domingo, 29 de junho de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 25


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 25

Participam deste capítulo

Cyro – Tarcísio Meira
Ester  -  Gloria Menezes
Otto Muller  -  Jardel Filho
Pé-na-Cova  -  Antonio Pitanga
Lia  -  Arlete Salles
Coice de Mula/Valter Carpinelli  -  Dary Reis
Cesário  -  Carlos Eduardo Dolabella

CENA 1  -  MANSÃO DE OTTO MULLER  -  QUARTO SECRETO DE OTTO  -  INTERIOR  -  DIA

OTTO ABRIU A PORTA TRABALHADA DE SEU APOSENTO SECRETO PARA COICE DE MULA E CESÁRIO.

OTTO  -  Entrem, não tenham acanhamento.

OS HOMENS ENTRARAM MEIO SEM JEITO, CHOCADOS COM A DECORAÇÃO EXCITANTE E EXCESSIVA QUE SE VIA POR TODOS OS LADOS. A UM CANTO, UM MODERNO APARELHO DE GINÁSTICA, COM BARRAS E HALTERES, ALÉM DE UM MAPA COM ORIENTAÇÃO PARA DIVERSOS TIPOS DE EXERCÍCIOS FÍSICOS.

UM POSTER DO ALEMÃO COBRIA UM BOM PEDAÇO DA PAREDE. NUMA ESTANTE, TOMANDO TODA A LARGURA DA PAREDE, DEZENAS DE SAPATOS DE MULHER. UMA SINGULARIDADE CHAMOU A ATENÇÃO DOS VISITANTES: APENAS UM PÉ DE CADA.

FOTOS DE MULHERES NUAS, EM DIVERSAS POSIÇÕES ERÓTICAS. REVISTAS PORNOGRÁFICAS. NO MÓVEL PRÓXIMO À JANELA, UM BAR EMBUTIDO. NO FUNDO, UM DIVÃ DE COURO ACOLCHOADO.

CESÁRIO E COICE DE MULA ASSOBIARAM ESTUPEFATOS.

OTTO  -  Trouxe vocês para o meu quarto secreto... porque o assunto que temos a conversar também é muito secreto (verificou o assombro dos homens) Olhem, olhem tudo sem receio. Este aqui é o quarto de um homem com H maiúsculo. (riu com vontade e deslocou-se até o bar) Que é que vocês querem beber?

COICE DE MULA  -  Eu, nada, patrão. De manhã cedo não bebo.

OTTO  -  (apontou o dedo para Cesário) E você?

CESÁRIO  -  Bem... eu nunca rejeito.

OTTO  -  Aqui tenho coisas interessantes... interessantíssimas, (em tom de gozação) mas não vou desencabular dois homens honestos.

CESÁRIO  -  (engoliu a bebida num só gole) Eu também sou homem pra burro, patrão.

OTTO  -  Você é dos meus. Garanto que você também coleciona suas conquistas femininas!

CESÁRIO  -  (espantou-se) Coleção?

OTTO  -  É. Quantas mulheres você já teve?

CESÁRIO  -  (riu, convencido) Chi! Acho que já perdi a conta!

OTTO MOSTROU A ESTANTE DE SAPATOS. DEU ALGUNS PASSOS ATÉ ELA PARA RETIRAR ALGUNS MODELOS NUMERADOS E COM NOME DE IDENTIFICAÇÃO.

OTTO  -  Olhem para isto. Coleciono sapatinhos de mulher... desde os 20 anos. Cada mulher... um sapato. Vejam (mostrou os objetos com orgulho) Este aqui pertenceu a uma francesa (era um sapatinho verde de camurça) Foi quando estive em Paris. Tenho uma queda por pé de mulher! (pegou outro sapato marron, de fivela dourada) Este é de uma brasileira mesmo. De São Paulo. Este outro... de uma carioquinha. As cariocas são mulheres sensacionais. Sabem de tudo. Fomos jantar. Depois a uma boate... quando entramos no carro... estava sem o sapato. Fez um escândalo dos diabos, mas teve que ir para casa descalça de um pé.. Bem. Sentem-se. Agora, vamos tratar de negócios.

OS DOIS MINEIROS ACOMODARAM-SE E OTTO MULLER AJEITOU-SE NO DIVÃ DE COURO.

CORTA PARA:

CENA 2  -  HOTEL CENTRAL  -  APARTAMENTO DE CYRO  -  SALA  -  INTERIOR  -  DIA

PÉ-NA-COVA ESPERAVA CYRO AGONIADO. TRAZIA UM RECADO DE INÊS.

O MÉDICO CONVIDOU O RAPAZ A SENTAR-SE. MANDOU VIR UM CAFÉ PARA AMBOS.

CYRO  -  Como está ela?

PÉ-NA-COVA  -  Tive lá na casa dela cedo, hoje. Tava melhor, mas ainda de cama. Então, ela me disse: Luca... se tu não trabalha hoje, quer me fazê um favô de dá um recado pro Doutô Cyro, que eu preciso vê ele de novo?

CYRO  -  Eu ia mesmo dar um pulo até a casa de Mestre Jonas!

PÉ-NA-COVA  -  A mocinha parece muito aperreada! (bebeu o café e despediu-se) Até mais tarde, doutô!

CYRO ABRAÇOU-O E O NEGRO TOMOU O RUMO DE PORTO AZUL.

O TELEFONE TOCOU NA SALA. O MÉDICO FECHOU A PORTA E RETIROU O FONE DO GANCHO.

CYRO  -  Sim. É Cyro. Quem?

ESTER  -  Sou eu, Ester. Preciso muito falar com você. Hoje, imediatamente, se for possível.

ENQUANTO A MULHER ACERTAVA O LOCAL E A HORA DO ENCONTRO, LIA ACOMPANHAVA O DIÁLOGO PELA EXTENSÃO DO ANDAR TÉRREO.

CYRO  -  Diga!

ESTER  -  Você conhece, na Estrada da Praia, o restaurante “Porto Azul”? Estarei lá, dentro de uma hora.

CYRO  -  Irei, pode esperar. Mas, houve alguma coisa?

ESTER  -  Depois conversaremos.

ESTER APRESSOU-SE EM DESLIGAR, PREOCUPADA COM A PRESENÇA DE PESSOAS NA CASA.

CORTA PARA:
Ester (Gloria Menezes) e Cyro (Tarcísio Meira)

CENA 3  -  MANSÃO DE OTTO MULLER  -  QUARTO SECRETO DE OTTO  -  INTERIOR  -  DIA

O RELÓGIO MARCAVA UMA HORA E 15. HÁ 45 MINUTOS O SUPERINTENDENTE MANTINHA A ENTREVISTA SECRETA COM SEUS SUBORDINADOS. E JÁ COMEÇAVA A SE MOSTRAR IRRITADO.

OTTO  -  Eu lhe fiz uma pergunta. Há meia hora que me enrola sem dizer coisa alguma!

CESÁRIO  -  É que eu não tenho nada pra dizer... patrão.

OTTO  -  (voltou-se para o capataz) Carpinelli, você me disse que este homem era de inteira confiança.

COICE DE MULA  -  E é de inteira confiança, patrão!
   
OTTO  -  Mas parece que ele está do lado dos meus empregados. Ele não diz nada contra eles! Não acredito que aquela cambada seja um bando de anjos! Eles tramam contra mim. Eles me odeiam.

COICE DE MULA  -  (cutucou o companheiro nas costelas) Cesário, se manca... resolve, vá!

CESÁRIO  -  Eu... eu prefiro não dizer nada!

OTTO  -  Mas estamos te pagando para espionar.

CESÁRIO  -  Repito que prefiro sair desse negócio...

OTTO  -  Não vai sair. Agora não pode mais! Vamos lá, desembuche e diga o que os empregados pensam de mim!

CESÁRIO  -  Bem... eles... odeiam o senhor!

OTTO  -  (sorriu, satisfeito) Ah, eu tinha certeza! Continue!

CESÁRIO  -  Principalmente... os negros.  
    
OTTO  -  Animais!

CESÁRIO  -  Eles se queixam muito... de que o patrão odeia a raça deles!

OTTO  -  E o que tramam contra mim?

CESÁRIO  -  Nada. Só ouvi uma conversa... Um dos negros me disse que, se dessem queixa de sua perseguição às autoridades, o senhor tava mal arranjado. Tem uma tal de lei Afonso Arinos que protege os negros.

OTTO  -  (esmurrou a mesinha à sua frente, tremendo de ódio) Eu sabia! Sabia que esses negros sujos estavam revoltados e que tramavam qualquer coisa contra minha pessoa. Estão vendo? Querem dar queixa às autoridades! São uns mal-agradecidos!

COICE DE MULA  -  E o que mais, Cesário?

CESÁRIO  -  Numa conversa que ouvi, eles disseram só isto.

COICE DE MULA  -  Que providência... o senhor quer que a gente tome?

O ALEMÃO PENSOU UM POUCO, PASSEANDO COMO UM TIGRE ENJAULADO NO INTERIOR DO QUARTO.

OTTO  -  Comprometa os revoltados. Entendeu? Nenhum deles é santo. Eu os conheço bem. Force um flagrante de qualquer coisa. E teremos todos eles nas mãos. Quero ver se queixarem de mim. Quero ver terem coragem de deixar as minhas minas, pra trabalhar noutro lugar. Quero ver se outra companhia dá emprego... pra ladrões!

FIM DO CAPÍTULO 25


... e na próxima quinta, o 26. capítulo! 



quinta-feira, 26 de junho de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 24


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 24

Participam deste capítulo

Cyro – Tarcísio Meira
Baby Liberato  - Claudio Cavalcanti
Comendador Liberato  -  Macedo Neto
Mestre Jonas  -  Gilberto Martinho
Daniel  -  Paulo Araújo
Rosa  -  Ana Ariel
Cesário  -  Carlos Eduardo Dolabela
Inês  -  Betty Faria

CENA 1  -  PALACETE DO COMENDADOR LIBERATO  -  SALA  -  INTERIOR  -  NOITE

O FOCO DE LUZ CAÍA EM CHEIO SOBRE O LIVRO. O COMENDADOR LIBERATO DESVIOU, UM POUCO, O CONE DE LUZ PARA O LADO ENQUANTO TIRAVA OS ÓCULOS. BABY ACABARA DE CHEGAR. A EXPRESSÃO ANGUSTIADA NÃO PASSOU DESPERCEBIDA AO PAI.

BABY  -  A honra da família está salva! (atirou o paletó em cima do sofá) Dei um fora em regra na moça que podia balançar os alicerces da Grande Companhia de Mineração Novo Mundo.

COMENDADOR LIBERATO  -  Você não fez mais do que sua obrigação.

O VELHO MILIONÁRIO ESTICOU AS PERNAS SOBRE A BANQUETA ACOLCHOADA. DESCANSOU O LIVRO NO COLO. ALEGRAVA-SE COM A NOTÍCIA QUE O FILHO ACABARA DE LHE DAR. O NAMORO COM A FILHA DE UM PESCADOR MISERÁVEL, IRMÃ DE UM DE SEUS MINEIROS, VINHA CAUSANDO ÚLCERAS AO VELHO RICAÇO.

BABY  -  Bem... agora estou pronto para receber a coroa de rei (disse, com azedume) Marque o dia e a hora e me avise, com antecedência.

BABY SUBIU AS ESCADAS, SEGUINDO PARA SEUS APOSENTOS.

ZORAIDA  -  Parece revoltado!

COMENDADOR LIBERATO  -  É um ingrato! Um mal-agradecido! Depois de tudo o que eu fiz por ele!

ZORAIDA  -  O que fez?

COMENDADOR LIBERATO  -  Vou renunciar à presidência da Companhia, não vou? E por que você acha que vou fazer isso? Para dar a ele um novo sentido na vida. Para que crie juízo, assumindo uma responsabilidade dessa natureza. Para que mude de vida, deixe de ser um inconsequente...

O VELHO COMENDADOR PÔS A MÃO CONTRA O PEITO, FORÇANDO A RESPIRAÇÃO QUE SE NEGAVA A ENTRAR EM RITMO NORMAL.

CORTA PARA:

CENA 2  -  PORTO AZUL  -  PRAIA BONITA  -  EXTERIOR  -  NOITE

HAVIA HORAS QUE MESTRE JONAS, DANIEL E ROSA, COM AJUDA DE PÉ-NA-COVA, BUSCAVAM LOCALIZAR INÊS. O NEGRO CORRERA À CHOUPANA DO VELHO PESCADOR MINUTOS APÓS A MOÇA TER-SE LANÇADO ÀS ONDAS REVÔLTAS A BORDO DO PEQUENO BARCO. APESAR DE TODOS OS ESFORÇOS E DO CONHECIMENTO QUE POSSUÍA DA REGIÃO, MESTRE JONAS REGRESSARA À PRAIA DESOLADO. NADA. NEM SINAL DA FILHA. O DESESPERO JÁ SE TINHA APOSSADO DA FAMÍLIA E DOS AMIGOS. DEZENAS DE BARCOS HAVIAM-SE LANÇADO À NOITE ESCURA, BATENDO OS RECANTOS PERIGOSOS, JUNTO ÀS ROCHAS, AOS SOPÉS DO LITORAL.

CORTA PARA:

CENA 3  -  PORTO AZUL  -  PRAIA BONITA  -  CHOUPANA DE MESTRE JONAS  -  INTERIOR  -  NOITE

ROSA CHORAVA DESOLADA, À ESPERA DO MARIDO E DO FILHO. APENAS A NEGRA GERALDINA LHE FAZIA COMPANHIA, PITANDO O CACHIMBO, TRANQUILA. ROSA OUVIU VOZES. COMO SE DEZENAS DE PESSOAS ESTIVESSEM SE APROXIMANDO DO SEU CASEBRE.

JONAS ENTROU E ACHEGOU-SE À MULHER. VINHA SUJO DE AREIA E ENCHARCADO DE ÁGUA SALGADA.

MESTRE JONAS  -  Tou pedindo proteção a Deus, mulhé!

ROSA  -  Quero só vê se teus guia vão fazê voltá a nossa filha! Se Doutô Cyro for mesmo quem tu diz que ele é... pede prêle trazê de volta a nossa menina! Quero vê, Jona, se ele pode fazê alguma coisa!

MESTRE JONAS ENCAROU A MULHER, SÉRIO. A PEQUENA MULTIDÃO OUVIA EM SILENCIO. APENAS O RISO IRÔNICO DE CESÁRIO QUEBROU A SERIEDADE DO MOMENTO. O VENTO ASSOBIAVA E O MAR RUGIA. JONAS VIROU-SE PARA O OCEANO E OROU POR ALGUNS MINUTOS.

CESÁRIO  -  (gozou a situação) Se a moça aparecê e entrar por essa porta (apontou)  eles vão dizê que é milagre.

FOI NESSE EXATO MOMENTO QUE A VOZ, VINDA DO MAR, CHEGOU ATÉ ELES.

VOZ  -  Mestre Jonas! Ajude aqui! Mestre Jonas!

COMO IMPELIDOS PELO VENTO QUE SOPRAVA FORTE, HOMENS E MULHERES CORRERAM PARA A BEIRA-MAR.

MESTRE JONAS  -  (gritou) É o doutô Cyro!

A FIGURA DO MÉDICO SE TORNOU MAIS NÍTIDA.

ROSA  -  (caindo de joelhos na areia) Lá vem ele... com minha filha!

PÉ-NA-COVA E DANIEL SE ENTREOLHARAM. CESÁRIO TINHA OS OLHOS ESBUGALHADOS E O CIGARRO ESQUECIDO A UM CANTO DA BOCA.

CYRO APROXIMOU-SE LENTAMENTE, COM O CORPO DE INÊS NOS BRAÇOS. A CABEÇA, CAÍDA POR SOBRE O BRAÇO DIREITO DO MÉDICO.

CYRO  -  Onde coloco?

ROSA  -  (angustiada, correndo para perto da filha) Tá morta?

CYRO  -  Não... apenas desfalecida.

CORTA PARA:
Inês (Betty Faria) e Baby (Claudio Cavalcanti)

CENA 4  -  CHOUPANA DE MESTRE JONAS  -  QUARTO DE INÊS  -  INTERIOR  -  NOITE

AGORA INÊS ESTAVA DEITADA NA CAMA DE LENÇÓIS LIMPOS E REMENDADOS. A ROUPA FINA SE LHE COLARA AO CORPO MORENO, COMO UMA SEGUNDA PELE.

ROSA  -  (agitada) Vai morrê?

CYRO  -   Não! Fique com ela. Vocês tem álcool por aqui?

MESTRE JONAS  -  Álcool... não... Só tem cachaça.

CYRO  -  Serve. Vá buscar!

CESÁRIO CHEGOU-SE PARA PERTO DO CIRURGIÃO, ENQUANTO MESTRE JONAS LHE ENTREGAVA A GARRAFA DE AGUARDENTE.

CESÁRIO  -  Como foi, doutô... que o senhor achou a moça? Será que a gente tá, de novo, diante de um milagre?

CYRO  -  (pegou a garrafa, molhou as mãos e olhou firme para o mineiro) Por que milagre? Serei Deus?

CESÁRIO  -  Ué? Milagre. O Mestre Jonas tava aqui invocando os guias...

MESTRE JONAS  -  (enérgico) O senhor não tem o direito de falá assim com um home como o doutô Cyro!

CYRO  -  Não. Eu não me aborreço. Mas não sei como alguém pode encarar um fato comum como milagre. Foi apenas uma coincidência. Eu estava por perto e vi a moça pegar o barco. Não foi muito difícil achar outro bote pelas redondezas. Encontrei um e saí nele, perseguindo o dela. (molhou a fronte da moça com a cachaça e esfregou seus pulsos; Inês moveu os cílios) Eu mal enxergava nas ondas fortes... O mar estava escuro como breu. Até que consegui alcançá-la... com muita dificuldade. (encostou o pano embebido junto às narinas da moça) Ela já tinha engolido muita água. Para trazê-la até a margem, tive que lutar muito. Mas Deus nos ajudou!

CESÁRIO  -  (com sarcasmo) Acredita em Deus, doutô?

CYRO  -  (voltou a encará-lo, com frieza) Sim, moço. Eu creio. Não acredito em milagres. Mas creio em Deus! Mas alguma explicação? Ou já está satisfeito?

MESTRE JONAS  -  (cortou o diálogo, emocionado) Não, doutô. Desculpa os home...

ROSA  -  (apontou, nervosa, para o rosto da filha) Doutô... veja os lábio dela... tão ficando roxo, doutô!

O MÉDICO EXAMINOU AS FEIÇÕES DA JOVEM COM AR DE PREOCUPAÇÃO. TOMOU-LHE A PULSAÇÃO.

CYRO  -  A senhora sabe fazer respiração boca a boca?

ROSA  -  Num sei o que é isso, doutô!

CYRO NÃO ENCONTROU OUTRA SOLUÇÃO. DEBRUÇOU-SE SOBRE A MOÇA DESACORDADA, ENTREABRIU-LHE OS LÁBIOS E FEZ CHEGAR O AR AOS PULMÕES. POUCO DEPOIS, INÊS GEMEU FRACAMENTE E COMEÇOU A RESPIRAR FUNDO. A COR LHE VOLTAVA À FACE E OS LÁBIOS AVERMELHAVAM-SE.

ROSA  -  (com as mãos postas) Quero lhe pedir perdão, doutô!

CYRO  -  (espantou-se) Perdão?

ROSA  -  É a segunda vez que o sinhô salva um dos meus filho. E eu duvidei do sinhô!

CYRO  -  (ignorou a observação) Vai voltar a si, já, já! Veja um café bem quente para reanimá-la.

INÊS ABRIU OS OLHOS. OUVIU A VOZ DO MÉDICO.

CYRO  -  Está melhor?

INÊS  -  (balbuciou) Por que... não me deixaram morrê?

ROSA  -  (encostou a cabeça da filha ao colo e deu-lhe o café quente) Foi o doutô Cyro quem te salvô.

INÊS  -  Se espera agradecimento de mim, não vai recebê.

CYRO  -  (levantando-se) Eu não espero agradecimento.

INÊS  -  (deseperada, o pensamento ligado ao homem por quem decidira acabar com a vida) Que espera, então? Por que não vai embora?

CYRO  -  Queria morrer?

INÊS VIROU O ROSTO PARA O CANTO DA PAREDE, NUM GESTO DE RAIVA.

FIM DO CAPÍTULO 24

... e na próxima terça, o 25. capítulo! 




quarta-feira, 25 de junho de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 23


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 23

Participam deste capítulo

Cyro – Tarcísio Meira
Professor Zacarias  -  Arnaldo Weiss
Mestre Jonas  -  Gilberto Martinho
Lia  -  Arlete Salles
André  -  Paulo José
Pé-na-Cova  -  Antonio Pitanga
Baby  -  Claudio Cavalcanti
Inês  -  Betty Faria


CENA 1  -  FLORIANÓPOLIS  -  CENTRO DE ESTUDOS ESPACIAIS  -  INTERIOR  -  DIA

NAS PAREDES MAPAS DO COSMO, COM O SISTEMA SOLAR A CORES E FOTOS DOS PRINCIPAIS PLANETAS – MARTE E VÊNUS EM DESTAQUE, ALÉM DA LUA E DO COMETA HALLEY.

O PROFESSOR ZACARIAS, NUMA MESA RETANGULAR, ERA LADEADO POR ANDRÉ, JONAS, PÉ-NA-COVA E LIA.
PROF. ZACARIAS  -  (deu início à sessão) Bem... meus amigos. Somente Dona Lia talvez não conheça os verdadeiros motivos desta sessão (olhou para a mulher e, num rápido preâmbulo, referiu-se a alguns fatos do passado e à terrível noite de há 31 anos, em Porto Azul) É por isso que estamos aqui. Três de vocês ainda eram crianças, quando receberam aquilo que podemos chamar de comunicação... vinda de um ser extraterreno. (andou até a frente da mesa) Nós, pesquisadores, estamos sempre fazendo perguntas. E a pergunta que eu faço agora é: por que Lia, André, Lucas e Jonas tiveram aquele sonho, visão, comunicação, ou como quiserem chamar? Não pode ter sido por acaso.
MESTRE JONAS  -  (levantou-se e pediu) Se o sinhô me dá licença... eu posso respondê, com toda a certeza que me dá a minha fé. Dr. Cyro é a reencarnação do ente superior que voltou à terra pra cumpri uma missão.
UM SORRISO DE INCREDULIDADE SURGIU NOS LÁBIOS DE ANDRÉ E ZACARIAS.
ANDRÉ  -  O senhor acha isso mesmo?
MESTRE JONAS  -  Acho e tenho certeza. E quem disse, sabe. Mestre Charam, mestre do oriente, meu Guia... Depois que eu tive aquele sonho, fiquei muito tempo sem sabê o que ele significava. Até que um dia, levado por um amigo, fui na tenda que frequento até hoje. Foi lá que Mestre Charam apareceu e escreveu... Explicou que em outra encarnação, tinha sido um mestre do Oriente... depois tinha encarnado num negro escravo, pra se purificar de toda a vaidade... e que agora vinha numa nova missão. Não sei se vocês acreditam... Mas não tenho dúvida sobre a missão que cada um de nós tem a cumpri.
ANDRÉ  -  (irônico) Qual é?
MESTRE JONAS  -  Eu já era home... podia não sê acreditado. Vocês eram crianças. E ninguém duvida da pureza das crianças.
ANDRÉ  -  (esmurrou a mesa) Olha, eu respeito sua crença... mas para mim não é nada disso. Eu vi o lugar onde a nave espacial aterrou. Meu pai me levou pra ver. Já tinham passado muitos meses... e mesmo assim as árvores em volta ainda estavam queimadas e não cresceram mais.
LIA  -  (curiosa) O senhor acha que... que ele veio numa nave espacial?
ANDRÉ  -  Ele não. O ser que...
ZACARIAS  -  (interveio) O pai dele.
ANDRÉ  -  Isso. E a luz que Orjana viu era da astronave.
ZACARIAS  -  E se vocês querem ter a prova definitiva de que essa astronave realmente desceu em Porto Azul, aqui está... (todos os olhares concentraram-se nele, que abriu uma gaveta e mostrou um fragmento de metal desconhecido) Eu recolhi isto no local da aterragem e a análise demonstrou a existência de substancias desconhecidas em nosso planeta.
O PROFESSOR ENTREGOU O FRAGMENTO AO PRIMEIRO ASSISTENTE NA FILA À SUA DIREITA.  VÁRIAS PESSOAS SE PRECIPITARAM A OBSERVAR A PEDRA DE FORMAÇÃO ESQUISITA, PARDACENTA.
ANDRÉ  -  Foi isso... ele veio de outro planeta, de uma civilização muito mais adiantada que a nossa. Aqui, Orjana foi escolhida para ser mãe de uma criança que eles vão dirigir, ou melhor, estão dirigindo de lá, para cumprir uma missão qualquer, que não sei qual é.
PÉ-NA-COVA  -  (olhos arregalados) Qué dizê que o doutô Cyro tá sendo dirigido de outro planeta?

ANDRÉ  -  Isso mesmo. Você não acredita?

PÉ-NA-COVA  -  (pensou por alguns instantes) Eu acho que só uma pessoa pode dirigir a gente, o destino da gente: é Deus, Nosso Sinhô. Pra mim, doutô Cyro é um santo, porque os santos é que vêm a mando de Deus.

ZACARIAS  -  (dirigiu-se a Lia) E a senhora? A senhora ainda não disse nada.

LIA  -  Eu não sei... eu não acredito nem desacredito em tudo o que vocês disseram. Só quero confessar uma coisa muito séria. A única sensação que toda essa história me causa... é de medo.

MESTRE JONAS  -  Medo, Dona? Se ele veio pro bem, a senhora tem medo?

LIA  -  Tenho. Desde que sonhei e era muito criança. Não sei por que tenho medo. Só sei que não queria estar envolvida nisso... e vim aqui... mais pra dizer a vocês todos... que eu quero me desligar de tudo o que se refere ao Dr. Cyro.

ZACARIAS  -  (desapontado) Isso é covardia! Desculpe, mas é covardia. Não há por que ter medo. A missão que ele veio cumprir, a missão que ele trás, é de paz. A civilização de onde ele veio é muito superior à nossa. Tão superior que lá não existe mais maldade. Vocês me entendem?

ZACARIAS FALAVA COMO SE TIVESSE CERTEZA DE QUE CYRO DE FATO ERA UM ENVIADO, E DE QUE O SEU MUNDO FICAVA DISTANTE DALI.

CORTA PARA:
Baby (Claudio Cavalcanti) e Inês (Betty Faria)

CENA 2  -  PORTO AZUL  -  PRAIA BONITA  -  EXTERIOR  -  NOITE

BABY LIBERATO E INÊS SAÍRAM DO CARRO. A MOÇA SENTOU-SE NO ESTRIBO E DESCALÇOU OS SAPATOS, ENTERRANDO OS PÉS NA AREIA BRANCA. BABY FITAVA UM BARCO RÚSTICO, AMARRADO A ALGUNS METROS DA PRAIA.

INÊS AGARROU-O PELO PESCOÇO E PUXOU-O PARA SEU LADO, NA AREIA.

O RAPAZ TINHA A EXPRESSÃO SÉRIA.

INÊS  -  Puxa! Você tá com uma cara tão feia! Que bicho te mordeu?

BABY  -  (sentou-se à força) Não tenho nada. Senta aí e fica calada que é melhor.

INÊS  -  Meu irmão, Daniel, vive fazendo pergunta. Tá querendo sabê quando é que a gente se casa.

BABY OLHOU-A COM UM SORRISO IRÔNICO, LEMBRANDO-SE DO INCIDENTE NO SUBSOLO DA MINA. DANIEL SALVARA-LHE A VIDA, MAS TINHA TENTADO AGREDI-LO, DEPOIS, OBRIGANDO-O A ESMURRÁ-LO VIOLENTAMENTE.

BABY  -  E você, o que disse?

INÊS  -  Disse pra mãe que você tá com boa intenção. Aí ela me perguntô: “como é que tu vai casá com um moço que nem sabe o nome direito! Baby! Baby não é nome de gente! Parece nome de cachorro...”

INÊS RIU GOSTOSAMENTE, PROVOCANDO A IRRITAÇÃO DO NAMORADO. O RAPAZ LEVANTOU-SE, DE CARA AMARRADA. A MOÇA CESSOU DE GARGALHAR E CORREU ATRÁS DELE, ABRAÇANDO-O COM AMOR. PASSOU-LHE O BRAÇO PELO PEITO FORTE.

INÊS  -  Que é que você tem, bem?

BABY  -  (virou-se e beijou-a nos lábios) Nada. Eu nunca tenho nada.(apontou para o bote ancorado à distancia) Podíamos ter ido passear de barco.

INÊS  -  (ignorou a sugestão e perguntou, curiosa) Não me leva a mal, bem... mas como é teu verdadeiro nome?

BABY  -  Leandro.

INÊS  -  Puxa! É mais bonito do que Baby!

BABY  -  Agora veja se cala essa boca!

FECHOU-LHE OS LÁBIOS COM O POLEGAR E O INDICADOR. INÊS TENTOU FALAR, SEM PODER.

DE REPENTE, OS OLHOS DO RAPAZ FITARAM ALGO, MUITO ALÉM. UM VULTO. UMA SILHUETA CONTRA O SOL QUE SE PUNHA.

BABY  -  Olha, bem! Quem será aquele louco? Veja! Lá, naquele penhasco!

BABY APONTAVA A FORMA VAGA, DESENHADA CONTRA O CÉU EM SANGUE. IMÓVEL, CYRO FITAVA O OCEANO, DESLIGADO DO MUNDO.

INÊS  -  Leandro. (abraçou-o) Gosto tanto do teu nome. .. só vou te chamar assim, de agora em diante.

BABY  -  (afastou-a, grosseiro) Não vai haver de agora em diante!

INÊS  -  (estremeceu) Não... vai... havê o quê?

BABY  -  Não vai haver de hoje em diante, droga! É surda? Não ouve? Não vai haver mais de hoje em diante, pronto! Acabou! Entendeu bem? Acabou tudo o que existe entre nós!

INÊS  -  (atônita) Explica bem... por que. Por quê?

BABY  -  (virou-lhe as costas) Problemas... problemas, lá com meu velho. Você não levou muito a sério nosso namoro, não é?

INÊS  -  Eu levei... levei mesmo, viu?

BABY  -  Pois fez mal! Eu te iludi alguma vez? Iludi?

INÊS  -  (se continha para não explodir) Não, mas...

BABY  -  Falei em casamento, falei?

INÊS  -  Nunca.

BABY  -  Então...

INÊS  -  Então... eu pensei, né? Pensei que você... gostava de mim!

BABY  -  (riu nervosamente, fitando-a) E gosto... o que eu não quero é me casar agora, nem nunca, tá? Sinto, no duro que sinto. Você é uma menina bacaninha. De toda garota que eu conheci, você até que era a mais legal. Com toda tua pureza. Mas... eu não presto. A verdade é esta. Não nasci pra namorar bonitinho, só beijinhos. Não nasci pra casar. Nada disso. Sou um homem sem destino, sem nada... Sou vazio.

INÊS  -  (agarrou-lhe o braço, com brutalidade) Leandro! Não faz isso comigo, não faz! Tou te pedindo!

BABY  -  Sou vazio! Ôco! Sabe bem o que é isso? Não me agarro a ninguém! Não consigo, tá? Olha... espera! (Inês o agarrava mais forte ainda, ele esforçava-se para sair, lutando, quase) Espera aí, garota! Tenho um negócio pra te dar!

INÊS  -  Não quero nada, Leandro! Quero você!

BABY CONSEGUIU RETIRAR A CARTEIRA DE NOTAS. PUXOU UM MAÇO. COM UMA DAS MÃOS AFASTOU O CORPO ESGUIO DA NAMORADA.

BABY  -  Olha... tome isso... pra você comprar alguma coisa.

INÊS APERTOU AS MÃOS, CRUZANDO-AS NAS COSTAS, RECUSANDO-SE A ACEITAR O DINHEIRO. LÁGRIMAS ESCORRIAM-LHE PELO ROSTO BELO. O MILIONÁRIO TENTOU COLOCAR O MAÇO ENTRE AS MÃOS CERRADAS. INÊS FEZ QUE NÃO COM A CABEÇA, DESARVORADA. DENTES TRINCADOS.

BABY  -  Aceita, vá... Não quero te ofender. É pra você comprar qualquer coisa.

PERCEBENDO QUE A MOÇA NÃO QUERIA MESMO ACEITAR O DINHEIRO, BABY ATIROU O BOLO DE NOTAS SOBRE A AREIA DA PRAIA.

BABY  -  Olha... fica aí... você pega depois. Eu vou indo... e não me acompanhe, por favor. Não vai adiantar. Eu não posso voltar atrás. Sinto muito... sinto mesmo.

O MOTOR DO CONVERSÍVEL RONCOU NA ESTRADA E O CARRO DESAPARECEU DENTRO DA NOITE.

AJOELHADA, COM A CABEÇA ENTRE AS MÃOS, INÊS FICOU A CHORAR, SOLUÇANDO. POR ENTRE A NÉVOA DAS LÁGRIMAS, VIU O BARCO BALANÇANDO, AO SABOR DAS ONDAS. CORREU ATÉ ELE. DESANCOROU-O. ABRIU A VELA SURRADA, GASTA, E EMBICOU A PROA NA DIREÇÃO DO MAR ALTO. O PEQUENO BOTE SE PERDEU NA ESCURIDÃO DO OCEANO.

FIM DO CAPÍTULO 23


 E NA PRÓXIMA SEXTA, O 24. CAPÍTULO!