domingo, 9 de janeiro de 2011






      Capítulo 1
 

      O Maracanã estremecia. Bandeiras rubro-negras, aos milhares, agitavam-se no imenso anel do estádio. A cada finta, a cada passe, a multidão respondia com a cadencia do “olé”! Feições transtornadas, mãos que se apertavam em desespêro, na solidariedade do sofrimento. Era o Flamengo na ânsia da vitória. Em todo o campo – num eco gigantesco – a voz dos locutores brotava de dezenas de milhares de transistores.
       ...avança o Flamengo nos minutos derradeiros da partida. O placar permanece mudo. Só a vitória interessa á equipe da Gávea... Lá vai Gérson. Domina o couro. Ultrapassa o meio do campo. Finta um adversário. Passa por outro e estende na direita a Carlos Alberto, que entrega a Duda – a maior figura em campo...        O Brasil acompanhava atento a “tortura” de seu time mais querido. Frios, os ponteiros dos relógios assinalavam os instantes finais. O Flamengo insistia. O repentino silencio foi quebrado apenas pelo locutor nervoso:
       ...Duda investe pelo miolo. Vence um adversário. Dois. Penetra na área. Atenção. Pode marcar....
        De repente a loucura. O grito da multidão em uníssono.
        “Gooooooool! Goooooooool! Do Flamengo! Duda! Duda!
        Espocavam foguetes, frenéticas as bandeiras são agitadas. No gramado, um inferno. De novo a voz do locutor:
        “Uma pirâmide humana esmaga o ídolo da Gávea... Duda chora. O juiz olha o seu cronômetro. Vai terminar a partida. Há um delírio no Maracanã, senhoras e senhores. E atenção! – terminou o jogo... Flamengo, campeão carioca de 1965!
        Surdos e tamborins misturam-se aos gritos de Mengo! No gramado verde, salpicado de papéis, os rádio-repórteres investiam de microfones volantes:
       -E agora, Duda? Depois do título e do gol histórico...
    -Um só pensamento. Pedir licença ao clube para ver minha mãe. Visitar minha terra e abraçar meus irmãos, que não vejo há muitos anos. É tudo o que quero.
    -Senhoras e senhores, que admirável exemplo de profissional. Dono da tarde, autor do gol que deu o campeonato ao Flamengo, Duda foge de qualquer outro compromisso para voltar á sua terra, rever sua gente e sua mãezinha, numa cidade distante, no interior do país...
Duda (Claudio Marzo), Sinhana (Zilka Salaberry), João (Tarcísio Meira) e Jerônimo (Claudio Cavalcanti)



    Na casa rústica de Coroado, a velha Sinhana colocava o último prato sobre a mesa de pés maciços. Num canto da parede a imagem de São José. Sobre o baú secular – herança não se sabe de quem – algumas amostras sem valor de pedras da região. O cheiro do feijão bem temperado inundava a sala onde o garimpeiro Sebastião – pele curtida, enrugada, faces esquálidas – retirava a bota enlameada e gasta.
    -Sabe, velho – dizia Sinhana – esta noite sonhei com o nosso Duda, o ingratão.
    -Se preocupa não. O menino ta mais arranjado na vida que os dois irmãos, o Jerônimo e o João.
    Sinhana chegou á janela. Ao longe, na linha do horizonte, o risco das montanhas arranhava o céu. O verde das árvores tingia de alegria a solidão ambiente. A velha porteira, corroída pelo tempo, fechava os sonhos de liberdade do gado tristonho, a ruminar. Ao longe, um manto de poeira levantava-se da estrada de barro batido. Num galope cadenciado, um cavaleiro se aproximava.
    -Jerome vem aí.
    Era um jovem de traços belos, cabeleira revolta, gestos agressivos e expressão sofrida. O cavalo estacou retido pela pressão das rédeas, o suor do animal se confundindo com o suor do homem. Fôra longa a esticada de Coroado ao rancho humilde e pobre. Ligeiro o jovem saltou da sela, atou o laço num tronco de árvore e dirigiu-se á casa, agitado.
    -Mãe! Mãe!
    -Que e isso, Jerome! Que escarcéu é esse? Será que achou rubim?
    -Não. Mãe. Tava no garimpo, não. Vim da cidade, correndo pra lhe mostrá esse telegrama que seu Zequinha, do correio, me deu. É do Duda, mãe!
    Sinhana estremeceu.
    -Duda? Que é que diz, meu filho? Má nova?
     Jerônimo respondeu alegre:
    -Que ele chega depois de amanhã!
    A noticia fora forte demais. Sinhana escorou o corpo pesado de encontro á porta de madeira, com lágrimas a estourarem de seus olhos, O pensamento voltou aos dias de outros tempos. Ao filho ausente. Nascido ali. Na natureza agreste da região. Dali partira para a cidade grande. Aprendera a arte do futebol – “tão diferente das lutas do garimpo” – e hoje, famoso – “tava nos jornais e na boca de toda gente”.
    Jerônimo repetia:
    -Chega depois de amanhã, mãe. Parece mentira...
    -Tu leu direito, filho? É verdade mesmo?
    -Então. Mãe, eu não sei lê? Olha: “Chego trem de quinta-feira. Duda”.
    Sinhana pensava nos anos de ausência do filho. Nunca  escrevera uma linha, nunca mandara notícia... e as lágrimas deslizaram incontidas pela face da velha mãe.
    Jerônimo se aproximou. Com rudeza levantou as pontas do avental e enxugou as lágrimas da mãe.
    -Deixa isso pra lá, velha. Sei porquê ta chorando, mas cada um tem seu jeito de sê.
    A velha Sinhana voltou-se para o marido:
    -Se alegra, Bastião. Seu filho Duda vai chegar.
    -Ouvi tudo, mulher. Tou alegre. Você sabe que tou. – e dirigindo-se ao rapaz – Seu irmão já sabe?
    -João? Inda não.
    -Então corre, vai dizê pra ele. Ta no garimpo.
             
                      


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