quinta-feira, 26 de junho de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 24


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 24

Participam deste capítulo

Cyro – Tarcísio Meira
Baby Liberato  - Claudio Cavalcanti
Comendador Liberato  -  Macedo Neto
Mestre Jonas  -  Gilberto Martinho
Daniel  -  Paulo Araújo
Rosa  -  Ana Ariel
Cesário  -  Carlos Eduardo Dolabela
Inês  -  Betty Faria

CENA 1  -  PALACETE DO COMENDADOR LIBERATO  -  SALA  -  INTERIOR  -  NOITE

O FOCO DE LUZ CAÍA EM CHEIO SOBRE O LIVRO. O COMENDADOR LIBERATO DESVIOU, UM POUCO, O CONE DE LUZ PARA O LADO ENQUANTO TIRAVA OS ÓCULOS. BABY ACABARA DE CHEGAR. A EXPRESSÃO ANGUSTIADA NÃO PASSOU DESPERCEBIDA AO PAI.

BABY  -  A honra da família está salva! (atirou o paletó em cima do sofá) Dei um fora em regra na moça que podia balançar os alicerces da Grande Companhia de Mineração Novo Mundo.

COMENDADOR LIBERATO  -  Você não fez mais do que sua obrigação.

O VELHO MILIONÁRIO ESTICOU AS PERNAS SOBRE A BANQUETA ACOLCHOADA. DESCANSOU O LIVRO NO COLO. ALEGRAVA-SE COM A NOTÍCIA QUE O FILHO ACABARA DE LHE DAR. O NAMORO COM A FILHA DE UM PESCADOR MISERÁVEL, IRMÃ DE UM DE SEUS MINEIROS, VINHA CAUSANDO ÚLCERAS AO VELHO RICAÇO.

BABY  -  Bem... agora estou pronto para receber a coroa de rei (disse, com azedume) Marque o dia e a hora e me avise, com antecedência.

BABY SUBIU AS ESCADAS, SEGUINDO PARA SEUS APOSENTOS.

ZORAIDA  -  Parece revoltado!

COMENDADOR LIBERATO  -  É um ingrato! Um mal-agradecido! Depois de tudo o que eu fiz por ele!

ZORAIDA  -  O que fez?

COMENDADOR LIBERATO  -  Vou renunciar à presidência da Companhia, não vou? E por que você acha que vou fazer isso? Para dar a ele um novo sentido na vida. Para que crie juízo, assumindo uma responsabilidade dessa natureza. Para que mude de vida, deixe de ser um inconsequente...

O VELHO COMENDADOR PÔS A MÃO CONTRA O PEITO, FORÇANDO A RESPIRAÇÃO QUE SE NEGAVA A ENTRAR EM RITMO NORMAL.

CORTA PARA:

CENA 2  -  PORTO AZUL  -  PRAIA BONITA  -  EXTERIOR  -  NOITE

HAVIA HORAS QUE MESTRE JONAS, DANIEL E ROSA, COM AJUDA DE PÉ-NA-COVA, BUSCAVAM LOCALIZAR INÊS. O NEGRO CORRERA À CHOUPANA DO VELHO PESCADOR MINUTOS APÓS A MOÇA TER-SE LANÇADO ÀS ONDAS REVÔLTAS A BORDO DO PEQUENO BARCO. APESAR DE TODOS OS ESFORÇOS E DO CONHECIMENTO QUE POSSUÍA DA REGIÃO, MESTRE JONAS REGRESSARA À PRAIA DESOLADO. NADA. NEM SINAL DA FILHA. O DESESPERO JÁ SE TINHA APOSSADO DA FAMÍLIA E DOS AMIGOS. DEZENAS DE BARCOS HAVIAM-SE LANÇADO À NOITE ESCURA, BATENDO OS RECANTOS PERIGOSOS, JUNTO ÀS ROCHAS, AOS SOPÉS DO LITORAL.

CORTA PARA:

CENA 3  -  PORTO AZUL  -  PRAIA BONITA  -  CHOUPANA DE MESTRE JONAS  -  INTERIOR  -  NOITE

ROSA CHORAVA DESOLADA, À ESPERA DO MARIDO E DO FILHO. APENAS A NEGRA GERALDINA LHE FAZIA COMPANHIA, PITANDO O CACHIMBO, TRANQUILA. ROSA OUVIU VOZES. COMO SE DEZENAS DE PESSOAS ESTIVESSEM SE APROXIMANDO DO SEU CASEBRE.

JONAS ENTROU E ACHEGOU-SE À MULHER. VINHA SUJO DE AREIA E ENCHARCADO DE ÁGUA SALGADA.

MESTRE JONAS  -  Tou pedindo proteção a Deus, mulhé!

ROSA  -  Quero só vê se teus guia vão fazê voltá a nossa filha! Se Doutô Cyro for mesmo quem tu diz que ele é... pede prêle trazê de volta a nossa menina! Quero vê, Jona, se ele pode fazê alguma coisa!

MESTRE JONAS ENCAROU A MULHER, SÉRIO. A PEQUENA MULTIDÃO OUVIA EM SILENCIO. APENAS O RISO IRÔNICO DE CESÁRIO QUEBROU A SERIEDADE DO MOMENTO. O VENTO ASSOBIAVA E O MAR RUGIA. JONAS VIROU-SE PARA O OCEANO E OROU POR ALGUNS MINUTOS.

CESÁRIO  -  (gozou a situação) Se a moça aparecê e entrar por essa porta (apontou)  eles vão dizê que é milagre.

FOI NESSE EXATO MOMENTO QUE A VOZ, VINDA DO MAR, CHEGOU ATÉ ELES.

VOZ  -  Mestre Jonas! Ajude aqui! Mestre Jonas!

COMO IMPELIDOS PELO VENTO QUE SOPRAVA FORTE, HOMENS E MULHERES CORRERAM PARA A BEIRA-MAR.

MESTRE JONAS  -  (gritou) É o doutô Cyro!

A FIGURA DO MÉDICO SE TORNOU MAIS NÍTIDA.

ROSA  -  (caindo de joelhos na areia) Lá vem ele... com minha filha!

PÉ-NA-COVA E DANIEL SE ENTREOLHARAM. CESÁRIO TINHA OS OLHOS ESBUGALHADOS E O CIGARRO ESQUECIDO A UM CANTO DA BOCA.

CYRO APROXIMOU-SE LENTAMENTE, COM O CORPO DE INÊS NOS BRAÇOS. A CABEÇA, CAÍDA POR SOBRE O BRAÇO DIREITO DO MÉDICO.

CYRO  -  Onde coloco?

ROSA  -  (angustiada, correndo para perto da filha) Tá morta?

CYRO  -  Não... apenas desfalecida.

CORTA PARA:
Inês (Betty Faria) e Baby (Claudio Cavalcanti)

CENA 4  -  CHOUPANA DE MESTRE JONAS  -  QUARTO DE INÊS  -  INTERIOR  -  NOITE

AGORA INÊS ESTAVA DEITADA NA CAMA DE LENÇÓIS LIMPOS E REMENDADOS. A ROUPA FINA SE LHE COLARA AO CORPO MORENO, COMO UMA SEGUNDA PELE.

ROSA  -  (agitada) Vai morrê?

CYRO  -   Não! Fique com ela. Vocês tem álcool por aqui?

MESTRE JONAS  -  Álcool... não... Só tem cachaça.

CYRO  -  Serve. Vá buscar!

CESÁRIO CHEGOU-SE PARA PERTO DO CIRURGIÃO, ENQUANTO MESTRE JONAS LHE ENTREGAVA A GARRAFA DE AGUARDENTE.

CESÁRIO  -  Como foi, doutô... que o senhor achou a moça? Será que a gente tá, de novo, diante de um milagre?

CYRO  -  (pegou a garrafa, molhou as mãos e olhou firme para o mineiro) Por que milagre? Serei Deus?

CESÁRIO  -  Ué? Milagre. O Mestre Jonas tava aqui invocando os guias...

MESTRE JONAS  -  (enérgico) O senhor não tem o direito de falá assim com um home como o doutô Cyro!

CYRO  -  Não. Eu não me aborreço. Mas não sei como alguém pode encarar um fato comum como milagre. Foi apenas uma coincidência. Eu estava por perto e vi a moça pegar o barco. Não foi muito difícil achar outro bote pelas redondezas. Encontrei um e saí nele, perseguindo o dela. (molhou a fronte da moça com a cachaça e esfregou seus pulsos; Inês moveu os cílios) Eu mal enxergava nas ondas fortes... O mar estava escuro como breu. Até que consegui alcançá-la... com muita dificuldade. (encostou o pano embebido junto às narinas da moça) Ela já tinha engolido muita água. Para trazê-la até a margem, tive que lutar muito. Mas Deus nos ajudou!

CESÁRIO  -  (com sarcasmo) Acredita em Deus, doutô?

CYRO  -  (voltou a encará-lo, com frieza) Sim, moço. Eu creio. Não acredito em milagres. Mas creio em Deus! Mas alguma explicação? Ou já está satisfeito?

MESTRE JONAS  -  (cortou o diálogo, emocionado) Não, doutô. Desculpa os home...

ROSA  -  (apontou, nervosa, para o rosto da filha) Doutô... veja os lábio dela... tão ficando roxo, doutô!

O MÉDICO EXAMINOU AS FEIÇÕES DA JOVEM COM AR DE PREOCUPAÇÃO. TOMOU-LHE A PULSAÇÃO.

CYRO  -  A senhora sabe fazer respiração boca a boca?

ROSA  -  Num sei o que é isso, doutô!

CYRO NÃO ENCONTROU OUTRA SOLUÇÃO. DEBRUÇOU-SE SOBRE A MOÇA DESACORDADA, ENTREABRIU-LHE OS LÁBIOS E FEZ CHEGAR O AR AOS PULMÕES. POUCO DEPOIS, INÊS GEMEU FRACAMENTE E COMEÇOU A RESPIRAR FUNDO. A COR LHE VOLTAVA À FACE E OS LÁBIOS AVERMELHAVAM-SE.

ROSA  -  (com as mãos postas) Quero lhe pedir perdão, doutô!

CYRO  -  (espantou-se) Perdão?

ROSA  -  É a segunda vez que o sinhô salva um dos meus filho. E eu duvidei do sinhô!

CYRO  -  (ignorou a observação) Vai voltar a si, já, já! Veja um café bem quente para reanimá-la.

INÊS ABRIU OS OLHOS. OUVIU A VOZ DO MÉDICO.

CYRO  -  Está melhor?

INÊS  -  (balbuciou) Por que... não me deixaram morrê?

ROSA  -  (encostou a cabeça da filha ao colo e deu-lhe o café quente) Foi o doutô Cyro quem te salvô.

INÊS  -  Se espera agradecimento de mim, não vai recebê.

CYRO  -  (levantando-se) Eu não espero agradecimento.

INÊS  -  (deseperada, o pensamento ligado ao homem por quem decidira acabar com a vida) Que espera, então? Por que não vai embora?

CYRO  -  Queria morrer?

INÊS VIROU O ROSTO PARA O CANTO DA PAREDE, NUM GESTO DE RAIVA.

FIM DO CAPÍTULO 24

... e na próxima terça, o 25. capítulo! 




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