domingo, 29 de junho de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 25


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 25

Participam deste capítulo

Cyro – Tarcísio Meira
Ester  -  Gloria Menezes
Otto Muller  -  Jardel Filho
Pé-na-Cova  -  Antonio Pitanga
Lia  -  Arlete Salles
Coice de Mula/Valter Carpinelli  -  Dary Reis
Cesário  -  Carlos Eduardo Dolabella

CENA 1  -  MANSÃO DE OTTO MULLER  -  QUARTO SECRETO DE OTTO  -  INTERIOR  -  DIA

OTTO ABRIU A PORTA TRABALHADA DE SEU APOSENTO SECRETO PARA COICE DE MULA E CESÁRIO.

OTTO  -  Entrem, não tenham acanhamento.

OS HOMENS ENTRARAM MEIO SEM JEITO, CHOCADOS COM A DECORAÇÃO EXCITANTE E EXCESSIVA QUE SE VIA POR TODOS OS LADOS. A UM CANTO, UM MODERNO APARELHO DE GINÁSTICA, COM BARRAS E HALTERES, ALÉM DE UM MAPA COM ORIENTAÇÃO PARA DIVERSOS TIPOS DE EXERCÍCIOS FÍSICOS.

UM POSTER DO ALEMÃO COBRIA UM BOM PEDAÇO DA PAREDE. NUMA ESTANTE, TOMANDO TODA A LARGURA DA PAREDE, DEZENAS DE SAPATOS DE MULHER. UMA SINGULARIDADE CHAMOU A ATENÇÃO DOS VISITANTES: APENAS UM PÉ DE CADA.

FOTOS DE MULHERES NUAS, EM DIVERSAS POSIÇÕES ERÓTICAS. REVISTAS PORNOGRÁFICAS. NO MÓVEL PRÓXIMO À JANELA, UM BAR EMBUTIDO. NO FUNDO, UM DIVÃ DE COURO ACOLCHOADO.

CESÁRIO E COICE DE MULA ASSOBIARAM ESTUPEFATOS.

OTTO  -  Trouxe vocês para o meu quarto secreto... porque o assunto que temos a conversar também é muito secreto (verificou o assombro dos homens) Olhem, olhem tudo sem receio. Este aqui é o quarto de um homem com H maiúsculo. (riu com vontade e deslocou-se até o bar) Que é que vocês querem beber?

COICE DE MULA  -  Eu, nada, patrão. De manhã cedo não bebo.

OTTO  -  (apontou o dedo para Cesário) E você?

CESÁRIO  -  Bem... eu nunca rejeito.

OTTO  -  Aqui tenho coisas interessantes... interessantíssimas, (em tom de gozação) mas não vou desencabular dois homens honestos.

CESÁRIO  -  (engoliu a bebida num só gole) Eu também sou homem pra burro, patrão.

OTTO  -  Você é dos meus. Garanto que você também coleciona suas conquistas femininas!

CESÁRIO  -  (espantou-se) Coleção?

OTTO  -  É. Quantas mulheres você já teve?

CESÁRIO  -  (riu, convencido) Chi! Acho que já perdi a conta!

OTTO MOSTROU A ESTANTE DE SAPATOS. DEU ALGUNS PASSOS ATÉ ELA PARA RETIRAR ALGUNS MODELOS NUMERADOS E COM NOME DE IDENTIFICAÇÃO.

OTTO  -  Olhem para isto. Coleciono sapatinhos de mulher... desde os 20 anos. Cada mulher... um sapato. Vejam (mostrou os objetos com orgulho) Este aqui pertenceu a uma francesa (era um sapatinho verde de camurça) Foi quando estive em Paris. Tenho uma queda por pé de mulher! (pegou outro sapato marron, de fivela dourada) Este é de uma brasileira mesmo. De São Paulo. Este outro... de uma carioquinha. As cariocas são mulheres sensacionais. Sabem de tudo. Fomos jantar. Depois a uma boate... quando entramos no carro... estava sem o sapato. Fez um escândalo dos diabos, mas teve que ir para casa descalça de um pé.. Bem. Sentem-se. Agora, vamos tratar de negócios.

OS DOIS MINEIROS ACOMODARAM-SE E OTTO MULLER AJEITOU-SE NO DIVÃ DE COURO.

CORTA PARA:

CENA 2  -  HOTEL CENTRAL  -  APARTAMENTO DE CYRO  -  SALA  -  INTERIOR  -  DIA

PÉ-NA-COVA ESPERAVA CYRO AGONIADO. TRAZIA UM RECADO DE INÊS.

O MÉDICO CONVIDOU O RAPAZ A SENTAR-SE. MANDOU VIR UM CAFÉ PARA AMBOS.

CYRO  -  Como está ela?

PÉ-NA-COVA  -  Tive lá na casa dela cedo, hoje. Tava melhor, mas ainda de cama. Então, ela me disse: Luca... se tu não trabalha hoje, quer me fazê um favô de dá um recado pro Doutô Cyro, que eu preciso vê ele de novo?

CYRO  -  Eu ia mesmo dar um pulo até a casa de Mestre Jonas!

PÉ-NA-COVA  -  A mocinha parece muito aperreada! (bebeu o café e despediu-se) Até mais tarde, doutô!

CYRO ABRAÇOU-O E O NEGRO TOMOU O RUMO DE PORTO AZUL.

O TELEFONE TOCOU NA SALA. O MÉDICO FECHOU A PORTA E RETIROU O FONE DO GANCHO.

CYRO  -  Sim. É Cyro. Quem?

ESTER  -  Sou eu, Ester. Preciso muito falar com você. Hoje, imediatamente, se for possível.

ENQUANTO A MULHER ACERTAVA O LOCAL E A HORA DO ENCONTRO, LIA ACOMPANHAVA O DIÁLOGO PELA EXTENSÃO DO ANDAR TÉRREO.

CYRO  -  Diga!

ESTER  -  Você conhece, na Estrada da Praia, o restaurante “Porto Azul”? Estarei lá, dentro de uma hora.

CYRO  -  Irei, pode esperar. Mas, houve alguma coisa?

ESTER  -  Depois conversaremos.

ESTER APRESSOU-SE EM DESLIGAR, PREOCUPADA COM A PRESENÇA DE PESSOAS NA CASA.

CORTA PARA:
Ester (Gloria Menezes) e Cyro (Tarcísio Meira)

CENA 3  -  MANSÃO DE OTTO MULLER  -  QUARTO SECRETO DE OTTO  -  INTERIOR  -  DIA

O RELÓGIO MARCAVA UMA HORA E 15. HÁ 45 MINUTOS O SUPERINTENDENTE MANTINHA A ENTREVISTA SECRETA COM SEUS SUBORDINADOS. E JÁ COMEÇAVA A SE MOSTRAR IRRITADO.

OTTO  -  Eu lhe fiz uma pergunta. Há meia hora que me enrola sem dizer coisa alguma!

CESÁRIO  -  É que eu não tenho nada pra dizer... patrão.

OTTO  -  (voltou-se para o capataz) Carpinelli, você me disse que este homem era de inteira confiança.

COICE DE MULA  -  E é de inteira confiança, patrão!
   
OTTO  -  Mas parece que ele está do lado dos meus empregados. Ele não diz nada contra eles! Não acredito que aquela cambada seja um bando de anjos! Eles tramam contra mim. Eles me odeiam.

COICE DE MULA  -  (cutucou o companheiro nas costelas) Cesário, se manca... resolve, vá!

CESÁRIO  -  Eu... eu prefiro não dizer nada!

OTTO  -  Mas estamos te pagando para espionar.

CESÁRIO  -  Repito que prefiro sair desse negócio...

OTTO  -  Não vai sair. Agora não pode mais! Vamos lá, desembuche e diga o que os empregados pensam de mim!

CESÁRIO  -  Bem... eles... odeiam o senhor!

OTTO  -  (sorriu, satisfeito) Ah, eu tinha certeza! Continue!

CESÁRIO  -  Principalmente... os negros.  
    
OTTO  -  Animais!

CESÁRIO  -  Eles se queixam muito... de que o patrão odeia a raça deles!

OTTO  -  E o que tramam contra mim?

CESÁRIO  -  Nada. Só ouvi uma conversa... Um dos negros me disse que, se dessem queixa de sua perseguição às autoridades, o senhor tava mal arranjado. Tem uma tal de lei Afonso Arinos que protege os negros.

OTTO  -  (esmurrou a mesinha à sua frente, tremendo de ódio) Eu sabia! Sabia que esses negros sujos estavam revoltados e que tramavam qualquer coisa contra minha pessoa. Estão vendo? Querem dar queixa às autoridades! São uns mal-agradecidos!

COICE DE MULA  -  E o que mais, Cesário?

CESÁRIO  -  Numa conversa que ouvi, eles disseram só isto.

COICE DE MULA  -  Que providência... o senhor quer que a gente tome?

O ALEMÃO PENSOU UM POUCO, PASSEANDO COMO UM TIGRE ENJAULADO NO INTERIOR DO QUARTO.

OTTO  -  Comprometa os revoltados. Entendeu? Nenhum deles é santo. Eu os conheço bem. Force um flagrante de qualquer coisa. E teremos todos eles nas mãos. Quero ver se queixarem de mim. Quero ver terem coragem de deixar as minhas minas, pra trabalhar noutro lugar. Quero ver se outra companhia dá emprego... pra ladrões!

FIM DO CAPÍTULO 25


... e na próxima quinta, o 26. capítulo! 



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