segunda-feira, 28 de maio de 2012

ASSIM NA TERRA COMO NO CÉU - Capítulo 52

Novela de Toni Figueira
Inspirada na Obra de Dias Gomes

Fonte: http://youtu.be/zIuryHGvAVc

CAPÍTULO 52

Personagens deste capítulo:
 

VÍTOR
HELÔ
RENATÃO
SAMUCA
RICARDINHO
D. CONSUELO
DOM JOSÉ
JOANINHA
D. CONSUELO
RODOLFO AUGUSTO
JUREMA
JUIZ
PROMOTOR
ADVOGADO DE DEFESA



CENA  1  -  TRIBUNAL DO JÚRI  -  SALA DAS TESTEMUNHAS DE DEFESA  -  INT.  -  DIA.

RENATÃO BEBIA UM COPO DE ÁGUA MINERAL. RICARDINHO, SENTADO A UM CANTO, PARECIA NERVOSO.

RENATÃO  -  Sabe a impressão que eu tenho? Que prenderam a gente nesta sala porquê se Jurema for absolvida eles pegam um de nós.

VÍTOR  -  (encarou-o, significativamente) Este raciocínio revela um sentimento de culpa.


RENATÃO  -  (deu uma risada) Sentimento de culpa? Não tenho nenhum.

VÍTOR  -  Não tem mesmo? Pois eu tenho. Se eu não tivesse ido a  São Paulo naquela noite, talvez isso não tivesse acontecido.

RICARDINHO  -  (não se conteve)  Pois é, ele foi a São Paulo naquela noite. É, o bicão de sacristia tem um bom álibi.

CORTA PARA:

CENA 2  -  TRIBUNAL   -  SALA DO JÚRI  -  INT.  -  DIA.

NA SALA DO JÚRI, O JUIZ EXIBIA UM REVÓLVER.

JUIZ  -  (a Jurema) A senhora reconhece esta arma?

JUREMA  -  Eu acho... acho que é minha.

JUIZ  -  Quando saiu de casa naquela noite, a senhora levava este revólver dentro da bolsa?

JUREMA  -  (respondeu prontamente)  Não, eu não levava arma nenhuma.

JUIZ  -  Senhor Promotor, a palavra é sua.

O PROMOTOR LEVANTOU-SE E DIRIGIU-SE AOS JURADOS.

PROMOTOR  -  Senhores do Conselho de Sentença, em meus longos anos de promotoria, muitos e muitos crimes horrendos passaram pelas minhas mãos. Muitos e muitos criminosos sanguinários tive que acusar. Eu devia, senhores, ser um homem calejado. E sou. No entanto, neste momento, ao olhar para aquela mulher  que  ali  está sentada tranquilamente no banco dos réus, eu  sinto um arrepio de horror. Como é possível uma criatura humana, com todo o aspecto de um ser normal, praticar um crime tão horripilante? Que se estará passando com a humanidade, meu Deus, para produzir seres dessa espécie?!

AS PALAVRAS DO ACUSADOR FERIAM PROFUNDAMENTE LEOPOLDO, NO MEIO DOS ASSISTENTES. ARAKEN BALANÇAVA A CABEÇA NUM GESTO DE DESAPROVAÇÃO.

PROMOTOR  -  ... a opinião pública se comoveu e se revoltou com o martírio imposto a essa moça de vinte anos, plena de vida, que muitos acreditam ter sido uma santa...

JUREMA BAIXOU A CABEÇA. A VOZ DO PROMOTOR ERA NÍTIDA E FIRME.

PROMOTOR  -  ... Nívea Louzada, moça de boa formação, criada num ambiente sadio... deixou-se um dia namorar por um rapaz chamado Ricardo Miranda... moço mimado, rico, de hábitos pouco recomendáveis, que mantinha uma relação com a acusada...

CORTA PARA:

CENA 3  -  APARTAMENTO DE HELÔ  -  QUARTO  - INT.  -  DIA.


HELÔ, DEITADA EM SUA CAMA, OUVIA PELO RÁDIO.

PROMOTOR  -  (off)  “... mas um dia, Nívea conheceu o padre Vítor e descobriu nele o homem que deveria amar por toda a vida, se não tivesse sido cruelmente assassinada...”

CORTA PARA:

CENA 4  -  TRIBUNAL  -  SALA DO JÚRI  -  INT.  -  DIA.

PROMOTOR  -  ... sim, senhores jurados, Jurema de Alencar, a acusada, se diz inocente... e isso é apenas uma prova de que nem ao menos sente remorso pelo crime que praticou...

CORTA PARA:
       
CENA 5  -  APARTAMENTO DE HELÔ  -  QUARTO  -  INT.  -  DIA. 

HELÔ  ABRIU O CLOSET, ESCOLHEU UM VESTIDO AZUL CLARO BEM DISCRETO, COLOCOU-O SOBRE A CAMA E, DIANTE DO ESPELHO, CAPRICHOU NA MAQUILAGEM.

CORTA PARA:

CENA  6  -  TRIBUNAL  -  SALA DO JÚRI  -  INT.  -  DIA.  


PROMOTOR  -  Eu gostaria de chamar a primeira testemunha, D. Marieta Louzada.

MARIETA CAMINHOU ATÉ O BANCO DAS TESTEMUNHAS E ACOMODOU-SE.

PROMOTOR  -  ... D. Marieta, a senhora conhecia a acusada. Jurema de Alencar?

MARIETA  -  Não, eu não a conhecia. Meu único contato com ela foi quando atendi seu telefonema para minha filha, Nívea, na noite do crime.

CORTA PARA:

CENA 7  -  TRIBUNAL  -  SALA DAS TESTEMUNHAS  -  INT.  -  DIA.      

LÁ DENTRO, RICARDINHO ROÍA AS UNHAS, MUITO NERVOSO. RENATÃO, NO MESMO ESTADO, CAMINHAVA DE UM LADO PARA O OUTRO.

CORTA PARA:

CENA  8  -  TRIBUNAL  -  SALA DO JÚRI  -  INT.  -  DIA.   


MARIETA ESTAVA SENDO INTERROGADA AGORA PELO ADVOGADO  DE DEFESA.

ADVOGADO DE DEFESA  -  ... e a senhora disse que Nívea saiu de casa por volta das onze e meia, naquela noite... e que teve a impressão de que ela ia ao encontro de alguém. Logo depois houve o telefonema da acusada... A senhora tem algum elemento para supor que era a acusada a pessoa com quem Nívea ia encontrar-se?

MARIETA  -  (procurando encobrir a ansiedade da sua voz) Não. Não tenho nenhum elemento para supor isso. Ao contrário, acho que não foi com ela que Nívea foi encontrar-se.

ADVOGADO DE DEFESA  -  Com quem a senhora acha que ela foi encontrar-se?

PROMOTOR  -  (gritou) Protesto! A defesa está procurando  levar a testemunha a fazer suposições.

JUIZ  -  Protesto recusado. A testemunha deve responder.

MARIETA HESITOU. OS ASSISTENTES PERMANECIAM RÍGIDOS EM SEUS LUGARES. ELA TROCOU UM OLHAR COM EMILIANO.

MARIETA  -  Eu não tenho certeza.

MARIETA FOI DISPENSADA PELO PROMOTOR. RODOLFO AUGUSTO FOI O SEGUINTE. TRAJANDO TERNO AZUL E UMA ECHARPE, DIRIGIU-SE, CHEIO DE TREJEITOS AO BANCO DAS TESTEMUNHAS.

PROMOTOR  -  Senhor Rodolfo Augusto, conte-nos o que o senhor viu ou ouviu na noite do crime.

RODOLFO AUGUSTO  -  Bem, eu apenas vi um vulto, só um vulto, pois a noite estava muito escura. Parecia mulher. Claro, devia haver mais de um, pois se a moça estava sendo perseguida, devia haver um perseguidor. A menos que eu estivesse vendo fantasmas.

RISOS NO AUDITÓRIO.

RODOLFO AUGUSTO  -  (disse calmamente) Eu tenho a impressão de que havia também uma outra pessoa.

PROMOTOR  -  Homem ou mulher?

RODOLFO AUGUSTO  -  O senhor sabe, hoje em dia é muito dificil a gente diferençar um homem de uma mulher... pela roupa ou pelo cabelo. Eu tenho a impressão de que era mulher também.

O PROMOTOR VOLTOU AO SEU LUGAR. NESSE MOMENTO, HELÔ ENTROU NA SALA E FOI SENTAR-SE AO LADO DE ALGUÉM, QUE RECONHECEU SER ARAKEN. PENSOU EM MUDAR DE LUGAR.

ARAKEN  -  Parabéns!

HELÔ  -  Parabéns por quê?

ARAKEN   -  Pela sua coragem de vir aqui.

HELÔ  -  (encarou-o com firmeza) Não tenho nada a temer! E por favor, deixe-me em paz!

A VOZ DO PROMOTOR FEZ-SE OUVIR NO SALÃO.

PROMOTOR  -  Solicito a presença da testemunha Jesuíno Romão.

O HOMEM DE MEIA-IDADE ENTROU EM SEGUIDA E FOI SENTAR-SE NO BANCO A ELE DESTINADO.

HELÔ  -  Quem é esse homem?

ARAKEN  -  Não faço a menor idéia.

HELÔ  -  Que estranho...

CORTA PARA:

CENA   9  -  APART-HOTEL  -  APARTAMENTO DE D. CONSUELO  -  SALA  -  INT.  -  DIA.

SAMUCA OUVIA O JULGAMENTO ATRAVÉS DO RÁDIO, QUANDO A CAMPAINHA TOCOU. ERA JOANINHA, QUE ENTROU, OLHANDO EM VOLTA, ADMIRADA.

JOANINHA  -  Nossa, quanto luxo! O aluguel desse apart deve ser uma fortuna!

SAMUCA  -  Que bom que você atendeu meu pedido! (e abraçou-a. Joaninha permaneceu estática).

JOANINHA  -  Ainda não entendi por que insistiu tanto pra eu vir aqui. Cadê ela?

SAMUCA  -  Saiu com o advogado, Dom José, pra resolver um problema. Eles tão me escondendo algo, mas ainda não sei o que é.

JOANINHA  -  E se eles chegarem, de repente? Como vai explicar pra sua mulher minha presença aqui?

SAMUCA  -  Não me importo. Chamei você aqui, Joana, pra que não duvide mais do meu amor por você. Só casei com essa velha porque ela me convenceu, dizendo que tava à beira da morte! E agora, tá mais viva que nós dois e a gente nessa situação, sem saber o que fazer...

JOANINHA  -  Então, porque não separa dela?

SAMUCA  -  Aí é que tá o xis da questão... e se ela bater as botas, de repente?...

A PORTA ABRIU-SE E D. CONSUELO ENTROU, EM COMPANHIA DE DOM JOSÉ.

D. CONSUELO  -  Samuquito! ¿Quién es esta mujer? ¿Qué haces aquí solo?

JOANINHA DEU UM PASSO À FRENTE E ENCAROU D. CONSUELO, DESAFIADORA.

JOANINHA  -  Quer saber? Vamos botar essa história agora em pratos limpos! O negócio é o seguinte (dirigiu-se a Dom José) Essa dona aí tava de vela na mão. Quis casar com meu noivo pra deixar uma fortuna pra ele. Eu, tonta, fui na conversa e concordei. Daí, ela não cumpriu a palavra, não morreu. E tá embrulhando a gente até hoje com essa história de morre não morre!

D. CONSUELO LEVOU A MÃO AO PEITO, APOIANDO-SE NUMA CADEIRA.

D. CONSUELO  -  Ai... mi corazón... ai....

SAMUCA E DOM JOSÉ CORRERAM A AMPARÁ-LA.

D. CONSUELO  -  Mis remédios... depressa, por favor...

SAMUCA CORREU PARA O QUARTO EM BUSCA DOS REMÉDIOS.

DOM JOSÉ  -  Senhorita, este não é o momento para terem esta conversa. É melhor ir embora, agora.

JOANINHA  -  Eu vou, mas saibam que eu não vou desistir do Samuca! Nós nos amamos e ninguém vai nos separar! Ninguém!

JOANINHA SAIU, PISANDO FIRME. SAMUCA RETORNOU COM UM COPO D’ÁGUA E OS REMÉDIOS.

SAMUCA  -  Aqui estão... (procurou Joaninha) Cadê a Joana?

DOM JOSÉ  -  Foi embora. Depois vocês conversam.  Vamos cuidar de D. Consuelo. Ela precisa muito de você, Samuca.

CONSUELO PISCOU UM OLHO E FINGIU DESFALECER.

SAMUCA  -  (correu para a porta) Joaninha! Joana!

CORTA PARA:

CENA  10  -  APART-HOTEL  -  CORREDOR  -  INT.  -  DIA.

SAMUCA ALCANÇOU JOANINHA NA PORTA DO ELEVADOR.

SAMUCA  -  Joana, espere! Ia embora sem falar comigo!...

JOANINHA  -  (encarou-o, indignada) Quer saber, Samuca? Eu disse à velha que ia lutar por você, mas, pensando bem, você não me merece! Não vou mais perder meu tempo com você! Desisto! Não me procure nunca mais! Adeus!

DITO ISTO, A JOVEM ENTROU NO ELEVADOR E FECHOU A PORTA NA CARA DE SAMUCA, QUE FICOU PARADO ALGUNS INSTANTES E VOLTOU PARA O APARTAMENTO, CABISBAIXO.

CORTA PARA:

CENA 10  -  TRIBUNAL -  SALA DO JÚRI  -  INT.  -  DIA.


O PORTEIRO ESTAVA SENTADO NO BANCO DAS TESTEMUNHAS.

PROMOTOR  -  Seu Jesuíno, o senhor conhece a acusada aqui presente?

JESUÍNO  -  (olhou de relance para Jurema e voltou a cabeça para o Promotor) Conheço, sim senhor, conheço muito. Ela mora no prédio onde eu trabalho.

PROMOTOR  -  Pois muito bem, seu Jesuíno. Conte-nos o que viu na noite de 3 para 4 de maio.

JESUÍNO  -  ... ela chegou em casa eram duas horas... estou certo disso porque ela me perguntou... subiu, mas me pediu para ir com ela, pois a fechadura tava meio enguiçada... Eu fui e abri a porta.

PROMOTOR  -  Onde a acusada guardava a chave?
       
JESUÍNO  -  Na bolsa; e dentro da bolsa tinha um revólver.

O PROMOTOR APANHOU O REVÓLVER DE RICARDINHO.

PROMOTOR  -  Seria este, por acaso?

JESUÍNO  -  Parece que é... não posso garantir.

ENTRE OS ASSISTENTES, ARAKEN OLHOU PARA JUREMA, PREOCUPADO, E EM SEGUIDA, PARA NELSON MOTA, SENTADO A SEU LADO.

ARAKEN  -  A coisa ficou feia pro lado dela, agora...

JESUÍNO  -  ... D. Jurema e seu Ricardinho brigavam constantemente... e da última vez que eu fui falar com ela, atendendo à reclamação dos moradores, soube que ele estava amarrado em outra... que por isso, um dia inda acabava fazendo uma desgraça.

CORTA PARA:

CENA  11  -  TRIBUNAL DO JÚRI  -  HALL – INT.  -  DIA / REDAÇÃO DA “FOLHA DO RIO”  -  INT.  -  DIA.


NELSON MOTA, AO CELULAR, FALAVA COM A REDAÇÃO DO SEU JORNAL.

NELSON MOTA  -  Olha, Gouveia, eu acho que a coisa tá mal parada pra Jurema. Pode ser que a defesa consiga virar o jogo, mas vai ser difícil. O Promotor mandou uma lenha que vou te contar!...

GOUVEIA NETO  -  (do outro lado da linha) Você acha que é certa, então, a condenação?

NELSON MOTA  -  Bem, certa não é. Mas o testemunho do porteiro do edifício foi arrasador. Em todo caso, tem muita água pra rolar.

GOUVEIA  NETO  -  Valeu, Nelson, muito obrigado por me manter informado. (virou-se para o chefe da oficina, parado à sua frente, e deu a ordem) Olha, Euclides, vamos preparar duas manchetes. Uma – “Condenada a Fera de Ipanema”; outra – “Absolvida Jurema de Alencar”. Conforme seja o resultado, tacamos uma ou outra.

CORTA PARA:

CENA  12  -  TRIBUNAL  -  SALA DO JÚRI  -  INT.  -  DIA.

O PROMOTOR TERMINAVA O SEU LIBELO.

PROMOTOR  -  ... acho que não preciso acrescentar muita coisa para vos esclarecer a respeito desse crime... Tantas foram as contradições em que caiu a acusada, que seu álibi ruiu como um castelo de cartas... Estamos, senhores do Conselho de Sentença, diante de um crime friamente premeditado... Esse ar de espanto, essas lágrimas... denunciam a atriz profissional que ela é... embora,
no palco, sempre seja uma canastrona, aqui, neste tribunal, não terá certamente o seu dia de glória!

NO BANCO DOS RÉUS, LÁGRIMAS DE TRISTEZA E HUMILHAÇÃO ROLAVAM, TEIMOSAS, DOS OLHOS DE JUREMA DE ALENCAR.

FIM DO CAPÍTULO 52

e no próximo capítulo...

*** Renatão,Vítor e Ricardinho são interrogados no tribunal.

***   A repercussão do resultado do julgamento.


NÃO PERCA O CAPÍTULO 53 DE



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