Novela de Janete Clair
Adaptação de Toni Figueira
CAPÍTULO 73
Participam deste
capítulo
Cyro -
Tarcísio Meira
Ester -
Gloria Menezes
Paulus -
Emiliano Queiroz
Lia -
Arlete Salles
Dirce - Sônia Ferreira
Ivanzinho - Rogério Pitanga
CENA 1 -
MANSÃO DE OTTO MULLER - SALA
- INTERIOR - DIA
A NOTÍCIA CORREU CÉLERE E EM POUCAS HORAS TODA A CIDADE
TOMAVA CONHECIMENTO DO TRÁGICO INCIDENTE DE PORTO AZUL. LIA ACHOU MELHOR
ESCONDER O FATO DE OTTO MULLER. SUAS CONDIÇÕES FÍSICAS NÃO LHE PERMITIAM SOFRER
UM CHOQUE DE TAMANHA RUDEZA. A MORTE DO GAROTO PODERIA LEVÁ-LO AO DESESPERO,
PENSAVA ELA.
PAULUS - (com um ar absolutamente neutro) O pior é que
parece que Ester desapareceu com o menino. Foi a notícia que me trouxeram de
lá.
LIA - (evitou encarar o advogado) Vou ficar com
Otto. Não vamos dar esta notícia a ele, agora.
PAULUS PEGOU O TELEFONE E DISCOU UM NÚMERO. SURPREENDEU-SE
COM A PRESENÇA DESAGRADÁVEL DA ENFERMEIRA DO CHEFÃO. FITOU-A COM UMA RUGA DE
INQUIETAÇÃO. DIRCE ADIANTOU-SE ATÉ O MEIO DA SALA E DIRIGIU-SE A ELE.
DIRCE - Dr. Paulus! Eu... preciso lhe dizer uma
coisa!
ALGUÉM DO LADO DE LÁ DA LINHA ATENDEU AO CHAMADO DO ADVOGADO.
ELE AJEITOU OS ÓCULOS ESCUROS E MECANICAMENTE DIALOGOU COM O INTERLOCUTOR.
PAULUS - Alô! É o detetive Homero? Ahn... Homero, é um
caso pra ti, rapaz. Preciso que me encontre o causador de uma desgraça na praça
de Porto Azul. Uma investigação particular. Desejo encontrar o miserável que
atirou a esmo, e acertou numa criança. Você já deve ter tomado conhecimento. Toda Florianópolis
já sabe do fato. O que não falta é jornalista na esteira dos acontecimentos.
Farejam tudo... Sim... encontre-se comigo na delegacia de Porto Azul, dentro
de... (olhou o relógio de pulso) dentro de meia hora, mais ou menos. Vou pra lá
de carro, correndo. Tá?
DIRCE - (insistiu, encabulada) Dr. Paulus... eu
preciso lhe fazer uma confissão!
PAULUS - Que confissão... mulher?
DIRCE - (mal podia falar; tremiam-lhe os lábios e o
queixo) Ouça, Dr. Paulus! Eu necessito lhe dizer uma coisa... senão... senão,
não tenho mais sossego... nunca mais na minha vida!
PAULUS - (impacientou-se) Diga logo! Diga!
DIRCE - Tudo isto que está acontecendo... a revolta
de Conceição... a consequente violência que atingiu Dona Ester... tudo isso...
não tem razão de ser. Porque acusam o Dr. Cyro de um crime que ele não cometeu!
PAULUS - (ordenou, autoritário) Explique-se!
DIRCE - Dr. Cyro... está inocente. Aqueles exames...
digo, as provas... que podem confirmar sua inocência no caso do doador... estão
comigo!
A SURPRESA IMOBILIZOU POR ALGUNS SEGUNDOS O ASSECLA DE OTTO
MULLER. ESTAVA PERPLEXO.
PAULUS - Com você?
DIRCE - É. Fui eu que roubei as provas do cofre do
Hospital... a pedido de... Godoy!
PAULUS - Bem... até aí, nada demais. Godoy sabia o que
estava fazendo.
DIRCE - Godoy só queria comprometer o Dr. Cyro! Eu
acreditei nele... pensei que ajudando ia lucrar alguma coisa... Ele me fez mil
promessas... que não cumpriu. Godoy me deu o fora e me abandonou. E eu não
tenho mais nenhuma razão de continuar ocultando as provas a favor do Dr. Cyro.
PAULUS - (segurou com força as duas mãos da
enfermeira) Tem sim, sua idiota. Nesta altura, você não vai salvar o Dr. Cyro
de coisa nenhuma. Vai é complicar mais a história. Porque agora não interessa
mais provar que Cyro é inocente. Interessa saber quem matou o filho de Ester!
O ADVOGADO DEU MEIA VOLTA E BUSCOU A PORTA DE SAÍDA. DIRCE
CORREU E DETEVE-O.
DIRCE - Dr. Paulus... tudo isso faz parte de uma
mesma trama, de um mesmo jogo... de um mesmo interesse!
PAULUS - (transtornado) O que você quer dizer com
isso?
DIRCE - Godoy, o senhor e o senhor Otto Muller, os
três tinham interesse em eliminar o Dr. Cyro!
PAULUS - Não seja estúpida! Eu não ia mandar atirar a
esmo, como fizeram! Eu não ia atingir inocentes, para que pagassem pelos erros
de Cyro!
DIRCE - Eu não quero acusar ninguém. Só desejo que
todos saibam... eu tenho os exames comprovadores da inocência dele. Estão
comigo... e eu não os darei a ninguém.
PAULUS - (possesso, agarrou-a pelo braço) Pois bem.
Mostre os exames à polícia. Inocente Cyro. Sabe o que vai acontecer? (fez um X
com os dedos) Irá parar no xadrez. Isto que você praticou tem um nome. Chama-se
crime. Entendeu bem? Crime de calúnia e roubo!
AFASTOU-SE NUM REPELÃO. A JOVEM EQUILIBROU-SE PARA NÃO CAIR.
PAULUS ABANDONOU A SALA, COLÉRICO.
CORTA PARA:
CENA 2 - CASA
DE ESTER - SALA
INTERIOR - NOITE
ERA NOITE.
O TELEFONE TOCAVA INSISTENTEMENTE MAS A MULHER IGNORAVA-O,
COMO SE O RUÍDO NÃO ATINGISSE SEUS OUVIDOS. APENAS A LUZ BAÇA DE UM ABAJUR
ILUMINAVA A SALA BEM DECORADA.
ESTER AJOELHARA-SE E FIXAVA UM PONTO QUALQUER NO ALTO DA
PAREDE, ENQUANTO SEUS PENSAMENTOS DESORDENAVAM-SE, RETROCEDENDO AOS ÚLTIMOS
DIAS.
CORTA PARA:
CENA 3 -
PORTO AZUL - CASA DE BÁRBARA -
JARDIM - EXTERIOR
- NOITE
CYRO OLHOU UM PONTO QUALQUER NOS CÉUS. NA TELA ESCURA DA
NOITE, A IMAGEM DA MULHER APARECEU-LHE NÍTIDA, AJOELHADA, DESESPERADA. CYRO VALDEZ FORÇOU O
PENSAMENTO. ERA PRECISO COMUNICAR-SE COM ELA, ONDE ESTIVESSE. OS OLHOS DO
MÉDICO PERMANECIAM PRESOS NO HIPOTÉTICO PONTO ESPACIAL. E SEUS LÁBIOS COLADOS.
EXPRESSÃO SEVERA.
CYRO - Ester! Ester! Eu sei que você está aí...
CORTA PARA:
CENA 4 - CASA
DE ESTER - EXTERIOR
- NOITE
EM POUCOS MINUTOS O CARRO FREOU DIANTE DA LUXUOSA RESIDENCIA
DO OUTEIRO. CYRO DESCEU E COMO UM ALUCINADO LANÇOU-SE PORTÃO ADENTRO, ATÉ A
PORTA DE ENTRADA. BATEU, COM FORÇA.
CENA 5 - CASA
DE ESTER - SALA - INTERIOR
- NOITE
ELA LEVANTOU-SE LENTAMENTE E RODOU A CHAVE NA FECHADURA. O
MÉDICO APROXIMOU-SE, COM A PERNA FERIDA, ANDANDO COM DIFICULDADE. O FERIMENTO O
INCOMODAVA MUITO. TENTOU ABRAÇAR A ESPOSA. ELA RECUOU, ENOJADA.
ESTER - Não me toque!
CYRO - Me deixe fazer alguma coisa por você.
ESTER - Por mim não há nada a fazer. Faça por ele.
(apontou o corpinho inerte no sofá) Examine-o.
CYRO DEBRUÇOU-SE SOBRE O PEITO DO MENINO. AUSCULTOU-O POR
ALGUNS SEGUNDOS. INÚTIL, SABIA DE ANTEMÃO. HAVIA HORAS QUE A BALA ASSASSINA O
ATINGIRA NO CORAÇÃO. UM FURO DE NADA.
CYRO - (sem mentir) Não adianta mais, Ester!
ESTER - Você pode ressuscitá-lo!
CYRO - Impossível!
ESTER - Para você... existe o impossível?
CYRO LEVANTOU-SE, GEMENDO COM A DOR NA PERNA FERIDA.
CYRO - Ester... eu... sou um homem! Não sou Deus!
ESTER - Eu sei que você não é um deus... mas em
outras ocasiões tem mostrado não ser um homem comum. Você pode, quando você
quer!
PELO OLHAR DESVAIRADO, O MÉDICO DIAGNOSTICARA O ESTADO DE
EXCITAÇÃO, DE LOUCURA, QUE DOMINAVA A JOVEM MULHER. O CHOQUE ABALARA-A
PROFUNDAMENTE. FÔRA FORTE DEMAIS.
CYRO - Você está louca, Ester! Então se eu pudesse
não faria? Por você? Por ele? Fiz o que pude por um homem que me detesta e só
deseja o nosso mal! Por que não faria por ele... Ivanzinho... a quem eu amava
como um filho?
ESTER - Eu não sei... mas ao menos tente! Tente, por
Deus!
CYRO - (angustiado) Mas... como? Ele está morto! Se
eu pudesse, daria até
a minha vida
para salvá-lo! Mas
não há nenhuma maneira, nenhum recurso humano.. que eu possa tentar!
ESTER - (não se dava por vencida) Quando você quer
uma coisa, você obtém! Concentre-se... queira... faça como você fez, quando me
quis! Quando me arrastou para você! Quando me obrigou a ser sua pela sua
vontade, pelo seu poder!
CYRO SENTIU OS MÚSCULOS IMPELIREM-NO PARA O CADÁVER DO
MENINO. OLHOU-O, EM DESESPERO. A FORÇA DE VONTADE DA MÃE ENLOUQUECIDA
ESTIMULAVA-O.
ESTER - Queira, Cyro! Ordene que ele volte à vida!
Apele para Deus! Para os seres de outro planeta que o mandaram aqui... para as
forças misteriosas que você domina, quando quer... sei lá... eu não acreditava
em nada disso! Mas estou desesperada, Cyro! Eu quero que meu filho viva, seja
lá como for! Venha esse milagre de onde vier!
CYRO - Eu também não creio, Ester. Eu também não
creio em nada disso. Não creio que eu seja um deus, ou um ser vindo de outro
planeta. Mas, se for preciso crer, se for preciso aceitar esse destino para
salvar seu filho, eu lhe digo, Ester... neste momento, creio! Creio firmemente
e estou disposto a assumir o meu destino. Seja quem for que me deu esses
poderes... eu suplico... que agora faça com que eles sejam capazes de restituir
a vida desta criança!
CYRO DESCANSOU A MÃO DIREITA SOBRE A CABEÇA DE IVANZINHO,
FITANDO-O DEMORADAMENTE. OLHOS ANGUSTIADOS. FEIÇÕES INTEIRAMENTE TRANSTORNADAS
PELA DOR FÍSICA E MORAL QUE O CONSUMIA. DURANTE VÁRIOS MINUTOS OS OLHOS DE AMBOS FIXARAM-SE NO ROSTO SERENO DO
MENINO. ESTER CHORAVA BAIXINHO, SEGURANDO AS MÃOS DO FILHO MORTO.
CYRO - (ergueu-se, derrotado) Eu lhe disse! Não
posso fazer nada! É inútil! Não tenho poder nenhum!
ESTER - (olhou-o, desarvorada) Você acha que basta
isto?
CYRO - (franzindo a testa) Basta o quê?
ESTER - Basta dizer isso... voltar as costas e ir
embora? Não há nenhum peso em sua consciência?
CYRO - (apertando ambas as mãos contra o peito)
Ester, eu não tenho culpa!
ESTER - (gritou, histérica) Foi por sua causa! Na
verdade, foi você quem o matou!
CYRO - Ester... você não sabe o que diz... está
desatinada!
COMO UMA FERA ACUADA, A MULHER ENCAROU O HOMEM A QUEM HAVIA
AMADO. O ÓDIO MOSTRAVA-SE POR INTEIRO EM SUAS FEIÇÕES.
ESTER - Eu sei o que estou dizendo. Sei agora que meu
filho não teria morrido, se você não tivesse surgido em minha vida. Se eu não
me tivesse deixado arrastar pela loucura de amá-lo. Se eu não tivesse esquecido
de mim mesma... e dele... para me entregar a você. Eu também tenho culpa... eu
também o matei!
CYRO - Quando você voltar a raciocinar...
ESTER - Nunca raciocinei tão bem em minha vida, desde
que o conheci! Nunca estive tão consciente dos meus atos! Nunca tive tanta
certeza!
CYRO - Ester... volte a si! Você está ficando louca!
ESTER - Os tiros eram para você! Ele morreu no seu
lugar! E agora não é capaz de lhe restituir a vida!
CYRO - Isso independe de eu fazer milagres!
ESTER - Você alimentou... aquilo que o matou!
Desapareça da minha vida, Cyro! Estou dizendo isso... e não estou fora de mim!
Eu não quero mais ver você!
O MÉDICO VOLTOU-LHE AS COSTAS E SAIU DA RESIDENCIA, DESATINADO.
ESTER AJOELHOU-SE JUNTO AO CORPINHO DO FILHO E OROU BAIXO, TENTANDO CONTER AS
LÁGRIMAS QUE LHE BROTAVAM DOS OLHOS.
ESTER - Perdão... perdão, meu filho! Perdão...
perdão... perdão!
FIM DO CAPÍTULO 73
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