Roteirizado por Toni Figueira
do original de Janete Clair
CAPÍTULO 62
PARTICIPAM DESTE CAPÍTULO:
BEATO ZACARIAS
JOÃO
LARA
DIRETOR DO FLAMENGO
FAUSTO PAIVA
DUDA
RITINHA
DOMINGAS
JUCA CIPÓ
DR. MACIEL
DELEGADO FALCÃO
CENA 1 - GARIMPO DOS CORAGEM - EXT. - DIA.
Mais abaixo, onde o rio dobrava-se num largo trecho rochoso, os garimpeiros trabalhavam desligados do mundo. Braz e Jerônimo avistaram o estranho homem de branco, cruz de madeira ao peito, sandálias franciscanas, deslizando por sobre as terras úmidas marginais às águas. Elevando as mãos para os céus o beato se aproximava do grupo de trabalhadores. Sua figura impressionava os homens simples e rudes, abertos a toda espécie de crendices e superstições, habituais nas regiões afastadas do interior. Zacarias era um desses tantos que peregrinam pelas terras ermas do sertão.
BEATO ZACARIAS - (pregava fanàticamente) Irmãos... prestai atenção nas minhas palavras. Irmãos... eu recebi aviso do céu. O mundo vai se consumi em chamas. O fogo vai destruí o pecado. Só vai escapá do fogo final quem estivé cumigo, que sou escolhido e enviado de Jesus, o filho de Deus!
Os garimpeiros fitavam o beato receosos das punições divinas. Abriam caminho para sua caminhada ao longo da margem. Zacarias levantava braços e cabeça para os céus.
BEATO ZACARIAS - Viva Deus Onipotente! E viva a Cruz da Redenção! Viva eu, Zacarias, mandado de São João!
O beato dirigiu-se, a passos lentos, para o local onde Lara e João conversavam ensimesmados. Parou de falar a alguns passos do casal. Encarou-o amedrontadoramente.
JOÃO - (voz enérgica) - Que é que ocê qué?
BEATO ZACARIAS - Sabê se a moça tá boa. Tá?
Lara escondeu a cabeça no peito do marido.
JOÃO - Tá. Pode ir simbora.
BEATO ZACARIAS - O espírito mau vortô a dominá ela?
JOÃO - Não. Vai, tou pedino. Ela tem medo.
Lara tremia, descontrolada, com o rosto escondido nas vestes barrentas do esposo.
BEATO ZACARIAS - (prosseguiu inclemente) Uma noite eu vi ela, de novo. Tava no carro, conheci de longe. Fiquei espiano. Desceu na estrada. Parecia alma penada.
MARIA DE LARA - (ergueu a cabeça, interessada) Quando viu Diana?
JOÃO - Num interessa. Vai embora.
MARIA DE LARA - (estava rígida) João... ele viu!
JOÃO - Viu nada! Tá inventano. (tornou a ordenar ao beato, com a voz mais grave) Vai embora, home, na paz de Deus!
Zacarias afastou-se, benzendo-se e repetindo as mesmas palavras... “Viva Deus Onipotente! Viva eu, Zacarias!”
Sua figura em branco perdia-se na poeira da estrada.
CORTA PARA:
CENA 2 - RIO DE JANEIRO - ILHA DO GOVERNADOR - CASA DE DUDA - iNT. - DIA.
Na varanda de sua moderna residência na Ilha do Governador, Duda servia um drinque – limão, campari e gêlo, com água mineral – ao diretor do Flamengo. Fausto Paiva e Hernani assistiam ao diálogo.
DIRETOR DO FLAMENGO - Olha, craque! Tenho certeza que, dentro de um mês, você está de novo em plena forma.
DUDA - Um mês? Sei não, doutor. Vou fazer força. No que depender de mim... (cruzou os braços sob a cabeça, esticando-se na cadeira confortável) Também, não quero favor de ninguém. Se seu Fausto achar que não dou mais no couro, é melhor dizer.
O técnico saiu do mutismo para opinar, sinceramente. Não havia no dicionário de Fausto Paiva a palavra acomodação. Foi logo ao ponto.
FAUSTO PAIVA - Não posso dizer nada. Pelo menos por enquanto. Vou esperar que você volte aos treinos, aí, então, eu digo com franqueza. Agora, só tenho a dizer uma coisa: isso aconteceu (apontou para a perna enfaixada) porque você é um profissional que não leva a sério sua profissão.
DUDA - (franziu a testa, visivelmente aborrecido) Eu digo e repito: não quero piedade nem favor de ninguém... Muito menos de sua parte.
FAUSTO PAIVA - Nós não podemos ter piedade, Duda, nem vamos te aceitar no time, pela tua carinha bonita. Ou você volta a ser o que era antes... ou pode pendurar as chuteiras. (levantou-se trombudo e anunciou sua partida) Vocês não vem? Eu vou andando. Já disse tudo o que tinha a dizer. (dirigiu-se apressado para a porta, de onde Ritinha ouvia o desfecho da conversa).
RITINHA - (de cara emburrada, abriu a porta para o treinador) Tenha a bondade.
Duda, desinteressado, sorvia um gole da bebida. Hernani e o diretor fumavam, admirando as cores vivas do poente. O mar se coloria de vermelho, refletindo a bola rubra que mergulhava no horizonte distante.
CORTA PARA:
CENA 3 - COROADO - PRAÇA - EXT. - NOITE.
Em Coroado a noite caía molemente quando Domingas reconheceu a figura trôpega, a perambular pela praça. Correu a acudir o médico Maciel. O homem tinha o corpo moído de pancada e as vestes embebidas em sangue. A criada amparou-o, deitando-o sobre a grama umedecida, com a cabeça no seu colo. Olhou para um grupo que conversava á distancia.
DOMINGAS - Gente! Me ajuda aqui! Doutô Maciel tá ferido. Me ajuda a carregá ele pra dentro de casa.
JUCA CIPÓ - (aproximou-se, correndo) - Mingas! Que foi, que foi?
DOMINGAS - Foi Deus que te trouxe, Juca. Tentaram matar ele. Veja o estado em que se encontra. Me ajuda, Juca, a levá pra dentro de casa.
JUCA CIPÓ - (com gestos exaltados, examinou o corpo) Coitado do home! Que gente ruim! Cruz Credo! (benzeu-se, três vezes) Pode deixá, Mingas, que eu levo ele. (abaixou-se para erguer o corpo do médico) Vem, seu doutô. Vem comigo... tadinho! Que judiação! Êta mundo disgraçado! Cumo é que tem gente que faz essas coisa? Deus que me perdoe...
CORTA PARA:
CENA 4 - CASA DO DR. MACIEL - SALA - INT. - NOITE.
Aos poucos e com algum esforço, Juca Cipó conseguiu arrastar o médico para o interior da casa. Acomodou-o numa velha e desbotada poltrona.
DOMINGAS - Deixa ele aí. Vou limpar a cara dele
Domingas correu ao consultório, no fundo da residência.
JUCA CIPÓ - (com dois ou três tapinhas no rosto, aclarou a mente do ébrio) Como foi isso, conta, seu doutô? Conta!
DR. MACIEL - (mal podendo falar) Eu... eu recebi um chamado... pra ver um doente... na Rua da Matriz, lá no fim. Quando a rua terminou... reparei que não havia o número que o garoto me deu, quando veio me chamar. Decidi voltar.
Domingas voltava, trazendo água oxigenada, mercúrio, algodão e esparadrapo. Confirmou as declarações do médico.
DOMINGAS - É... o garoto veio chamá ele. Eu que atendi. Ainda disse, cuidado! Porque a noite tá muito escura. Vai chovê. Leva o guarda-chuva.
DR. MACIEL - Pois é... aí eu resolvi voltar.
Domingas limpava-lhe o rosto, cuidadosa, sem magoar os ferimentos. Vez por outra o médico cerrava os olhos numa careta de dor.
DR. MACIEL - Foi, então, que um sujeito me atacou pelas costas... tentei reagir, o sujeito me agrediu, forte, na cabeça. Caí tonto...
JUCA CIPÓ - Aí, ele lhe amassou a cara.
DR. MACIEL - Acho que sim. Vi pouco da coisa. Só senti dores violentas. Creio que perdi os sentidos, não sei... só sei que consegui puxar um bandido pela camisa... e devo ter puxado forte... porque fiquei com um pedaço na minha mão... (mostrou a ambos o trapo de pano , de listras finas, em azul e fundo branco).
JUCA CIPÓ - E despois? Despois? Conta, seu doutorzinho, conta!
DR. MACIEL - Depois... não vi mais nada. Acordei, muito tempo depois, eu acho... muito tonto... e tomei o caminho de volta, até cair na praça.
Domingas guardou o pedaço de camisa no porta-seios e seguiu limpando os ferimentos do médico.
JUCA CIPÓ - Que judiação... malvado... João Corage tá abusando... isso num se faz.
DR. MACIEL - Só pode ser ele. Andou me procurando ontem pra me castigar.
DOMINGAS - (dirigiu-se ao jagunço, sem fitar-lhe o rosto) - Juca, veja aí um gole de bebida pra animá ele.
O curativo doía terrivelmente e o médico se decidiu a terminá-lo na sala dos fundos. Ele próprio. Saiu cambaleante, perdendo-se na escuridão do corredor. Domingas, de imediato, voltou-se para o jagunço. Abriu-lhe o trapo diante da cara. E num gesto rápido arrancou-lhe a camisa de dentro das calças. Havia um rasgo, ao qual o pedaço de pena se adaptava perfeitamente.
DOMINGAS - Foi você, Juca! Foi você! Por quê? Por quê, Juca?
O jagunço sorria, friamente e, com um movimento ágil, retirou o pano das mãos da mulher.
JUCA CIPÓ - Some com isso, tá?
DOMINGAS - Tu é um home ou é um bicho, Juca?
JUCA CIPÓ - Num enche, vá. Num fiz nada de mal, fiz? Tou cuidano dele, num tou? Num tou morreno de peninha dele?
DOMINGAS - (chocada) Nossa Senhora, Juca. Que mal eu te fiz, meu filho, deixano tu nascer sem carinho, sem uma orientação pra vida, pro bem!
JUCA CIPÓ - Que ladainha é essa, Mingas?
DOMINGAS - Tu num tem amor, sentimento, nada. Tu num é humano, Juca.
JUCA CIPÓ - Êêêêêêê... pára de me enchê. E se começá a falá demais, faço o mesmo cum ocê.
Maciel retornava, gemendo, com a cabeça envolvida por uma longa tira de gaze. Juca ofereceu-lhe um trago.
JUCA CIPÓ - Toma, doutorzinho, toma... isso vai lhe animá. Que gente ruim... que gente má!
DR. MACIEL - Obrigado, Juca... você não é mau sujeito.
Falcão chegou esbaforido, com a camisa aberta á altura do colarinho. Nem sequer cumprimentou os presentes.
DELEGADO FALCÃO - Dr. Maciel, que foi que lhe aconteceu? Foram me avisar que o senhor estava ferido.
DR. MACIEL - Chegou em boa hora, meu amigo, em boa hora! Imagine que o João Coragem me atacou, pelas costas, me agrediu... quase me matou!
DELEGADO FALCÃO - João? Foi ele mesmo?
Juca olhou para Domingas. A mulher deu um passo á frente, em direção aos dois.
DOMINGAS - Ele num tem certeza de nada, delegado...
DR. MACIEL - Como não tenho certeza? João e toda a família estão contra mim, por causa da situação do Duda. Foi uma vingança que ele tentou.
DELEGADO FALCÃO - Uma lição no entender dele. Ele queria lhe dar uma lição.
DOMINGAS - Gente, pode ser que num seja! João num ia fazê uma coisa dessas...
DELEGADO FALCÃO - (com autoridade) - Você confia nele? Foi bom até que não pisaram no calo dele. Agora, está se tornando... um vingadô, no seu entendê. E, desde o assassinato do Lourenço, vem fazendo uma porção de besteira. Você e o povo de Coroado tem de entendê isso!
Um desagradável silencio tomou conta do ambiente. Apenas o fungar desritmado do velho médico quebrava a monotonia da sala. Juca, com um sorriso cínico, afastou-se discretamente. O médico bebia.
E NO PRÓXIMO CAPÍTULO...
*** JERÔNIMO DIZ A POTIRA QUE, SE FOR PREFEITO, PRECISA ARRANJAR UMA MOÇA PARA SE CASAR.
*** EM COROADO, TODOS ACUSAM JOÃO DE SER O AGRESSOR DO DR. MACIEL. RODRIGO PEDE A JERÔNIMO QUE NÃO SE ENVOLVA NAS DESGRAÇAS DO IRMÃO, SE QUISER SER PREFEITO!
Mais abaixo, onde o rio dobrava-se num largo trecho rochoso, os garimpeiros trabalhavam desligados do mundo. Braz e Jerônimo avistaram o estranho homem de branco, cruz de madeira ao peito, sandálias franciscanas, deslizando por sobre as terras úmidas marginais às águas. Elevando as mãos para os céus o beato se aproximava do grupo de trabalhadores. Sua figura impressionava os homens simples e rudes, abertos a toda espécie de crendices e superstições, habituais nas regiões afastadas do interior. Zacarias era um desses tantos que peregrinam pelas terras ermas do sertão.
BEATO ZACARIAS - (pregava fanàticamente) Irmãos... prestai atenção nas minhas palavras. Irmãos... eu recebi aviso do céu. O mundo vai se consumi em chamas. O fogo vai destruí o pecado. Só vai escapá do fogo final quem estivé cumigo, que sou escolhido e enviado de Jesus, o filho de Deus!
Os garimpeiros fitavam o beato receosos das punições divinas. Abriam caminho para sua caminhada ao longo da margem. Zacarias levantava braços e cabeça para os céus.
BEATO ZACARIAS - Viva Deus Onipotente! E viva a Cruz da Redenção! Viva eu, Zacarias, mandado de São João!
O beato dirigiu-se, a passos lentos, para o local onde Lara e João conversavam ensimesmados. Parou de falar a alguns passos do casal. Encarou-o amedrontadoramente.
JOÃO - (voz enérgica) - Que é que ocê qué?
BEATO ZACARIAS - Sabê se a moça tá boa. Tá?
Lara escondeu a cabeça no peito do marido.
JOÃO - Tá. Pode ir simbora.
BEATO ZACARIAS - O espírito mau vortô a dominá ela?
JOÃO - Não. Vai, tou pedino. Ela tem medo.
Lara tremia, descontrolada, com o rosto escondido nas vestes barrentas do esposo.
BEATO ZACARIAS - (prosseguiu inclemente) Uma noite eu vi ela, de novo. Tava no carro, conheci de longe. Fiquei espiano. Desceu na estrada. Parecia alma penada.
MARIA DE LARA - (ergueu a cabeça, interessada) Quando viu Diana?
JOÃO - Num interessa. Vai embora.
MARIA DE LARA - (estava rígida) João... ele viu!
JOÃO - Viu nada! Tá inventano. (tornou a ordenar ao beato, com a voz mais grave) Vai embora, home, na paz de Deus!
Zacarias afastou-se, benzendo-se e repetindo as mesmas palavras... “Viva Deus Onipotente! Viva eu, Zacarias!”
Sua figura em branco perdia-se na poeira da estrada.
CORTA PARA:
CENA 2 - RIO DE JANEIRO - ILHA DO GOVERNADOR - CASA DE DUDA - iNT. - DIA.
Na varanda de sua moderna residência na Ilha do Governador, Duda servia um drinque – limão, campari e gêlo, com água mineral – ao diretor do Flamengo. Fausto Paiva e Hernani assistiam ao diálogo.
DIRETOR DO FLAMENGO - Olha, craque! Tenho certeza que, dentro de um mês, você está de novo em plena forma.
DUDA - Um mês? Sei não, doutor. Vou fazer força. No que depender de mim... (cruzou os braços sob a cabeça, esticando-se na cadeira confortável) Também, não quero favor de ninguém. Se seu Fausto achar que não dou mais no couro, é melhor dizer.
O técnico saiu do mutismo para opinar, sinceramente. Não havia no dicionário de Fausto Paiva a palavra acomodação. Foi logo ao ponto.
FAUSTO PAIVA - Não posso dizer nada. Pelo menos por enquanto. Vou esperar que você volte aos treinos, aí, então, eu digo com franqueza. Agora, só tenho a dizer uma coisa: isso aconteceu (apontou para a perna enfaixada) porque você é um profissional que não leva a sério sua profissão.
DUDA - (franziu a testa, visivelmente aborrecido) Eu digo e repito: não quero piedade nem favor de ninguém... Muito menos de sua parte.
FAUSTO PAIVA - Nós não podemos ter piedade, Duda, nem vamos te aceitar no time, pela tua carinha bonita. Ou você volta a ser o que era antes... ou pode pendurar as chuteiras. (levantou-se trombudo e anunciou sua partida) Vocês não vem? Eu vou andando. Já disse tudo o que tinha a dizer. (dirigiu-se apressado para a porta, de onde Ritinha ouvia o desfecho da conversa).
RITINHA - (de cara emburrada, abriu a porta para o treinador) Tenha a bondade.
Duda, desinteressado, sorvia um gole da bebida. Hernani e o diretor fumavam, admirando as cores vivas do poente. O mar se coloria de vermelho, refletindo a bola rubra que mergulhava no horizonte distante.
CORTA PARA:
CENA 3 - COROADO - PRAÇA - EXT. - NOITE.
Em Coroado a noite caía molemente quando Domingas reconheceu a figura trôpega, a perambular pela praça. Correu a acudir o médico Maciel. O homem tinha o corpo moído de pancada e as vestes embebidas em sangue. A criada amparou-o, deitando-o sobre a grama umedecida, com a cabeça no seu colo. Olhou para um grupo que conversava á distancia.
DOMINGAS - Gente! Me ajuda aqui! Doutô Maciel tá ferido. Me ajuda a carregá ele pra dentro de casa.
JUCA CIPÓ - (aproximou-se, correndo) - Mingas! Que foi, que foi?
DOMINGAS - Foi Deus que te trouxe, Juca. Tentaram matar ele. Veja o estado em que se encontra. Me ajuda, Juca, a levá pra dentro de casa.
JUCA CIPÓ - (com gestos exaltados, examinou o corpo) Coitado do home! Que gente ruim! Cruz Credo! (benzeu-se, três vezes) Pode deixá, Mingas, que eu levo ele. (abaixou-se para erguer o corpo do médico) Vem, seu doutô. Vem comigo... tadinho! Que judiação! Êta mundo disgraçado! Cumo é que tem gente que faz essas coisa? Deus que me perdoe...
CORTA PARA:
CENA 4 - CASA DO DR. MACIEL - SALA - INT. - NOITE.
Aos poucos e com algum esforço, Juca Cipó conseguiu arrastar o médico para o interior da casa. Acomodou-o numa velha e desbotada poltrona.
DOMINGAS - Deixa ele aí. Vou limpar a cara dele
Domingas correu ao consultório, no fundo da residência.
JUCA CIPÓ - (com dois ou três tapinhas no rosto, aclarou a mente do ébrio) Como foi isso, conta, seu doutô? Conta!
DR. MACIEL - (mal podendo falar) Eu... eu recebi um chamado... pra ver um doente... na Rua da Matriz, lá no fim. Quando a rua terminou... reparei que não havia o número que o garoto me deu, quando veio me chamar. Decidi voltar.
Domingas voltava, trazendo água oxigenada, mercúrio, algodão e esparadrapo. Confirmou as declarações do médico.
DOMINGAS - É... o garoto veio chamá ele. Eu que atendi. Ainda disse, cuidado! Porque a noite tá muito escura. Vai chovê. Leva o guarda-chuva.
DR. MACIEL - Pois é... aí eu resolvi voltar.
Domingas limpava-lhe o rosto, cuidadosa, sem magoar os ferimentos. Vez por outra o médico cerrava os olhos numa careta de dor.
DR. MACIEL - Foi, então, que um sujeito me atacou pelas costas... tentei reagir, o sujeito me agrediu, forte, na cabeça. Caí tonto...
JUCA CIPÓ - Aí, ele lhe amassou a cara.
DR. MACIEL - Acho que sim. Vi pouco da coisa. Só senti dores violentas. Creio que perdi os sentidos, não sei... só sei que consegui puxar um bandido pela camisa... e devo ter puxado forte... porque fiquei com um pedaço na minha mão... (mostrou a ambos o trapo de pano , de listras finas, em azul e fundo branco).
JUCA CIPÓ - E despois? Despois? Conta, seu doutorzinho, conta!
DR. MACIEL - Depois... não vi mais nada. Acordei, muito tempo depois, eu acho... muito tonto... e tomei o caminho de volta, até cair na praça.
Domingas guardou o pedaço de camisa no porta-seios e seguiu limpando os ferimentos do médico.
JUCA CIPÓ - Que judiação... malvado... João Corage tá abusando... isso num se faz.
DR. MACIEL - Só pode ser ele. Andou me procurando ontem pra me castigar.
DOMINGAS - (dirigiu-se ao jagunço, sem fitar-lhe o rosto) - Juca, veja aí um gole de bebida pra animá ele.
O curativo doía terrivelmente e o médico se decidiu a terminá-lo na sala dos fundos. Ele próprio. Saiu cambaleante, perdendo-se na escuridão do corredor. Domingas, de imediato, voltou-se para o jagunço. Abriu-lhe o trapo diante da cara. E num gesto rápido arrancou-lhe a camisa de dentro das calças. Havia um rasgo, ao qual o pedaço de pena se adaptava perfeitamente.
DOMINGAS - Foi você, Juca! Foi você! Por quê? Por quê, Juca?
O jagunço sorria, friamente e, com um movimento ágil, retirou o pano das mãos da mulher.
JUCA CIPÓ - Some com isso, tá?
DOMINGAS - Tu é um home ou é um bicho, Juca?
JUCA CIPÓ - Num enche, vá. Num fiz nada de mal, fiz? Tou cuidano dele, num tou? Num tou morreno de peninha dele?
DOMINGAS - (chocada) Nossa Senhora, Juca. Que mal eu te fiz, meu filho, deixano tu nascer sem carinho, sem uma orientação pra vida, pro bem!
JUCA CIPÓ - Que ladainha é essa, Mingas?
DOMINGAS - Tu num tem amor, sentimento, nada. Tu num é humano, Juca.
JUCA CIPÓ - Êêêêêêê... pára de me enchê. E se começá a falá demais, faço o mesmo cum ocê.
Maciel retornava, gemendo, com a cabeça envolvida por uma longa tira de gaze. Juca ofereceu-lhe um trago.
JUCA CIPÓ - Toma, doutorzinho, toma... isso vai lhe animá. Que gente ruim... que gente má!
DR. MACIEL - Obrigado, Juca... você não é mau sujeito.
Falcão chegou esbaforido, com a camisa aberta á altura do colarinho. Nem sequer cumprimentou os presentes.
DELEGADO FALCÃO - Dr. Maciel, que foi que lhe aconteceu? Foram me avisar que o senhor estava ferido.
DR. MACIEL - Chegou em boa hora, meu amigo, em boa hora! Imagine que o João Coragem me atacou, pelas costas, me agrediu... quase me matou!
DELEGADO FALCÃO - João? Foi ele mesmo?
Juca olhou para Domingas. A mulher deu um passo á frente, em direção aos dois.
DOMINGAS - Ele num tem certeza de nada, delegado...
DR. MACIEL - Como não tenho certeza? João e toda a família estão contra mim, por causa da situação do Duda. Foi uma vingança que ele tentou.
DELEGADO FALCÃO - Uma lição no entender dele. Ele queria lhe dar uma lição.
DOMINGAS - Gente, pode ser que num seja! João num ia fazê uma coisa dessas...
DELEGADO FALCÃO - (com autoridade) - Você confia nele? Foi bom até que não pisaram no calo dele. Agora, está se tornando... um vingadô, no seu entendê. E, desde o assassinato do Lourenço, vem fazendo uma porção de besteira. Você e o povo de Coroado tem de entendê isso!
Um desagradável silencio tomou conta do ambiente. Apenas o fungar desritmado do velho médico quebrava a monotonia da sala. Juca, com um sorriso cínico, afastou-se discretamente. O médico bebia.
FIM DO CAPÍTULO 62
Dr. Maciel é socorrido por Juca e Domingas |
*** JERÔNIMO DIZ A POTIRA QUE, SE FOR PREFEITO, PRECISA ARRANJAR UMA MOÇA PARA SE CASAR.
*** EM COROADO, TODOS ACUSAM JOÃO DE SER O AGRESSOR DO DR. MACIEL. RODRIGO PEDE A JERÔNIMO QUE NÃO SE ENVOLVA NAS DESGRAÇAS DO IRMÃO, SE QUISER SER PREFEITO!
NÃO PERCA O CAPÍTULO 65 DE
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