domingo, 25 de maio de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 10


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 10

Participam deste capítulo

Cyro Valdez  -  Tarcísio Meira
Otto Muller  -  Jardel Filho
Lia  -  Arlete Salles
Paulus   -  Emiliano Queiroz
Prof. Valdez  -  Enio Santos
Das Dores  -  Ruth de Souza
Pé-na-Cova  -  Antonio Pitanga
Ester  -  Glória Menezes
Júlia -  Ida Gomes


CENA 1  -  MANSÃO DE OTTO MULLER  -  ESCRITÓRIO  -  INTERIOR  -  DIA.

A REPORTAGEM SE TRANSFORMOU NA NOVIDADE DO ANO, NA IMPRENSA CATARINENSE.

OTTO  -  (com os pés em cima da escrivaninha, acabara de ler a matéria, deliciando-se) Você leu essa reportagem sobre o Dr. Cyro Valdez?

LIA  -  (fez que sim com a cabeça) Li.

OTTO  -  Fala de você (leu em voz alta) “Dona Lia Sanches foi uma das quatro pessoas que tiveram o sonho profético.” (atirou o jornal sobre a mesa, com um sorriso irônico) Veja!

LIA  -  (fechou as páginas do jornal, dobrando-o com cuidado)  Aliás, ainda hoje eu estava pensando... era bom você aproveitar a permanência dele aqui para se examinar.

OTTO  -  Para quê? Eu estou bem!

LIA  -  Ontem, durante a partida de golfe, você se sentiu mal, lembra-se?

OTTO  -  Bobagem. Basta tomar um daqueles comprimidos que o Dr. Maia me receitou. Melhoro imediatamente.

LIA  -  Seja lá como for não custava pedir ao Dr. Valdez para vir examiná-lo. Não é todo dia que temos entre nós um médico desse gabarito.

OTTO  -  Mas eu não simpatizo nada com ele. E acho que já está demorando demais por aqui.

LIA  -  (insistiu) Se você me autorizar, vou pedir a ele para vir vê-lo.

OTTO  -  (com rispidez germânica) Não autorizo coisa nenhuma! Ou você está querendo um pretexto para ir falar com ele?

LIA  -  (mirou-o com raiva) Isso não merece resposta (beijou-o, antes de deixar o escritório) Olhe, você está esperando o Dr. Paulus? Ele está aí fora.

OTTO  -  (ordenou) Mande-o entrar.

PAULUS  -  (entrou na sala) Bom dia!

OTTO  -  Ahh! Alguma novidade?

PAULUS  -  A respeito do Dr. Cyro Valdez, infelizmente, não. Nada conseguimos contra ele.

OTTO  -  (irritado) Mas que diabos! Será possível que esse homem não tenha um rabo-de-palha? Que não haja uma maneira de forçá-lo a regressar à Europa? Ele tem muito prestígio. (pegou o jornal sobre a mesa) Leia essa reportagem! Há até quem acredite que ele faz milagres!

CORTA PARA:

CENA 2  -  HOTEL CENTRAL  -  SAGUÃO  -  INTERIOR  -  DIA.

NO SAGUÃO DO HOTEL, MILHARES DE PESSOAS SE COMPRIMIAM À ESPERA DO MÉDICO. A REVELAÇÃO DO “MILAGRE” ALVOROÇARA A POPULAÇÃO, POBRES, RICOS, MINEIROS, PESCADORES. HOMENS E MULHERES DOENTES. ALEIJADOS. CRIANÇAS.

GERENTE – (preso ao telefone) ... isso, seu delegado! O hotel tá um pandemônio! Peço-lhe providências urgentes! A qualquer instante a multidão poderá depredar tudo e tentar entrar à força no apartamento do Dr. Cyro Valdez! Pelo amor de Deus, façam alguma coisa!

CORTA PARA:
Ester (Gloria Menezes)

CENA 3  -  HOTEL CENTRAL – APARTAMENTO DE CYRO  -  INTERIOR  -  DIA.

CYRO ENERVAVA-SE, CAMINHANDO DE UM LADO PARA O OUTRO, IA ATÉ A JANELA E VIA A MULTIDÃO QUE SE CONCENTRAVA, DESDE A RUA.

PROF. VALDEZ  -  (entrando, esbaforido) A situação está ficando incontrolável. Os pobres sentados no chão, aos milhares, pedindo um instante apenas a presença do “doutor milagroso”. Apenas um toque em suas roupas. O gerente acaba de pedir ajuda à policia.

CORTA PARA:

CENA 4  -  ALDEIA DOS MINEIROS  -  CASA DE DAS DORES  -  INTERIOR  -  DIA.

PÉ-NA-COVA  -  (relatava os acontecimentos) Aí ele apareceu na porta do elevador. Nossa! Tu num vai acreditá, mãe! É aquele mesmo moço que teve aqui, que disse que tinha visto matarem Gabrié.

DAS DORES  -  (tapou a boca com a mão em concha) É ele?

PÉ-NA-COVA – Por essa luz!

DAS DORES  -  E tu falou com ele?

PÉ-NA-COVA  -  Nem pude. Tinha um mundo de gente, tudo gritando ao mesmo tempo...

DAS DORES  -  Então foi por isso que veio aqui. Ele deve de sabê que tu sonhou o sonho da vinda dele. Tu não pôde falá nem isso?

PÉ-NA-COVA  -  Nada. Foi uma confusão dos diabos... e ele num quis atendê ninguém. Mas ele deve de sabê, sim. Ele sabe de tudo!

CORTA PARA:

CENA 5  -  HOTEL CENTRAL  -  APARTAMENTO DE CYRO  -  INTERIOR  -  DIA.

O PROF. VALDEZ BEBIA UMA DOSE DE UÍSQUE PURO, COM GELO, SENTADO DIANTE DO NETO.

PROF. VALDEZ  -  Sua mãe fica assustada com tudo isso porque... Bem, você já deve ter percebido. Mas a verdade é outra... eu me lembro como tudo aconteceu...

CYRO RETESOU-SE NA POLTRONA.

PROF. VALDEZ  -  (continuou, pausado) Quero que você me responda uma pergunta, antes de tudo: você acha lógico, racional, plausível, que havendo milhões de planetas no universo, o nosso seja o único habitado por seres inteligentes?

CYRO  -  (irritou-se um pouco com o enfoque da conversa) Desculpe, vovô, será que o senhor podia parar de falar um pouco?

PROF. VALDEZ  -  (aborrecido) Está bem. Eu não imaginei que estivesse sendo chato...

CYRO  -  Não é isso... me perdoe, mas eu estou preocupado, querendo descobrir uma maneira... de encontrar uma certa moça com quem já me defrontei três vezes e não sei quem é, nem onde mora.

PROF. VALDEZ  -  (abelhudamente) Bonita?

CYRO  -  Dizer que ela é bonita, não diz tudo. O senhor sabe... aquela mulher que a gente vê e. sem saber por que, decide: é esta!

PROF. VALDEZ  -  (sorriu, simpático) É, eu sei... quando vi Bárbara pela primeira vez... bem, isso não vai lhe interessar.

CYRO  -  (como que falava para si mesmo) Eu devia ter insistido para ela me dar o endereço, o telefone, uma maneira qualquer de nos encontrarmos.

PROF. VALDEZ  -  Se você não sabe quem ela é, nem onde mora... só há um meio... (olhou muito sério para o neto. Os olhos se cruzaram, num entendimento mútuo) E para você não é difícil... Você já fez algumas experiências desse tipo.

CYRO  -  (reagiu) Não, isso não! Esse povo já está pensando que eu sou santo, que faço milagre, que venho de outro mundo, uma porção de besteira...

PROF. VALDEZ  -  Mas telepatia não é coisa de outro mundo, meu filho. Não é bruxaria, nem milagre.

CYRO  -  Eu sei disso, o senhor sabe... mas essa gente é capaz de acreditar em tanta coisa absurda a meu respeito... e isso seria mais um motivo.

PROF. VALDEZ  -  Essa moça é assim tão ingênua?

CYRO  -  Não. Eu acho que não. Mas é que não quero lançar mão desse expediente, vovô. Não quero!

PROF. VALDEZ  -  Então vou deixá-lo curtindo a sua dor-de-cotovelo.

O VELHO ABANDONOU A SALA, ANDANDO VAGAROSAMENTE, ENQUANTO CYRO LUTAVA, ÍNTIMAMENTE, COM A CONSCIÊNCIA. AOS POUCOS A VONTADE DE VER MAIS UMA VEZ O ROSTO BELO, OS OLHOS PUROS, CLARO, DERROTOU SEUS PRECONCEITOS.

CONCENTROU-SE, CERROU OS OLHOS E PENSOU... PENSOU... ORDENANDO COM FIRMEZA ATRAVÉS DA CORRENTE DO PENSAMENTO.

CORTA PARA:

CENA 6  -  CASA DE ESTER  -  SALA  -  INTERIOR  -  DIA.

ESTER ESTAVA DE COSTAS, OLHANDO O MAR PELA JANELA. A ESTRANHA FORÇA FÊ-LA VOLTAR-SE, SEM SABER POR QUÊ. E A VOZ, COMO EM ECO REPETIDO, SOAVA-LHE AO OUVIDO, CLARA. PAUSADA:

‘ESTA NOITE, À MESMA HORA, NO MESMO LUGAR... ESPERO VOCÊ... ESTA NOITE, À MESMA HORA...”

ESTER LEVOU A MÃO Á TESTA E SE DEIXOU ARRIAR NUMA POLTRONA, VISIVELMENTE ABALADA.

JÚLIA  -  (parou ao entrar na sala e ao deparar com o estado de depressão da patroa) Dona Ester... o que está sentindo?

ESTER  -  Nada, Júlia! Tive a impressão de que alguém queria comunicar-se comigo... (a mão corria-lhe pela testa, num massagear ritmado) Uma coisa esquisita. Que horas são?

JÚLIA  -  Cinco e meia da tarde.

ESTER  -  Daqui a Porto Azul, quanto tempo se leva de carro?

JÚLIA  -  Menos de uma hora. Por quê? A senhora vai hoje a Porto Azul?

FIM DO CAPÍTULO 10


 ... e na próxima quinta, mais um capítulo inédito!

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