Novela de Janete Clair
Adaptação de Toni Figueira
CAPÍTULO 10
Participam deste
capítulo
Cyro Valdez -
Tarcísio Meira
Otto Muller -
Jardel Filho
Lia -
Arlete Salles
Paulus -
Emiliano Queiroz
Prof. Valdez - Enio
Santos
Das Dores - Ruth
de Souza
Pé-na-Cova -
Antonio Pitanga
Ester -
Glória Menezes
Júlia - Ida Gomes
CENA 1 -
MANSÃO DE OTTO MULLER - ESCRITÓRIO
- INTERIOR - DIA.
A REPORTAGEM SE TRANSFORMOU NA NOVIDADE DO ANO, NA IMPRENSA
CATARINENSE.
OTTO - (com os pés em cima da escrivaninha, acabara
de ler a matéria, deliciando-se) Você leu essa reportagem sobre o Dr. Cyro
Valdez?
LIA - (fez que sim com a cabeça) Li.
OTTO - Fala de você (leu em voz alta) “Dona Lia
Sanches foi uma das quatro pessoas que tiveram o sonho profético.” (atirou o
jornal sobre a mesa, com um sorriso irônico) Veja!
LIA - (fechou as páginas do jornal, dobrando-o com
cuidado) Aliás, ainda hoje eu estava
pensando... era bom você aproveitar a permanência dele aqui para se examinar.
OTTO - Para quê? Eu estou bem!
LIA - Ontem, durante a partida de golfe, você se
sentiu mal, lembra-se?
OTTO - Bobagem. Basta tomar um daqueles comprimidos
que o Dr. Maia me receitou. Melhoro imediatamente.
LIA - Seja lá como for não custava pedir ao Dr.
Valdez para vir examiná-lo. Não é todo dia que temos entre nós um médico desse
gabarito.
OTTO - Mas eu não simpatizo nada com ele. E acho que
já está demorando demais por aqui.
LIA - (insistiu) Se você me autorizar, vou pedir a
ele para vir vê-lo.
OTTO - (com rispidez germânica) Não autorizo coisa
nenhuma! Ou você está querendo um pretexto para ir falar com ele?
LIA - (mirou-o com raiva) Isso não merece resposta
(beijou-o, antes de deixar o escritório) Olhe, você está esperando o Dr.
Paulus? Ele está aí fora.
OTTO - (ordenou) Mande-o entrar.
PAULUS - (entrou na sala) Bom dia!
OTTO - Ahh! Alguma novidade?
PAULUS - A respeito do Dr. Cyro Valdez, infelizmente,
não. Nada conseguimos contra ele.
OTTO - (irritado) Mas que diabos! Será possível que
esse homem não tenha um rabo-de-palha? Que não haja uma maneira de forçá-lo a
regressar à Europa? Ele tem muito prestígio. (pegou o jornal sobre a mesa) Leia
essa reportagem! Há até quem acredite que ele faz milagres!
CORTA PARA:
CENA 2 -
HOTEL CENTRAL - SAGUÃO
- INTERIOR - DIA.
NO SAGUÃO DO HOTEL, MILHARES DE PESSOAS SE COMPRIMIAM À
ESPERA DO MÉDICO. A REVELAÇÃO DO “MILAGRE” ALVOROÇARA A POPULAÇÃO, POBRES,
RICOS, MINEIROS, PESCADORES. HOMENS E MULHERES DOENTES. ALEIJADOS. CRIANÇAS.
GERENTE – (preso ao telefone) ... isso, seu delegado! O hotel
tá um pandemônio! Peço-lhe providências urgentes! A qualquer instante a
multidão poderá depredar tudo e tentar entrar à força no apartamento do Dr.
Cyro Valdez! Pelo amor de Deus, façam alguma coisa!
CORTA PARA:
Ester (Gloria Menezes) |
CENA 3 -
HOTEL CENTRAL – APARTAMENTO DE CYRO
- INTERIOR - DIA.
CYRO ENERVAVA-SE, CAMINHANDO DE UM LADO PARA O OUTRO, IA ATÉ
A JANELA E VIA A MULTIDÃO QUE SE CONCENTRAVA, DESDE A RUA.
PROF. VALDEZ - (entrando, esbaforido) A situação está ficando
incontrolável. Os pobres sentados no chão, aos milhares, pedindo um instante
apenas a presença do “doutor milagroso”. Apenas um toque em suas roupas. O
gerente acaba de pedir ajuda à policia.
CORTA PARA:
CENA 4 - ALDEIA
DOS MINEIROS - CASA DE DAS DORES -
INTERIOR - DIA.
PÉ-NA-COVA - (relatava os acontecimentos) Aí ele apareceu
na porta do elevador. Nossa! Tu num vai acreditá, mãe! É aquele mesmo moço que
teve aqui, que disse que tinha visto matarem Gabrié.
DAS DORES - (tapou a boca com a mão em concha) É ele?
PÉ-NA-COVA – Por essa luz!
DAS DORES - E tu falou com ele?
PÉ-NA-COVA - Nem pude. Tinha um mundo de gente, tudo
gritando ao mesmo tempo...
DAS DORES - Então foi por isso que veio aqui. Ele deve de
sabê que tu sonhou o sonho da vinda dele. Tu não pôde falá nem isso?
PÉ-NA-COVA - Nada. Foi uma confusão dos diabos... e ele
num quis atendê ninguém. Mas ele deve de sabê, sim. Ele sabe de tudo!
CORTA PARA:
CENA 5 - HOTEL
CENTRAL - APARTAMENTO DE CYRO -
INTERIOR - DIA.
O PROF. VALDEZ BEBIA UMA DOSE DE UÍSQUE PURO, COM GELO,
SENTADO DIANTE DO NETO.
PROF. VALDEZ - Sua mãe fica assustada com tudo isso
porque... Bem, você já deve ter percebido. Mas a verdade é outra... eu me
lembro como tudo aconteceu...
CYRO RETESOU-SE NA POLTRONA.
PROF. VALDEZ - (continuou, pausado) Quero que você me
responda uma pergunta, antes de tudo: você acha lógico, racional, plausível,
que havendo milhões de planetas no universo, o nosso seja o único habitado por
seres inteligentes?
CYRO - (irritou-se um pouco com o enfoque da
conversa) Desculpe, vovô, será que o senhor podia parar de falar um pouco?
PROF. VALDEZ - (aborrecido) Está bem. Eu não imaginei que
estivesse sendo chato...
CYRO - Não é isso... me perdoe, mas eu estou
preocupado, querendo descobrir uma maneira... de encontrar uma certa moça com
quem já me defrontei três vezes e não sei quem é, nem onde mora.
PROF. VALDEZ - (abelhudamente) Bonita?
CYRO - Dizer que ela é bonita, não diz tudo. O
senhor sabe... aquela mulher que a gente vê e. sem saber por que, decide: é
esta!
PROF. VALDEZ - (sorriu, simpático) É, eu sei... quando vi
Bárbara pela primeira vez... bem, isso não vai lhe interessar.
CYRO - (como que falava para si mesmo) Eu devia ter
insistido para ela me dar o endereço, o telefone, uma maneira qualquer de nos
encontrarmos.
PROF. VALDEZ - Se você não sabe quem ela é, nem onde mora...
só há um meio... (olhou muito sério para o neto. Os olhos se cruzaram, num
entendimento mútuo) E para você não é difícil... Você já fez algumas
experiências desse tipo.
CYRO - (reagiu) Não, isso não! Esse povo já está
pensando que eu sou santo, que faço milagre, que venho de outro mundo, uma
porção de besteira...
PROF. VALDEZ - Mas telepatia não é coisa de outro mundo, meu
filho. Não é bruxaria, nem milagre.
CYRO - Eu sei disso, o senhor sabe... mas essa gente
é capaz de acreditar em tanta coisa absurda a meu respeito... e isso seria mais
um motivo.
PROF. VALDEZ - Essa moça é assim tão ingênua?
CYRO - Não. Eu acho que não. Mas é que não quero
lançar mão desse expediente, vovô. Não quero!
PROF. VALDEZ - Então vou deixá-lo curtindo a sua
dor-de-cotovelo.
O VELHO ABANDONOU A SALA, ANDANDO VAGAROSAMENTE, ENQUANTO
CYRO LUTAVA, ÍNTIMAMENTE, COM A CONSCIÊNCIA. AOS POUCOS A VONTADE DE VER MAIS
UMA VEZ O ROSTO BELO, OS OLHOS PUROS, CLARO, DERROTOU SEUS PRECONCEITOS.
CONCENTROU-SE, CERROU OS OLHOS E PENSOU... PENSOU...
ORDENANDO COM FIRMEZA ATRAVÉS DA CORRENTE DO PENSAMENTO.
CORTA PARA:
CENA 6 - CASA
DE ESTER - SALA
- INTERIOR - DIA.
ESTER ESTAVA DE COSTAS, OLHANDO O MAR PELA JANELA. A ESTRANHA
FORÇA FÊ-LA VOLTAR-SE, SEM SABER POR QUÊ. E A VOZ, COMO EM ECO REPETIDO,
SOAVA-LHE AO OUVIDO, CLARA. PAUSADA:
‘ESTA NOITE, À MESMA HORA, NO MESMO LUGAR... ESPERO VOCÊ...
ESTA NOITE, À MESMA HORA...”
ESTER LEVOU A MÃO Á TESTA E SE DEIXOU ARRIAR NUMA POLTRONA,
VISIVELMENTE ABALADA.
JÚLIA - (parou ao entrar na sala e ao deparar com o
estado de depressão da patroa) Dona Ester... o que está sentindo?
ESTER - Nada, Júlia! Tive a impressão de que alguém
queria comunicar-se comigo... (a mão corria-lhe pela testa, num massagear
ritmado) Uma coisa esquisita. Que horas são?
JÚLIA - Cinco e meia da tarde.
ESTER - Daqui a Porto Azul, quanto tempo se leva de
carro?
JÚLIA - Menos de uma hora. Por quê? A senhora vai
hoje a Porto Azul?
FIM DO CAPÍTULO 10
... e na próxima quinta, mais um capítulo inédito!
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