quarta-feira, 8 de outubro de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 68


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 68

Participam deste capítulo

Cyro  -  Tarcísio Meira
Otto  -  Jardel Filho
Lia  -  Arlete Salles
Comendador Liberato  -  Macedo Neto
Catarina  -  Lidia Mattos
Paulus  -  Emiliano Queiroz
Dr. Max  -  Álvaro Aguiar
Ester  -  Gloria Menezes
Godoy  -  Ivan Cândido



CENA 1  -  MANSÃO DE OTTO MULLER  -  SALA DE JANTAR  -  INTERIOR  -  NOITE

O JANTAR TRANSCORREU ANIMADO, COM OTTO DE MAGNÍFICO HUMOR.

OTTO  -  (ergueu um brinde) Embora com água mineral... vamos fazer um brinde à nossa felicidade!

LIA  -  E o meu beijo... amor? Até agora você não me beijou. E já estamos casados.

OTTO VIROU-SE E BEIJOU A ESPOSA NOS LÁBIOS, DEMORADAMENTE.

CORTA PARA:

CENA 2  -  MANSÃO DE OTTO MULLER  -  SALA  -  INTERIOR  -  DIA

MAS A PAZ MOMENTÂNEA FOI QUEBRADA NO DIA SEGUINTE, QUANDO O COMENDADOR COMPARECEU À RIQUÍSSIMA MANSÃO DE OTTO MULLER, A CHAMADO DA IRMÃ. DONA CATARINA, AMBICIOSA E DESINTERESSADA DE TUDO O QUE NÃO SIGNIFICASSE PROBLEMAS PARA ELA OU O FILHO, VINHA ARQUITETANDO UM PLANO PARA DESTRUIR O IRMÃO MAIS VELHO. A PERMANENTE LUTA ENTRE AS DUAS PARTES DA FAMILIA ESTAVA LONGE DE TER UM FIM. CATARINA ODIAVA AUGUSTO LIBERATO E DESEJAVA VÊ-LO MORTO OU NA MISÉRIA. ISTO ELA NÃO ESCONDIA DE NINGUÉM.

O COMENDADOR ACHAVA-SE SENTADO DIANTE DA IRMÃ E DE PAULUS.

COMENDADOR  -  Recebi uma notificação de seu advogado. Catarina, você entrou com ação na justiça, para reclamar algum direito sobre a herança de nosso pai?

CATARINA  -  De fato, Augusto. Fiz o que devia ter feito há muitos anos atrás.

COMENDADOR  -  Você vai abrir luta contra seu próprio irmão, Catarina?

CATARINA  -  Meu próprio irmão abriu luta contra mim, quando me usurpou a fortuna do meu pai.

PAULUS DEU ALGUNS PASSOS NA SALA E POSTOU-SE DIANTE DO COMENDADOR.

PAULUS  -  (falou, seguro) A justiça pode dar ganho de causa a Dona Catarina. A partilha da herança foi mal feita.

CATARINA  -  Mas que partilha? Não houve partilha. Ele ficou com tudo, meu Deus do céu! Dr. Paulus, já sabe em quanto monta a fortuna que ele herdou sozinho? A maioria das ações da Companhia de Mineração. Todas as propriedades de Porto Azul. Nosso pai foi o fundador da cidade. Quase toda era dele. E meu irmão herdou tudo... sozinho. Porque convenceu nosso pai de que eu não voltaria mais ao Brasil. E a rede de hotéis no interior. A frota de caminhões de transporte de minérios. Os edifícios comerciais no centro de Florianópolis. Uma fortuna, Dr. Paulus!

COMENDADOR  -  Bem, chega! Eu só vim mesmo para obter a confirmação.

PAULUS  -  Dona Catarina pode entrar num acordo com o senhor e o caso não precisaria ir às últimas consequências na justiça. Como advogado...

COMENDADOR  -  (cortou) Chega, Dr. Paulus. O senhor devia era estar atrás das grades. Até agora não entendo como continua livre, depois de tantas safadezas e principalmente depois da morte do negro e do rapto do filho de Ester. É uma vergonha o senhor continuar nas ruas! Um perigo! E eu não vou entrar em acordo com ninguém! E, deste momento em diante, nossas relações estão cortadas definitivamente. Foi você quem quis assim, Catarina. E lhe digo mais: você não vai ganhar essa causa na justiça! (de dedo em riste, advertiu) Juro por Deus! Você não vai ganhar... ou eu não me chamo Augusto Liberato! Mande esse seu advogadozinho de porta de prisão se preparar para enfrentar os profissionais que eu vou contratar aqui e no Rio de Janeiro! E passe mal!

IRRITADO, O COMENDADOR FOI-SE EMBORA, APERTANDO FORTEMENTE O BRAÇO DA NORA QUE O ACOMPANHAVA A TODA PARTE.

CATARINA  -  (resmungou, lívida de raiva) Hum! Parece que ele está substituindo o filho muito bem. Pegou a caipira... e quer transformá-la numa grande senhora. Viu o vestido e as joias? Pretende dar a essa boçal a parte da herança que é minha... e do meu filho!

CORTA PARA:

CENA 2  -  HOSPITAL  -  SETOR DE RADIOGRAFIAS  -  INTERIOR  -  DIA

MAX ABRIU A PORTA E ENTROU COM ESTER NO INTERIOR DO QUARTO ESCURO. O BARULHO DA ÁGUA QUE ESCORRIA PERMANENTEMENTE  NUM TANQUE DE LADRILHOS BRANCOS ERA O ÚNICO RUÍDO QUE PERTURBAVA O SILENCIO. UMA CLARIDADE ENQUADRAVA UM CANTO AFASTADO. E NELA CYRO COLOCARA UMA CHAPA RADIOGRÁFICA PARA UM EXAME DETIDO. VIROU-SE PARA VER QUEM ENTRAVA.

CYRO  -  Oh... olá! Você por aqui, Ester?

DR. MAX  -  Cyro... você já viu algum jornal de hoje?

CYRO  -  Andei vendo alguns...

ESTER  -  Cyro... estou desesperada!

O MÉDICO CONCENTROU-SE NO TRABALHO E VOLTOU-SE PARA O AMIGO E A MULHER.

CYRO  -  Eu não estou, minha querida! Me acusam de ter matado o doador para lhe tirar o coração. Eu tenho consciência de que não o matei. Ele já estava morto, quando lhe abri o peito... (mostrou uma pilha de jornais jogados numa cesta de lixo) Isto não pode me atingir!

O DR. MAX LEU A MANCHETE E ALGUNS TRECHOS DA REPORTAGEM ASSINADA POR GODOY DE CASTRO.

DR. MAX  -  “... sua declaração de que está sendo vítima de uma campanha não convenceu os jornalistas que tiveram o “falso” exame nas mãos. A direção do hospital continua defendendo o famoso cirurgião, o que não é suficiente para inocentá-lo. A reportagem ouviu diversos médicos a respeito do caso e todos acreditam que, se o Dr. Cyro não conseguir provar a morte cerebral do doador, o transplante de coração terá sido um crime. Entre as declarações, sobressai a do conhecido Professor Spinezzi, de São Paulo. Ele confirma tudo o que disse anteriormente e classifica o médico catarinense de...”

ESTER  -  (gritou, quase histérica) Cyro... faça alguma coisa! Não se deixe vencer por excessos de zelo. Há um homem acima do médico, saiba disto! E em defesa da honra qualquer homem vai até a morte!

CYRO  -  (indiferente) Expliquei o que aconteceu. Se não acreditam... nada mais se pode fazer.

DR. MAX  -  Se conseguirmos achar quem trocou o exame, poderemos nos defender. Se não conseguirmos, todos nós seremos arrastados ao escândalo. O nome do nosso hospital ficará marcado e todos nós seremos apontados como criminosos. Certamente... perderei a direção e ficarei marcado para sempre, aqui em Florianópolis.

CYRO  -  (pondo a mão no ombro do amigo) Quanto a isso, não se preocupe. Eu assumo inteira responsabilidade dos meus atos.

DR. MAX  -  Não é suficiente, Cyro. E o escândalo? Você não entende? O escândalo!

CORTA PARA:


CENA 3  -  MANSÃO DE OTTO MULLER  -  SALA  -  INTERIOR  -  NOITE

ERA NOITE E O VISITANTE NÃO QUIS SE IDENTIFICAR. DISSE APENAS QUE VINHA A MANDO DO REPÓRTER GODOY DE CASTRO. E QUERIA TRANSMITIR UM AVISO AO DR. PAULUS, QUE NÃO ESTAVA NA RESIDENCIA. DEIXOU UM BILHETE. CIDA, A EMPREGADA, FECHOU A PORTA E CAMINHOU PARA O ESCRITÓRIO, ONDE IA COLOCAR, BEM À VISTA, O ENVELOPE ENDEREÇADO AO ADVOGADO. DEU DE CARA COM OTTO MULER APOIADO NUMA BENGALA NEGRA, DE JACARANDÁ.

OTTO  -  (viu o envelope nas mãos da empregada) O que... é isto? Me dê o bilhete que aquele repórter mandou entregar ao Dr. Paulus.

OTTO SENTOU-SE COM DIFICULDADE E ABRIU O ENVELOPE COM UM CORTA-PAPEL DE AÇO. LEU O QUE CONTINHA A MENSAGEM DE GODOY DE CASTRO.

OTTO  -  “Dr. Paulus. Tenho uma notícia-bomba. Já sei o nome todo do doador. Vai cair de costas, quando souber quem doou o coração ao Sr. Otto Muller. Telefone-me amanhã cedo, sem falta. José Godoy.”(Otto ruminou um pensamento alto) Já sabe então... quem é o doador, hem?! (bateu no peito) Vou conhecer teu dono, coração malandro! Vou saber quem te pôs no mundo!

AGUARDOU ATÉ MAIS TARDE A CHEGADA DO ADVOGADO. PAULUS REGRESSOU POR VOLTA DAS 23 HORAS.

OTTO  -  (mostrou-lhe o bilhete e exigiu) Telefone a ele. Pergunte quem é o doador, de uma vez. O nome da família. Quero me antecipar, antes dele explorar o caso. Temos que botar... panos quentes... antes que me aborreçam. Vamos oferecer muito dinheiro... pelo coração. O dinheiro sempre tapa a boca de muita gente. Ande, telefone!

PAULUS  -  (moveu-se, estimulado pela energia do chefe) De onde fala? Da casa de Godoy? Ele está? Sim. Espero, obrigado! (demorou alguns segundos de ouvido colado ao fone) Alô, Godoy? É Paulus. Recebi seu recado. Então, já temos o nome do doador? Pode dizer, agora! Otto está querendo saber!

OTTO  -  Não diga que estou querendo saber, idiota!

PAULUS  -  Não... aliás, eu estou... querendo saber. Como? Não pode me dizer, agora? Não vejo tanta necessidade de mistério. Me procure amanhã, então... nas minas! (botou o fone no gancho e revelou ao patrão) Diz que não pode dizer assim. Tem de ser pessoalmente. É capaz de querer dinheiro. Tipo repórter picareta, mau-caráter.

OTTO  -  (com firmeza) Amanhã eu quero o nome do sujeito que me doou o coração.

PAULUS  -  Amanhã... você o terá.

CORTA PARA:

CENA 4  -  FLORIANÓPOLIS  -  PERIFERIA  -  CASA DE CONCEIÇÃO  -  SALA  -  INTERIOR  -  DIA

A NEGRA CONCEIÇÃO ARREGALOU OS OLHOS DE SURPRESA, ENQUANTO DESABOTOAVA O AVENTAL E PEDIA AOS MOÇOS BRANCOS QUE SE SENTASSEM NOS TAMBORETES DE SUA HUMILDE CASA DE CHÃO DE BARRO.

CONCEIÇÃO  -  Eu num disse a ninguém. Como é que o sinhô soube?

PAULUS  -  Foi o meu amigo Godoy que se interessou e acabou descobrindo.

CONCEIÇÃO  -  (com agressividade fora do comum) Pra quê?

GODOY  -  Para ajudá-la, Dona Conceição. Para orientá-la, no sentido de reclamar na justiça contra o Dr. Cyro Valdez.

CONCEIÇÃO  -  E quem disse que eu quero dá queixa à polícia?

GODOY  -  Mas, foi um crime!

CONCEIÇÃO  -  Crime que... tarveis eu mesma cometi.

PAULUS  -  Pelo amor de Deus, Dona Conceição, não diga uma coisa dessas! A senhora confiou na palavra do médico, não confiou?

ELA FEZ QUE SIM COM A CABEÇA.

GODOY  -  Pois então! Ele é o único culpado! A senhora não podia saber que seu filho tinha alguma possibilidade de viver. Ou de sobreviver, como queira.

CONCEIÇÃO  -  Num sabia mesmo.

PAULUS  -  Dr. Cyro Valdez não pôde se defender e não poderá jamais. Ele sim é o responsável pela morte do seu filho. Ele o matou!

CONCEIÇÃO  -  (implorou, com os olhos vermelhos e lágrimas a escorrerem) Diz mais nada não, gente! Diz mais nada, não!

GODOY  -  Tem de tomar uma atitude, Dona Conceição. Olha... pra ficar em paz consigo mesma. Pra se livrar desse peso que está incomodando.

PAULUS  -  Para ter certeza de que existe um único responsável pela morte do seu filho. Afinal de contas... ele possuía a possibilidade de sobreviver. Ele tinha o direito de viver!

CONCEIÇÃO  -  (exasperada) Chega, moço! O que é que a gente tem de fazê pra dar queixa pra polícia?

OS DOIS HOMENS ENTREOLHARAM-SE SIGNIFICATIVAMENTE. SORRIAM, ANTE A VITÓRIA FÁCIL E NADA DEMORADA.

PAULUS  -  Nós... a instruiremos. Vamos ajudar a senhora a ir até o delegado lá mesmo... de Florianópolis... onde ocorreu o crime.

FIM DO CAPÍTULO 68



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