domingo, 11 de maio de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 4


Novela de Janete Clair
Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 4

Participam deste capítulo

Cyro  -  Tarcísio Meira
Ester  -  Gloria Menezes
Dr. Avelar - Álvaro Aguiar
Júlia  -  Ida Gomes
Otto  -  Jardel Filho
Paulus  -  Emiliano Queiróz
Baby  -  Claudio Cavalcanti
Zoraida -  Jurema Penna



CENA 1  -  HOSPITAL DE FLORIANÓPOLIS  -  SALA DE CIRURGIA  -  INTERIOR  -  DIA

APENAS OS OLHOS NEGROS APARECIAM POR ENTRE A MÁSCARA E O GORRO BRANCO. O ANESTESISTA EXAMINAVA AS REAÇÕES INICIAIS DO PACIENTE. À PRIMEIRA PICADA DA AGULHA, O COMENDADOR LIBERATO ADORMECEU PROFUNDAMENTE. ERA AGORA UM CORPO INERTE SOBRE A MESA DE OPERAÇÃO. APENAS O CAMPO CIRÚRGICO SE APRESENTAVA POR INTEIRO ANTE OS OLHOS DO ANESTESISTA, DO MÉDICO ASSISTENTE, DA ENFERMEIRA INSTRUMENTADORA E DO DR. CYRO VALDEZ, QUE ACABARA DE ENTRAR.  A MÃO DIREITA ESTICADA RECEBEU O BISTURI ELÉTRICO. CYRO EXAMINOU A REGIÃO. O MÉDICO ASSISTENTE COBRIU DE MERTHIOLATE EXTENSA ÁREA DO TÓRAX DO PACIENTE. COM UM TRAÇO FIRME, CYRO COMPLETOU A INCISÃO. O SANGUE JORROU, ENQUANTO MÃOS ÁGEIS COMPRIMIAM ARTÉRIAS E VASOS COM PINÇAS OPERATÓRIAS. REMOÇÃO DE COSTELAS. OS OLHOS DE CYRO PROCURAVAM OS DO ANESTESISTA. ATÉ AÍ TUDO BEM. RITMO RESPIRATÓRIO NORMAL. PRESSÃO SANGUÍNEA REGULAR. AS HORAS CORRIAM. OS APARELHOS COMEÇARAM A REGISTRAR IRREGULARIDADE. DR. CYRO OBSERVAVA AS CONTRAÇÕES SISTÓLICO-DIASTÓLICAS. ALGUMA COISA ERRADA.

CORTA PARA
:
CENA 2  -  PALACETE DOS LIBERATO  -  COPA  -  INTERIOR  -  DIA.

COM UM GOSTO AMARGO NA BOCA, BABY LIBERATO ENCAMINHOU-SE PARA A COPA DO PALACETE. A VELHA GOVERNANTA ACABARA DE LHE APRONTAR O CAFÉ REFORÇADO.

BABY  -  Zoraida... já levaram o velho?

ZORAIDA  -  Desde ontem, a esta hora. Já deve estar na mesa de operações.

BABY  -  (mostrou indiferença) Eu dormi o dia inteiro, não vi...

ZORAIDA  -  Eu... acho que o senhor devia ir até o hospital.

BABY  -  Fazer o quê? Não posso ajudar em nada, não sou médico! Aquele doutorzinho que veio da Europa é quem vai operar o velho, não?

ZORAIDA  -  É. Ele mesmo. Mas o senhor podia ao menos saber como ele está. Afinal, é seu pai.

BABY  -  (debochado) Esse negócio de hospital é de encher. E eu tenho de esperar a Beth no aeroporto.

ZORAIDA  -  Que Beth?

BABY  -  Beth Santiago, a cantora. Chega do Rio hoje.

CORTA PARA:

CENA 3  -  MANSÃO DE OTTO MULLER  -  ESCRITÓRIO  -  INTERIOR  -  DIA.

OTTO  -  (esmurrou a mesa, vermelho de raiva) Dr. Paulus, eu não lhe pedi pra fazer uma visita de cortesia ao Dr. Cyro Valdez. Pedi alguma coisa mais. Que o senhor deve ter entendido muito bem! (passeava, colérico, de um para outro lado do aposento) Para vir aqui dizer que Liberato está sendo operado, o senhor não precisava ter vindo! Eu já sabia. Todos os jornais deram.

PAULUS  -  (sem se alterar) Eu creio que não se pode fazer nada. A não ser esperar o resultado da operação. Dr. Cyro não é um homem acessível. É uma personalidade estranha, internacional. Temos que agir com cautela. Os dois contatos que tivemos foram bastante desagradáveis.

OTTO  -  Sou um homem prático. Quero saber se tem alguma idéia.

PAULUS  -  (fez que não com a cabeça) E não sei o que fazer.

OTTO  -  Isso é uma confissão de incompetência. E eu não posso ter como advogado um incompetente. O senhor está despedido!

PAULUS  -  (estremeceu, mas absorveu o choque) Está muito bem. Com licença, então!

COM FRIEZA, O ADVOGADO VOLTOU-SE PARA DEIXAR A SALA.

OTTO  -  Dr. Paulus! Pensando bem, resolvi readmiti-lo. Mas veja se usa a cabeça.

PAULUS  -  (voltou a sorrir, como de hábito) Sim, senhor! Muito obrigado.

CORTA PARA:
Ester  -  Glória Menezes

CENA 4 - HOSPITAL DE FLORIANÓPOLIS  -  CORREDOR  -  INTERIOR  -  DIA.

PELA PRIMEIRA VEZ ESTER ATINAVA COM AS VERDADEIRAS RAZÕES QUE LEVAVAM SEU EX-MARIDO A PREOCUPAR-SE COM A SOBREVIVENCIA DO COMENDADOR   LIBERATO.   OTTO   SEMPRE  FORA  MAU,  PREPOTENTE, AMBICIOSO. E O CASAMENTO COM ELE UM FRACASSO. O DESQUITE FORA A ÚNICA SAÍDA PARA O DESAJUSTE CONJUGAL, IRREMEDIÁVEL. A BELEZA DE ESTER, MULHER DE SENTIMENTOS NOBRES, REALÇAVA VIRTUDES QUE OTTO NÃO PUDERA ENTENDER. PRINCIPALMENTE A BONDADE, INCONCEBÍVEL  NUM EX-ADEPTO DAS TEORIAS DE ADOLF HITLER. ESTER ERA O OUTRO LADO DO HOMEM QUE DESPOSARA. O INVERSO, MESMO.

ENQUANTO O COMENDADOR LIBERATO ERA CONDUZIDO  DA SALA DE OPERAÇÕES PARA O CENTRO DE TRATAMENTO INTENSIVO, A BELA MULHER APROXIMAVA-SE DO CENTRO CIRÚRGICO, DE ÓCULOS ESCUROS E UM LENÇO ENVOLVENDO OS CABELOS LOUROS.

ESTER  -  (segurou, nervosa, o braço da secretária, Júlia, que a acompanhava) Aqui é a sala de cirurgia. Vamos ver se sai alguém.

JÚLIA  -  Não é melhor falar com o diretor do hospital, Ester?

ESTER  -  Não! Ele me conhece e não quero ser reconhecida!

JÚLIA  -  Não sei porque essa sua aflição. Nós podíamos telefonar pra casa dele, depois...

ESTER  -  (em voz baixa) É porque você não sabe o que representaria a morte deste homem neste momento. Otto está esperando isso para assumir a direção da Companhia de Mineração. Apesar de todos os defeitos, Liberato é a única pessoa com força para se opor às loucuras de Otto. Além do mais ele é padrinho do meu filho. É só com ele que conto pra conservar o menino comigo.

A SALA ABRIU-SE E E AS DUAS MULHERES PERCEBERAM A PRESENÇA DOS TRÊS MÉDICOS, AINDA DE BRANCO, COM AS LUVAS POR RETIRAR.

DR. AVELAR  -  (dirigiu-se a Cyro) Que é que o senhor acha?

CYRO  -  Acho que levei o maior susto da minha vida quando vi o coração do comendador. Estava tão inchado que pensei que fosse um rim!

OS MÉDICOS RIRAM, PASSADOS OS PERIGOS INICIAIS.

ESTER  -  Dr. Cyro Valdez?

CYRO  -  (voltou-se) Deseja falar comigo?

ESTER  -  Queria saber... está tudo bem? Ele se salva?

CYRO  -  Espero que sim, minha senhora.

ESTER  -  O senhor espera! Não tem certeza?

CYRO  -  Em cirurgia as certezas são poucas e as dúvidas são muitas...

ESTER  -  (insistiu, ante o sorriso dos dois colegas do cirurgião) A pergunta que lhe fiz foi séria, doutor.

CYRO  -  E eu estou falando sério. Nós substituímos uma válvula no coração do comendador. E isso é o mesmo que trocar o pneu de um carro: o pneu pode rodar muito tempo, ou pode furar na primeira esquina.

OS MÉDICOS TORNARAM A RIR.

ESTER  -  (se queimou) Julguei que o senhor fosse um médico, não um mecânico de automóveis! (e voltando-se para a secretária) Vamos, Júlia!

CYRO  -  (acompanhou-a com o olhar) Ela parece que não aceitou a minha brincadeira...

DR. AVELAR  -  (sorridente) O humor britânico aqui não funciona muito bem, doutor...

FIM DO CAPÍTULO 4
na próxima quinta, não perca o 5. capítulo!

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