sábado, 3 de maio de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 2


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 2

Participam deste capítulo

Otto Muller  -  Jardel Filho
Dr. Paulus  -  Emiliano Queiroz
Lia  -  Arlette Salles
Baby  -  Claudio Cavalcanti
Cyro  -  Tarcísio Meira
Comendador Liberato  -  Macedo Netto
Mestre Jonas  -  Gilberto Martinho
Ricardo  -  Edney Giovenazzi
Bárbara  -  Zilka Salaberry
Orjana  -  Neuza Amaral 
Professor Valdez  -  Enio Santos

CENA 1  -  MANSÃO DE OTTO MULLER  -  ESCRITÓRIO DE OTTO  -  INTERIOR  -  NOITE.

PAULUS  -  O médico chegou hoje. É o Dr. Cyro Valdez, um dos maiores cirurgiões do coração, em todo o mundo, apesar de ter nascido aqui.

OTTO MULLER PERMANECIA DE COSTAS, OUVINDO AS PALAVRAS DE SEU ADVOGADO E PROCURADOR. DR. PAULUS APROXIMOU-SE DA MESA CENTRAL, ONDE SE AMONTOAVAM VÁRIAS OBRAS, EM ALEMÃO. VESTIA UM TERNO NEGRO, DE CORTE BRITÂNICO. FRIEZA QUASE SINISTRA NO OLHAR.

OTTO MULLER VOLTOU-SE BRUSCAMENTE. SEUS OLHOS AZUIS, PEQUENOS, FITARAM O ADVOGADO, COMO UM ANIMAL EM DEFESA. CABEÇA INTEIRAMENTE CALVA. TODO ELE SUGERIA ENERGIA, FORÇA, DETERMINAÇÃO. APENAS SEUS MODOS NERVOSOS TRAÍAM-LHE O DESEQUILÍBRIO EMOCIONAL.

OTTO  -  Nasceu aqui, em Santa Catarina?

PAULUS  -  Por acaso. Foi para a Inglaterra com dias ou meses de vida. No ano passado realizou, com êxito relativo, um transplante de coração. O paciente morreu depois de duas semanas, mas a operação foi bem aceita pelos médicos de todo o mundo.

OTTO  -  (autoritário) Que mais sabe dele?

PAULUS  -  (aborrecido) Só isso.

OTTO  -  (recriminou, os olhos faiscando) É pouco, Dr. Paulus. Devia estar melhor informado.

PAULUS  -  Bem... Eu não sou detetive. Sou apenas um advogado. Mas posso trazer maiores informações amanhã.

OTTO  -  Pois traga. Quero saber tudo sobre ele. E sobre o estado de saúde do tio Liberato. Contava em me ver livre desse velho... (bateu com o punho forte contra o tampo da mesa) Que droga!

PAULUS  -  (sorriu, maliciosamente) Se ele morrer, o senhor, como atual superintendente e segundo acionista, será o presidente da Companhia de Mineração.

OTTO  -  Deve ser. Mas avalie você que ele está fazendo tudo para pôr o filho no lugar.

PAULUS  -  (surpreso) Baby Liberato?

OTTO  -  É. Aquele louco! Por sinal, dá uma festa hoje.

CORTA PARA:

CENA 2  -  PALACETE DO COMENDADOR LIBERATO  -  PISCINA  -  EXTERIOR  -  NOITE.

NO JARDIM, BABY ACABAVA DE ATIRAR UMA DAS MOÇAS DENTRO DA PISCINA. COM OS CABELOS DESPENTEADOS, O FILHO DO COMENDADOR BEBIA, DANÇAVA E ANIMAVA A PEQUENA ORGIA DE MILIONÁRIOS.

CORTA PARA:

CENA 3  -  PALACETE DOS LIBERATO  -  QUARTO DO COMENDADOR LIBERATO  -  INTERIOR  -  NOITE.

NO QUARTO DE CIMA, CYRO CONCLUÍA O EXAME E GUARDAVA OS INSTRUMENTOS NA MALETA.

CYRO  -  É preciso transportá-lo para o hospital imediatamente (ordenou ao médico assistente) Operamos depois de amanhã.

UM SILENCIO, APENAS QUEBRADO PELO SOM DE ROCK COMPLETOU O QUADRO. O COMENDADOR LIBERATO EMPALIDECEU E DEIXOU-SE RELAXAR SOBRE A CAMA.

CORTA PARA:
Otto Muller (Jardel Filho)
CENA 4  -  MANSÃO DE OTTO MULLER  -  ESCRITÓRIO DE OTTO  -  INTERIOR  -  NOITE.

OTTO E DR. PAULUS VIRARAM-SE ASSUSTADOS.

LIA, A SECRETÁRIA, ENTROU NO ESCRITÓRIO ONDE OS DOIS HOMENS CONVERSAVAM HÁ JÁ BASTANTE TEMPO.

LIA  -  Otto...

PAULUS ADIANTOU-SE E BEIJOU A MÃO DA BELA MULHER.

OTTO  -  Dr. Paulus já está de saída.

PAULUS  -  Exato, D. Lia. Já ia retirar-me.

LIA  -  (amedrontada) Levei um susto tremendo, agora. Vi dois homens correndo pelo jardim, perseguindo um negro!

OTTO  -  Deve ser o Gabriel, o jardineiro (voltou-se para Paulus que fazia menção de retirar-se) Toda vez que Lia vai tomar banho na piscina, ele fica escondido, olhando. Eu mesmo já peguei o patife em flagrante.

PAULUS  -  Que canalha!

OTTO  -  Eu ia arrebentá-lo de pancada, mas o safado fugiu.

LIA  -  Coitado!

OTTO  -  (fuzilou-a com os olhos vermelhos) Coitado! Um negro sujo desses e você diz coitado! Botei dois homens de guarda no jardim, com ordem de lhe dar uma surra daquelas, se ele voltasse. E hoje o sem-vergonha voltou!

CORTA PARA:

CENA 5  -  MANSÃO DE OTTO MULLER  -  RUA  -  EXTERIOR  -  NOITE.

O VULTO NEGRO SURGIU DO SOLO COMO UM BONECO DE MOLAS. NUM SALTO, ULTRAPASSOU O MURO DE TIJOLOS DUPLOS. O HOMEM DE CHICOTE NA MÃO FECHOU-LHE O CAMINHO DE FUGA. O NEGRO PAROU. OUTRO HOMEM ALCANÇOU-O PELAS COSTAS. OS REVÓLVERES PASSARAM RÁPIDO PARA MÃOS HABILIDOSAS. UM MOVIMENTO RÁPIDO E A CORONHA CAIU COMO UMA PEDRA CONTRA A CARAPINHA SUADA. GOLPES. O NEGRO GEMEU. GOLPES. O NEGRO CHOROU. O SANGUE BANHOU A CALÇADA ÚMIDA, ENQUANTO OS DOIS CONTINUAVAM GOLPEANDO O HOMEM ABATIDO. DO OUTRO LADO DA RUA, O DR. CYRO VALDEZ, DE REGRESSO DA CASA DO COMENDADOR, PAROU E OBSERVOU A AGRESSÃO.
CYRO  -  Ei! Que é isso? Que estão fazendo? Larguem esse homem. Isso é uma covardia!
O MÉDICO DIRIGIU-SE PARA OS HOMENS E COM UM GESTO VIOLENTO AFASTOU UM DOS GUARDAS DO ALEMÃO. O SANGUE JORRAVA DE UM FERIMENTO FEIO, CAUSADO PELAS CORONHADAS.
CAPANGA  -  É um ladrão sujo! Pulou o muro para roubar!
CYRO  -  (nauseado) Seja o que for, é uma covardia! Vocês são uns covardes!
OS DOIS ASSASSINOS ASSUMIRAM UMA ATITUDE HOSTIL CONTRA O CIRURGIÃO.
CAPANGA  -  O que é que há? Vai querer o quê?
O SEDAN BRANCO PAROU A POUCOS METROS DO GRUPO. NO CHÃO, O NEGRO CONTINUAVA IMÓVEL, CAÍDO NUMA POÇA DE SANGUE.
O AGRESSOR MAIS ALTO RECONHECEU O HOMEM QUE SALTARA DO AUTOMÓVEL.
CAPANGA  -  Dr. Paulus!
PAULUS  -  (ordenou, autoritário) Não batam mais nesse homem. Levem ele para a prisão.
OS DOIS ASSECLAS DE OTTO MULLER ERGUERAM O CORPO DO CHÃO, SUJANDO-SE COM O SANGUE DO NEGRO.
CYRO  -  (irado) Esperem! Larguem o homem. Eu sou médico.
OS HOMENS TORNARAM A COLOCAR O CORPO NO CHÃO. CYRO EXAMINOU AS PUPILAS DO NEGRO, REVOLVENDO A MEMBRANA PROTETORA.
CYRO  -  (atônito) Está morto!
PAULUS  -  (sem perder a calma, recomendou aos homens) É melhor levá-lo para dentro de casa e contar ao Dr. Otto Muller o que aconteceu. Foi um acidente. Venha comigo, Dr. Cyro, por favor.
CYRO  -  (fitou-o admirado) Quem é o senhor?
PAULUS  -  Sou um grande amigo do Comendador Liberato. Vou levá-lo até seu hotel.
O ADVOGADO PROCURAVA AFASTAR O MÉDICO DO LOCAL DO CRIME. CYRO ACOMPANHOU-O, ENTRANDO NO SEDAN BRANCO, DESCONFIADO, CONTENDO A REVOLTA QUE NÃO PODIA OCULTAR.
CYRO  -  Acidente... acidente!
PAULUS  -  (sorriu, ligando o rádio) Isso às vezes acontece... mas não se perdeu grande coisa...
CORTA PARA:
CENA  6  -  PALACETE DO COMENDADOR LIBERATO  -  SAGUÃO  -  INTERIOR  -  DIA.
A VELHA GOVERNANTA ATENDIA PACIENTE AO CASAL DE DESCONHECIDOS.
GOVERNANTA  -  De fato, o Dr. Cyro esteve aqui a noite passada. Mas eu ouvi ele dizer que hoje ia conhecer a cidade onde nasceu. Porto Azul.
A MULHER ELEGANTE OLHOU ANGUSTIADA PARA O COMPANHEIRO.
ORJANA  -  Eu não lhe disse!
PROF. VALDEZ  -  (procurou tranqüilizá-la, abraçando-a ternamente) Calma! (virou-se para a governanta) Ele só disse isso? Não disse quem ia procurar lá?
GOVERNANTA  -  Não. Não disse.
OS DOIS AFASTARAM-SE, A PASSOS LENTOS.
CORTA PARA:
Bárbara (Zilka Salaberry)
CENA 7  -  PORTO AZUL  -  PRAIA BONITA  -  EXTERIOR  -  DIA.
O DIA AMANHECERA CLARO, COM POUCAS NUVENS. NA LINHA DO HORIZONTE UM NAVIO DEIXAVA UM TRAÇO CINZA DE FUMAÇA. MESTRE JONAS APROXIMOU-SE DO HOMEM QUE PESCAVA. RICARDO RECONHECEU-O.
RICARDO  -  Pescando muito, Mestre Jonas?
MESTRE JONAS  -  Com a ajuda de Deus! E seu dotô, vai saí?
RICARDO  -  Vou.
MESTRE JONAS  -  Quer que ajude a empurrar a lancha?
RICARDO  -  Quero sim, mestre, por favor.
COM MOVIMENTOS RÁPIDOS, O ENGENHEIRO PUXOU A LINHA DE NYLON MERGULHADA NAS ÁGUAS, JOGANDO OS APETRACHOS NO INTERIOR DO BARCO. PUXOU CONVERSA COM O PESCADOR.
RICARDO  -  Jonas... lembra de Orjana?
MESTRE JONAS  -  (parou um segundo e respondeu, admirado) Se me lembro? De vez em quando aquilo volta à minha cabeça.
RICARDO  -  E vai voltar agora, de novo. Sabe quem está aqui? Em Porto Azul? O filho de Orjana!
MESTRE JONAS  -  (abriu a boca de espanto) Não pode ser!
RICARDO  -  Você vai ver com seus próprios olhos.
MESTRE JONAS  -  (juntou as mãos, como se fosse orar ao Criador) Então... ele tá com 30 anos... Se é ele mesmo, tudo vai acontecê como tá previsto.
RICARDO OLHOU-O SEM NADA COMPREENDER.
CORTA PARA:
CENA  8  -  PORTO AZUL  -  CASA DE D. BÁRBARA  -  SALA  -  INTERIOR  -  DIA.
D. BÁRBARA  -  Então você é o filho de Orjana?
CYRO SORRIU E PROCUROU AS MÃOS DA ANCIÃ. SEUS CABELOS TOTALMENTE BRANCOS DAVAM-LHE O ASPECTO VENERANDO.
CYRO  -  Sou... seu neto, vó Bárbara!
D. BÁRBARA  -  Meu neto, não! Ela não é minha filha.
CYRO  -  (ficou sério, chocado com a rudeza da velha) Eu sei... filha adotiva... mas de qualquer maneira, eu considero a senhora minha avó.
D. BÁRBARA  -  Pois faz muito mal. Eu não me considero sua avó e nem quero ouvir falar daquela... (refletiu) Bem. Se foi ela quem mandou você aqui, isso prova que não tem um pingo de vergonha. Depois de tudo o que fez! Do escândalo que houve nessa cidade há 30 anos... ela nunca devia ter deixado você voltar aqui!
CYRO  -  (inteiramente atônito) Por quê? Eu não entendo... Não sei de nada!
D. BÁRBARA  -  Ela não lhe disse?
CYRO  -  Não. Aliás, nem sabe que eu estou aqui...
D. BÁRBARA  -  Logo vi! Porque você não devia ter voltado. Nem a esta casa, nem a esta cidade! Nunca!
SEM SEQUER OLHAR PARA O RAPAZ, AMEAÇOU AFASTAR-SE. CYRO SEGUROU-A PELO BRAÇO.
CYRO  -  Espere... eu quero saber.
D. BÁRBARA  -  Pergunte a qualquer pessoa. Todos sabem!
LIVRANDO-SE DAS MÃOS QUE A PRENDIAM, A MULHER SE AFASTOU, BALBUCIANDO PALAVRAS ININTELIGÍVEIS.

FIM DO CAPÍTULO 2

ÁS TERÇAS, QUINTAS E SEXTAS, NÃO PERCA OS PRÓXIMOS CAPÍTULOS DE
  

 

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