quarta-feira, 4 de junho de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 14


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 14

Participam deste capítulo

Cyro Valdez  -  Tarcísio Meira
Comendador Liberato  -  Macedo Neto
Ricardo  -  Edney Giovenazzi
Ester  -  Glória Menezes
Otto Muller  -  Jardel Filho

CENA 1  -  PALACETE DO COMENDADOR LIBERATO  -  QUARTO  -  INTERIOR  -  NOITE

O MÉDICO DEIXOU O ESTETOSCÓPIO CAIR CONTRA O PEITO. TINHA CONCLUÍDO O EXAME E O COMENDADOR LIBERATO DESCANSAVA, APOIADO A VÁRIAS ALMOFADAS, JUSTAPOSTAS. PARECIA BEM. CORADO.

COMENDADOR LIBERATO  -  Está tudo bem mesmo, doutor?

CYRO  -  (respondeu, sorrindo) Melhor do que eu esperava. Acho que o senhor não precisa mais de mim. (ordenou, com otimismo) Levante-se e ande um pouco.

O COMENDADOR, ALGO RECEOSO, APOIOU-SE EM UM DOS BRAÇOS, ERGUENDO O CORPO E SENTANDO-SE NA POLTRONA. DEVAGAR, LEVANTOU-SE, PUXANDO UM POUCO DA PERNA.

COMENDADOR LIBERATO  -  Essa perna... não sei que diabo tem.

CYRO  -  Isso acontece. Com o tempo ela vai voltando ao normal.

O VELHO LIBERATO MOVIMENTOU-SE COM DIFICULDADE ATÉ O CENTRO DO QUARTO, RETORNANDO À POLTRONA. SUAVA E RESFOLEGAVA, ANTE O OLHAR OBSERVADOR DO DR. CYRO VALDEZ.

O MÉDICO ESTALOU OS DEDOS E AJUDOU O COMENDADOR A SE APOIAR, MAIS UMA VEZ, NO EXATO INSTANTE EM QUE O DR. RICARDO ENTRAVA NO APOSENTO.

RICARDO  -  Boa noite, comendador! Dr. Cyro... como vai o senhor?

CYRO  -  Bem, obrigado!

RICARDO, COMO DE HÁBITO, VESTIA-SE COM APURO. O CABELO ASSENTADO, O BIGODE GRISALHO BEM TRATADO, MÃOS DE UNHAS CORTADAS RENTES.

COMENDADOR LIBERATO  -  (surpreso) Vocês já se conhecem?

CYRO  -  Já. O senhor mesmo nos apresentou. Não se recorda?

COMENDADOR LIBERATO  -  E nem precisava. Quem não conhece o Dr. Cyro Valdez? Agora, então, com essas coisas que andam publicando no jornal a respeito dele... desculpe, doutor, eu não sei se o senhor gosta de falar sobre esse assunto...

CYRO  -  Preferia não falar sobre isso. E acho que o Dr. Ricardo também prefere.

COMENDADOR LIBERATO  -  (cortou o assunto, dirigiu-se ao engenheiro) Qual foi o resultado da entrevista com o meu sobrinho?

RICARDO  -  O Sr. Otto insiste em seu plano de dobrar a produção.

COMENDADOR LIBERATO  -  É louco!

RICARDO  -  Expus os seus pontos de vista, comendador. A impossibilidade de aumentar a produção, sem antes resolver alguns problemas dos trabalhadores. Mas ele não quer ouvir coisa nenhuma. Para ele os mineiros vivem como príncipes e não trabalham mais porque são preguiçosos...

CYRO  -  (revoltou-se ante a revelação) Desculpem entrar na conversa. Mas, será que esse senhor Otto já desceu no fundo de uma mina de carvão? Já visitou uma aldeia de mineiros como eu visitei? (voltou-se para o engenheiro) Aquilo está muito perto do inferno! Não sei como se pode tratar assim a seres humanos!

COMENDADOR LIBERATO  -  (educadamente, fitando Ricardo) Eu acho que o doutor exagera um pouco. Não é possível que meu sobrinho tenha dito uma coisa dessas!

RICARDO  -  Se dependesse do nosso superintendente, as coisas estariam ainda piores.

COMENDADOR LIBERATO  -  (fez uma careta de aborrecimento) Ele tem o maior desprezo pela criatura humana... eu tenho me colocado contra os exageros dele. Até onde posso. Mas, também é verdade que uma mina de carvão não pode ser um paraíso. Isto é... chega quase a ser um inferno, mesmo!

CORTA PARA:
Cyro (Tarcísio Meira) e Ester (Gloria Menezes)

CENA 2  -  CASA DE ESTER  -  SALA  -  INTERIOR  -  DIA

OTTO  DECIDIRA PROCURAR A EX-ESPOSA, PESSOALMENTE.

OTTO  -  Pensei que não ia me receber. Há quinze minutos que espero por você nesta maldita sala!

ESTER  -  Não sou obrigada a estar preparada para recebê-lo a qualquer hora do dia ou da noite.

HAVIA ÓDIO NA TROCA DE PALAVRAS E ESTER EVITAVA OLHAR DIRETAMENTE PARA O EX-MARIDO.

OTTO  -  Bem... você já sabe qual foi o despacho do juiz, creio eu!

ESTER  -  Sei também que o despacho é seu. Esse juiz apenas assinou.

OTTO  -  É uma decisão da justiça. Não cabe discussão.

ESTER  -  Eu vou discutir até morrer!

OTTO  -  Mas não vai poder impedir que a justiça se cumpra.

ESTER  -  Talvez não possa, Otto. Talvez você consiga tirar meu filho de mim. Mas eu já lhe avisei: vai pagar um preço muito alto por isso.

OTTO  -  (o dedo em riste) Você não me mete medo com suas ameaças. Mesmo porque o que você tem é uma arma de dois gumes: pode me desmoralizar, falar da minha impotência, mas desmoraliza você, também.

ESTER  -  Para mim, se vocês me tiram meu filho, pouco importa o resto.

OTTO  -  Pois bem... eu vim aqui para lhe fazer uma proposta. Você não precisa se separar do seu filho. Virão so dois morar comigo.

ESTER  -  (espantada) Você está falando sério?

OTTO  -  Acha que ia brincar num momento desses?

ESTER  -  Depois de tudo o que houve, você acha que eu posso voltar a viver em sua companhia?

OTTO  -  (demonstrando indiferença) Isso não quer dizer que vamos viver juntos. Continuaremos separados, embora morando sob o mesmo teto. A casa é muito grande. Posso deixar todo o segundo andar para você. Pode viver lá tão isolada quanto vive aqui.

ESTER  -  E todos pensariam que vivemos juntos, normalmente.

OTTO  -  Isso tem importância?

ESTER  -  Para você talvez não tenha. Para mim, seria uma situação humilhante viver sob o mesmo teto com Dona Lia Sanches.

OTTO  -  Ela é minha secretária!

ESTER  -  E eu, o que seria, já que não sou mais sua esposa? Uma hóspede, por acaso?

OTTO  -  Você é a mãe do meu filho...

ESTER  -  (sorriu com ironia) A mãe do seu filho...

OTTO  - Onde está ele?

ESTER  -  No quarto, dormindo.

OTTO  -  (tirando um documento da pasta) Amanhã você vai ser chamada à presença do juiz. Tem só esta noite para pensar. Até amanhã (fez menção de retirar-se. Antes, resolveu jogar uma cartada) Ah, é verdade! Soube que passou mal, uma noite dessas e precisou chamar um médico. O Dr. Cyro Valdez...

ESTER  -  (apesar do abalo, procurou demonstrar tranquilidade) Foi. Mas já estou bem.

OTTO  -  Esse Dr. Cyro parece mesmo que faz milagres...

DEIXOU A CASA. O RUÍDO DO POSSANTE MERCEDES PERDEU-SE NA DISTANCIA.

FIM DO CAPÍTULO 14


... e na próxima sexta, capítulo inédito! 

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