quinta-feira, 19 de junho de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 20


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 20

Participam deste capítulo

Baby  -  Claudio Cavalcanti
Otto Muller  -  Jardel Filho
Ricardo  -  Edney Giovenazzi
Comendador Liberato  -  Macedo Neto
Coice de Mula  -  Dary Reis
Pé-na-Cova  -  Antonio Pitanga
Daniel  -  Paulo Araújo
Pedrão  -  Waldir Onofre

CENA 1  -  ADMINISTRAÇÃO DAS MINAS  -  ESCRITÓRIO  -  INTERIOR  -  DIA

OS OLHOS AZUIS DO ALEMÃO FAISCARAM E SE TORNARAM DIMINUTOS COM A PRESENÇA DO ENGENHEIRO. DR. RICARDO ENTROU APREENSIVO NO ESCRITÓRIO DE CAMPO.

RICARDO  -  Sr. Muller, eu soube que o senhor mandou reabrir a frente de trabalho da M-6!

OTTO  -  Que há? Algum problema? É verdade, mandei.

RICARDO  -  O senhor sabe que isso é uma insensatez! Eu tinha mandado interditar a galeria!

OTTO  -  (rebateu) O senhor está me chamando de insensato?

RICARDO  -  Foi a palavra mais amena que encontrei para definir o seu gesto. A galeria está cheia de gás, o senhor sabe muito bem. A qualquer momento pode se incendiar.

OTTO  -  (enrubesceu e as veias do pescoço saltaram) Eu estive lá a semana passada. O perigo não é tão grande.

RICARDO  -  Eu sou o engenheiro. E sei o perigo!

OTTO – Mas eu sou o superintendente e o senhor, meu subordinado!

RICARDO  -  Desta forma, fique então o senhor responsável pelo que acontecer!

RICARDO LEVANTOU-SE, COM A CABEÇA QUENTE, E RETIROU-SE DA SALA.

CORTA PARA:


CENA 2  -  MINA  -  INTERIOR  -  DIA

BABY IMPRESSIONAVA-SE COM O AMBIENTE TÉTRICO DO SUBSOLO. COICE DE MULA APROXIMOU-SE DO LOCAL ONDE O SOM DAS PICARETAS E PÁS DOS DOIS HOMENS QUEBRAVA O SILENCIO SEPULCRAL. O AUXILIAR DO CHEFE TINHA AS FEIÇÕES TRANSTORNADAS DE PREOCUPAÇÃO. SUAVA FRIO, MESMO COM A TEMPERATURA ALTA DO INTERIOR DA TERRA.

COICE DE MULA  -  O patrão mandou que trouxesse o sinhô até aqui, eu trouxe. Agora, acho melhó a gente voltá...

BABY  -  Eu também acho. Não sei como vocês aguentam ficar o dia inteiro aqui embaixo!

COICE DE MULA  -  O dia inteiro? Tem uns que ficam a vida inteira!

BABY  -  É uma sensação horrível. Parece que tudo isso vai desabar nas nossas costa... essas paredes minando água. E esse zumbidozinho... o que é?

COICE DE MULA  -  (estremeceu) Isso? Não é nada... é assim mesmo. (parou e sugeriu ao rapaz que o esperasse por uns instantes) Vou falá com aqueles home. (aproximou-se de Pé-na-Cova) Olha, já tá quase na hora de largá. Encham mais esse vagão e vão esperá a hora de assiná o ponto.

BABY ENFIOU A MÃO PELA ABERTURA DA ROUPA E PUXOU UM CIGARRO DA CARTEIRA. LEVOU-O À BOCA E ERGUEU O ISQUEIRO, BAIXANDO A CABEÇA, NUM GESTO MAQUINAL.

À DISTANCIA, DANIEL OBSERVAVA, COM ÓDIO, O HOMEM QUE SE APROVEITAVA DE SUA IRMÃ. O GESTO DE ACENDER O CIGARRO ATIVOU-LHE AS FORÇAS ADORMECIDAS.

DANIEL  -  (gritou) Não! (e atirou-se contra o filho do comendador, arrancando-lhe o isqueiro das mãos. Com o susto, Baby desequilibrou-se e caiu ao solo, sobre o braço; Daniel recriminou-o) Tá louco! Qué mandá tudo pelos ares, moço?

OS MINEIROS SE APROXIMARAM, SURPRESOS.

COICE DE MULA  -  (ajudando Baby a se levantar) Que foi?

BABY  -  Que foi? Sei lá! (fez uma careta, com dor no braço) Esse doido!

DANIEL  -  Doido é você! Ele ia acendê o cigarro!

MINEIROS  -  (a uma só voz, exclamaram) Nossa!

PÉ-NA-COVA  -  Ia tudo pro beleléu!

BABY  -  Pensei que a mina ia desabar!

PÉ-NA-COVA  -  Olha, esteve por pouco... por sua causa.

BABY  -  Como é que eu ia saber? Ninguém me disse nada.

DANIEL  -  Filhinho de papai em fundo de mina dá nisso!

BABY  -  (sentiu o sangue subir-lhe à cabeça) Eh, rapaz! Pode ser que eu tenha feito uma bobagem, mas nem por isso vou ouvir desafôro, seu ou de quem quer que seja! Retire o que disse!

OS DOIS SE OLHARAM COM HOSTILIDADE, DANIEL ENCARANDO O MILIONÁRIO COM ÓDIO.

DANIEL  -  Não retiro, não! É filhinho de papai, mesmo!

O MURRO DE BABY ALCANÇOU O CENTRO DO NARIZ DO MINEIRO. DANIEL FOI ATIRADO DE ENCONTRO ÀS PEDRAS DE CARVÃO ACUMULADAS NO SOLO. ERGUEU-SE, AINDA TONTO, À PROCURA DO REVIDE. COICE DE MULA ALCANÇOU-O POR BAIXO. UM MURRO TERRÍVEL. O MINEIRO ESTATELOU-SE NO CHÃO, COMPLETAMENTE GROGUE.

COICE DE MULA  -  Vamos pará com isso! O moço não tem culpa de nada. Não tá sabendo que essa galeria tá cheia de gás. E se algum de vocês se mexê mais, aqui, eu mando tudo pro inferno!

BABY  -  (apontou o mineiro estendido, com o sangue a jorrar de um ferimento feio no queixo e na cabeça) Ele está ferido!

COICE DE MULA  -  (com frieza) Deixa, os outros cuidam dele!

CORTA PARA:

CENA 3  -  PALACETE DOS LIBERATO  -  SALA  -  INTERIOR  -  NOITE

O COMENDADOR ANALISAVA OS ACONTECIMENTOS. BABY LHE HAVIA CONTADO OS PORMENORES, DESDE SUA CHEGADA À MINA ATÉ A DESCIDA AO SUBSOLO E OS INCIDENTES POSTERIORES. O VELHO E EXPERIMENTADO DONO DE MINAS PERMANECIA CALADO.

COMENDADOR LIBERATO  -  Quer dizer que você se salvou por segundos?

BABY  -  Isso mesmo.

COMENDADOR LIBERATO  -  Se a galeria estava cheia de gás, a ponto de ser perigoso acender um isqueiro, como é que o Otto deixou você ir lá?

BABY  -  Ele não deixou, velho. Ele mandou que me levassem lá.

COMENDADOR LIBERATO  -  Não é possível que ele tenha feito isso premeditadamente. Ou você acha que foi?

BABY  -  Eu não sei. Não quero acusar... mas que tudo isso me deixou muito desconfiado, deixou. Se bem que, se o incêndio tivesse irrompido enquanto eu estava lá, eu não ia morrer sozinho. Muita gente ia ser assada.

COMENDADOR LIBERATO  -  Não sei se Otto ia se incomodar muito com isso! Ele é capaz de tudo! E eu espero que isso tenha feito você compreender por que eu não durmo, pensando que vou morrer e ele vai assumir a presidência da Companhia!

O TELEFONE TOCOU E BABY NÃO DEMOROU A ATENDÊ-LO. À MEDIDA QUE OUVIA, A COR DESAPARECIA DE SUAS FACES. O RAPAZ EMPALIDECEU.

COMENDADOR LIBERATO  -  (percebeu que algo de muito sério havia ocorrido) O que aconteceu? Fale!

BABY  -  A M-6 pegou fogo, de ponta a ponta.

LIBERATO -  (sentiu o choque) Não era a mina onde você estava?

BABY FEZ QUE SIM COM A CABEÇA E CORREU À GARAGEM. MINUTOS DEPOIS O CARRO DESAPARECIA VELOZ NA DIREÇÃO DAS MINAS NOVO MUNDO.

CORTA:

CENA 4  -  ADMINISTRAÇÃO  DAS MINAS  -  ESCRITÓRIO  -  INTERIOR  -  NOITE

OTTO - (respirava com dificuldade) Então?!

RICARDO  -  (circunspecto) Conseguimos isolar a galeria. Mas o fogo ainda vai demorar por muito tempo.

OTTO  -  Vamos abrir um inquérito. Quero saber quem foi o culpado.

RICARDO  OLHOU-O, INDIGNADO. PERDERA O RESPEITO POR AQUELE HOMEM DESUMANO.

OTTO  -  (insistiu)  Quem foi o culpado? A galeria não ia pegar fogo sozinha! Isto está me cheirando a sabotagem!

RICARDO  -  (sem conseguir conter-se por mais tempo) Olhe aqui, Sr. Muller, se há um culpado, é o senhor, que mandou reabrir a frente de trabalho, sabendo que esse incêncio podia ocorrer a qualquer momento. Ao menor descuido. Se abrirem um inquérito, eu vou dizer o que penso! E não vai ser nada bom para o senhor!

O ENGENHEIRO SAIU BRUSCAMENTE, DEIXANDO O CHEFE SEM PALAVRAS, APOPLÉTICO, LOUCO DA VIDA.

FIM DO CAPÍTULO 20


 ... e na próxima sexta, o capítulo 21!!


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