Novela de Janete Clair
Adaptação de Toni Figueira
CAPÍTULO 16
Participam deste
capítulo
Ester -
Gloria Menezes
Otto Muller -
Jardel Filho
Coice-de-Mula - Dary
Reis
Pé-na-Cova -
Antonio Pitanga
Daniel -
Paulo Araújo
Pedrão -
Waldir Onofre
Cesário - Carlos Eduardo Dollabela
CENA 1 -
FORUM - SALA DO JUIZ
- INTERIOR - DIA.
DIANTE DE OTTO MULLER E ESTER, O JUIZ PROFERIU A SENTENÇA.
JUIZ - A decisão da justiça deverá ser cumprida.
Dona Ester, ou a senhora entrega seu filho ao pai, o Sr. Otto Muller, ou ele
será retirado à força de seu poder, por mandado judicial.
ESTER - (muito pálida) Eu... posso ir embora?
OTTO - (irônico) E então... pensou na minha
proposta?
ESTER FUZILOU-O COM O OLHAR, DEU-LHES AS COSTAS E SAIU DA
SALA.
CORTA PARA:
CENA 2 -
MANSÃO DE OTTO MULLER - SALA - INTERIOR
- DIA
APÓS SER ANUNCIADA PELA GOVERNANTA, ESTER ENTROU E FICOU DE
PÉ NO CENTRO DA SALA DE VISITAS, NA RESIDENCIA DO SUPERINTENDENTE DA MINA.
ESTER - (disse, com ironia) Pronto, senhor Muller,
estou à sua disposição!
OTTO - (também irônico) Não era você que queria
falar comigo?
ESTER - (rodeou a mesinha de centro e sentou-se numa
poltrona) Queria só estabelecer os termos de minha rendição.
OTTO - (com uma ponta de malícia) Não está tudo
claro?
ESTER - Mas é preciso que fique mais claro, ainda.
Nada mudou em nossas relações. Quero viver dentro desta casa, isolada como vivi
até agora, lá fora. Para isso, é preciso que mande isolar os meus aposentos do
resto da casa.
OTTO - Já estão isolados. Têm entrada e saída
independentes, ninguém entrará lá se você não quiser. Apenas o menino...
ESTER - Ele virá aqui sempre que você quiser vê-lo.
OTTO - Está entendido.
ESTER - Então, estamos acertados. Eu só volto para
esta casa, a fim de estar perto de meu filho. Mas quero continuar longe de toda
a lama que corre por aqui.
OTTO - (colérico, deu um murro no teclado do piano)
Chega! Também não vou admitir que venha para cá me insultar, me cuspir no
rosto!
A CAMPAINHA DO TELEFONE SOOU DUAS VEZES, ANTES QUE OTTO
MULLER O ALCANÇASSE.
OTTO - Alô! Sim... é ele, Bom dia, Dr. Paulus! (fez
uma pausa para ouvir o que diziam no outro lado da linha) Ah... o caso daquele
negro. Mas, por quê? O senhor é meu advogado, sabe o que tem a dizer: invasão
de domicílio. Ele assaltou minha casa. Está bem! Está bem! Até já (tornou a
botar o fone no gancho, enquanto puxava uma cadeira) Esses advogados, não sei
pra que servem...
ESTER - Você estava falando do Gabriel?
OTTO - É. O patife assaltou nossa casa e eu ainda
vou ter de ir à polícia dar explicações.
ESTER - Seus homens o mataram. Foi uma covardia.
OTTO - Quem entra em casa alheia, de noite, sem se
fazer anunciar, está sujeito a isso.
ESTER - Pode ser que a polícia aceite essa versão,
mas não eu, que conheci de perto o Gabriel e sei que era incapaz de praticar um
assalto.
OTTO - Mas praticou. E foi apanhado quando tentava
fugir. Os empregados se excederam, talvez, um pouco na punição... mas a culpa
foi dele. Além do mais era um... um negro sujo, que ficava olhando Lia tomar
banho na piscina.
ESTER - E por isso você mandou matá-lo, não?
OTTO - (enervou-se) Eu não mandei matá-lo. Só proibi
a entrada dele aqui.
ESTER - Conheço você muito bem, Otto.
CORTA PARA:
CENA 3 - ADMINISTRAÇÃO DAS MINAS - INTERIOR
- DIA
NO BARRACÃO DE CAMPO, RÚSTICO, OTTO MULLER DESPACHAVA,
SENTADO DIANTE DA MESA E DE UMA SÉRIE DE MAPAS PREGADOS À PAREDE. AO LADO, UM
COFRE VELHO, COM O SEGREDO GASTO E COMEÇANDO A ENFERRUJAR. SOBRE A MESA O
TELEFONE DE MANIVELA.
O CAPATAZ, COICE-DE-MULA, ENTROU.
COICE-DE-MULA - Bom dia, doutor!
OTTO - (chamou-o, com energia) Venha cá! Quem foi
que admitiu esse tal de Cesário Alencar, que estou vendo aqui na lista?
COICE-DE-MULA - Foi pedido do engenheiro, Dr. Ricardo. Ele
não falou com o senhor?
OTTO - Não. Tou sabendo agora.
COICE-DE-MULA - Entrou no lugar do Daniel Ferreira, aquele
que trabalhava na paleação. Tava no hospital...
OTTO - Sei... O tal que o Dr. Cyro ressuscitou.
COICE-DE-MULA - Ele mesmo.
OTTO - E agora, como é que vai ser? Ou um ou outro.
COICE-DE-MULA - Bem... esse Cesário é bom moço, forte, safo.
Não tem muita experiência, mas é gente de confiança... já experimentei... vai
fazê aquele trabalho particular.
OTTO - (ergueu as sobrancelhas, num sinal de
entendimento) Despeça o Daniel. Isto aqui não é sanatório. Outra coisa: aquela
história do arrombamento no posto?
COICE-DE-MULA - Foi aquele doutô que esteve aí. A gente não
pôde fazê nada.
OTTO - Ele fez tudo sozinho? Ninguém ajudou, ninguém
apoiou?
COICE-DE-MULA - Bem... teve um que quis ajudá... não
chegou...
OTTO - Quem?
COICE-DE-MULA - Lucas... o Pé-na-Cova.
OTTO - Acerte as contas com ele. Tá despedido. Nesse
caso, pode deixar o Daniel.
CORTA PARA:
Ester (Gloria Menezes) e Otto (Jardel Filho)
CENA 4 - MINA -
INTERIOR - DIA
NO INTERIOR DA MINA, COBERTOS DE POEIRA NEGRA, COM AS NARINAS
ENTUPIDAS DE PÓ, OS MINEIROS TRABALHAVAM NA PALEAÇÃO. NO DESMONTE DO MINÉRIO.
AS PICARETAS BATENDO FIRMES DE ENCONTRO ÀS PAREDES ROCHOSAS. CESÁRIO E PEDRÃO
EMPURRAVAM O CARRO QUE DESLISAVA SOBRE O TRILHO, ATÉ O LOCAL DO DESPEJO. BLOCOS
E MAIS BLOCOS DE CARVÃO DE PEDRA. TONELADAS POR DIA.
DANIEL - (dirigindo-se aos colegas, apontou o
companheiro que trabalhava a alguns metros além) Não sei por que não confio
nesse cara.
PÉ-NA-COVA - Cesário?
DANIEL - É.
PÉ-NA-COVA - A gente, também no princípio, ficou de pé
atrás com ele. Porque ele é protegido do engenheiro, Dr. Ricardo. Pedrão chegou
a saí no braço com ele. Mas o cara é boa praça, não é nada do que a gente tava
pensando.
DANIEL OLHAVA, DESCONFIADO, O MINEIRO CARREGAR OS CARROS DE
MINÉRIO.
DANIEL - Pode sê.
PÉ-NA-COVA - É meio bala...
nunca desceu numa mina... mas é um bom sujeito. Pode confiá nele, sem susto. Eu
nunca me engano com as pessoa.
HORAS DEPOIS OS MINEIROS SE ENFILEIROAVAM DIANTE DO GUICHÊ. O
CAIXA FAZIA A CHAMADA NOMINAL.
CAIXA - Pedro dos Santos.
PEDRÃO SE APROXIMOU. TOMOU DO MAÇO E CONTOU.
PEDRÃO - Só isso?
CAIXA - Tem os descontos. Aposentadoria, casa,
alimentação..
.
POSTADO A UMA DISTANCIA REGULAR, COICE-DE-MULA ASSISTIA A
TUDO. CHEGOU-SE PARA PERTO DOS OPERÁRIOS E SE ENCAMINHOU PARA O HOMEM QUE
RECLAMAVA O SALÁRIO INSUFICIENTE.
COICE-DE-MULA - Tu não queria que a companhia lhe desse casa
e comida de graça...
PEDRÃO - Não, mas... tou recebendo só 50 cruzeiros!
COICE-DE-MULA - E é muito. Que é que tu vai fazê com tanto
dinheiro?
CAIXA - (tornou a chamar) Lucas...
PÉ-NA-COVA ASSINOU O RECIBO, COM MÃOS ENCARDIDAS E UNHAS
IMUNDAS. CARVÃO ENTRANHADO ATÉ OS POROS. O PAGADOR AVISOU-O DA EXISTENCIA DE
UMA CARTA DENTRO DO ENVELOPE. LUCAS ABRIU-O, PREOCUPADO.
Daniel - (brincou) Cartinha de amor?
COICE-DE-MULA OBSERVAVA-O, Á DISTANCIA, COM UM PÉ APOIADO NA
PAREDE DE MADEIRA DO BARRACÃO.
PÉ-NA-COVA - (empalideceu e seu rosto negro ficou
cinzento) Não tou entendendo... Despedido por justa causa? (dirigiu-se ao
capataz) O que é isso, chefe? Que brincadeira é essa?
O ASSECLA DE OTTO MULLER DESCANSOU AS MÃOS NA CINTURA.
COICE-DE-MULA - Não é brincadeira. O homão mandou te
despedir.
UM SILENCIO ESTRANHO CAIU SOBRE O GRUPO DE OPERÁRIOS DAS
MINAS. APENAS A VOZ DOS DOIS HOMENS PODIA SER OUVIDA, NO DIÁLOGO QUE SE SEGUIU.
PÉ-NA-COVA - Despedido? Mas, por quê?
COICE-DE-MULA - Não tá escrito aí? Justa causa.
PÉ-NA-COVA - (com raiva) Uma ova! Tenho 13 anos de mina.
Pra me botá na rua vão tê de me indenizá. É a lei!
OUTROS COMPANHEIROS, EM CÔRO, JUNTARAM-SE À REVOLTA DO NEGRO:
MINEIRO - É a lei! Claro que é a lei!
OTTO COMPLETOU, COM VOZEIRÃO DE BRUTAMONTES,APROXIMANDO-SE
DOS TRABALHADORES.
OTTO - A lei diz que empregado despedido por justa
causa não tem direito a indenização.
PÉ-NA-COVA POSTAVA-SE DIANTE DE OTTO MULLER, INDIGNADO, MAS
HUMILDE.
PÉ-NA-COVA - Mas... não tem justa causa nenhuma, seu Otto!
O que tem é injustiça! Grande injustiça!
OTTO - Assim tu aprendes a respeitar a propriedade
alheia.
PÉ-NA-COVA - (colocou a mão direita contra o peito, num
gesto de defesa) Mas eu não desrespeitei nada! Eu não tomei parte no
arrombamento do posto! Tem uma porção de testemunha!
OTTO - (bateu com a mão aberta contra o tampo da
mesa) Eu não vou discutir contigo. Se tu achas que estás com razão, vai te
queixar na justiça.
INCONTINENTI, OTTO VOLTOU-LHE AS COSTAS. PÉ-NA-COVA TEVE
ÍMPETOS DE SE ATIRAR CONTRA O EMPREGADOR DESLEAL, MAS SE CONTEVE E DEIXOU O
RECINTO.
COICE-DE-MULA - É bem verdade que ele só fez menção de ajudá
o doutô... não chegou a tomá parte, como eu disse ao sinhô!
OTTO - (advertiu) É
preciso que eles vejam o que custa seguir um mau exemplo.
FIM DO CAPÍTULO 16
... E NA PRÓXIMA QUINTA, CAPÍTULO INÉDITO!
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