Novela de Janete Clair
Adaptação de Toni Figueira
CAPÍTULO 2
Participam deste
capítulo
Otto Muller -
Jardel Filho
Dr. Paulus -
Emiliano Queiroz
Lia -
Arlette Salles
Baby -
Claudio Cavalcanti
Cyro - Tarcísio
Meira
Comendador
Liberato - Macedo Netto
Mestre Jonas -
Gilberto Martinho
Ricardo -
Edney Giovenazzi
Bárbara -
Zilka Salaberry
Orjana -
Neuza Amaral
Professor Valdez - Enio
Santos
CENA 1 -
MANSÃO DE OTTO MULLER - ESCRITÓRIO DE OTTO -
INTERIOR - NOITE.
PAULUS - O médico chegou hoje. É o Dr. Cyro Valdez, um
dos maiores cirurgiões do coração, em todo o mundo, apesar de ter nascido aqui.
OTTO MULLER PERMANECIA DE COSTAS, OUVINDO AS PALAVRAS DE SEU
ADVOGADO E PROCURADOR. DR. PAULUS APROXIMOU-SE DA MESA CENTRAL, ONDE SE
AMONTOAVAM VÁRIAS OBRAS, EM ALEMÃO. VESTIA UM TERNO NEGRO, DE CORTE BRITÂNICO. FRIEZA QUASE SINISTRA NO
OLHAR.
OTTO MULLER VOLTOU-SE BRUSCAMENTE. SEUS OLHOS AZUIS,
PEQUENOS, FITARAM O ADVOGADO, COMO UM ANIMAL EM DEFESA. CABEÇA INTEIRAMENTE
CALVA. TODO ELE SUGERIA ENERGIA, FORÇA, DETERMINAÇÃO. APENAS SEUS MODOS
NERVOSOS TRAÍAM-LHE O DESEQUILÍBRIO EMOCIONAL.
OTTO - Nasceu aqui, em Santa Catarina?
PAULUS - Por acaso. Foi para a Inglaterra com dias ou
meses de vida. No ano passado realizou, com êxito relativo, um transplante de
coração. O paciente morreu depois de duas semanas, mas a operação foi bem
aceita pelos médicos de todo o mundo.
OTTO - (autoritário) Que mais sabe dele?
PAULUS - (aborrecido) Só isso.
OTTO - (recriminou, os olhos faiscando) É pouco, Dr.
Paulus. Devia estar melhor informado.
PAULUS - Bem... Eu não sou detetive. Sou apenas um
advogado. Mas posso trazer maiores informações amanhã.
OTTO - Pois traga. Quero saber tudo sobre ele. E
sobre o estado de saúde do tio Liberato. Contava em me ver livre desse velho...
(bateu com o punho forte contra o tampo da mesa) Que droga!
PAULUS - (sorriu, maliciosamente) Se ele morrer, o
senhor, como atual superintendente e segundo acionista, será o presidente da
Companhia de Mineração.
OTTO - Deve ser. Mas avalie você que ele está
fazendo tudo para pôr o filho no lugar.
PAULUS - (surpreso) Baby Liberato?
OTTO - É. Aquele louco! Por sinal, dá uma festa
hoje.
CORTA PARA:
CENA 2 -
PALACETE DO COMENDADOR LIBERATO
- PISCINA -
EXTERIOR - NOITE.
NO JARDIM, BABY ACABAVA DE ATIRAR UMA DAS MOÇAS DENTRO DA
PISCINA. COM OS CABELOS DESPENTEADOS, O FILHO DO COMENDADOR BEBIA, DANÇAVA E
ANIMAVA A PEQUENA ORGIA DE MILIONÁRIOS.
CORTA PARA:
CENA 3 -
PALACETE DOS LIBERATO - QUARTO DO COMENDADOR LIBERATO -
INTERIOR - NOITE.
NO QUARTO DE CIMA, CYRO CONCLUÍA O EXAME E GUARDAVA OS
INSTRUMENTOS NA MALETA.
CYRO - É preciso transportá-lo para o hospital
imediatamente (ordenou ao médico assistente) Operamos depois de amanhã.
UM SILENCIO, APENAS QUEBRADO PELO SOM DE ROCK COMPLETOU O
QUADRO. O COMENDADOR LIBERATO EMPALIDECEU E DEIXOU-SE RELAXAR SOBRE A CAMA.
CORTA PARA:
Otto Muller (Jardel Filho) |
CENA 4 -
MANSÃO DE OTTO MULLER - ESCRITÓRIO DE OTTO -
INTERIOR - NOITE.
OTTO E DR. PAULUS VIRARAM-SE ASSUSTADOS.
LIA, A SECRETÁRIA, ENTROU NO ESCRITÓRIO ONDE OS DOIS HOMENS
CONVERSAVAM HÁ JÁ BASTANTE TEMPO.
LIA - Otto...
PAULUS ADIANTOU-SE E BEIJOU A MÃO DA BELA MULHER.
OTTO - Dr. Paulus já está de saída.
PAULUS - Exato, D. Lia. Já ia retirar-me.
LIA - (amedrontada) Levei um susto tremendo, agora.
Vi dois homens correndo pelo jardim, perseguindo um negro!
OTTO - Deve ser o Gabriel, o jardineiro (voltou-se
para Paulus que fazia menção de retirar-se) Toda vez que Lia vai tomar banho na
piscina, ele fica escondido, olhando. Eu mesmo já peguei o patife em flagrante.
PAULUS - Que canalha!
OTTO - Eu ia arrebentá-lo de pancada, mas o safado
fugiu.
LIA - Coitado!
OTTO - (fuzilou-a com os olhos vermelhos) Coitado!
Um negro sujo desses e você diz coitado! Botei dois homens de guarda no jardim,
com ordem de lhe dar uma surra daquelas, se ele voltasse. E hoje o sem-vergonha
voltou!
CORTA PARA:
CENA 5 -
MANSÃO DE OTTO MULLER - RUA - EXTERIOR -
NOITE.
O VULTO NEGRO SURGIU DO SOLO COMO UM BONECO DE MOLAS. NUM
SALTO, ULTRAPASSOU O MURO DE TIJOLOS DUPLOS. O HOMEM DE CHICOTE NA MÃO
FECHOU-LHE O CAMINHO DE FUGA. O NEGRO PAROU. OUTRO HOMEM ALCANÇOU-O PELAS
COSTAS. OS REVÓLVERES PASSARAM RÁPIDO PARA MÃOS HABILIDOSAS. UM MOVIMENTO
RÁPIDO E A CORONHA CAIU COMO UMA PEDRA CONTRA A CARAPINHA SUADA. GOLPES. O
NEGRO GEMEU. GOLPES. O NEGRO CHOROU. O SANGUE BANHOU A CALÇADA ÚMIDA, ENQUANTO
OS DOIS CONTINUAVAM GOLPEANDO O HOMEM ABATIDO. DO OUTRO LADO DA RUA, O DR. CYRO
VALDEZ, DE REGRESSO DA CASA DO COMENDADOR, PAROU E OBSERVOU A AGRESSÃO.
CYRO
- Ei! Que é isso? Que estão
fazendo? Larguem esse homem. Isso é uma covardia!
O MÉDICO DIRIGIU-SE PARA OS HOMENS E COM UM GESTO VIOLENTO AFASTOU UM DOS GUARDAS DO ALEMÃO. O SANGUE JORRAVA DE UM FERIMENTO FEIO, CAUSADO PELAS CORONHADAS.
CAPANGA - É um
ladrão sujo! Pulou o muro para roubar!
CYRO
- (nauseado) Seja o que for, é
uma covardia! Vocês são uns covardes!
OS DOIS ASSASSINOS ASSUMIRAM UMA
ATITUDE HOSTIL CONTRA O CIRURGIÃO.
CAPANGA - O
que é que há? Vai querer o quê?
O SEDAN BRANCO PAROU A POUCOS METROS
DO GRUPO. NO CHÃO, O NEGRO CONTINUAVA IMÓVEL, CAÍDO NUMA POÇA DE SANGUE.
O AGRESSOR MAIS ALTO RECONHECEU O
HOMEM QUE SALTARA DO AUTOMÓVEL.
CAPANGA - Dr.
Paulus!
PAULUS -
(ordenou, autoritário) Não batam mais nesse homem. Levem ele para a
prisão.
OS DOIS ASSECLAS DE OTTO MULLER
ERGUERAM O CORPO DO CHÃO, SUJANDO-SE COM O SANGUE DO NEGRO.
CYRO
- (irado) Esperem! Larguem o
homem. Eu sou médico.
OS HOMENS TORNARAM A COLOCAR O CORPO
NO CHÃO. CYRO EXAMINOU AS PUPILAS DO NEGRO, REVOLVENDO A MEMBRANA PROTETORA.
CYRO
- (atônito) Está morto!
PAULUS - (sem
perder a calma, recomendou aos homens) É melhor levá-lo para dentro de casa e
contar ao Dr. Otto Muller o que aconteceu. Foi um acidente. Venha comigo, Dr.
Cyro, por favor.
CYRO
- (fitou-o admirado) Quem é o
senhor?
PAULUS - Sou
um grande amigo do Comendador Liberato. Vou levá-lo até seu hotel.
O ADVOGADO PROCURAVA AFASTAR O MÉDICO
DO LOCAL DO CRIME. CYRO ACOMPANHOU-O, ENTRANDO NO SEDAN BRANCO, DESCONFIADO, CONTENDO
A REVOLTA QUE NÃO PODIA OCULTAR.
CYRO
- Acidente... acidente!
PAULUS -
(sorriu, ligando o rádio) Isso às vezes acontece... mas não se perdeu
grande coisa...
CORTA PARA:
CENA 6 -
PALACETE DO COMENDADOR LIBERATO
- SAGUÃO -
INTERIOR - DIA.
A VELHA GOVERNANTA ATENDIA PACIENTE
AO CASAL DE DESCONHECIDOS.
GOVERNANTA - De
fato, o Dr. Cyro esteve aqui a noite passada. Mas eu ouvi ele dizer que hoje ia
conhecer a cidade onde nasceu. Porto Azul.
A MULHER ELEGANTE OLHOU ANGUSTIADA
PARA O COMPANHEIRO.
ORJANA - Eu
não lhe disse!
PROF. VALDEZ -
(procurou tranqüilizá-la, abraçando-a ternamente) Calma! (virou-se para
a governanta) Ele só disse isso? Não disse quem ia procurar lá?
GOVERNANTA - Não.
Não disse.
OS DOIS AFASTARAM-SE, A PASSOS LENTOS.
CORTA PARA:
Bárbara (Zilka Salaberry) |
CENA 7 - PORTO AZUL
- PRAIA BONITA -
EXTERIOR - DIA.
O DIA AMANHECERA CLARO, COM POUCAS
NUVENS. NA LINHA DO HORIZONTE UM NAVIO DEIXAVA UM TRAÇO CINZA DE FUMAÇA. MESTRE
JONAS APROXIMOU-SE DO HOMEM QUE PESCAVA. RICARDO RECONHECEU-O.
RICARDO -
Pescando muito, Mestre Jonas?
MESTRE JONAS - Com
a ajuda de Deus! E seu dotô, vai saí?
RICARDO - Vou.
MESTRE JONAS - Quer
que ajude a empurrar a lancha?
RICARDO -
Quero sim, mestre, por favor.
COM MOVIMENTOS RÁPIDOS, O ENGENHEIRO
PUXOU A LINHA DE NYLON MERGULHADA NAS ÁGUAS, JOGANDO OS APETRACHOS NO INTERIOR
DO BARCO. PUXOU CONVERSA COM O PESCADOR.
RICARDO -
Jonas... lembra de Orjana?
MESTRE JONAS -
(parou um segundo e respondeu, admirado) Se me lembro? De vez em quando aquilo
volta à minha cabeça.
RICARDO - E
vai voltar agora, de novo. Sabe quem está aqui? Em Porto Azul? O filho de
Orjana!
MESTRE JONAS -
(abriu a boca de espanto) Não pode ser!
RICARDO - Você
vai ver com seus próprios olhos.
MESTRE JONAS -
(juntou as mãos, como se fosse orar ao Criador) Então... ele tá com 30
anos... Se é ele mesmo, tudo vai acontecê como tá previsto.
RICARDO OLHOU-O SEM NADA COMPREENDER.
CORTA PARA:
CENA 8 -
PORTO AZUL - CASA DE D. BÁRBARA -
SALA - INTERIOR
- DIA.
D. BÁRBARA -
Então você é o filho de Orjana?
CYRO SORRIU E PROCUROU AS MÃOS DA
ANCIÃ. SEUS CABELOS TOTALMENTE BRANCOS DAVAM-LHE O ASPECTO VENERANDO.
CYRO
- Sou... seu neto, vó Bárbara!
D. BÁRBARA - Meu
neto, não! Ela não é minha filha.
CYRO
- (ficou sério, chocado com a
rudeza da velha) Eu sei... filha adotiva... mas de qualquer maneira, eu
considero a senhora minha avó.
D. BÁRBARA - Pois
faz muito mal. Eu não me considero sua avó e nem quero ouvir falar daquela...
(refletiu) Bem. Se foi ela quem mandou você aqui, isso prova que não tem um
pingo de vergonha. Depois de tudo o que fez! Do escândalo que houve nessa
cidade há 30 anos... ela nunca devia ter deixado você voltar aqui!
CYRO
- (inteiramente atônito) Por quê?
Eu não entendo... Não sei de nada!
D. BÁRBARA - Ela
não lhe disse?
CYRO
- Não. Aliás, nem sabe que eu
estou aqui...
D. BÁRBARA - Logo
vi! Porque você não devia ter voltado. Nem a esta casa, nem a esta cidade!
Nunca!
SEM SEQUER OLHAR PARA O RAPAZ,
AMEAÇOU AFASTAR-SE. CYRO SEGUROU-A PELO BRAÇO.
CYRO
- Espere... eu quero saber.
D. BÁRBARA -
Pergunte a qualquer pessoa. Todos sabem!
LIVRANDO-SE DAS MÃOS QUE A PRENDIAM,
A MULHER SE AFASTOU, BALBUCIANDO PALAVRAS ININTELIGÍVEIS.
FIM DO CAPÍTULO 2
ÁS TERÇAS, QUINTAS E SEXTAS, NÃO PERCA OS PRÓXIMOS CAPÍTULOS DE
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