quarta-feira, 19 de janeiro de 2011




   CAPÍTULO 5

    Na sala – em silencio – Lourenço abraçava Estela. Lábios unidos na expressão do desejo. O choque de Lara foi imenso. Em segundos a visão do passado surgiu-lhe viva, real. O pai – quinze anos mais moço – arma em punho, esbofeteava a mãe. O revólver imenso apontado contra o peito. A mão enorme num vaivém incessante. Ao fundo a figura sinistra do homem indefinido, assistindo á cena. Uma visão que a acompanhava desde menina. Lara levou as mãos á cabeça.  “Aquela dor maldita...” Atravessou a sala e num gesto de desespero, desapareceu pela mesma porta onde, minutos antes, o pai, encolerizado, saíra aos gritos de “Juca Cipó”.
    Estela e Lourenço afastaram-se ante a inesperada visão da moça.
    -Lara! Maria de Lara! Minha filha!
    Reinava silencio na casa grande.
                     


Ritinha (Regina Duarte)
    Na pequena estação de Coroado o apito do trem deu início á loucura.
    -Pessoal, lá vem o trem!
    Durante todo o dia a vida da cidadezinha se transformara num esperar-que-não-tinha-fim. Os preparativos para a chegada começaram manhã cedinho. Por ordem do prefeito foi decretado feriado municipal. O velho juiz de direito, severo e resoluto, adiara seus compromissos – “casamento só amanhã” – e o delegado Falcão, terno branco, camisa aberta ao peito, palito no canto da boca, arregimentara todos os seus homens – quatro ou cinco, se tanto – para conter os excessos de alegria com a promessa de xadrez. Bebia-se como nunca em Coroado.
    -Pessoal, o trem chegou!
    A um sinal do prefeito, a banda atacou, enchedo de som a pracinha. A multidão delirava.
    Ritinha sentia o coração desordenar-se. As palavras de Sinhana ecoavam em seus ouvidos - ... de mim que sou sua mãe, eu sei que se lembra...” Eduardo menino. Quanta recordação!
    De repente o ranger de freios.
    -Duda tá chegando, Ritinha.
    O trem sustinha o ritmo. Começava a parar. Num dos degraus um jovem acenou á multidão. Ritinha não se conteve:
    -Olha lá ele! É o Duda!
    O povo acompanhava o coro enquanto a bandinha acelerava o ritmo do dobrado militar.
    -Duda chegou! Viva o Duda!


   
    O velho Bastião suportava a solidão de espera. Nem mesmo a volta triunfal de seu menino pudera levantar-lhe as forças. O danado do mal tinha coisa do diabo – pensava lá consigo. Leve tropel, distante, dizia-lhe que alguém se aproximava do rancho humilde. “Devia ser o Duda”. O garimpeiro ajeitou os fiapos de cabelos, esticou os vincos corroídos da calça surrada e procurou conter as emoções que talvez não pudesse suportar. Não teve tempo para muito... Lourenço, Juca Cipó e dois capangas aparecerem no momento em que seus braços fracos – abriam-se para acolher o filho que regressava.
    -Vamos dar um susto no velho, Juca. Ele já foi moço. Assustou muita gente.
    -Deixa comigo.
    Bastião recuou, apavorado.
    -É mais um conselho, velho. Um aviso pro seu filho não ser besta de vender diamante pros gringos.
    Juca suspendeu o revólver e o baixou violentamente sobre a cabeça encanecida do garimpeiro.



    ”Caminho longo” – pensava João Coragem. – “Esticada pra macho”. A estrada serpenteava, banhada pela luz da lua. O trote macio do cavalo levava o jovem ao encontro de Coroado. De repente o grito. O vulto que cambaleava. Da margem da estrada a moça divisou o cavaleiro. No alto, a lua lembrava um diamante colossal.
    Maria de Lara caiu ao chão. O pensamento longe, voltado para a fazenda de Pedro Barros. Os olhos de João Coragem não queriam acreditar. Reconhecera a jovem.
    -Santo Deus! O rubim do coronel!
    Rápido o rapaz saltou da montaria e suspendeu nos braços o corpo inanimado da moça. Lembrou-se da casa de Braz Canoeiro. Sim, era ali perto. Próximo a um riacho que corria da serra. João Coragem percebeu alguém ás margens das águas. “É Cema, mulher do Braz”, pensou. A jovem mulher recolhia ervas á beira do riacho numa expressão de sofrimento.
    -Cema! – gritou João. Quer me ajudar aqui?
    Cema ergueu os olhos. Reconheceu João Coragem, com a moça desmaiada, os cabelos dourados caindo-lhe sobre os ombros.
    -Que é que a gente faz quando uma mulher tem esse negócio que parece que tá morta, mas não tá?
    -Jogá água na cara dela, seu João.
    Cema se levantou, na mão um punhado de ervas.
    -E eu lhe pergunto. O que é que a gente faz quando tem na garganta uma revolta, como eu?
    -Revolta, Cema, de que?
    -Então...não soube o que fizeram com o meu Braz?
    -Braz! Aquele santo home? O que fizeram com ele?
    -Tá morrendo, seu João! Tá morrendo!
    Com um soluço a mulher do garimpeiro correu em direção á casa, distante alguns metros do local.
    João voltou os olhos para a moça, deitada na margem do riacho. Os raios prateados da lua aumentavam-lhe a brancura da face. Com as mãos em concha,  salpicou pingos de água fresca do riacho sobre o rosto impassível. A jovem reagiu, balançou a cabeça com gestos nervosos. João segurou-a pelos ombros. Os olhos grandes fitaram com espanto a fisionomia do rapaz.
    -Quem é você?
    -Sou João, moça. Tá em companhia de gente de bem.
    A desconhecida olhou longamente a região. Parecia desligada de tudo.
    -O que estou fazendo aqui?
    -Eu é que pergunto. Encontrei você meio zonza, andando pela estrada. Parecia carecer de ajuda. Apeei do meu cavalo e lhe ajudei. Foi a sorte. A moça virou os olhos e caiu nos meus braços.
    -Eu caí?
    João pareceu esquecer a pergunta.
    -Não sei se tou enganado, mas parece que já lhe vi em outro lugar.
    A jovem tentou levantar-se, nervosa.
    -Acho que está enganado. Eu não sou daqui.
    -Tá bem, eu acredito, mas você ta precisando de ajuda. Eu lhe levo até na casa do Braz Canoeiro, que é aqui perto. Depois dum cafezinho, vai se sentir mais forte.
    Os dois seguiram para o casebre próximo.


    NÃO PERCA O 6. CAPÍTULO DE IRMÃOS CORAGEM!!




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