CAPÍTULO 4
No alpendre da casa grande da fazenda, Estela e Pedro Barros conversavam. Típica construção do interior, com salas imensas, varandas largas, paredes fortemente caiadas e interiores decorados com ostentação e mau gosto. No terreiro algumas galinhas ciscavam á procura de alimento. Vários homens tentavam aquietar a indocilidade de um touro nas cercanias do curral. Maria de Lara acabava de chegar. Os pais foram ao encontro da filha.
-Então? Gostou da cidadezinha? Muita diferença?
-Não sei, pai. Saí daqui tão criança que nem me lembrava mais. Algumas coisas sim... algumas coisas tinham ficado na minha memória.
-Mas a cidade não mudou nada – interveio Estela. – Aquele mesmo atraso. Aquela mesma gente inexpressiva.
-Sim, mas a miséria do povo... Porquê há tanta miséria, pai, numa região tão rica?
-É a gente que é preguiçosa, não quer trabalhar. Acham um diamantezinho, um olho de mosquito, vem aqui, vendem e só voltam a trabalhar depois que o dinheiro acaba.
-Mas a maioria não é empregada no seu garimpo?
Pedro Barros titubeou. Era visível seu aborrecimento. “Este assunto não deveria interessar a mulheres” - pensou.
-É preciso vigiar dia e noite pra não me roubarem. Ontem mesmo um deles engoliu uma pedra. Tivemos de lhe dar uma dose dupla de óleo de rícino e o desgraçado, ainda assim, não devolveu a pedra. Nem com purga, nem com sova. Negro danado...
A criada apareceu anunciando o almoço. Os gestos grosseiros impressionavam a jovem desacostumada a suas maneiras rudes. Era duro no falar, duro nas expressões. Um pai que não se ajustava ao seu modo de proceder e de ver as coisas. Voltou ao tema.
-O povo de Coroado parece gente muito triste, mesmo vivendo num lugar onde se tem tudo para ser alegre.
-Alegre? Aqui? Neste fim de mundo? – comentou Estela. – Isto é um buraco horroroso.
Pedro Barros eriçou-se.
-Mas é aqui que eu ganho a vida.
-Sim, é aqui que você enche a pança. Mas é aqui que eu enterro minha mocidade, Pedro. Você está podre de rico, mas até hoje eu ainda não vivi. Presa neste desterro sem ver o mundo.
-Papai tem razão. Esse é o negocio dele.
-Você diz isso porquê sempre viveu na cidade. Queria que você vivesse aqui. Como eu. Em meio a essa gente porca e ignorante.
Pedro Barros isolara-se do mundo. Nada ouvia. Devorava um frango, mãos ensebadas, tirando dos ossos a carne gorda. Restos de comida caíam-lhe pelos cantos da boca. Estela enojava-se com a visão repelente do marido.
-Ô homem, vê se não se lambuza tanto! Parece um animal.
-Comer frango sem se lambuzar, não tem graça.
Lara se incomodava com as reprimendas e reações da mãe.Via o pai, animalesco, desligado das etiquetas, inteiramente absorvido no ato de comer. A seu lado a mãe - jovem ainda nos seus quarenta anos – revoltada contra anos de maus tratos e solidão forçada. “É moça ainda” – pensava.
Lourenço entrou intempestivamente. Era homem de meia-idade – bem conservado, com certo charme – de modos decididos. Sólido como a própria região do garimpo. Entrou com a naturalidade do hábito diário.
-Boas tardes, coronel.
A presença de Lara desconcertou-o um pouco.
-Não sabia que tinha visita.
O coronel respondeu sem levantar os olhos do prato – voz embargada pelo frango gordo.
-É minha filha Lara. Maria de Lara. Chegou ontem do Rio. Esteve lá estudando. Voltou doutora.
Estela corrigiu.
-Que doutora, Pedro. Professora.
-É a mesma coisa.
E voltando-se para a filha.
-Êsse é o Lourenço, meu braço-direito aqui em Coroado.
Os olhos da moça e os do recém-chegado encontraram-se durante fração de segundos. Das mãos grossas e calosas do capataz sobressaiam dedos fortes. Cabeludos. Lara fixou o brilho dos anéis. Pedras coruscantes, imensas. Lembrou-se da gente humilde das redondezas. Casas de barro, coberturas de sapé, chão de terra. Vidas miseráveis. E das palavras do pai – “...é preciso vigiar dia e noite para não me roubarem...”
Lourenço dirigiu-se ao coronel.
-O senhor sabe qual foi a resposta que o patife do João Coragem lhe mandou?
Pedro Barros ergueu a cabeça, atento, limpando os lábios com o dorso das mãos.
-Ele e o irmão mandaram dizer que vão vender diamantes pros gringos ou pra quem quiser.
Uma chispa de cólera transpareceu nos olhos do velho chefe. Pedro Barros levantou-se num repelão.
-Pois eu quero ver alguém vender diamante pros gringos. Vou pagar pra ver isso.
A ira do coronel crescia amedrontadoramente.
-Juca! Juca Cipó! Onde se meteu esse desgraçado?
Pedro desapareceu pela porta. Lourenço ainda falou:
-Fique descansado, coronel. Tou vigilante. Tem homem por todo canto da cidade e eles não vão ser bestas de trair a gente...
Os gritos de Pedro Barros ecoavam no interior da casa – “Juca! Moleque safado!” Dentro de Estela ecoavam gritos diferentes. Dirigiu-se ao homem.
-Porquê não tem vindo aqui? Esqueceu que eu existo?
Lourenço respondeu num balbucio.
-Muito trabalho. Muito trabalho.
Parou a poucos passos do capataz. Olhos vidrados. Voz adocicada.
-E durante todo este tempo não sentiu um pouquinho de saudade de mim? Jura?
Os berros de Pedro morriam na distancia – “Juca! Moleque desgraçado!”
NÃO PERCA O 5. CAPÍTULO DE IRMÃOS CORAGEM
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