quarta-feira, 7 de maio de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 3


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 3

Participam deste capítulo

Mestre Jonas  -  Gilberto Martinho

Ricardo  -  Edney Giovenazzi

Prof. Valdez  -  Enio Santos

Orjana  -  Neuza Amaral

Vanda  -  Dina Sfat

Paulus  -  Emiliano Queiroz

D. Bárbara  -  Zilka Salaberry

Cyro  -  Tarcísio Meira


 CENA 1  -  PORTO AZUL  -  PRAIA BONITA  -  EXTERIOR  -  DIA.
MESTRE JONAS, COM OS PÉS ENTERRADOS NA AREIA, QUERIA SABER TUDO SOBRE A VOLTA DELE.
MESTRE JONAS  -  Veio sozinho?
RICARDO  -  Acho que sim.
MESTRE JONAS  -  O senhor não acredita?
RICARDO  -  Na história que Orjana contou?
MESTRE JONAS  -  Não foi só ela que contou (benzeu-se, amedrontado, tornando a olhar o céu) Eu e mais três meninos tivemos o mesmo sonho naquela noite. E o que a gente sonhou aconteceu a ela.
RICARDO  -  (falou com franqueza) Não acredito.
CORTA PARA:
CENA 2  -  PORTO AZUL  -  RUA  -  EXTERIOR  -  DIA.
O CARRO FREOU DIANTE DE UMA DÚZIA DE CASAS MODESTAS, DE PAREDES CAIADAS. ORJANA E VALDEZ SALTARAM SEM PRESSA.
PROF. VALDEZ  -  Por que mandou parar? Ainda não é aqui.
ORJANA  -  Eu sei. Mas esta rua... O senhor não se lembra? Foi aqui que aconteceu aquilo!
VALDEZ OBSERVOU DEMORADAMENTE A REGIÃO. O MONTE DE ASPECTO SOMBRIO. O MAR SEMPRE AGITADO. AS ÁRVORES ESGUIAS, QUASE SEM FOLHAGENS.
PROF. VALDEZ  -  É verdade. Está um pouco mudado. Era uma estrada com poucas casas.
ORJANA  -  Era um caminho quase deserto. Acho que não havia mais ninguém, a não ser eu e o senhor, naquela noite...
A VISÃO DE 30 ANOS TORNOU À MEMÓRIA DA MULHER DE MEIA-IDADE.
ORJANA  -  Era uma noite escura, nós mal enxergávamos o caminho. De repente... uma sensação que não sei explicar. Uma coisa que me fez olhar para trás. Só de lembrar ainda sinto medo! Da visão do halo luminoso... Da voz invisível... Da luz azulada e da sensação de que tudo se acabava para sempre... Depois desmaiei naquela noite escura... 30 anos!...
PROF. VALDEZ  -  (sacudiu-a com energia, fazendo-a voltar à realidade) Orjana... que é que você tem?
ORJANA  -  Parece que foi ontem... e já tem mais de 30 anos!
PROF. VALDEZ  -  Vamos embora daqui (mostrou o homem impaciente sentado ao volante do carro) O chofer já está intrigado.
VOLTARAM AO AUTOMÓVEL.
PROF. VALDEZ  -  (dirigiu-se ao motorista) Podemos ir. Ao endereço que lhe demos.
CORTA PARA:
CENA  3  -  PORTO AZUL  -  PRAIA BONITA  -  EXTERIOR  -  DIA
VANDA IDENTIFICOU DE LONGE OS DOIS HOMENS QUE CONVERSAVAM. VESTIA UM BIQUINI AMARELO, COM LACINHOS NAS LATERAIS. APROXIMOU-SE SEM SER PRESSENTIDA.
VANDA  -  Vai passear sozinho?
RICARDO  -  (voltou-se surpreso) Vanda! Que faz aqui?
VANDA  -  Eu é que tenho o direito de perguntar: está fugindo de mim? (apontou para a lancha) Posso subir? Ou vou comprometer sua reputação?
RICARDO  -  (hesitou por alguns segundos) Pode... suba, vai.
MESTRE JONAS EXPRESSAVA UM OLHAR DE REPROVAÇÃO.
RICARDO  -  (dirigindo-se ao pescador) Olha, talvez seja melhor não dizer nada a ninguém. Sobre a vinda do rapaz. Eu acho que ele vai ficar pouco tempo por aqui.
MESTRE JONAS  -  O senhor diz isso porque não acredita. Mas eu acho que ele veio pra ficá. Pra cumpri a missão que o pai dele me disse no sonho, quando anunciou que ele vinha. É um espírito de luz.
O ENGENHEIRO BALANÇOU A CABEÇA, NUM GESTO DE INCREDULIDADE E COMISERAÇÃO. DE UM SALTO, SUBIU À LANCHA E ARRANCOU PARA FORA DO LITORAL. COM O MOTOR ESPOCANDO E QUEBRANDO O SILENCIO DA NATUREZA.
CORTA PARA:
Ricardo (Edney Giovenazzi)
CENA  4  -  PORTO AZUL  -  CASA DE D. BÁRBARA  -  INTERIOR  -  DIA.
A VELHA SE MOSTRAVA MAIS FURIOSA DO QUE ANTES, AO RECEBER O JOVEM MÉDICO.
D. BÁRBARA  -  Se vocês querem que eu seja sincera, acho que fazem muito mal em voltar a esta cidade.
PROF. VALDEZ  -  (com aspereza) Apesar de tudo, eu não esperava que, depois de 30 anos, você nos recebesse desse modo.
ORJANA  -  Nem eu, mãe Bárbara. Julgava que, com o tempo, a senhora já tivesse reconhecido a injustiça que fez comigo e com o meu pai.
D. BÁRBARA  -  (não aceitou as desculpas da filha adotiva) Eu é que não esperava que vocês tivessem o cinismo de voltar aqui, depois de tudo!
ORJANA  -  Depois de tudo o quê, mãe Bárbara? Nenhum de nós cometeu crime nenhum! Deus é testemunha!
D. BÁRBARA  -  Você continua a insistir nessa história absurda e cínica!
PROF. VALDEZ  -  (perdendo a paciência) Não é absurda nem cínica. O que aconteceu nesta cidade há mais de 30 anos é tão real quanto o que vai acontecer agora que ele voltou.
D. BÁRBARA  -  (aplacou a agressividade) Ele esteve aqui, o rapaz.
ORJANA  -  (respirando fundo) Eu sabia...
D. BÁRBARA  -  E pelo que percebi, a ele vocês não contaram a tal história que quiseram nos impingir naquela noite.
ORJANA  -  Claro que não! Ele não sabe de nada. E a senhora não falou a ele sobre isso...
D. BÁRBARA  -  Não. Mas se ele começar a perguntar por aí, alguém vai contar. Quem é que não se lembra, ou ouviu falar? Aquilo virou lenda. Vocês conseguiram que muita gente idiota acreditasse (encarou com decisão o velho professor) Mas eu não, seu idiota Hilário Valdez. Depois do nosso desquite, eu tive que aturar ainda por muito tempo a gente cretina desta cidade. Vocês fugiram, mas eu fiquei e agüentei as conseqüências do escândalo. Jornalistas, gente da rua disposta a acreditar em tudo, gente maldosa... sofri o diabo, até que me casei de novo. Meu segundo marido, que Deus o tenha, me ajudou a esquecer. E não venham vocês agora me fazer lembrar tudo, novamente. Não, chega!
COM UM MOVIMENTO RÁPIDO, A VELHA DEU AS COSTAS AO CASAL.
ORJANA  -  (ainda tentou dizer alguma coisa) Nós não viemos fazer a senhora lembrar de nada. Estamos tentando localizar Cyro, meu filho. Por isso viemos aqui. Imaginamos que ele tivesse vindo procurá-la, pois é a única pessoa de quem falamos, de vez em quando, com carinho.
PROF. VALDEZ  -  Ele não disse aonde ia?
D. BÁRBARA  -  Não, não disse.
PROF. VALDEZ  -  Então vamos, Orjana.
ORJANA  -  Vamos, pai.
CORTA PARA:
CENA  5  -  FLORIANÓPOLIS  -  HOTEL CENTRAL  -  PORTARIA  -  INTERIOR  -  NOITE.
CYRO  -  (estendeu a mão para receber a chave que o porteiro lhe entregava) Por favor, 422.
PORTEIRO  -  Aquele senhor está à sua espera.
CYRO VOLTOU-SE E DEU DE CARA COM O DR. PAULUS, SORRIDENTE, COMO SEMPRE.
CORTA PARA:
Dr. Paulus (Emiliano Queiroz) e Catarina (Lidia Mattos)
CENA  6  -  HOTEL CENTRAL  -  APTO. DE CYRO  -  INTERIOR  -  NOITE.
O MÉDICO ABRIU A PORTA COM UM MOVIMENTO RÁPIDO E ENTROU NO APARTAMENTO, SEGUIDO DO ADVOGADO.
PAULUS  -  Eu queria dar-lhe uma explicação sobre o que o senhor viu, ontem. O acidente com aquele negro... nossas leis não...
CYRO  -  (cortou rudemente) Não foi acidente! Aquele pobre foi covardemente assassinado!
PAULUS  -  (afiançou) O fato já foi comunicado às autoridades. Ele era empregado do Dr. Otto Muller e havia sido despedido por ter cometido atos contra a moral.
CYRO  -  Quase não pude dormir esta noite (afirmou, abrindo o colarinho e aliviando a pressão da gravata) Já vi muita gente morrer, mas ninguém desse modo. Estava pensando até em procurar a família dele...
PAULUS  -  Acho que ele não merecia tanta preocupação de sua parte (e mudando de inflexão) Mas eu ainda não me apresentei: sou o Dr. Victor Paulus, advogado do Dr. Otto Muller. Foi ele quem me mandou procurá-lo.
CYRO  -  (indiferente) Para quê?
PAULUS  -  Ele é sobrinho do Comendador Liberato e está preocupado com a saúde do tio.
CYRO  -  (esticando as pernas sobre um pequeno banco de madeira) O comendador vai ser operado amanhã.
PAULUS  -  O senhor acha que ele se salva?
CYRO  -  Acho que sim. Ele sofre de uma insuficiência da válvula aórtica. Vamos substituir a válvula.
PAULUS PROCUROU CONTROLAR-SE PARA NÃO DAR A PERCEBER AO MÉDICO A DECEPÇÃO CAUSADA PELA AFIRMATIVA DE CYRO. LIBERATO NÃO PODIA SOBREVIVER À OPERAÇÃO. ERA CASO LÍQUIDO E CERTO. TINHA DE MORRER.
PAULUS  -  (insistiu) Não é uma operação difícil?
CYRO  -  Não muito. Nem precisava ter-me chamado. Há muita gente no Brasil capaz de realizar essa operação.
PAULUS MAL CONSEGUIA DISFARÇAR O DESAPONTAMENTO. O MÉDICO, NO ENTANTO, PARECIA AUSENTE.
CYRO  -  (perguntou de estalo) O Sr. Otto Muller sabe o que fizeram com aquele negro?
PAULUS  -  Sabe.
CYRO  -  Foi ele quem mandou?
PAULUS  -  Não, é claro! Já lhe disse que foi um acidente!
CYRO CERROU OS OLHOS, TRANQUILAMENTE. OS DENTES APERTARAM-SE, COMPLEMENTANDO A AÇÃO DOS PUNHOS. ALGUMA COISA TERIA DE SER FEITA, PENSOU. MAS MUITO BEM FEITA...

FIM DO CAPÍTULO 3
.NÃO PERCA O CAPÍTULO 4 DE
ás TERÇAS, QUINTAS E SEXTAS

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