Novela de Janete Clair
Adaptação de Toni Figueira
CAPÍTULO 76
Participam deste
capítulo
Cyro -
Tarcísio Meira
Otto -
Jardel Filho
Mestre Jonas -
Gilberto Martinho
Lia -
Arlete Salles
Dr. Max -
Álvaro Aguiar
Dr. Gustavo -
Francisco Serrano
Catarina -
Lidia Mattos
Paulus -
Emiliano Queiroz
Dirce -
Sônia Ferreira
CENA 1 - MANSÃO DE OTTO MULLER -
QUARTO DE OTTO - INTERIOR
- DIA
SERIA DIFÍCIL ABORDAR OTTO MULLER E
CONVENCÊ-LO A ACEITAR A PRESENÇA DE CYRO VALDEZ EM SUA CASA, MAS LIA NÃO
DISPUNHA DE MUITO TEMPO. NEM DE OUTRA OPÇÃO.
LIA
- Otto, preciso falar com você.
OTTO
- E eu com você. Chegou a nossa
hora, Lia. Há muito tempo que eu pretendia ter esse papo com você.
OTTO SUSPENDEU O COBERTOR ATÉ O
PESCOÇO. SENTIA FRIO.
LIA
- Acho que sei o que você vai
dizer, Otto. Mas aconselho a não se preocupar muito com o assunto. Não é o mais
importante, agora.
OTTO
- (ignorou a advertência) Lia...
você me enganou durante muito tempo. Nunca me disse quem eram seus parentes.
Você mentiu para mim.
LIA
- Nunca me foi perguntado, Otto.
Portanto, não menti.
OTTO
- Nunca lhe foi perguntado...
porque eu nunca podia imaginar que aquela mulher... a tal Das Dores... uma
negra... fosse irmã da sua mãe! Mamãe me contou.
LIA
- Bem... agora que você já sabe,
isto altera alguma coisa?
OTTO
- (deu um berro, estremecendo o
quarto) Se altera? Você não tem vergonha de me perguntar isso?
LIA
- Será possível, Otto, que nem a
lição que Deus lhe deu, não mudou sua maneira de pensar? Por que você acha que
tem no peito o coração de Vicente Marques, o
filho de Conceição? Hem, Otto? Será que você não entendeu?
OTTO
- (babou de raiva) Não foi Deus
quem fez isso comigo! Deus é branco! Foi aquele demônio, auxiliado por você,
Lia! E eu acho que tanto você quanto ele tem de pagar por isso!
LIA
- (juntando as mãos com força)
Muito bem. O que pretende fazer?
OTTO
- Eu quero... que você expulse
seus parentes do Valongo. Eles trabalham para meu primo... mas você encontrará
razões convincentes para levá-los a desaparecer. Pense já numa idéia, numa
razão. Eu não tenho pressa.
LIA
- Fique sabendo de uma coisa, meu
marido... eu não vou fazer isso. Se você impõe como condição, eu irei com eles.
E se eu deixar você, você vai morrer, Otto! Porque eu sou a única pessoa que
pode convencer o Dr. Cyro a vir aqui... lhe salvar a vida! Porque você não sabe
e é preciso saber... está condenado a morrer em 12 horas... se ele não vier
socorrê-lo. E eu deixarei você esticar as canelas!
A MULHER FÔRA RUDE PROPOSITADAMENTE E
AGORA VIA SURTIR EFEITO SUA ATITUDE ENÉRGICA. OTTO EMPALIDECEU E LEVANTOU-SE,
ARFANTE. ERA OUTRO HOMEM. O MEDO REFLETIDO NOS OLHOS AZUIS, PEQUENOS E MAUS.
BERROU, INVESTINDO CONTRA A MULHER QUE AMEAÇAVA DEIXAR O QUARTO.
OTTO
- Lia! Lia! Diga que é mentira o
que acaba de me dizer!
LIA
- É verdade. Foi dito agora mesmo
pelo Dr. Max. Ele disse que você só pode esperar 12 horas pelo soro. E quem tem
a fórmula é o Dr. Cyro.
OTTO
- E o que está esperando? Faça
alguma coisa! Está me ouvindo? Chame aquele demônio! Vá buscá-lo nas
profundezas do inferno... onde ele estiver! Eu não quero morrer! Eu não quero
morrer!
LIA
- Eu vou chamá-lo, com uma condição. Meus parentes... vão ficar onde
estão. E você vai esquecer que eles existem!
OTTO
- (vociferou, zangado) Você...
preparou tudo! Você sabia que isso tudo iria acontecer. Você e o médico...
tramaram tudo!
LIA
- Nós não tramamos, Otto. Mas já
que as coisas foram assim encaminhadas, você tem de se submeter a elas. Aceita
a minha condição ou tem alguma coisa a objetar?
OTTO
- Quero que seus parentes vão pro
diabo... (falou, tenso e em voz baixa, afogada no desespero) faça o que quiser
com eles... mas não me deixe morrer. Chame o médico feiticeiro... depressa...
não me deixe morrer!
CENA 2 - PORTO AZUL
- CHOUPANA DE MESTRE JONAS -
SALA - INTERIOR
- DIA
ERA A ÚNICA SOLUÇÃO. PROCURAR MESTRE
JONAS E, POR INTERMÉDIO DELE, ATRAIR CYRO ATÉ A CASA DE OTTO MULLER. E FOI O
QUE FEZ LIA.
MESTRE JONAS -
Difícil, Lia, mas vamos ver o que se pode fazer.
CORTA PARA:
CENA 3 - MANSÃO DE OTTO MULLER -
QUARTO DE OTTO - INTERIOR
- DIA
TODOS ESPERAVAM, AFLITOS, NA RESIDENCIA
LUXUOSA: LIA, PAULUS, DIRCE, DONA CATARINA E OTTO, SEMI-INCONSCIENTE, ESTICADO
NA LARGA CAMA DE CASAL. O SILENCIO FOI QUEBRADO PELAS PASSADAS FIRMES DE UM
HOMEM. TODOS OS OLHARES SE VOLTARAM PARA A PORTA. MESTRE JONAS ENTROU, SOZINHO.
DR. MAX -
(levantou-se, nervoso) Onde está Cyro? Pensei que viesse com ele.
LIA
- Não havia tempo. Ele está longe
daqui. Horas de barco. Mestre Jonas garantiu que Dr. Cyro virá a este quarto...
agora!
DR. MAX -
(pulou, incrédulo) Como? Vocês estão loucos? Estão loucos?
SEM LEVAR EM CONSIDERAÇÃO A ATITUDE
DO CIRURGIÃO, O PESCADOR APROXIMOU-SE DA CAMA DO MORIBUNDO.
MESTRE JONAS - Eu
peço a todo mundo que fique calado... num pensamento só.
DR. MAX - Uma loucura!
VISIVELMENTE CONTRARIADO, O MÉDICO
SAIU DO QUARTO.
JONAS BAIXOU OS OLHOS, CONTRITO E
CONCENTROU-SE. ABRIU OS LÁBIOS, COMO NUMA PRECE AOS SANTOS.
MESTRE JONAS - Dr.
Cyro... sou eu... Jonas... seu amigo. Sua presença é necessária... neste
quarto... para salvar a vida de um homem... seu paciente.
NA PENUMBRA AMBIENTE, UMA FORMA
INDECISA SURGIU AO LADO DO PESCADOR. COMO UM PENSAMENTO MATERIALIZADO. ERA CYRO
VALDEZ. CABELOS LONGOS E NEGROS. BARBA CERRADA. OLHOU A CAMA DE OTTO MULLER.
TENTOU ABRIR OS OLHOS DO DOENTE.
LIA PERCEBEU QUE A ENFERMEIRA IA DIRIGIR-SE
AO VULTO.
LIA
- Não diga nada, Dirce.
A PORTA ABRIU-SE E PAULUS PAROU, AO
CONSTATAR A PRESENÇA FÍSICA DO MÉDICO, QUE CONCLUÍA O EXAME NO DOENTE.
PEGOU-LHE O PULSO E CONTOU OS BATIMENTOS. EM SEGUIDA ESCREVEU COM MÃO FIRME NUM
BLOCO DE RECEITAS.
A VOZ INCONFUNDÍVEL SAIU DO FUNDO DA
GARGANTA DA VISÃO MATERIALIZADA. NINGUÉM SE MOVIA NO INTERIOR DO QUARTO.
CYRO
- Entregue ao Dr. Max. É urgente.
Ele não tem mais que duas horas de vida, se não for submetido ao soro
imediatamente. Está tudo aí.
JONAS PEGOU O PAPEL E ACENOU COM A
CABEÇA. COMO NUM PASSE DE MÁGICA, CYRO PARECEU IR SE DILUINDO ATÉ QUE
DESAPARECEU.
NINGUÉM CONSEGUIA FALAR.
MESTRE JONAS - (sem
mostrar surpresa) Onde está o Dr. Max?
LIA
- (única pessoa, além do
pescador, a manter-se calma diante do “milagre”) Venha comigo, mestre Jonas!
CATARINA -
(suando frio, passou o lenço de seda na testa) Vocês viram o que eu vi?
PAULUS - É
espantoso! Com certeza se trata de um truque do Dr. Cyro... ou do próprio
Mestre Jonas. Eu creio que todos nós estávamos hipnotizados!
CATARINA -
Espere... mas se é pura ilusão nossa, o pescador não teria recebido um
papel das mãos dele!
CORTA PARA:
CENA 4 - MANSÃO DE OTTO MULLER -
SALA - INTERIOR
- DIA
MESTRE JONAS -
(dando o papel ao Dr. Max) Ele lhe mandou entregar isso. Disse que é
urgente. Disse ainda que Seu Otto não tem mais de duas horas de vida, se não
for submetido ao soro, já...
COM A RECEITA NA MÃO, O DR. MAX SE
RECUSAVA A LER O QUE ESTAVA ESCRITO.
DR. MAX - Ora,
absurdo! Você quer que eu acredite nisso, Mestre Jonas?
DR. GUSTAVO -
(médico-assistente, aproximou-se do diretor do hospital) Max... vamos ler o que está escrito aí.
AMBOS EXAMINARAM O PAPEL. ERA A LETRA
E A ASSINATURA DO EX-COLEGA DE TRABALHO. RECONHECIAM-MA A MIL QUILÔMETROS.
OS MÉDICOS ABRIRAM OS OLHOS, DE
ESPANTO.
DR. GUSTAVO -
Incrível! A fórmula do soro.
DR. MAX - Não
acredito! (bufou, lendo mais uma vez a fórmula salvadora) Sim, é a letra dele!
A fórmula que precisamos... Mas isto foi entregue agora? Ou Mestre Jonas já a
havia trazido e quer nos enganar?
MESTRE JONAS -
(encarou o médico com expressão severa) Eu não tenho necessidade disso.
E sua dúvida já tá me enchendo! O home ta morrendo. E o senhô tá discutindo se
eu tô falando verdade ou mentira!
OS DOIS MÉDICOS SAÍRAM APRESSADOS
DEIXANDO O VELHO PESCADOR ENTRE A GENTE RICA E ORGULHOSA DA FAMÍLIA VON MULLER.
LIA
- (abraçando-o. comovida) Foi
maravilhoso. Não sei como o senhor e Cyro conseguem. Só sei que foi
maravilhoso. Nunca vi coisa igual, nem verei. Estou emocionada e agradecida.
Tenho muita pena de Otto. Gosto muito dele, apesar de tudo.
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