quinta-feira, 12 de junho de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 18


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira 

CAPÍTULO 18

Participam deste capítulo

Ester  -  Gloria Menezes
Cyro  -  Tarcisio Meira
Inês  -  Betty Faria
Baby  -  Claudio Cavalcanti
Paulus  -  Emiliano Queiroz
Orjana  -  Neusa Amaral
Ricardo  -  Edney Giovenazzi

CENA 1  -  MANSÃO DE OTTO MULLER  -  SALÃO  -  INTERIOR  -  NOITE

NA FESTA DE ANIVERSÁRIO DE OTTO MULLER, BABY CONVERSAVA, AFASTADO, COM O DR. RICARDO. BEBIA UMA DOSE DUPLA DE UÍSQUE, OLHANDO O RELÓGIO A CADA INSTANTE. PENSAVA NA BELA GAROTA À SUA ESPERA DENTRO DO AUTOMÓVEL.

BABY  -  Meu pai quer fazer de mim o presidente da Companhia, quando Otto é o homem talhado para isso.

RICARDO  -  Não acho! Acho sim, que Otto vai lutar com todas as armas e... vai acabar vencendo. Por isso rezo pro seu pai não morrer. Seria um desastre total!

O GARÇOM PASSAVA COM A BANDEJA DE BEBIDAS. BABY RECOLHEU OUTRO COPO DE UÍSQUE.

BABY  -  Então... à saúde do velho! Não nasci pra luta por um cargo, por dinheiro, por uma posição qualquer... Acho idiota tudo isso. Pra mim, ser presidente da Companhia ou não ser nada é exatamente a mesma coisa. Porque só tem sentido na vida a gente não se amarrar a nada... Liberdade! Liberdade!

CORTA PARA:

CENA 2  -  MANSÃO DE OTTO MULLER  -  RUA  -  EXTERIOR  -  NOITE

INÊS TINHA-SE CANSADO DE AGUARDAR O NAMORADO DENTRO DO CARRO E DECIDIRA SAIR UM POUCO. E ATRAÍDA PELA BALBÚRDIA, GENTE, CARROS, LUZES, ACABOU SURGINDO NO PORTA DA MANSÃO, VESTIDA COM SIMPLICIDADE – SANDÁLIAS, BLUSA DE MALHA E UMA SAIA CURTA, RODADA, SEM MEIAS OU QUALQUER TIPO DE JÓIA. NO CABELO APENAS UM ARRANJO SIMPLES, QUE O REUNIA, EM COQUE, ATRÁS DA CABEÇA.

O PORTEIRO BARROU-A À ENTRADA. RICARDO A RECONHECEU DE LONGE, ENQUANTO A MOÇA SE JUSTIFICAVA.

INÊS  -  Tou procurando um rapaz que entrou aqui...

RICARDO  -  (apontou para a porta) Aquela moça... não é possível... parece a filha de um pescador que eu conheço!

BABY  -  (volveu o pescoço e caiu em si) Nossa! Eu esqueci Inês! (depositou o copo no canto de uma pilastra e correu na direção da jovem) Meu bem!

INÊS  -  (de cara amarrada) Você enchendo a cara com essas grã-finas e eu lá dentro do carro feito uma palhaça!

BABY  -  Desculpe, amorzinho. Eu me distraí.

BABY ABRAÇOU-A DIANTE DA CARA ESPANTADA DO PORTEIRO. VÁRIAS PESSOAS OLHAVAM ADMIRADAS A CENA. BABY E A JOVEM, INDIFERENTES A TUDO E A TODOS, DISCUTIAM NA PORTA.

INÊS  -  (zangada) Que é que tão olhando? Será que eu tou com o vestido rasgado?

BABY  -  Vamos embora! Eu já tava mesmo de saída... vamos.

ENTRARAM NO CARRO.

BABY  -  (ligou o carro e engrenava uma primeira) Pra onde é que a gente vai?

INÊS  -  Pra casa.

BABY  -  Já? Puxa! Ainda é cedo!

INÊS  -  Até chegar a Porto Azul já será meia-noite (bateu com a unha no mostrador verde do relógio do carro) Tou dando a desculpa de estudar de noite, mas tenho medo que o pai vá na escola e descubra a mentira.

BABY  -  E daí?

INÊS  -  Daí... ele me mata de pancada. Só.

INÊS ACONCHEGOU-SE AO RAPAZ, AGARRANDO-O PELA CINTURA, AO TEMPO EM QUE ELE A ENVOLVIA COM O BRAÇO DIREITO, PELO OMBRO.

BABY  -  Por quê?

INÊS  -  Se souber que eu tava com você, então! Ele me mata mais depressa...

BABY  -  Não entendi.

INÊS  -  Todo mundo diz que você não presta. Todo mundo sabe que você não namora moça prá casá.

BABY  -  E só quem namora moça pra casar é que presta?

INÊS  -  É.

BABY  -  Quem namora para dar amor, para dar carinho, felicidade... e pra receber amor, carinho e felicidade... não presta?

INÊS  -  (falou, sincera) Não!

BABY  -  Então você também não presta! (concluiu sorrindo e beijando a namorada).

O CARRO SEGUIA EM DISPARADA PELAS RUAS VAZIAS DA CIDADE, ENTREGUE À NOITE.

INÊS  -  (baixou a cabeça) É. Eu também não presto. Só que eu fui iludida.

BABY  -  Iludida? Por quem? Não por mim!

INÊS  -  Não. Por mim mesma. Por um demônio que eu tenho dentro de mim, que me levou até você. E, agora, não tem mais jeito.

BABY FREOU O CARRO COM ESTARDALHAÇO. OS PNEUS RANGENDO NO ASFALTO.

INÊS FOI LANÇADA À FRENTE, MAS O EXÍMIO MOTORISTA NÃO A DEIXOU DESPRENDER-SE DO SEU CORPO. AGARROU-A MAIS FORTEMENTE, COMPRIMINDO OS SEUS LÁBIOS DE ENCONTRO AOS DELA. O BUSTO DA MOÇA ESMAGANDO-SE CONTRA O SEU PEITO.

BABY  -  Demônio bacana!

BEIJAVA-A, ENQUANTO SUAS MÃOS ACARICIAVAM A CONCHA DE UNS SEIOS DUROS E SOLTOS.

CORTA PARA:
Inês (Betty Faria) e Baby (Claudio Cavalcanti)

CENA 2  -  HOTEL CENTRAL  -  APARTAMENTO DE CYRO  - INTERIOR  -  NOITE

CYRO MOSTRAVA-SE IMPACIENTE NO APARTAMENTO DO HOTEL E ORJANA SENTIA A PREOCUPAÇÃO QUE MORTIFICAVA O FILHO. AS CENAS DA LUXUOSA RESIDENCIA AINDA SE MANTINHAM VIVAS EM SUA MEMÓRIA E A VOZ DE ESTER NÃO LHE SAÍA DOS OUVIDOS.

ORJANA  -  Meu filho, você está tão agitado...

CYRO  -  Não é nada, mãe... não é nada...

A DECISÃO VEIO DE REPENTE E O MÉDICO, TORNANDO A VESTIR O PALETÓ DO SMOKING, DESAPARECEU LÉPIDO, PORTA A FORA.

ORJANA  -  Espere! Aonde você...

A MULHER PAROU, SABENDO QUE ELE NÃO A OUVIRIA.

CORTA PARA:

CENA 3  -  MANSÃO DE OTTO MULLER  -  JARDIM  -  EXTERIOR  -  NOITE

NO JARDIM DA MANSÃO O AROMA  DAS FLORES AGIA COMO EXCITANTE. CYRO HAVIA CHEGADO HÁ ALGUNS INSTANTES E OUVIA A MÃE DE OTTO, CATARINA, INTERPRETAR A SERENATA DE SCHUBERT, ACOMPANHADA AO PIANO PELO FILHO. OLHOU O RELÓGIO. MEIA-NOITE E 25.

O VULTO BRANCO SURGIU POR ENTRE AS ROSEIRAS. CYRO ESTREMECEU. ERA ELA. O RAPAZ ADIANTOU-SE, TOMANDO A MULHER NOS BRAÇOS FORTES. ENVOLVENDO-A TODA.

CYRO  -  Pensei que não viesse!

ESTER  -  É uma loucura. Eu não devia ter vindo!

CYRO  -  Você sabia que eu a esperava?

ESTER  -  Sabia... a voz outra vez... sua voz me avisou... a cada vez eu posso resistir menos a isso...

CYRO BEIJOU-LHE A FACE, O QUEIXO DELICADO, O PESCOÇO. E NUM CRESCENDO DE EXCITAÇÃO, JUNTOU-LHE OS LÁBIOS COM OS SEUS, LÁBIOS VERMELHOS QUE SE OFERECIAM SEM REAÇÃO.

ESTER  -  (afastou-se um pouco) Não está direito o que estou fazendo...

CYRO  -  Por que não? Você disse que era desquitada.

ESTER  -  E sou!

CYRO  -  Então? Por que veio morar aqui? Por que voltou pra ele?

ESTER  -  Eu não voltei pra ele! Eu o odeio!

CYRO  -  Eu não entendo!

ESTER  -  (segurou-lhe as mãos entre as suas) É uma história muito longa... e não temos tempo. Ninguém nos deve ver, aqui. Eu vim, mesmo, porque sei... sei que você vai-se embora.

CYRO  -  E se eu resolvesse não ir mais?

ESTER  -  Por minha causa?

CYRO  -  Sim.

ESTER  -  Não, não! Você não deve fazer isso!

CYRO  -  Você prefere não me ver mais?

ESTER  -  Não é que eu prefira! Eu não tenho escolha!

CYRO  -  Tem sim. Eu estou certo de que tem. Se você quiser, se nós quisermos...

ESTER  -  Não, não! Você não sabe, você não entende...

CYRO  -  Não entendo mesmo por que você se deixa dominar por um homem que não é mais seu marido e a quem você odeia. Não entendo como pode continuar vivendo na casa dele.

ESTER  -  (acariciou-lhe a face) Não procure entender e me esqueça.

CYRO  -  É só o que tem a me dizer?

ESTER  -  (fez uma pausa, refletindo, e aos poucos ergueu os olhos para o rosto dele) Não. Quero que você saiba que eu sinto muito... sinto muito ter encontrado você, agora, quando não me creio capaz de amar ninguém... como você merece ser amado. É uma pena, mas o meu destino está traçado.

CYRO  -  Tolice! Nós é que fazemos o nosso destino!

ESTER  -  Você acha?

CYRO  -  Claro! Eu posso mudar o meu; você pode mudar o seu...

ESTER  -  Era bom se conseguisse acreditar nas suas palavras. Mas não posso. (separou-se mais dele) Adeus, Cyro! Tenho de voltar para o quarto... alguém pode me ver aqui.

ELE TORNOU A BEIJÁ-LA DEMORADAMENTE. UM BEIJO DE POSSE TOTAL. ESTER AINDA ESTAVA TONTA, AO CORRER, SUSPENDENDO O VESTIDO COMPRIDO, NA DIREÇÃO DA PARTE TRASEIRA DA MANSÃO. IA ENTRAR NA CASA QUANDO A MÃO FORTE A SEGUROU, COM FIRMEZA, DETENDO SEUS MOVIMENTOS.

ESTER  -  (ficou petrificada) Que é isso? Solte-me!

O HOMEM EMERGIU DAS SOMBRAS ONDE ESTAVA ESCONDIDO, CONFUNDINDO-SE COM AS ÁRVORES E AS FOLHAGENS DO JARDIM. ESTER IA GRITAR, MAS O VULTO COLOCOU UMA DAS MÃOS SOBRE SUA BOCA E SURGIU À LUZ BAÇA. ESTER TINHA OS OLHOS ESBUGALHADOS DE TERROR.

ERA PAULUS.

O PROCURADOR DO EX-MARIDO SORRIA SINISTRAMENTE, ENQUANTO A MULHER SOLTAVA-SE COM UM SAFANÃO E SAÍA CORRENDO PARA O INTERIOR DA CASA.

CORTA PARA:

CENA 4  -  PORTO AZUL  -  PRAIA BONITA  -  EXTERIOR  -  NOITE

O CARRO CONTINUAVA ESTACIONADO FRENTE À PRAIA, BATIDA POR UM VENTO CORTANTE. INÊS TREMIA. NÃO TANTO DE FRIO. AS MÃOS DO RAPAZ CONTINUAVAM EXPLORANDO SEU CORPO. APENAS A RESPIRAÇÃO OFEGANTE DAVA CONTA DA EXISTENCIA DE PESSOAS DENTRO DO MODERNO AUTOMÓVEL. DEITADOS SOBRE O BANCO BABY E INÊS SE ESQUECIAM DO MUNDO.

INÊS OLHOU O MOSTRADOR VERDE DO RELÓGIO DO CARRO E ERGUEU-SE COMO IMPULSIONADA POR UMA MOLA.

INÊS  -  Já vou, Baby! Veja a hora!

BABY  -  Espera, amor... Por que essa pressa?

INÊS  -  Pressa?! Já passa da meia-noite e meia! Eu tinha de chegá às 10 horas. Lá em casa deve está todo mundo dormindo.

BABY  -  Melhor!

INÊS  -  Escute. Você é rico, seu pai é dono de minas. Você pode namorar qualquer grã-fina. Por que cismou comigo?

BABY  -  (falou, sincero) Porque gosto de você e não gosto de grã-fina. Detesto gente da minha classe. Me dá nojo. Gosto de você porque é selvagem... seu corpo tem cheiro de terra... e cheiro de mar.

TENTOU BEIJÁ-LA NOVAMENTE; ELA SE ESQUIVOU, EMPURRANDO-LHE A CABEÇA COM DELICADEZA. ALISOU-LHE O ROSTO MORENO.

BABY  -  E você? Não gosta de mim?

INÊS  -  Não sei... Talvez! Sim. Tem vez que gosto... tem vez que me dá raiva!

BABY  -  (intrigado) Raiva? Por que?

INÊS  -  Porque sei que você só qué se diverti comigo. Mais nada. E mesmo assim eu não consigo me livrá... da vontade de vê você. Uma vontade danada!

DESTA VEZ ELE A BEIJOU E ELA CORRESPONDEU. UM BEIJO LONGO. DE MÃOS ENTRE OS CABELOS E CORPOS EXCITADOS.

INÊS ABRIU A PORTA E SAIU CORRENDO PELA PRAIA. O VENTO GELADO INVADIU O INTERIOR DO CARRO. BABY ARREPIOU-SE E FECHOU A PORTA. PELO VIDRO DA JANELA VIU INÊS SE PERDER NA ESCURIDÃO.

FIM DO CAPÍTULO 18



 ...e na próxima terça. capítulo inédito!


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