quinta-feira, 31 de maio de 2012

ASSIM NA TERRA COMO NO CÉU - Capítulo 53

Novela de Toni Figueira
Inspirada na Obra de Dias Gomes


CAPÍTULO 53

Personagens deste capítulo:

VÍTOR
HELÔ
RENATÃO
SAMUCA
RICARDINHO
D. CONSUELO
DOM JOSÉ
JOANINHA
D. CONSUELO
RODOLFO AUGUSTO
JUREMA
JUIZ
PROMOTOR

CENA 01  -  TRIBUNAL  -  SALA DAS TESTEMUNHAS DE DEFESA  -  INT.  -  DIA.

RICARDINHO ANDAVA, NERVOSO, FUMANDO, DE UM LADO PARA O OUTRO.

RICARDINHO  -  Se dentro de quinze minutos não vierem me chamar, eu saio por essa porta e caio fora!

RENATÃO  -  (advertiu) Vão lhe buscar, preso.

RICARDINHO  -  Pôxa, parece que estão fazendo de propósito, pra encher a gente!

OFICIAL DE JUSTIÇA  -  (entrando na sala) Sr. Renato Itararé de Souza, queira ter a bondade de me acompanhar.

CORTA PARA:

CENA 02  -  TRIBUNAL  -  SALA DO JÚRI  -  INT.  -  DIA.
RENATÃO JÁ SE ACHAVA SENTADO E SOB JURAMENTO, QUANDO O ADVOGADO DE DEFESA FEZ A PRIMEIRA PERGUNTA.

ADVOGADO DE DEFESA  -  A testemunha conheceu a vítima?

RENATÃO  -  Sim. Conhecia Nívea da praia, do Castelinho, do “Garota de Ipanema”, de uma porção de lugares. Ela andava com uma turma muito minha amiga. Levava a vida de toda garota de Ipanema. Quer dizer, Ipanema tem garotas de todo tipo. Recatadas, tipo família, avançadinhas e... aquelas que o Meritíssimo sabe.

ADVOGADO DE DEFESA  -  Entre estes três tipos, em qual classificaria a vítima, Nívea Louzada?

RENATÃO  -  Bem, ela estava querendo entrar para a turma das avançadinhas. Isto é, garotas de boas família que procuram se libertar da educação tradicional. Liberdade de ser e de fazer o que bem entender. Quase sempre elas não estão preparadas para essa liberdade e... se estrepam.

ADVOGADO DE DEFESA  -  O senhor acha que Nívea se estrepou?

RENATÃO  -  Acho. Se bem que, mesmo que ela fizesse tudo isso, era assim como um peixe fora d’água. O senhor entende, ela era do Rio Comprido... e o Rio Comprido é outro país... não dava pé!

ADVOGADO DE DEFESA  -  Então, Nívea não era também esse anjo de pureza que se diz por aí...

RENATÃO  -  (sorriu) Isso é invenção da imprensa, pra vender jornal.

ENTRE OS ASSISTENTES, EMILIANO BALANÇOU A CABEÇA, CHOCADO.

EMILIANO  -  Canalha! Esse sujeito quer enlamear a memória da minha filha!...

AO SEU LADO, ARAKEN FEZ UM SINAL, PEDINDO CALMA.

ADVOGADO DE DEFESA  -  Nívea tinha muitos namorados?

RENATÃO  -  Eu só conheci Ricardinho e depois o padre, com quem ela ia casar. Mas Ricardinho é da turma da pesada e ela andou fazendo umas experiências meio arriscadas com essa turma. O senhor me entende...

PROMOTOR  -  (reagiu, levantando-se) Protesto! A defesa está pretendendo enlamear a memória de uma santa!

VOZERIO NA ASSISTENCIA, EMILIANO ESTAVA INDIGNADO.

EMILIANO  -  Cafajeste! Esse sujeito não vale nada!

O JUIZ TOCOU A CAMPAINHA EM MEIO AO BURBURINHO.

JUIZ  -  Silêncio! Silêncio no auditório!

ADVOGADO DE DEFESA  -  (continuou o interrogatório) Senhor Renato Itararé de Souza, fale sobre as fotos que o senhor teria negociado com uma cadeia de revistas!

RENATÃO  -  (balançou a cabeça) É verdade. Ela recebeu 25 mil reais por essas fotos.

O ADVOGADO APANHOU UMA REVISTA JÁ DOBRADA NA PÁGINA QUE INTERESSAVA E MOSTROU AO PLAYBOY.

ADVOGADO DE DEFESA  -  Confirma terem sido estas as fotos negociadas pelo senhor com a vítima?

RENATÃO  -  Confirmo.

CORTA PARA:

CENA  3  -  TRIBUNAL  -  SALA DAS TESTEMUNHAS DE DEFESA.  -  INT.  -  DIA.

RICARDINHO, SÒZINHO NA SALA, ESTAVA UMA PILHA DE NERVOS, QUANDO O OFICIAL DE JUSTIÇA ENTROU.

OFICIAL DE JUSTIÇA  -  Senhor Ricardo Miranda, acompanhe-me, por favor.

RICARDINHO  -  (aliviado) Finalmente! Não tou aguentando mais isso aqui!

CORTA PARA:

CENA  4  -  TRIBUNAL  -   SALA DO JÚRI  -  INT.  -  DIA.


ADVOGADO DE DEFESA  -  Senhor Ricardo Miranda, quais são suas relações com a acusada, Jurema de Alencar?     

RICARDINHO  -  (lembrou-se da recomendação do advogado) Somos namorados.

ADVOGADO DE DEFESA  -  Há quanto tempo?

RICARDINHO  -  Uma pá de tempo... uns quatro ou cinco anos.

ADVOGADO DE DEFESA  -  O senhor pretende casar-se  com ela?

RICARDINHO  -  Casar com ela? Não, nunca pensei nisso. Nós nos curtimos, só isso...

ADVOGADO DE DEFESA  -  Durante esses quatro ou cinco anos, o senhor sempre foi fiel a ela?

RICARDINHO  -  Não. Tive uns galhos. Quem é que não tem?

ADVOGADO DE DEFESA  -  E D. Jurema sabia desses “galhos”?

RICARDINHO  -  Às vezes Jurema descobria, brigava, mas acabava entendendo que a gente não podia ficar amarrado a vida toda. Tinha que variar, ir em frente. Ela sabia que comigo tem que ser assim. A vida é parada...

OUVIRAM-SE MURMÚRIOS NO AUDITÓRIO. “INCRÍVEL!”” “QUE SUJEITO!”

JUIZ  -  (tocou a campainha)  Peço à testemunha para evitar termos de gíria.

RICARDINHO  -  Eu falei “parada”. É nome feio?

FOI A VEZ DO PROMOTOR INTERROGAR RICARDINHO.

PROMOTOR  -  A acusada declarou, diante deste tribunal, que   na   noite   do  crime,  telefonou  para  a  vítima,  pretendendo  encontrar-se com ela para uma explicação definitiva. Isto prova que a testemunha mentiu, quando afirmou que ela sabia do rompimento!

O ÍMPETO ACUSADOR DO PROMOTOR BALANÇOU RICARDINHO.

RICARDINHO  -  Ela disse isso, é? Ela é muito burra, como sempre.

PROMOTOR  -  Portanto, senhores, Jurema não sabia que a testemunha havia rompido com Nívea, nem que esta ia casar-se com o padre Vítor. E por isso, matou-a.

VOZERIO NO AUDITÓRIO. O JUIZ BATEU O MARTELO.

JUIZ  -  Silêncio!

PROMOTOR  -  A testemunha acabou de afirmar, quando inquirida pelo meu colega de defesa, que a acusada encara com naturalidade o fato dele namorar outras garotas. No entanto, o porteiro do prédio recebeu várias reclamações de vizinhos da acusada, que se queixavam de brigas, agressões físicas. (fez uma pausa) Pelo menos uma dessas brigas, segundo o testemunho do porteiro, teve como motivo Nívea Louzada. O senhor confirma isso?

RICARDINHO  -  (hesitou um momento) Sim... confirmo. Discuti com ela uma vez e perdi a paciência, chegando a dar-lhe uns trancos...

PROMOTOR  -  Porque ela não se conformava com a sua aventura? Ou porque o senhor ameaçou abandoná-la?

RICARDINHO  -  (tornou a hesitar) Isso é coisa que a gente diz na hora da discussão, o senhor sabe...

PROMOTOR  -  (apontou para ele, agressivamente) Sei, sim; você ameaçou abandoná-la, confessou que estava apaixonado por Nívea, e ela então decidiu matá-la. Foi ou não foi?
 
RICARDINHO  -  (suava em bicas)  Eu... não, eu não disse... não disse nada disso... corta essa... qual é...

PROMOTOR  -  A Promotoria não tem mais perguntas a fazer.

JUIZ  -  A testemunha está dispensada.

RICARDINHO TROCOU UM OLHAR COM JUREMA E SAIU.

NO AUDITÓRIO, ARAKEN BALANÇOU A CABEÇA, DESOLADO. A SEU LADO, AGORA ESTAVA LEOPOLDO.

ARAKEN  -  Ele se saiu muito mal... muito mal.

LEOPOLDO  -  De fato. O Promotor conseguiu fazer ele ficar nervoso.

CORTA PARA:

CENA 5  -  TRIBUNAL  -  SALA DO JÚRI  -  INT.  -  DIA.         

ADVOGADO DE DEFESA  -  O senhor foi padre?

VÍTOR  -  Ainda sou. Não perdi minha condição de padre, embora tenha revertido ao estado de leigo.

ADVOGADO DE DEFESA  -  Padre Vítor, depois que a acusada foi presa, o senhor foi duas vezes visitá-la na prisão. Por quê?

VÍTOR  -  A primeira vez porque ela me pediu. A segunda, porque senti necessidade de vê-la novamente... porque acredito na sua inocência.

VOZERIO NA ASSISTENCIA. TODOS OS ASSISTENTES COMENTAVAM ENTRE SI.

ADVOGADO DE DEFESA  -  Por favor, Padre, conte-nos tudo o que sabe...

VÍTOR CONTOU-LHES TUDO O QUE SABIA – OU PENSAVA SABER.

CORTA PARA:

CENA 6  -  TRIBUNAL  -  SALA DO JÚRI  -  INT.  -  NOITE.


JÁ ERA NOITE QUANDO O PROMOTOR TERMINOU A RÉPLICA, O DEDO APONTADO PARA JUREMA.

PROMOTOR  -  ... e diante das evidências, peço para Jurema de Alencar a pena máxima!

A DEFESA TREPLICOU.

ADVOGADO DE DEFESA  -  ... nenhuma prova concludente, somente suposições, raciocínios subjetivos, foi o que apontou o Ministério Público contra a acusada, durante essas onze horas. E quanto mais se esforçou para incriminá-la, mais deixou clara, cristalina, a sua inocência. Senhores jurados, espero que julgueis estritamente dentro dos autos e das provas. Tenho dito.

O JUIZ LEVANTOU-SE. OS JURADOS TAMBÉM. OS SOLDADOS CONDUZIRAM JUREMA PARA FORA DO RECINTO. AO PASSAR, ELA TROCOU UM OLHAR COM LEOPOLDO, QUE FEZ UM GESTO, ANIMANDO-A.

ARAKEN  -  Agora, tudo depende dos jurados.

LEOPOLDO  -  São sete pessoas de bem, honestas, imparciais, não são?

ARAKEN  -  Esperamos que sim.

LEOPOLDO  -  (consultou o relógio de pulso) Infelizmente, não posso aguardar o resultado. Tenho que correr pro teatro, tenho peça ás nove da noite. Vou ter que saber o resultado pelo rádio.

LEOPOLDO LEVANTOU-SE E SAIU.

CENA  7  -  TRIBUNAL  -  SALA DO JÚRI  -  INT.  -  NOITE.

OS JURADOS RETORNARAM À SALA DO TRIBUNAL DO JÚRI APÓS LONGOS DEBATES ENTRE SI. IA SER LIDA A SENTENÇA. OS ASSISTENTES REOCUPARAM TAMBÉM OS SEUS  LUGARES.  DOIS  SOLDADOS ENTRARAM NO RECINTO CONDUZINDO A RÉ. O JUIZ LEVANTOU-SE, LEU O VEREDICTO PARA SI; DEPOIS, PROCEDEU COM A FORMALIDADE NORMAL.

JUIZ  -  Assim, de acordo com as respostas dos senhores jurados aos quesitos formulados, declaro a ré culpada!

JUREMA ESTREMECEU.

BURBURINHO NO AUDITÓRIO.

JUIZ  -  E de acordo com o artigo 121 do Código Penal, condeno-a a 14 anos de reclusão.

CORTA PARA:

CENA  8  -  APARTAMENTO DE HELÔ  -  QUARTO  -  INT.  -  NOITE.


VÍTOR ACABOU DE VER, PELA TV, A CONDENAÇÃO. HELÔ ESTAVA PARADA NA PORTA DO QUARTO.

HELÔ  -  Ela foi condenada?

VÍTOR  -  Foi (murmurou, ainda chocado) 14 anos de prisão.

HELÔ  -  (também chocada) Eles não foram muito rigorosos?

VÍTOR BALANÇOU A CABEÇA, REVOLTADO.

VÍTOR  -  Isso não importa! O que importa é que ela está inocente!

HELÔ  -  (balbuciou) 14 anos...

CORTA PARA:

CENA 9  -  TEATRO VILA-LOBOS  -  CAMARIM DE LEOPOLDO REIS  -  INT.  -  NOITE.


LEOPOLDO, SENTADO DIANTE DO ESPELHO, JÁ MAQUIADO PARA ENTRAR EM CENA, ACABOU TAMBÉM DE OUVIR PELO RADINHO DE PILHA.

LEOPOLDO  -  14 anos...

A VOZ DO EMPRESÁRIO FÊZ-SE OUVIR POR TRÁS DELE, QUE ESTAVA DEBRUÇADO SOBRE A MESA.

EMPRESÁRIO  -  Leopoldo! O contra-regra está esperando por você pra subir o pano.

LEOPOLDO  ERGUEU O ROSTO, ARRASADO.

EMPRESÁRIO  -  Que houve?

LEOPOLDO  -  Ela foi condenada!

LEOPOLDO DESLIGOU O RÁDIO. O EMPRESÁRIO BALANÇOU A CABEÇA E POUSOU A MÃO NO OMBRO DO HOMEM DIANTE DO ESPELHO.

EMPRESÁRIO  -  Pobre Jurema, nunca teve sorte, sempre deu azar. É muito chato, principalmente por ela ser uma atriz. Vai repercutir mal na classe...

LEOPOLDO ESBOÇOU UM SORRISO SARCÁSTICO E AMARGO, PROCURANDO SOBREPOR-SE AOS SEUS SENTIMENTOS.

EMPRESÁRIO  -  Muito chato, mas você tem que entrar em cena. Aconteça o que acontecer, o show não pode parar.

LEOPOLDO LEVANTOU-SE VAGAROSAMENTE, APRUMOU-SE E SAIU DO CAMAROTE.     

LEOPOLDO  -  É fato... mesmo com o coração em pedaços, o show não pode parar... 

FIM DO CAPÍTULO 53

...E NO PRÓXIMO CAPÍTULO...

*** a repercussão da condenação de Jurema de Alencar na "República de Ipanema".

*** Leopoldo e Ricardinho brigam seriamente por causa de Jurema.

***D. Consuelo vai vai Banco Oliveira Ramos fazer empréstimo de vultosa soma, para comprar uma mansão e carros.

NÃO PERCA O CAPÍTULO 54 DE



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