Novela de Janete Clair
Adaptação de Toni Figueira
CAPÍTULO 8
Participam deste
capítulo
Otto Muller -
Jardel Filho
Lia -
Arlete Salles
Paulus -
Emiliano Queiroz
Cyro -
Tarcísio Meira
Orjana -
Neusa Amaral
Prof. Valdez -
Macedo Neto
Ester -
Gloria Menezes
CENA 1 -
FLORIANÓPOLIS - MANSÃO DE OTTO MULLER -
ESCRITÓRIO - INTERIOR
- DIA.
OTTO MULLER E LIA OUVIAM AS EXPLICAÇÕES DO ADVOGADO, PAULUS.
PAULUS - Estas informações são absolutamente exatas.
Dr. Cyro Valdez é filho de Orjana Valdez, filha adotiva do Prof. Valdez,
Hilário Valdez. A mesma moça que foi personagem central daquele caso...
OTTO - (coçando a careca) Eu ainda era pequeno, mas
lembro...
PAULUS - Até hoje ainda se fala nisso em Porto Azul,
onde tudo aconteceu. A coisa virou lenda, por lá.
OTTO – A imaginação popular deve ter forjado tudo aquilo. Uma
baboseira!
LIA - É possível que muita coisa tenha sido
inventada, mas eu acho que vocês cometem um grave erro, se julgarem que tudo
não passou de uma alucinação coletiva. Há coisas muito difíceis de explicar.
OTTO - Eu sei. Mas nem tudo o que é difícil de
explicar pode ser aceito como real, como verdade absoluta.
PAULUS - A que a senhora se refere, Dona Lia?
LIA - Ao pescador e às três crianças que tiveram o
mesmo sonho naquela noite.
OTTO - (gesticulando fartamente) Crianças... podem
ter ficado sugestionadas... ou todas elas podem ter mentido. Muito simples.
LIA - (incisiva) Elas contaram o sonho aos pais,
antes da saberem da existência uma das outra. Moravam em locais distantes.
CORTA PARA:
CENA 2 -
FLASHBACK - LIA E SUA MÃE
MUITOS ANOS ANTES - SALA
- INTERIOR - DIA.
COMO NUM RETROCESSO FILMADO, A IMAGEM DO TEMPO APARECEU
NÍTIDA DIANTE DOS OLHOS DE LIA.
A MENINA DE SEIS
ANOS, DE PÉ, ENTRE OS JOELHOS DA MÃE QUE, SENTADA, ESCUTAVA ATENTAMENTE O RELATO
DA MENINA. “UMA APARIÇÃO LUMINOSA QUE NÃO TINHA FORMA DE GENTE E UMA VOZ QUE
ANUNCIAVA O NASCIMENTO DE UM MENINO”. QUASE BÍBLICO, PENSAVA.
CORTA PARA:
Lia Sanches (Arlete Sales) e Otto Muller (Jardel Filho) |
CENA 3 -
MANSÃO DE OTTO MULLER -
ESCRITÓRIO - INTERIOR
- DIA.
OTTO - E o menino de Porto Azul é o Dr. Cyro Valdez?
(antes da resposta, soltou sonora gargalhada) Quanta bobagem!
PAULUS - (com ironia) D. Lia parece estar por dentro
do caso.
LIA DEU AS COSTAS AOS DOIS HOMENS E, COMO SE FALASSE PARA AS
PAREDES, PARA NINGUÉM EM ESPECIAL, FEZ A CONFISSÃO.
LIA - Uma das crianças... era eu.
CORTA PARA:
CENA 4 - FLORIANÓPOLIS -
HOTEL CENTRAL - QUARTO DE CYRO -
INTERIOR - DIA.
CYRO - (aborrecido) Afinal, por que essa gente me
olha com se eu tivesse vindo de outro mundo?
ORJANA E O PROFESSOR BEBERICAVAM UMA XÍCARA DE CAFÉ FORTE.
ENTREOLHARAM-SE SIGNIFICATIVAMENTE, TEMEROSOS DA REVELAÇÃO DA VERDADE.
PROF. VALDEZ - (tentou mudar o rumo da conversa) E o
Comendador Liberato?
CYRO - (insistiu) Eu sei que vocês estão me
escondendo alguma coisa. E acho isso ridículo. Seja lá o que for que tenha
acontecido, não vai me abalar. Eu não sou uma criança.
ORJANA - É mais uma invenção do povo.
CYRO - A história de uma luz... e uma porção de
gente que sonhou com isso?
ORJANA - É.
PROF. VALDEZ - Ele tem razão Por que não contar tudo? Eu
sempre fui a favor de não esconder nada dele. Você é que tinha medo... E no fim
das contas ele vai acabar sabendo sozinho...
ORJANA – (respirou fundo para adquirir coragem) Foi há muito
tempo... Quase trinta e um anos... Nove meses antes de você nascer. Meu pai
tinha brigado comigo na véspera.
PROF. VALDEZ - Porque você tinha saído com Ricardo, que era
um boêmio, e tinha chegado muito tarde em casa.
ORJANA - Por isso, para fazer as pazes com ele, eu fui
esperá-lo na saída do ginásio.
PROF. VALDEZ - Eu ainda me lembro da aula que dei naquele
dia. Era sobre a estrutura do átomo; mas, levado pela pergunta de um aluno,
comecei a falar sobre a estrutura do Universo. Daí a minha convicção de que a
Terra já foi visitada, na pré-história, por seres vindos de outros planetas.
Depois da aula nós saímos juntos. Tomamos por um atalho... uma estrada deserta.
De repente, aconteceu aquilo... E quando recuperei os sentidos, estava deitado
num matagal, á margem da estrada. Já era dia! Mais adiante, sua mãe também
estava caída.
ORJANA - E isso foi tudo que aconteceu. Uma coisa
estranha. A gente não sabe explicar. E por isso muita gente imaginou mil
coisas.
CYRO - E não é para menos...
PROF. VALDEZ - Chegamos em casa já dia claro, Bárbara estava
assustada. Não acreditou no que contamos. E sua incompreensão chegou a tal
ponto, que tivemos de nos separar...
CYRO - E quais as pessoas que sonharam, naquela
noite?
PROF. VALDEZ - Isso foi mais tarde que se soube. Quando você
nasceu. Eram três crianças e um rapaz, um pescador.
CYRO - Mestre Jonas!
PROF. VALDEZ - Isso mesmo. Todos afirmaram que sonharam com
o seu nascimento. Esta é a verdade que você desejava saber.
CYRO - Que é que o povo acha? Que esse sonho foi um
aviso divino?
PROF. VALDEZ - Isso os místicos... os supersticiosos... Tudo
podia ser explicado de outro modo... científico.
ORJANA - (tentou impedir o raciocínio do velho) Papai!
CYRO - Como podia ser explicado?
PROF. VALDEZ - (recuou, entendendo o aviso da filha)
Bobagem... você sabe que eu acredito numa porção de bobagem...
CYRO - Isso tudo que vocês me contaram é tolice!
Essa história de coisa luminosa que perseguiu vocês, o desmaio, o sonho...
Mestre Jonas também falou no sol que apareceu de noite, lá em Porto Azul. Tudo
isso, para mim, é tolice. Psicose
coletiva! Fenômeno que a ciência explica perfeitamente. E, pelo que tenho
observado, muita gente ainda acredita nisso...
ORJANA - É um povo muito ingênuo.
CYRO - (virou-se para a mãe) E você... tem coragem
de jurar que não acredita em nada disso?
ORJANA BAIXOU A CABEÇA E FITOU UM PONTO QUALQUER NO CHÃO.
PREFERIA NADA RESPONDER AO FILHO.
CORTA PARA:
Cyro (Tarcísio Meira0 |
CENA 5
- PORTO AZUL -
PRAÇA DA IGREJA DO BOM JESUS DOS
PESCADORES - INTERIOR
- NOITE.
AS BARRAQUINHAS ILUMINADAS REGURGITAVAM DE FIÉIS, NA MAIORIA
GENTE POBRE, CRENTE NO BOM JESUS DOS PESCADORES.
CORTA PARA:
CENA 6 -
PORTO AZUL - IGREJA DO BOM JESUS DOS PESCADORES -
INTERIOR - NOITE.
CYRO - Posso falar com a senhora?
Ester assustou-se ao ouvir a voz do homem atrás de si. Com um
gesto rápido, moveu a cabeça, tentando identificar o estranho. Desviou, por
instantes, os olhos da imagem do Bom Jesus, e, sentando-se, reconheceu-o.
ESTER - (perturbada) O senhor não pode ao menos
esperar que eu termine as minhas orações?
CYRO - Posso. Se prometer falar comigo depois.
ESTER VOLTOU A CONCENTRAR-SE, SEM LHE DAR RESPOSTA, ENQUANTO
O MÉDICO, DE PÉ, ESPERAVA, PACIENTE.
CORTA PARA:
CENA 7 -
PORTO AZUL - IGREJA DO BOM JESUS DOS PESCADORES - EXTERIOR -
NOITE.
MINUTOS DEPOIS DEIXAVAM O INTERIOR DO TEMPLO HUMILDE,
MISTURANDO-SE AOS FIÉIS NO ENTRA E SAI DA FESTA.
CYRO CONDUZIU-A A UM RECANTO MAIS OU MENOS ISOLADO E
SENTARAM-SE NUM LARGO BANCO DE PEDRA.
ESTER - Que é que o
senhor quer de mim?
CYRO - Eu? Nada!
ESTER - (recriminou-o) Se não quer nada, por que
disse que precisava falar comigo?
CYRO - Porque de fato preciso. Esta é a terceira vez
que nos encontramos, desde que cheguei aqui, há quinze dias. E eu queria que
soubesse... eu desejei muito este terceiro encontro. Você não?
ESTER - Por que havia de desejar?
CYRO - É uma pergunta ou uma resposta?
ESTER - Como queira.
CYRO - Se é
uma pergunta, eu não sei como responder. Claro, quando a gente se sente atraído
por uma mulher, sempre espera que ela sinta a mesma coisa...
ESTER - (estremecendo, olhou fundo nos olhos do
cirurgião) O senhor se sente atraído por mim, Dr. Cyro?
CYRO - Preciso mesmo responder?
ESTER - Não é simples curiosidade? O senhor não sabe
quem eu sou, por isso...
CYRO -
(cortou) Não, não é só isso. Isso apenas torna o nosso jogo desigual. Eu
não sei quem você é. E você sabe quem eu sou. Não é justo.
ESTER - Não seria justo se estivesse mesmo
participando de um jogo com o senhor. Mas não estou, Dr. Cyro. Embora...
CYRO - Embora?
ESTER - Peço-lhe desculpas pela maneira como o tratei
no nosso primeiro encontro. Eu fiz um julgamento errado do senhor.
CYRO - Nunca devemos julgar as pessoas antes de conhecê-las.
ESTER - E não há nada mais difícil do que a gente
conhecer alguém.
CYRO - Eu acho que, entre nós, não seria difícil.
ESTER - Talvez... mas seria uma loucura. Você não
sabe quem eu sou, não sabe nada a meu respeito.
CYRO - Você é casada?
ESTER - (hesitou) Sou.
CYRO - (apontou, embaraçado, para a mão esquerda
dela) Por que não vejo nenhuma aliança em seu dedo?
ESTER - Porque não quero me lembrar disso.
CYRO - Não é feliz, então, com seu marido?
ESTER - Para quê todas essas perguntas? Não vão levar
a nada. Nada é possível. O senhor está perdendo seu tempo e arriscando seu
futuro, que deve ser tão brilhante quanto seu presente. O senhor é um grande
médico, Dr. Cyro, festejado pelo mundo inteiro. Convença-se de que eu posso
representar uma ameaça a tudo isso e afaste-se de mim.
CYRO - (controlou-se e sorriu) Você fala como se
trouxesse consigo uma maldição. Mas não vai querer que eu, um cientista,
acredite em maldições...
ESTER - (zangara-se um pouco) Em que o senhor
acredita? Só nas coisas materiais, concretas? Pois não há nada mais concreto do
que isso que acabo de lhe dizer (fitou-o nos olhos e afastou-se bruscamente)
Adeus, doutor! Estou fazendo isso porque não quero que nenhum mal lhe aconteça.
O senhor não merece.
CYRO - (levantou-se e deu alguns passos em sua
direção) O pior que podia me acontecer neste momento era não saber como
encontrá-la de novo.
ESTER - Mas é melhor... para você. Por favor, não me
siga!
ESTER AFASTOU-SE A PASSOS APRESSADOS. ARFAVA AO ENTRAR NO CARRO
ESTACIONADO A UMA ESQUINA. CYRO CAMINHOU EM DIREÇÃO À FRENTE DA IGREJA,
PERDENDO-SE NA MULTIDÃO.
FIM DO CAPÍTULO 8
... E NA PRÓXIMA SEXTA, O 9. CAPÍTULO!
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