segunda-feira, 27 de outubro de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 76


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 76

Participam deste capítulo

Cyro  -  Tarcísio Meira
Otto  -  Jardel Filho
Mestre Jonas  -  Gilberto Martinho
Lia  -  Arlete Salles
Dr. Max  -  Álvaro Aguiar
Dr. Gustavo  -  Francisco Serrano
Catarina  -  Lidia Mattos
Paulus  -  Emiliano Queiroz
Dirce  -  Sônia Ferreira


CENA 1  -  MANSÃO DE OTTO MULLER  -  QUARTO DE OTTO  -  INTERIOR  -  DIA

SERIA DIFÍCIL ABORDAR OTTO MULLER E CONVENCÊ-LO A ACEITAR A PRESENÇA DE CYRO VALDEZ EM SUA CASA, MAS LIA NÃO DISPUNHA DE MUITO TEMPO. NEM DE OUTRA OPÇÃO.

LIA  -  Otto, preciso falar com você.

OTTO  -  E eu com você. Chegou a nossa hora, Lia. Há muito tempo que eu pretendia ter esse papo com você.

OTTO SUSPENDEU O COBERTOR ATÉ O PESCOÇO. SENTIA FRIO.

LIA  -  Acho que sei o que você vai dizer, Otto. Mas aconselho a não se preocupar muito com o assunto. Não é o mais importante, agora.

OTTO  -  (ignorou a advertência) Lia... você me enganou durante muito tempo. Nunca me disse quem eram seus parentes. Você mentiu para mim.

LIA  -  Nunca me foi perguntado, Otto. Portanto, não menti.

OTTO  -  Nunca lhe foi perguntado... porque eu nunca podia imaginar que aquela mulher... a tal Das Dores... uma negra... fosse irmã da sua mãe! Mamãe me contou.

LIA  -  Bem... agora que você já sabe, isto altera alguma coisa?

OTTO  -  (deu um berro, estremecendo o quarto) Se altera? Você não tem vergonha de me perguntar isso?

LIA  -  Será possível, Otto, que nem a lição que Deus lhe deu, não mudou sua maneira de pensar? Por que você acha que tem no peito o coração de Vicente Marques, o filho de Conceição? Hem, Otto? Será que você não entendeu?

OTTO  -  (babou de raiva) Não foi Deus quem fez isso comigo! Deus é branco! Foi aquele demônio, auxiliado por você, Lia! E eu acho que tanto você quanto ele tem de pagar por isso!

LIA  -  (juntando as mãos com força) Muito bem. O que pretende fazer?

OTTO  -  Eu quero... que você expulse seus parentes do Valongo. Eles trabalham para meu primo... mas você encontrará razões convincentes para levá-los a desaparecer. Pense já numa idéia, numa razão. Eu não tenho pressa.

LIA  -  Fique sabendo de uma coisa, meu marido... eu não vou fazer isso. Se você impõe como condição, eu irei com eles. E se eu deixar você, você vai morrer, Otto! Porque eu sou a única pessoa que pode convencer o Dr. Cyro a vir aqui... lhe salvar a vida! Porque você não sabe e é preciso saber... está condenado a morrer em 12 horas... se ele não vier socorrê-lo. E eu deixarei você esticar as canelas!

A MULHER FÔRA RUDE PROPOSITADAMENTE E AGORA VIA SURTIR EFEITO SUA ATITUDE ENÉRGICA. OTTO EMPALIDECEU E LEVANTOU-SE, ARFANTE. ERA OUTRO HOMEM. O MEDO REFLETIDO NOS OLHOS AZUIS, PEQUENOS E MAUS. BERROU, INVESTINDO CONTRA A MULHER QUE AMEAÇAVA DEIXAR O QUARTO.

OTTO  -  Lia! Lia! Diga que é mentira o que acaba de me dizer!

LIA  -  É verdade. Foi dito agora mesmo pelo Dr. Max. Ele disse que você só pode esperar 12 horas pelo soro. E quem tem a fórmula é o Dr. Cyro.

OTTO  -  E o que está esperando? Faça alguma coisa! Está me ouvindo? Chame aquele demônio! Vá buscá-lo nas profundezas do inferno... onde ele estiver! Eu não quero morrer! Eu não quero morrer!

LIA  - Eu vou chamá-lo, com uma condição. Meus parentes... vão ficar onde estão. E você vai esquecer que eles existem!

OTTO  -  (vociferou, zangado) Você... preparou tudo! Você sabia que isso tudo iria acontecer. Você e o médico... tramaram tudo!

LIA  -  Nós não tramamos, Otto. Mas já que as coisas foram assim encaminhadas, você tem de se submeter a elas. Aceita a minha condição ou tem alguma coisa a objetar?

OTTO  -  Quero que seus parentes vão pro diabo... (falou, tenso e em voz baixa, afogada no desespero) faça o que quiser com eles... mas não me deixe morrer. Chame o médico feiticeiro... depressa... não me deixe morrer!

CORTA PARA:
Mestre Jonas (Gilberto Martinho)

CENA 2  -  PORTO AZUL  -  CHOUPANA DE MESTRE JONAS  -  SALA  -  INTERIOR  -  DIA

ERA A ÚNICA SOLUÇÃO. PROCURAR MESTRE JONAS E, POR INTERMÉDIO DELE, ATRAIR CYRO ATÉ A CASA DE OTTO MULLER. E FOI O QUE FEZ LIA.

MESTRE JONAS  -  Difícil, Lia, mas vamos ver o que se pode fazer.

CORTA PARA:

CENA 3  -  MANSÃO DE OTTO MULLER  -  QUARTO DE OTTO  -  INTERIOR  -  DIA

TODOS ESPERAVAM, AFLITOS, NA RESIDENCIA LUXUOSA: LIA, PAULUS, DIRCE, DONA CATARINA E OTTO, SEMI-INCONSCIENTE, ESTICADO NA LARGA CAMA DE CASAL. O SILENCIO FOI QUEBRADO PELAS PASSADAS FIRMES DE UM HOMEM. TODOS OS OLHARES SE VOLTARAM PARA A PORTA. MESTRE JONAS ENTROU, SOZINHO.

DR. MAX  -  (levantou-se, nervoso) Onde está Cyro? Pensei que viesse com ele.

LIA  -  Não havia tempo. Ele está longe daqui. Horas de barco. Mestre Jonas garantiu que Dr. Cyro virá a este quarto... agora!

DR. MAX  -  (pulou, incrédulo) Como? Vocês estão loucos? Estão loucos?

SEM LEVAR EM CONSIDERAÇÃO A ATITUDE DO CIRURGIÃO, O PESCADOR APROXIMOU-SE DA CAMA DO MORIBUNDO.

MESTRE JONAS  -  Eu peço a todo mundo que fique calado... num pensamento só.

DR. MAX  - Uma loucura!

VISIVELMENTE CONTRARIADO, O MÉDICO SAIU DO QUARTO.

JONAS BAIXOU OS OLHOS, CONTRITO E CONCENTROU-SE. ABRIU OS LÁBIOS, COMO NUMA PRECE AOS SANTOS.

MESTRE JONAS  -  Dr. Cyro... sou eu... Jonas... seu amigo. Sua presença é necessária... neste quarto... para salvar a vida de um homem... seu paciente.

NA PENUMBRA AMBIENTE, UMA FORMA INDECISA SURGIU AO LADO DO PESCADOR. COMO UM PENSAMENTO MATERIALIZADO. ERA CYRO VALDEZ. CABELOS LONGOS E NEGROS. BARBA CERRADA. OLHOU A CAMA DE OTTO MULLER. TENTOU ABRIR OS OLHOS DO DOENTE.

LIA PERCEBEU QUE A ENFERMEIRA IA DIRIGIR-SE AO VULTO.

LIA  -  Não diga nada, Dirce.

A PORTA ABRIU-SE E PAULUS PAROU, AO CONSTATAR A PRESENÇA FÍSICA DO MÉDICO, QUE CONCLUÍA O EXAME NO DOENTE. PEGOU-LHE O PULSO E CONTOU OS BATIMENTOS. EM SEGUIDA ESCREVEU COM MÃO FIRME NUM BLOCO DE RECEITAS.

A VOZ INCONFUNDÍVEL SAIU DO FUNDO DA GARGANTA DA VISÃO MATERIALIZADA. NINGUÉM SE MOVIA NO INTERIOR DO QUARTO.

CYRO  -  Entregue ao Dr. Max. É urgente. Ele não tem mais que duas horas de vida, se não for submetido ao soro imediatamente. Está tudo aí.

JONAS PEGOU O PAPEL E ACENOU COM A CABEÇA. COMO NUM PASSE DE MÁGICA, CYRO PARECEU IR SE DILUINDO ATÉ QUE DESAPARECEU.

 NINGUÉM CONSEGUIA FALAR.

MESTRE JONAS  -  (sem mostrar surpresa) Onde está o Dr. Max?

LIA  -  (única pessoa, além do pescador, a manter-se calma diante do “milagre”) Venha comigo, mestre Jonas!

CATARINA  -  (suando frio, passou o lenço de seda na testa) Vocês viram o que eu vi?

PAULUS  -  É espantoso! Com certeza se trata de um truque do Dr. Cyro... ou do próprio Mestre Jonas. Eu creio que todos nós estávamos hipnotizados!

CATARINA  -  Espere... mas se é pura ilusão nossa, o pescador não teria recebido um papel das mãos dele!

CORTA PARA:

CENA 4  -  MANSÃO DE OTTO MULLER  -  SALA  -  INTERIOR  -  DIA

MESTRE JONAS  -  (dando o papel ao Dr. Max) Ele lhe mandou entregar isso. Disse que é urgente. Disse ainda que Seu Otto não tem mais de duas horas de vida, se não for submetido ao soro, já...

COM A RECEITA NA MÃO, O DR. MAX SE RECUSAVA A LER O QUE ESTAVA ESCRITO.

DR. MAX  -  Ora, absurdo! Você quer que eu acredite nisso, Mestre Jonas?

DR. GUSTAVO  -  (médico-assistente, aproximou-se do diretor do hospital)  Max... vamos ler o que está escrito aí.

AMBOS EXAMINARAM O PAPEL. ERA A LETRA E A ASSINATURA DO EX-COLEGA DE TRABALHO. RECONHECIAM-MA A MIL QUILÔMETROS.

OS MÉDICOS ABRIRAM OS OLHOS, DE ESPANTO.

DR. GUSTAVO  -  Incrível! A fórmula do soro.

DR. MAX  -  Não acredito! (bufou, lendo mais uma vez a fórmula salvadora) Sim, é a letra dele! A fórmula que precisamos... Mas isto foi entregue agora? Ou Mestre Jonas já a havia trazido e quer nos enganar?

MESTRE JONAS  -  (encarou o médico com expressão severa) Eu não tenho necessidade disso. E sua dúvida já tá me enchendo! O home ta morrendo. E o senhô tá discutindo se eu tô falando verdade ou mentira!

OS DOIS MÉDICOS SAÍRAM APRESSADOS DEIXANDO O VELHO PESCADOR ENTRE A GENTE RICA E ORGULHOSA DA FAMÍLIA VON MULLER.

LIA  -  (abraçando-o. comovida) Foi maravilhoso. Não sei como o senhor e Cyro conseguem. Só sei que foi maravilhoso. Nunca vi coisa igual, nem verei. Estou emocionada e agradecida. Tenho muita pena de Otto. Gosto muito dele, apesar de tudo.                                      

FIM DO CAPÍTULO 76



                                                

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