Novela de Janete Clair
Adaptação de Toni Figueira
CAPÍTULO 72
Participam deste
capítulo
Cyro -
Tarcísio Meira
Ester -
Gloria Menezes
Pé-na-Cova -
Antonio Pitanga
Padre Miguel -
Artur Costa Filho
Baby -
Claudio Cavalcanti
Ricardo -
Edney Giovenazzi
Bárbara -
Zilka Salaberry
Mestre Jonas -
Gilberto Martinho
CENA 1 - PORTO
AZUL -
IGREJA - INTERIOR
- DIA
MINUTOS ANTES DA PRAÇA FICAR TOTALMENTE TOMADA PELOS
MANIFESTANTES, MESMO CONTRA SUA VONTADE, CYRO VALDEZ PROCUROU REFÚGIO NA IGREJA
DE PADRE MIGUEL. O COMENDADOR, INÊS E BABY TINHAM-SE JUNTADO AOS PARTIDÁRIOS DO
MÉDICO E A SITUAÇÃO SE AGRAVAVA A CADA INSTANTE.
A MASSA CONTINUAVA A RUGIR “FORA, CYRO!” E NUM MOVIMENTO
ESTRATÉGICO, ENVOLVEU, NUM CORDÃO HUMANO, A PEQUENA IGREJINHA DE PORTO AZUL.
BABY CORREU AO INTERIOR, PERCEBENDO A GRAVIDADE DOS ACONTECIMENTOS. NÃO
DISPUNHAM DE MEIOS PARA COMUNICAÇÃO COM AS AUTORIDADES DE FLORIANÓPOLIS.
BABY - (dirigiu-se ao cirurgião) Como vamos sair
desta, Cyro?
RICARDO - Nós o ajudaremos a sair da igreja. Podemos
arquitetar um plano.
CYRO - (interveio, calmo) Não, por favor, não se
preocupem comigo! Saiam todos. Deixem-me só que eu resolvo meu caso com eles...
OS GRITOS DA MULTIDÃO CHEGAVAM AO INTERIOR DO TEMPLO.
ESTER - (medrosa) Não podemos sair, agora!
D. BÁRBARA - E não é justo deixarmos você, sozinho, para
enfrentar essa gente revoltada.
CYRO - Vão, por favor! Me farão um grande bem se
afastarem Ester daqui, com Ivan.
BABY - Eu vou na frente e tento amansar essa gente!
PADRE MIGUEL - Levo Ester e o menino.
O VOZERIO INTENSIFICOU-SE – APUPOS, ASSOVIOS, GRITOS.
NÃO HAVIA BRECHA POR ONDE OS ALIADOS DE CYRO PUDESSEM ROMPER
O BLOQUEIO DA TURBA CADA VEZ MAIS ENFURECIDA. ESTER RETORNOU AO INTERIOR,
AFOBADA, ROSTO VERMELHO, OLHOS ARREGALADOS.
ESTER - Parecem enlouquecidos.
PADRE MIGUEL - Mas não farão nada!
CYRO - (abraçando a esposa) Vá você agora, Ester,
com Ivan. Não há perigo!
ESTER - (beijando-lhe os lábios, num toque rápido)
Tenha cuidado com você!
O VOZERIO AUMENTAVA.
MULTIDÃO - “Fora, Dr. Cyro! Volta pra Marte! Volta pro
inferno! Fora! “
ESTER SURGIU À PORTA DO TEMPLO, CONDUZIDA PELAS MÃOS DO
VIGÁRIO.
MINEIRO - (gritou) É a mulher dele! Vamos agarrar ela!
Pra obrigar ele a sair!
MESTRE JONAS E SEUS HOMENS BUSCARAM IMPEDIR A REAÇÃO DO
GRUPO, QUANDO PADRE MIGUEL SE INTERPÔS, ENÉRGICO.
PADRE MIGUEL - Que é isso? Estão loucos? Não respeitam mais
a casa de Deus?
UM HOMEM BERROU COM ÓDIO, NA MULTIDÃO POSTADA À FRENTE DO
PÁROCO DE PORTO AZUL.
HOMEM - Queremos obrigar o Dr. Cyro a dar o fora
daqui! Ele tem de sair daqui para sempre!
ESTER RETORNOU AO TEMPLO, APAVORADA, ENQUANTO O PADRE DEBATIA
COM OS MINEIROS.
PADRE MIGUEL - (levantando os olhos para o céu) Deus há de
castigá-los por isso!
MINEIRO - Manda ele voltar no disco voador!
OUTRO MINEIRO - Fora!
PADRE MIGUEL PERMANECEU DIANTE DA MASSA, ATENTO AOS
MOVIMENTOS DOS HOMENS. SABIA QUE NINGUÉM – MESMO ESTIMULADO PELA EXALTAÇÃO –
OUSARIA ENTRAR NA IGREJA OU AMEAÇAR SUA INTEGRIDADE FÍSICA. PARA TUDO HAVIA UM
LIMITE E O PODER DA FÉ, DA RELIGIÃO QUE VINHA MANTENDO UNIDA AQUELA GENTE,
AINDA ERA SUPERIOR ÀS MANIFESTAÇÕES DE LOUCURA COLETIVA.
ESTER - (apertou as mãos do marido entre as suas)
Cyro! Estou apavorada! Eles não me deixaram sair daqui!
O MARIDO ABRAÇOU-A, AMOROSAMENTE. NÃO HAVIA TEMOR NAS FEIÇÕES
DE CYRO VALDEZ.
PÉ-NA-COVA - (anunciou, falando alto para o interior do
templo) Rodearam a igreja, não se pode sair nem pelos fundos. Tem gente em tudo
quanto é canto.
CYRO - (ergueu o corpo, movido por repentina
decisão) Não há necessidade de saídas... através de portas laterais ou
traseiras. Vamos sair já, pela frente. Eles não vão fazer nada, contra ninguém.
Ninguém vai me expulsar. Vamos embora.
O MÉDICO PARTIU A PASSOS LARGOS COM DESTINO À GRANDE PORTA DE
MADEIRA DO TEMPLO.
ESTER - (soluçou) Estou... morrendo de medo!
CYRO - Pegue Ivan no colo! (e para os demais) Vocês
venham atrás de mim!
A FIGURA DO JOVEM MÉDICO ENQUADROU-SE SOB OS PORTAIS ENQUANTO
O BURBURINHO RECRUDESCIA. JONAS E ANDRÉ JÁ NÃO CONSEGUIAM CONTER OS ÂNIMOS. A
PRESENÇA FÍSICA DE CYRO VALDEZ AGITOU OS MINEIROS. LEMBRAVAM CÃES ROSNANDO À
VISTA DE UMA VÍTIMA.
MINEIRO - (gritou, quase histérico) Aí está ele!
Assassino! Matou o filho de Conceição! Médico assassino! Monstro!
CYRO - (imperturbável, ergueu os dois braços,
pedindo silencio) Um momento! Esperem! (uma pedra estalou a seus pés) Esperem!
OS HOMENS IMPRESSIONARAM-SE COM A SUAVIDADE, SERENIDADE E
CORAGEM DO JOVEM ACUADO. NÃO HAVIA NELE O
MENOR TRAÇO DE
MEDO OU COVARDIA.
ENFRENTAVA A TURBA COLÉRICA, POSSESSA, COM UMA CALMA ESTARRECEDORA.
CYRO - Por favor, me ouçam! Um momento, apenas!
O VOZERIO POUCO A POUCO FOI DIMINUINDO, ATÉ QUE REINOU O
SILENCIO. CYRO DEU ALGUNS PASSOS À FRENTE E LOCALIZOU A NEGRA NA PRIMEIRA FILA
DOS MANIFESTANTES.
CYRO - (dirigiu-se a ela) Conceição, eu sou médico.
Não sou um criminoso. Não sou um monstro. Eu fui honesto e você acreditou em
mim. Seu filho ia morrer em alguns minutos. Era irremediável. E eu tinha a
prova de que ia morrer, mas foi roubada para que isto que está acontecendo
agora me atingisse. Para que todos se revoltassem contra mim. Eu não tenho
culpa se existe gente que só deseja o mal para aqueles que querem fazer o bem.
Eu só posso lamentar que ainda existam pessoas que se alimentam de ódio.
A MULTIDÃO OUVIA SERENA, SEM REAÇÃO.
CYRO - (continuou) Você sabe que eu sou inocente,
Conceição. No entanto, se houver em você uma dúvida, por menor que seja, de que
eu tenha feito mal a seu filho... eu dou o direito... a você e seus amigos de
fazerem justiça, agora, com suas próprias mãos.
ANTES DE ABRIR A BOCA PARA FALAR, A NEGRA LIMPOU OS OLHOS COM
O DORSO DA MÃO. CHORAVA EM SILENCIO.
CONCEIÇÃO - Deus que tá no céu... é testemunha. Eu não
tenho certeza de nada!
AFASTOU-SE, QUANDO CYRO AMEAÇOU SEGURAR-LHE AS MÃOS PRETAS E
MALTRATADAS. A MULTIDÃO PERMANECIA SILENCIOSA. PARALISADA.
ESTER ACHEGOU-SE AO MARIDO, COM O FILHO APERTADO CONTRA O
PEITO.
POR ALGUNS INSTANTES FORÇARAM PASSAGEM POR ENTRE HOMENS E
MULHERES DE FEIÇÕES TRANSTORNADAS. DE REPENTE, UM TIRO, SEGUIDO DE OUTRO. CYRO
SENTIU UMA AGULHADA NA PERNA E TOMBOU CONTRA O CHÃO DE BARRO. ERA COMO SE
ALGUÉM TIVESSE DETONADO UM REVÓLVER NO CENTRO DE UMA BOIADA. OS MINEIROS
ESPALHARAM-SE, EM CORRERIA, PARA TODOS OS LADOS. POR ALGUNS MINUTOS CYRO PERDEU
A NOÇÃO DA VIDA. VIU PERNAS PASSAREM JUNTO AO SEU CORPO E O URRO TERRÍVEL DE
CENTENAS DE VOZES ANGUSTIADAS.
CENA 2
- PORTO AZUL -
PRAÇA - EXTERIOR
- DIA
A PRAÇA ESTAVA VAZIA E SOBRE O CHÃO O MÉDICO AVISTOU O
BONEZINHO VERDE DO GAROTO. CONSEGUIU ERGUER-SE COM ALGUMA DIFICULDADE. A PERNA
LHE DOÍA COMO OS SEISCENTOS DIABOS. MAS, FELIZMENTE, NUM EXAME SUPERFICIAL,
VERIFICOU QUE A BALA NÃO HAVIA ATINGIDO O OSSO. PERFURARA, APENAS, OS MÚSCULOS
DA PERNA. AGARROU O BONÉ E, COM A MÃO LIVRE FEZ PRESSÃO CONTRA O FERIMENTO.
SENTIU QUE PODIA ANDAR, E SEU PRIMEIRO PENSAMENTO CONCENTROU – SE NA MULHER
E NO FILHO.
ARRASTOU-SE, PRATICAMENTE, ATÉ O TEMPLO. AINDA DO LADO DE
FORA, PERCEBEU QUE ALGO DE GRAVE HAVIA ACONTECIDO.
CORTA PARA:
CENA 3 -
PORTO AZUL - IGREJA
- INTERIOR - DIA
O GRUPO DE AMIGOS AGITAVA-SE NERVOSAMENTE EM TORNO DE ESTER.
CYRO APROXIMOU-SE E ESTICOU O BRAÇO, MOSTRANDO O GORRINHO DE PANO.
CYRO - O menino... perdeu...
ESTER FITOU-O ATORDOADA, FORA DE SI. LENTAMENTE, RETIROU UMA
DAS MÃOS QUE AMPARAVAM O CORPO DO MENINO. ESTAVA RUBRA DE SANGUE.
ESTER - Para quê? Ele não precisa, não é? Não precisa
usar isso... pra que, não é mesmo? Pra quê?
O MÉDICO TENTOU SEGURAR A CRIANÇA. ESTER REPELIU-O
AGRESSIVAMENTE.
CYRO - Deixe-me ver...
ESTER - Não! Você não pode fazer mais nada! Ou pensa
que eu acredito nas suas mentiras?
CYRO - Ester! Você está fora de si. Talvez...
ESTER - (cortou, bruscamente) ... talvez, nada! Eu
sei o que aconteceu! Um dos tiros que eram pra você pegou nele...
CYRO - Sim... eu sei... mas quem sabe...
ESTER - Quem sabe, nada! Você... com a sua bondade...
a sua verdade... a sua grande verdade... o matou! (alargou o movimento com o
braço livre) Vocês todos o mataram!
SAIU CORRENDO COM O MENINO NOS BRAÇOS E PARTE DO VESTIDO
EMPAPADO DE SANGUE. CYRO TENTOU IMPEDI-LA, MAS A MULHER CORRIA, DESESPERADA,
PELA PRAÇA VAZIA.
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