quinta-feira, 29 de maio de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 12


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 12

Participam deste capítulo

Cyro Valdez  -  Tarcísio Meira
Ester  -  Glória Menezes
Paulus  -  Emiliano Queiróz
Júlia  -  Ida Gomes
Orjana  -  Neusa Amaral
Prof. Valdez  -  Enio Santos
André Vila Verde  -  Paulo José
Vanda Vidal  -  Dina Sfat

 CENA 1  -  CASA DE ESTER  -  SALA  -  INTERIOR  -  DIA

ESTER OLHOU PARA O HOMEM, QUASE UM ESTRANHO, DEITADO A SEU LADO. OS LONGOS CABELOS NEGROS COBRINDO-LHE O ROSTO, PÁLIDO AQUELA HORA. PELA JANELA ENTREABERTA, VIAM-SE OS PRIMEIROS RAIOS DE SOL.

ESTER LEVANTOU-SE E FOI ATÉ O ESPELHO DE PAREDE, AJEITOU OS CABELOS CLAROS. EM SEGUIDA, TOCOU DE LEVE O OMBRO DO RAPAZ.

ESTER  -  Sabe que já é dia?

CYRO  -  (abriu os olhos, admirado, desconhecendo, por instantes, a sala larga) Que horas são? (consultou o relógio de pulso) Quase nove horas!

ESTER  -  (assustada) Meu Deus! Eu perdi a noção do tempo!

CYRO  - (abraçou-a, com ternura, vestindo o paletó) Será que o tempo existe mesmo?

UM LEVE MOVIMENTO DE PASSADAS SURPREENDEU O CASAL. JÚLIA ENTRAVA NA SALA. ESTACOU, PARALISADA.

JÚLIA  -  Oh, desculpe-me!

ESTER SEPAROU-SE ENCABULADA DOS BRAÇOS DO RAPAZ.

ESTER  -  (procurando controlar-se, ruborizada, a voz trêmula) Alguma coisa?

JÚLIA  -  (baixou os olhos, percebendo o embaraço da patroa) Aquele advogado, Paulus, está aí e pede para ser recebido.

ESTER  -  A esta hora da manhã? Diga a ele...

SEM OUTRO AVISO O ADVOGADO ENTROU NA SALA. PAROU A ALGUNS CENTÍMETROS DA PORTA, AO DEPARAR COM O FAMOSO CIRURGIÃO.

PAULUS  -  Bom dia! Perdão, não sabia que tinha visitas!

ESTER  -  (tentando aparentar uma calma que não possuía, fez as apresentações) Dr. Victor Paulus... Dr. Cyro Valdez.

PAULUS  -  (sorriu com frieza) Já nos conhecemos (e virando-se para o médico) Nunca podia imaginar encontrá-lo aqui, entretanto...

ESTER  -  (percebeu a malícia nas entrelinhas) Por quê? Dr. Cyro é um médico... e está aqui nessa qualidade. (mentiu) Passei mal esta noite e mandei chamá-lo.

PAULUS  -  (fingiu aceitar a explicação) Passou mal? (acentuou a última pergunta, numa atitude dúbia, de duplo sentido) Do coração?

CYRO  -  (interveio) Nada de assustador. Um simples mal estar. Eu já estava de saída, o senhor vai me desculpar...

PAULUS  -  Ora, à vontade, doutor! A propósito, quando o senhor pensa deixar o país?

CYRO  -  Não fixei ainda a data.

PAULUS  -  Julguei que já estivesse de viagem.

CYRO  -  (encarando-o) Talvez eu me demore mais do que tencionava a princípio.

PAULUS  -  (insistiu) Além do Comendador Liberato, alguma coisa mais prende o senhor a Santa Catarina, doutor?

CYRO  -  (evitou a provocação, sorrindo, irônico) Claro... claro! A beleza da paisagem. Há muita coisa bela em Florianópolis. (voltando-se para a mulher, beijou-lhe respeitosamente a mão) Bom dia, Dona Ester. Havendo necessidade, pode ligar para o meu hotel.

ESTER  -  Obrigada, doutor! Foi muito amável!

O MÉDICO CUMPRIMENTOU PAULUS, COM UM BREVE MOVER DE CABEÇA.

CORTA PARA:
André (Paulo José) e Vanda (Dina Sfat)

CENA 2  -  RESTAURANTE  -  INTERIOR  -  DIA

ERA INTENSO O MOVIMENTO NO RESTAURANTE ÀQUELA HORA DO DIA. OS CASAIS CONVERSAVAM ANIMADAMENTE E GRUPOS DE JOVENS, ALEGRES, BEBIAM, ENQUANTO AGUARDAVAM QUE O GARÇOM LHES TROUXESSE COMIDA.

A ENTRADA DE CYRO NO RECINTO, SEGURANDO O BRAÇO DE ORJANA, SEGUIDO PELOS PASSOS TRÔPEGOS DO AVÔ, CHAMOU A ATENÇÃO DO HOMEM QUE ALMOÇAVA Á ENTRADA DO GRANDE SALÃO. ELE APERTOU O PULSO DA MULHER QUE O ACOMPANHAVA.

ANDRÉ  -  É ele... sim! Dr. Cyro Valdez! Vi o retrato dele no jornal!

VANDA  -  (torceu a cabeça para onde os olhos do rapaz se dirigiam) Quem é o Dr. Cyro Valdez?

ANDRÉ  -  (encarava, atônito, o recém-chegado) Você não leu aquela reportagem? O repórter até falou de mim...

VANDA  -  Ah, sim! Aquela história maluca da moça que foi atacada por um disco voador e depois teve um filho!

ANDRÉ  -  Não é uma história maluca. Eu sonhei com isso, quando era criança... e outros garotos também sonharam.

CYRO SENTIU O OLHAR INSISTENTE DE ANDRÉ, QUE SE LEVANTOU E ENCAMINHOU-SE PARA SEU LADO. COM UM BREVE CUMPRIMENTO ACHEGOU-SE AO MÉDICO, TOCANDO-LHE O BRAÇO.

ANDRÉ  -  Desculpe-me! (falou, gaguejando) Eu... eu sou André. Meu nome todo é André Vila Verde. Trabalho no circo... o senhor deve ter lido no jornal... “As 7 Facas da Morte”, “O Rei do Malabarismo”...

CYRO  -  (franzindo a testa) Não estou entendendo...

ANDRÉ  -  Eu fui uma das pessoas que sonharam com o seu nascimento...

ORJANA ESTREMECEU.

CYRO  -  (controlou-se) Muito bem, seu André, agora o senhor vai nos dar licença...

ANDRÉ  -  (os olhos vidrados no médico) Impressionante!

CYRO  -  Impressionante, o quê?

ANDRÉ  -  A cor dos seus olhos... o magnetismo...

CYRO  -  (perdeu a paciência de vez) É que eu venho de outro planeta e lá todo mundo tem olhos assim!

ORJANA  -  O senhor não percebe que está sendo desagradável?

ANDRÉ  -  (visìvelmente descontrolado) Desculpe... eu não pensei... só queria... com licença...

O RAPAZ AFASTOU-SE, RESSABIADO, ENQUANTO CYRO SE PERDIA NO PANDEMÔNIO DE MESAS, CADEIRAS, GARÇONS E FREGUESES.

ORJANA  -  Que sujeito impertinente!

PROF. VALDEZ  -  Foi uma das três crianças que sonharam...

CYRO, PELO CANTO DOS OLHOS, PERCEBEU O OLHAR FIXO DA MULHER QUE ACOMPANHAVA O IMPORTUNO.

CYRO  -  Vamos embora! Daqui a pouco tem um mundo de gente olhando para mim, como se eu fosse um animal do Jardim Zoológico!

OS TRÊS SAÍRAM ANTE OS OLHARES SURPRESOS DO GARÇOM E DO MAITRE, QUE JÁ HAVIAM ESCOLHIDO UMA MESA DE CANTO PARA ACOMODAR OS VISITANTES.

SENTADA DIANTE DE ANDRÉ, VANDA PERGUNTOU-LHE, CURIOSA:

VANDA  -  Que aconteceu?

ANDRÉ  -  Os olhos dele eram de uma cor estranha... Nunca vi ninguém com olhos daquela cor!

VANDA  -  Mas ele se assemelha a um homem como outro qualquer! Tem duas pernas, dois braços...

ANDRÉ  -  Mas tem uma inteligência superior. Os seres que vieram naquela nave espacial eram de uma civilização mais adiantada que a nossa... Milhares de anos mais à frente. Quem sabe, talvez milhões!

VANDA  -  Você fala como se tivesse absoluta certeza do que diz.

ANDRÉ  -  Mas eu tenho! Eram habitantes de outra galáxia, na nave espacial que baixou em Porto Azul naquela noite que eu nunca vou esquecer, 31 anos atrás!

FIM DO CAPÍTULO 12


 Na próxima terça, capítulo inédito!

quarta-feira, 28 de maio de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 11


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 11

Participam deste capítulo

Cyro Valdez  -  Tarcísio Meira
Ester  -  Glória Menezes
Baby  Liberato  -  Cláudio Cavalcanti
Comendador Liberato  -  Macedo Neto


CENA 1  -  PORTO AZUL  -   ESTRADA NO LITORAL  -  EXTERIOR  -  NOITE

O CARRO DEVORAVA AS LÉGUAS COMO QUE IMPELIDO POR FORÇA ATÔMICA. A NOITE CAÍRA NA REGIÃO LITORÂNEA. ESTER DIRIGIA EM VELOCIDADE, O PÉ APERTANDO FIRME O ACELERADOR.

DE REPENTE AS LUZES SE TORNARAM NÍTIDAS E ESTER FREOU NO LOCAL JÁ VISITADO ANTERIORMENTE. VIU DE IMEDIATO O SEDAN ESTACIONADO.

CYRO ABRIU-LHE A PORTA. A ADMIRAÇÃO DA MOÇA DEIXOU-A PREGADA AO BANCO DO AUTOMÓVEL. O MÉDICO PROCUROU AJUDÁ-LA A SAIR.

ESTER  -  Não. Por favor, não!

CYRO  -  Então por que veio?

ESTER  -  Não devia ter vindo. Vim só para tirar uma dúvida... quer dizer, eu não esperava encontrar você aqui.

CYRO  -  Não esperava?

ESTER  -  (desnorteada) Até agora não estou entendendo. Você sabia que eu vinha... como?

CYRO  -  Eu não sabia como encontrá-la e precisava vê-la de novo. Procurei, então, me comunicar com você telepaticamente.

ESTER  -  (arregalou os olhos, surpresa) Telepaticamente?

CYRO  -  Por que este espanto? Você não vai imaginar que isso seja bruxaria ou coisa parecida. A telepatia é hoje perfeitamente aceita pela ciência. Não há nada de sobrenatural nisso. Eu já havia feito experiências anteriores com pleno êxito (aproximou-se da mulher, estupefata) E, por Deus, não me olhe como se eu fosse um ser vindo de outro planeta!

ESTER  -  (perplexa) Você... pode comunicar-se com qualquer pessoa... a distancia?

CYRO  -  Não. Também não é assim... A comunicação telepática se realiza em determinadas circunstâncias, principalmente entre duas pessoas que estejam psicològicamente preparadas para isso. Como nós estávamos (olhou-a no fundo dos olhos) E eu sei que você também desejava este encontro. Por isso foi fácil.

COM UM MOVIMENTO RÁPIDO, CYRO TOMOU-A NOS BRAÇOS, ESTREITANDO-A DE ENCONTRO AO CORPO.

ESTER  -  (não resistiu, mas persistia mentindo, por instinto de defesa) Eu... não desejava... vim apenas por curiosidade. Não sei... Acho que você não é mesmo um homem... é um demônio! (Cyro apertava-a cada vez mais, suas mãos corriam-lhe o corpo, desejosas. Ester voltou a falar) É uma loucura... eu nunca devia ter vindo... eu lhe disse da última vez, que se afastasse de mim... que nada era possível... que você só podia se prejudicar. Por que não me ouviu e não voltou para a Europa?

CYRO  -  (segurou-lhe a cabeça entre as mãos e respondeu com sinceridade) Porque eu amo você!

ESTER  -  Não! Não!

CYRO  -  A gente não pode amar uma pessoa a quem só viu poucas vezes na vida?

ESTER  -  (tentando fugir do abraço apaixonado do rapaz) Eu acho que não!

CYRO  -  Mas... comigo aconteceu. Eu não poderia voltar para a Europa sem ver você novamente. Pode ser que seja uma paixão de momento, mas eu não poderia partir sem ver você e lhe dizer isso: eu a amo. Sem sequer saber o seu nome!

ESTER  -  E agora que me viu, que me disse tudo isso... você vai partir?

CYRO  -  Talvez eu seja obrigado a isso. Mas não vou mais correr o risco de perdê-la de vista para sempre. Não vou perdê-la.

OS LÁBIOS DE AMBOS SELARAM O AMOR QUE NASCIA, VIOLENTO, DECIDIDO, LOUCO, TALVEZ. ESTER DEIXOU-SE CONSUMIR PELA VORACIDADE AMOROSA DO HOMEM A QUEM POUCO CONHECIA. AOS POUCOS REAGIU, AFASTANDO A CABEÇA COM MÃOS DELICADAS. CYRO DEU-LHE UM ÚLTIMO BEIJO ENTRE A JUNÇÃO DOS SEIOS.

ESTER  -  (fechou os olhos e estremeceu) Por favor, deixe-me ir embora. Eu não posso ficar aqui com você... isto é uma loucura... pode passar alguém... alguém pode reconhecer-nos.

CYRO  -  Está bem. Venha comigo.

CORTA PARA:
Ester (Gloria Menezes) e Cyro (Tarcisio Meira)

CENA 2  -  CASA DE ESTER  -  EXTERIOR  -  NOITE

O CARRO ESTACOU DIANTE DA RESIDENCIA CONFORTÁVEL, DE BELAS JANELAS E LINHAS ARQUITETÔNICAS MODERNAS.

CYRO  -  É aqui que você mora... com seu marido?

ESTER  -  (recostou-se no braço forte que a amparava. Olhou o relógio: uma e trinta da manhã) Não... ele não mora aqui. Nós somos desquitados.

CYRO  -  (beijou-lhe a testa) Eu já imaginava. Apenas uma coisa gostaria que você me dissesse: o seu nome.

ESTER  -  Ester... eu me chamo Ester.

CORTA PARA:

CENA 3  -  PALACETE DO COMENDADOR LIBERATO  -  EXTERIOR  -  NOITE.

ERAM QUASE 2 HORAS DA MANHÃ QUANDO O CONVERSÍVEL VERDE-GARRAFA DE BABY LIBERATO ESTACIONOU NA GARAGEM. O JOVEM SALTOU E DIRIGIU-SE PARA A ENTRADA PRINCIPAL DA RESIDENCIA.

CORTA PARA:

CENA 4  -  PALACETE DO COMENDADOR LIBERATO  -  SALA  -  INTERIOR  -  NOITE

BABY ATRAVESSOU O SALÃO, SUBIU AS ESCADAS E, AO VER A PORTA ABERTA DOS APOSENTOS DO PAI, ESTACOU, NO INSTANTE EM QUE O VELHO COMENDADOR HAVIA ACORDADO PARA TOMAR A MEDICAÇÃO RECOMENDADA PELO MÉDICO. ZORAIDA, A GOVERNANTA, AFASTOU-SE, DEIXANDO PAI E FILHO FRENTE A FRENTE.

COMENDADOR LIBERATO  -  (ajeitando-se entre os travesseiros, convidou) Meu filho... venha... sente-se aqui, na beira da cama. Há muito tempo que eu estou para ter essa conversa com você, mas essa maldita doença... as recomendações do médico. O tempo vai se passando e a gente não sabe o que pode acontecer, amanhã.

BABY  -  (otimista) O Dr. Cyro me disse que você vai ficar em forma.

COMENDADOR LIBERATO  -  (descrente) Não sei... tudo pode acontecer. E eu não quero morrer deixando a companhia cair nas mãos do Otto. Você, meu filho, você tem que me substituir na direção da empresa.

BABY  -  Mas isso não depende da gente. Você é o maior acionista, mas não tem a maioria absoluta das ações. Os outros acionistas, pai, os outros acionistas podem indicar outra pessoa.

COMENDADOR LIBERATO  -  E por que o indicado não pode ser você? Isso depende muito de nós. De você, principalmente.

BABY  -  Otto já é superintendente e o sonho dele é ficar no seu lugar; eu não faço a mínima questão.

COMENDADOR LIBERATO  -  Preciso abrir o jogo com você, filho, e revelar a verdadeira face do homem que, eu sei muito bem, quer me ver morto para assumir a direção da mina. Otto é um psicopata, filho. Tudo o que ele quer é reduzir os mineiros à escravidão completa. Na presidência da companhia eu pude impedir que ele impusesse aos mineiros condições de vida e de trabalho ainda piores que as existentes. Ele vai arruinar a empresa e nós não podemos deixar que isso aconteça. Mas, para que você possa ter chance de me substituir, é preciso mudar de vida.

BABY  -  (fez uma careta de desaprovação) Mudar, como?

COMENDADOR LIBERATO  -  Parar com essas farras, essas  festas escandalosas, mulheres...

BABY  -  (irritado) Que diabo! Pra ser presidente da companhia é preciso ser frade?

COMENDADOR LIBERATO  -  Não é preciso chegar a tanto. Mas é necessário ser alguém em quem se possa confiar. E ninguém confia num homem que só pensa em gozar a vida e nada mais. Pelo menos por uns tempos, até ser indicado, você tem que mudar de vida.

BABY  -  (ergueu-se, com ar de cansaço) Hum... não sei se vou conseguir.

COMENDADOR LIBERATO  -  Esta é a sua grande oportunidade. Eu lhe peço que faça isso, por você e por mim.

BABY  -  (sem muita convicção) Tá, eu vou ver.

COMENDADOR LIBERATO  -  É preciso que alguém se oponha a esse louco.

SENTIU, MAIS DO QUE VIU, O FILHO AFASTAR-SE A PASSOS MACIOS DO QUARTO ENVOLTO NA PENUMBRA. MINUTOS DEPOIS, O RICO PROPRIETÁRIO DORMIA, SOB O EFEITO DO REMÉDIO.

FIM DO CAPÍTULO 11



 ... e na próxima sexta, o 12. capítulo!




domingo, 25 de maio de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 10


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 10

Participam deste capítulo

Cyro Valdez  -  Tarcísio Meira
Otto Muller  -  Jardel Filho
Lia  -  Arlete Salles
Paulus   -  Emiliano Queiroz
Prof. Valdez  -  Enio Santos
Das Dores  -  Ruth de Souza
Pé-na-Cova  -  Antonio Pitanga
Ester  -  Glória Menezes
Júlia -  Ida Gomes


CENA 1  -  MANSÃO DE OTTO MULLER  -  ESCRITÓRIO  -  INTERIOR  -  DIA.

A REPORTAGEM SE TRANSFORMOU NA NOVIDADE DO ANO, NA IMPRENSA CATARINENSE.

OTTO  -  (com os pés em cima da escrivaninha, acabara de ler a matéria, deliciando-se) Você leu essa reportagem sobre o Dr. Cyro Valdez?

LIA  -  (fez que sim com a cabeça) Li.

OTTO  -  Fala de você (leu em voz alta) “Dona Lia Sanches foi uma das quatro pessoas que tiveram o sonho profético.” (atirou o jornal sobre a mesa, com um sorriso irônico) Veja!

LIA  -  (fechou as páginas do jornal, dobrando-o com cuidado)  Aliás, ainda hoje eu estava pensando... era bom você aproveitar a permanência dele aqui para se examinar.

OTTO  -  Para quê? Eu estou bem!

LIA  -  Ontem, durante a partida de golfe, você se sentiu mal, lembra-se?

OTTO  -  Bobagem. Basta tomar um daqueles comprimidos que o Dr. Maia me receitou. Melhoro imediatamente.

LIA  -  Seja lá como for não custava pedir ao Dr. Valdez para vir examiná-lo. Não é todo dia que temos entre nós um médico desse gabarito.

OTTO  -  Mas eu não simpatizo nada com ele. E acho que já está demorando demais por aqui.

LIA  -  (insistiu) Se você me autorizar, vou pedir a ele para vir vê-lo.

OTTO  -  (com rispidez germânica) Não autorizo coisa nenhuma! Ou você está querendo um pretexto para ir falar com ele?

LIA  -  (mirou-o com raiva) Isso não merece resposta (beijou-o, antes de deixar o escritório) Olhe, você está esperando o Dr. Paulus? Ele está aí fora.

OTTO  -  (ordenou) Mande-o entrar.

PAULUS  -  (entrou na sala) Bom dia!

OTTO  -  Ahh! Alguma novidade?

PAULUS  -  A respeito do Dr. Cyro Valdez, infelizmente, não. Nada conseguimos contra ele.

OTTO  -  (irritado) Mas que diabos! Será possível que esse homem não tenha um rabo-de-palha? Que não haja uma maneira de forçá-lo a regressar à Europa? Ele tem muito prestígio. (pegou o jornal sobre a mesa) Leia essa reportagem! Há até quem acredite que ele faz milagres!

CORTA PARA:

CENA 2  -  HOTEL CENTRAL  -  SAGUÃO  -  INTERIOR  -  DIA.

NO SAGUÃO DO HOTEL, MILHARES DE PESSOAS SE COMPRIMIAM À ESPERA DO MÉDICO. A REVELAÇÃO DO “MILAGRE” ALVOROÇARA A POPULAÇÃO, POBRES, RICOS, MINEIROS, PESCADORES. HOMENS E MULHERES DOENTES. ALEIJADOS. CRIANÇAS.

GERENTE – (preso ao telefone) ... isso, seu delegado! O hotel tá um pandemônio! Peço-lhe providências urgentes! A qualquer instante a multidão poderá depredar tudo e tentar entrar à força no apartamento do Dr. Cyro Valdez! Pelo amor de Deus, façam alguma coisa!

CORTA PARA:
Ester (Gloria Menezes)

CENA 3  -  HOTEL CENTRAL – APARTAMENTO DE CYRO  -  INTERIOR  -  DIA.

CYRO ENERVAVA-SE, CAMINHANDO DE UM LADO PARA O OUTRO, IA ATÉ A JANELA E VIA A MULTIDÃO QUE SE CONCENTRAVA, DESDE A RUA.

PROF. VALDEZ  -  (entrando, esbaforido) A situação está ficando incontrolável. Os pobres sentados no chão, aos milhares, pedindo um instante apenas a presença do “doutor milagroso”. Apenas um toque em suas roupas. O gerente acaba de pedir ajuda à policia.

CORTA PARA:

CENA 4  -  ALDEIA DOS MINEIROS  -  CASA DE DAS DORES  -  INTERIOR  -  DIA.

PÉ-NA-COVA  -  (relatava os acontecimentos) Aí ele apareceu na porta do elevador. Nossa! Tu num vai acreditá, mãe! É aquele mesmo moço que teve aqui, que disse que tinha visto matarem Gabrié.

DAS DORES  -  (tapou a boca com a mão em concha) É ele?

PÉ-NA-COVA – Por essa luz!

DAS DORES  -  E tu falou com ele?

PÉ-NA-COVA  -  Nem pude. Tinha um mundo de gente, tudo gritando ao mesmo tempo...

DAS DORES  -  Então foi por isso que veio aqui. Ele deve de sabê que tu sonhou o sonho da vinda dele. Tu não pôde falá nem isso?

PÉ-NA-COVA  -  Nada. Foi uma confusão dos diabos... e ele num quis atendê ninguém. Mas ele deve de sabê, sim. Ele sabe de tudo!

CORTA PARA:

CENA 5  -  HOTEL CENTRAL  -  APARTAMENTO DE CYRO  -  INTERIOR  -  DIA.

O PROF. VALDEZ BEBIA UMA DOSE DE UÍSQUE PURO, COM GELO, SENTADO DIANTE DO NETO.

PROF. VALDEZ  -  Sua mãe fica assustada com tudo isso porque... Bem, você já deve ter percebido. Mas a verdade é outra... eu me lembro como tudo aconteceu...

CYRO RETESOU-SE NA POLTRONA.

PROF. VALDEZ  -  (continuou, pausado) Quero que você me responda uma pergunta, antes de tudo: você acha lógico, racional, plausível, que havendo milhões de planetas no universo, o nosso seja o único habitado por seres inteligentes?

CYRO  -  (irritou-se um pouco com o enfoque da conversa) Desculpe, vovô, será que o senhor podia parar de falar um pouco?

PROF. VALDEZ  -  (aborrecido) Está bem. Eu não imaginei que estivesse sendo chato...

CYRO  -  Não é isso... me perdoe, mas eu estou preocupado, querendo descobrir uma maneira... de encontrar uma certa moça com quem já me defrontei três vezes e não sei quem é, nem onde mora.

PROF. VALDEZ  -  (abelhudamente) Bonita?

CYRO  -  Dizer que ela é bonita, não diz tudo. O senhor sabe... aquela mulher que a gente vê e. sem saber por que, decide: é esta!

PROF. VALDEZ  -  (sorriu, simpático) É, eu sei... quando vi Bárbara pela primeira vez... bem, isso não vai lhe interessar.

CYRO  -  (como que falava para si mesmo) Eu devia ter insistido para ela me dar o endereço, o telefone, uma maneira qualquer de nos encontrarmos.

PROF. VALDEZ  -  Se você não sabe quem ela é, nem onde mora... só há um meio... (olhou muito sério para o neto. Os olhos se cruzaram, num entendimento mútuo) E para você não é difícil... Você já fez algumas experiências desse tipo.

CYRO  -  (reagiu) Não, isso não! Esse povo já está pensando que eu sou santo, que faço milagre, que venho de outro mundo, uma porção de besteira...

PROF. VALDEZ  -  Mas telepatia não é coisa de outro mundo, meu filho. Não é bruxaria, nem milagre.

CYRO  -  Eu sei disso, o senhor sabe... mas essa gente é capaz de acreditar em tanta coisa absurda a meu respeito... e isso seria mais um motivo.

PROF. VALDEZ  -  Essa moça é assim tão ingênua?

CYRO  -  Não. Eu acho que não. Mas é que não quero lançar mão desse expediente, vovô. Não quero!

PROF. VALDEZ  -  Então vou deixá-lo curtindo a sua dor-de-cotovelo.

O VELHO ABANDONOU A SALA, ANDANDO VAGAROSAMENTE, ENQUANTO CYRO LUTAVA, ÍNTIMAMENTE, COM A CONSCIÊNCIA. AOS POUCOS A VONTADE DE VER MAIS UMA VEZ O ROSTO BELO, OS OLHOS PUROS, CLARO, DERROTOU SEUS PRECONCEITOS.

CONCENTROU-SE, CERROU OS OLHOS E PENSOU... PENSOU... ORDENANDO COM FIRMEZA ATRAVÉS DA CORRENTE DO PENSAMENTO.

CORTA PARA:

CENA 6  -  CASA DE ESTER  -  SALA  -  INTERIOR  -  DIA.

ESTER ESTAVA DE COSTAS, OLHANDO O MAR PELA JANELA. A ESTRANHA FORÇA FÊ-LA VOLTAR-SE, SEM SABER POR QUÊ. E A VOZ, COMO EM ECO REPETIDO, SOAVA-LHE AO OUVIDO, CLARA. PAUSADA:

‘ESTA NOITE, À MESMA HORA, NO MESMO LUGAR... ESPERO VOCÊ... ESTA NOITE, À MESMA HORA...”

ESTER LEVOU A MÃO Á TESTA E SE DEIXOU ARRIAR NUMA POLTRONA, VISIVELMENTE ABALADA.

JÚLIA  -  (parou ao entrar na sala e ao deparar com o estado de depressão da patroa) Dona Ester... o que está sentindo?

ESTER  -  Nada, Júlia! Tive a impressão de que alguém queria comunicar-se comigo... (a mão corria-lhe pela testa, num massagear ritmado) Uma coisa esquisita. Que horas são?

JÚLIA  -  Cinco e meia da tarde.

ESTER  -  Daqui a Porto Azul, quanto tempo se leva de carro?

JÚLIA  -  Menos de uma hora. Por quê? A senhora vai hoje a Porto Azul?

FIM DO CAPÍTULO 10


 ... e na próxima quinta, mais um capítulo inédito!