E, ABRINDO-O MECANICAMENTE,
RETIROU O ESTRANHO PAPEL COM TRAÇOS NEGROS SOBRE LINHAS CRUZADAS.
CONCEIÇÃO - A
prova? Como? O que é isto, moça?
DIRCE
- Os exames que desapareceram do
cofre do hospital!
CONCEIÇÃO ARREGALOU OS OLHOS. MAL
PODIA ACREDITAR NO QUE LHE REVELAVA A ENFERMEIRA.
CONCEIÇÃO - Os
exames... o tal... do eletro?
DIRCE
- É. O eletro... Conceição!
CONCEIÇÃO - Eu
num entendo nada... mas vou levá pra quem entende, vê.
DIRCE
- Leve pra quem você quiser,
Conceição. E pode dizer que uma enfermeira sem sentimentos roubou estas provas,
instigada por um repórter sem caráter, que queria incriminar o Dr. Cyro Valdez!
(sentia-se sufocar à medida que se castigava pelo erro) Diga... também... que
esse repórter não tinha interesse nela... só pretendia obrigá-la a cometer esse
ato sujo. Diga ainda... que depois de tudo... ele a abandonou porque era casado
e tinha filhos!
CONCEIÇÃO - Foi
a senhora que... fez uma maldade dessas?
A JOVEM FEZ QUE SIM COM UM LEVE
MOVIMENTO DE CABEÇA. COMEÇAVA A CHORAR, INCONTIDAMENTE.
DIRCE
- Fui eu... fui eu!
CONCEIÇÃO - Num
pudia ter entregado isso, antes... daquelas coisas tudo acontecê?
DIRCE
- Não esperava que acontecesse! E
tinha medo de me comprometer! Nunca pensei que as coisas poderiam chegar aonde
chegaram... Dr. Cyro desprezado por todos... Todo o futuro de um cientista
jogado no lixo! O menino Ivanzinho morto... Conceição, eu precisava me
aliviar... confessar a alguém, não envolvido nas tramas contra o Dr. Cyro
Valdez , a verdade de tudo! De nada
adiantava revelar a verdade ao Senhor Otto e Dona Catarina. Eu contei tudo ao
Dr. Paulus, mas preferiu me acusar de criminosa, para evitar que a verdade
viesse limpar o nome manchado do Dr. Cyro. Agora, não importa mais nada. A senhora
pode fazer o que quiser com estas provas. Leve pra polícia... leve para os
médicos do hospital... leve para os jornais... Faça, faça o que desejar. E diga
que fui eu que roubei!
CORTA PARA:
CENA 3 - PALACETE DO COMENDADOR LIBERATO -
ESCRITÓRIO - INTERIOR
- NOITE
COMENDADOR - Não
adianta você chamar. Não há ninguém em casa. Não precisa tremer de medo, nem
ficar assustada. Eu vou abrir a porta e você vai sair calmamente.
RODOU A CHAVE NA FECHADURA E ABRIU A
PORTA.
INÊS
- Sei que o senhor não...
COMENDADOR -
(cortou) Você ficou por dentro de um segredo da minha vida e eu não fiz
nada para isso.
INÊS
- Eu não digo a ninguém! Não
conto a ninguém! Juro que, por mim, Leandro nunca vai saber que o senhor não é
o pai dele... e odeia ele.
COMENDADOR - Não
convém dizer a ele porque não posso amá-lo, como não é conveniente revelar que
a mãe dele... não morreu... e pode encontrá-la, se quiser, em São Paulo, usando
nome falso... um nome de guerra... desses vulgares... muito comuns no meio em
que vive. É uma Margô, qualquer... ou Suzete... ou Naná...
INÊS ESTREMECIA, DE SURPRESA EM
SURPRESA.
INÊS
- A mãe dele? A mãe dele?
COMENDADOR -
Prostituta!
INÊS
- Se ele sabe disso.. ele...
morre de desgosto!
COMENDADOR -
Justamente, e é para ele não saber disso... é para ele não morrer de
desgosto... que você vai abandoná-lo de uma vez. Porque eu quero, porque eu
exijo. Porque se a mãe dele me fez sofrer... ele também não tem o direito de
viver bem. Com ninguém. Tem de sofrer até o fim!
INÊS
- (apavorada) Agora eu sei! Agora
entendo tudo!
CALMO E FRIO, AUGUSTO LIBERATO TORNOU
A FALAR. HAVIA ENERGIA REFREADA EM SUA VOZ E UM TOM AUTORITÁRIO DE QUEM SE
ACOSTUMARA A MANDAR DURANTE TODA A VIDA.
COMENDADOR - Quero
que você deixe esta casa hoje mesmo. E que nenhuma palavra dita aqui seja
repetida a quem quer que seja. É a condição para não matar o Baby de
desgosto... Ele tem de morrer aos poucos... lentamente... como a mãe dele fez
comigo.
COMO UM SÁDICO LOUCO, O COMENDADOR
FITOU UM PONTO VAGO NO CASARÃO, ENQUANTO INÊS CORRIA, SUBINDO A ESCADARIA DO
PALACETE.
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