quinta-feira, 19 de junho de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 21


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 21

Participam deste capítulo

Cyro – Tarcísio Meira
Ester  -  Gloria Menezes
Orjana  -  Neusa Amaral
Prof. Valdez  -  Enio Santos
Mestre Jonas  -  Gilberto Martinho
Bárbara  -  Zilka Salaberry

CENA 1  -  PORTO AZUL  -  PRAIA BONITA  -  EXTERIOR  -  DIA

A MANHÃ NASCERA BELA. O MAR MAIS VERDE QUE NUNCA.

CYRO TINHA OS OLHOS PERDIDOS NO OCEANO. IMÓVEL.

MESTRE JONAS – (aproximou-se, intrigado) Doutô!

CYRO  -  Olá, Mestre Jonas!

MESTRE JONAS  -  Que é que tá fazendo aqui, sozinho?

CYRO  -  (pensou por alguns segundos) Não sei. Sinceramente, não sei como vim parar aqui. Saí do hotel, peguei um táxi e vim. Mas não sei... Acho que não havia qualquer razão.

MESTRE JONAS  -  (fitou-o, impressionado) Deve de tê uma razão, sim. O sinhô vai discubri.

CYRO  -  Como é bonito tudo isso. Eu gostaria de morar aqui.

MESTRE JONAS  -  É a sua terra. Foi onde o sinhô nasceu. E eu sei que o sinhô vai ficá com a gente.

CYRO  -  (franziu a testa, intrigado) Como é que o senhor sabe?

JONAS  -  (sorriu, misterioso) Eu sei.

AFASTOU-SE EM DIREÇÃO AO BARCO, ENQUANTO O CIRURGIÃO PARTIA RUMO OPOSTO.

CORTA PARA:

CENA 2  -  PORTO AZUL  -  CASA DE D. BÁRBARA  -  SALA  -  INTERIOR  -  DIA

BÁRBARA  -  (surpresa com a presença do médico em sua casa) Ué! Vocês não viajaram?

CYRO  -  Não, minha avó. Eu decidi não voltar mais para a Europa. Resolvi ficar por aqui mesmo.

BÁRBARA  -  Você só?

CYRO  -  Não, minha mãe e meu avô também vão ficar.

BÁRBARA  -  (tentando esconder o seu desagrado) Bem... vocês sabem o que fazem. São pessoas adultas, não são crianças. Acho que você, também, já que é um homem inteligente, deve ter percebido tudo que se passou aqui há 30 anos e... o que pode acontecer agora.

CYRO  -  Que é que pode acontecer agora?

BÁRBARA  -  Mexericos... Escândalos...

CYRO  -  A senhora não acha tudo uma bobagem?

BÁRBARA  -  Bobagem?

CYRO  -  É. E não tem nenhum sentido a senhora guardar rancor por um fato ocorrido há tanto tempo... e que, na minha maneira de ver, foi apenas um fato banal!

BÁRBARA  -  Banal!

CYRO  -  Claro, minha avó! Estamos em 1968 e não no século XIX. Que tal acabarmos com isso e vivermos em paz, como uma família unida?

BÁRBARA  -  Não estou entendendo...

CYRO  -  É muito simples. Eu decidi alugar uma casa aqui em Porto Azul. Mas, para quê alugar uma casa se a senhora vive tão sozinha, neste casarão?

BÁRBARA  -  (olhou o rapaz, sem acreditar) Não é possível... você... não está pretendendo...

CYRO  -  (cortou) Estou sim. Estou querendo vir morar aqui, com minha mãe e meu avô.

BÁRBARA  -  (chocada) Olha, eu não tenho nada contra você! Sei até que é um rapaz de valor e acho você muito simpático...

CYRO  -  Eu sabia que a senhora ia concordar e ficar satisfeita. A senhora é dessas pessoas que fazem um tremendo esforço para esconder o que sentem, mas são transparentes como água.

BÁRBARA ESTAVA PERTURBADA, INTEIRAMENTE ENVOLVIDA PELO MAGNETISMO DO JOVEM MÉDICO. MAL PODIA RESPIRAR.

CYRO  -  (continuou) Além disso, eu tenho uma intuição. Isso me acontece, às vezes. Hoje eu saí do hotel, tomei um táxi e mandei seguir para cá. Quando cheguei, não sabia o que tinha vindo fazer, nem por que estava aqui. Mas era isso. Eu vim dizer á senhora, minha avó, que minha mãe e meu avô vão voltar para esta casa, de onde nunca deviam ter saído. Sei que a senhora deve sentir remorsos pela injustiça que fez com eles. Agora, vai poder reparar o êrro. (beijou a velha) Amanhã, eu volto com eles.

AFASTOU-SE, ENQUANTO BÁRBARA FICAVA IMÓVEL, COMO NUM TRANSE HIPNÓTICO.

CORTA PARA:
Cyro (Tarcisio Meira) e Bárbara (Zilka Salaberry)

CENA 3  -  FLORIANÓPOLIS  -  HOTEL CENTRAL  -  APARTAMENTO DE CYRO  -  INTERIOR  -  DIA

PROF. VALDEZ  -  (irritado) Você está louco! Morar com Bárbara! Nunca!

CYRO  -  (jogou a carta decisiva) Ela já concordou!

PROF. VALDEZ  -  (admirou-se) Concordou?

CYRO  -  Completamente! Você não conhece aquela velha!

ORJANA  -  A mim também me surpreende. Nas duas vezes que estive com ela, me tratou tão mal!

CYRO  -  (brincou) Em matéria de psicologia, vocês são dois fracassos. Essa falsa dureza é para se justificar. No fundo ela está louca para entregar os pontos.

OS TRÊS RIRAM, FELIZES, ENQUANTO O TELEFONE CHAMOU NA SALA. CYRO ATENDEU.

CYRO  -  Sim, desço já. (e para os dois) Há alguém querendo falar comigo, lá embaixo.

CORTA PARA:

CENA 4  -  HOTEL CENTRAL  -  RECEPÇÃO  -  INTERIOR  -  DIA

A PORTA DO ELEVADOR SE ABRIU E O MÉDICO ENCAMINHOU-SE PARA A PORTARIA. LEVAVA A MALETA DE INSTRUMENTOS.

CYRO  -  (dirigiu-se ao chefe da portaria) Qual é a moça que está querendo falar comigo?

CHEFE DA PORTARIA  -  (apontou a mulher, de cabelos louros, de costas, admirando um quadro expressionista) É aquela!

CYRO  -  Qual?

ESTER  -  Sou eu.

ESTER SORRIA PARA O JOVEM MÉDICO.

CYRO  -  Ester!

ESTER  -  (procurava dominar-se, mas os lábios lhe tremiam) Eu tinha que lhe dar uma explicação... (aproximou-se) Quer dizer, não é bem uma explicação... você esteve lá em casa e... eu julguei que estivesse querendo falar comigo.

CYRO  -  E estava, sim. Desesperadamente. Aproveitei o convite de seu marido... mas tinha sido engano. Era Dona Lia quem mandara me chamar. Não você.

ESTER  -  (conseguiu dominar os nervos) Eu só vim lhe dizer que... pensava que você estivesse em Londres.

CYRO  -  Eu decidi não ir mais!

ESTER  -  (apertou as mãos, nervosa) Por que você resolveu... isso?

OLHANDO-A NO FUNDO DOS OLHOS, CYRO ESQUECEU-SE DE QUE ESTAVA NO SAGUÃO DE UM HOTEL MOVIMENTADO, ONDE VÁRIAS PESSOAS O OLHAVAM, DISCRETAMENTE.

CYRO  -  Por alguns motivos... e você é o maior deles!

ESTER  -  (falou, com meiguice) Eu acho que você fez mal... muito mal, mas não tenho o direito de interferir na sua vida.

CYRO  -  Você já interferiu, Ester. Mesmo sem querer!

ESTER  -  Eu só queria lhe dizer isso. Tenho que ir embora...

CYRO  -  (deteve-a) Não! Você não pode ir assim... eu preciso lhe falar!

ESTER  -  Aqui não é possível... passa muita gente.

CYRO  -  Onde você quiser.

CORTA PARA:

CENA 5  -  HOTEL CENTRAL  -  APARTAMENTO DE CYRO  -  INTERIOR  -  DIA

DEBRUÇADOS NA JANELA,  ORJANA E O PROF. VALDEZ VIRAM O CASAL QUE SE AFASTAVA E ENTRAVA NO SEDAN AZUL.

ORJANA – (admirada, apertando com força o braço do pai) Ele saiu de carro com uma mulher...

O VELHO PROFESSOR, COM O PESCOÇO ESTICADO, NO PARAPEITO DA JANELA, LOCALIZOU O NETO. VIU A MULHER QUE O ACOMPANHAVA. PARECIA-LHE FAMILIAR.

PROF. VALDEZ  -  Espera lá, minha filha. Você não vai andar atrás de Cyro, como se ele fosse uma donzela...

ORJANA  -  (fechou os olhos, procurando forçar a mente) Eu conheço aquela mulher!

PROF. VALDEZ  -  Conhece? De onde?

ORJANA  -  Da festa! Isto mesmo! (a imagem da mulher de vestido branco, vaporoso, com o menino de olhos azuis, veio-lhe à recordação, muito clara) Isso mesmo! É a mulher do tal Otto Muller. Fui apresentada a ela... e agora eu começo a entender uma porção de coisas... a atitude esquisita de Cyro, na festa... Então, essa é a tal moça por quem ele está apaixonado.

O CARRO SE MOVIMENTAVA VAGAROSAMENTE PELAS RUAS ARBORIZADAS QUE CONTORNAVAM A PRACINHA, DEFRONTE DO HOTEL. SEGUNDOS DEPOIS, JÁ DESENVOLVENDO BOA VELOCIDADE, PERDIA-SE NA DIREÇÃO DO LITORAL.

PROF. VALDEZ  -  Eu lhe disse que em tudo isso havia uma mulher no meio... como em todas as coisas. Acho que até mesmo nos outros planetas, onde existe vida, se sabe que nada se pode fazer sem mulher...

ORJANA  -  (irritada) O senhor leva tudo na brincadeira!

PROF. VALDEZ  -  Não estou brincando! Isso é muito sério, minha filha. Muito sério.

FIM DO CAPÍTULO 21



 Na próxima terça, capítulo inédito!

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