domingo, 8 de junho de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 16


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 16

Participam deste capítulo

Ester  -  Gloria Menezes
Otto Muller  -  Jardel Filho
Coice-de-Mula  -  Dary Reis
Pé-na-Cova  -  Antonio Pitanga
Daniel  -  Paulo Araújo
Pedrão  -  Waldir Onofre
Cesário  -  Carlos Eduardo Dollabela

CENA 1  -  FORUM  -  SALA DO JUIZ  -  INTERIOR  -  DIA.

DIANTE DE OTTO MULLER E ESTER, O JUIZ PROFERIU A SENTENÇA.

JUIZ  -  A decisão da justiça deverá ser cumprida. Dona Ester, ou a senhora entrega seu filho ao pai, o Sr. Otto Muller, ou ele será retirado à força de seu poder, por mandado judicial.

ESTER  -  (muito pálida) Eu... posso ir embora?

OTTO  -  (irônico) E então... pensou na minha proposta?

ESTER FUZILOU-O COM O OLHAR, DEU-LHES AS COSTAS E SAIU DA SALA.

CORTA PARA:

CENA 2  -  MANSÃO DE OTTO MULLER  -  SALA  -  INTERIOR  -  DIA

APÓS SER ANUNCIADA PELA GOVERNANTA, ESTER ENTROU E FICOU DE PÉ NO CENTRO DA SALA DE VISITAS, NA RESIDENCIA DO SUPERINTENDENTE DA MINA.

ESTER  -  (disse, com ironia) Pronto, senhor Muller, estou à sua disposição!

OTTO  -  (também irônico) Não era você que queria falar comigo?

ESTER  -  (rodeou a mesinha de centro e sentou-se numa poltrona) Queria só estabelecer os termos de minha rendição.

OTTO  -  (com uma ponta de malícia) Não está tudo claro?

ESTER  -  Mas é preciso que fique mais claro, ainda. Nada mudou em nossas relações. Quero viver dentro desta casa, isolada como vivi até agora, lá fora. Para isso, é preciso que mande isolar os meus aposentos do resto da casa.

OTTO  -  Já estão isolados. Têm entrada e saída independentes, ninguém entrará lá se você não quiser. Apenas o menino...

ESTER  -  Ele virá aqui sempre que você quiser vê-lo.

OTTO  -  Está entendido.

ESTER  -  Então, estamos acertados. Eu só volto para esta casa, a fim de estar perto de meu filho. Mas quero continuar longe de toda a lama que corre por aqui.

OTTO  -  (colérico, deu um murro no teclado do piano) Chega! Também não vou admitir que venha para cá me insultar, me cuspir no rosto!

A CAMPAINHA DO TELEFONE SOOU DUAS VEZES, ANTES QUE OTTO MULLER O ALCANÇASSE.

OTTO  -  Alô! Sim... é ele, Bom dia, Dr. Paulus! (fez uma pausa para ouvir o que diziam no outro lado da linha) Ah... o caso daquele negro. Mas, por quê? O senhor é meu advogado, sabe o que tem a dizer: invasão de domicílio. Ele assaltou minha casa. Está bem! Está bem! Até já (tornou a botar o fone no gancho, enquanto puxava uma cadeira) Esses advogados, não sei pra que servem...

ESTER  -  Você estava falando do Gabriel?

OTTO  -  É. O patife assaltou nossa casa e eu ainda vou ter de ir à polícia dar explicações.

ESTER  -  Seus homens o mataram. Foi uma covardia.

OTTO  -  Quem entra em casa alheia, de noite, sem se fazer anunciar, está sujeito a isso.

ESTER  -  Pode ser que a polícia aceite essa versão, mas não eu, que conheci de perto o Gabriel e sei que era incapaz de praticar um assalto.

OTTO  -  Mas praticou. E foi apanhado quando tentava fugir. Os empregados se excederam, talvez, um pouco na punição... mas a culpa foi dele. Além do mais era um... um negro sujo, que ficava olhando Lia tomar banho na piscina.

ESTER  -  E por isso você mandou matá-lo, não?

OTTO  -  (enervou-se) Eu não mandei matá-lo. Só proibi a entrada dele aqui.

ESTER  -  Conheço você muito bem, Otto.

CORTA PARA:

CENA 3  -  ADMINISTRAÇÃO DAS MINAS  -  INTERIOR  - DIA

NO BARRACÃO DE CAMPO, RÚSTICO, OTTO MULLER DESPACHAVA, SENTADO DIANTE DA MESA E DE UMA SÉRIE DE MAPAS PREGADOS À PAREDE. AO LADO, UM COFRE VELHO, COM O SEGREDO GASTO E COMEÇANDO A ENFERRUJAR. SOBRE A MESA O TELEFONE DE MANIVELA.

O CAPATAZ, COICE-DE-MULA, ENTROU.

COICE-DE-MULA  -  Bom dia, doutor!

OTTO  -  (chamou-o, com energia) Venha cá! Quem foi que admitiu esse tal de Cesário Alencar, que estou vendo aqui na lista?

COICE-DE-MULA  -  Foi pedido do engenheiro, Dr. Ricardo. Ele não falou com o senhor?

OTTO  -  Não. Tou sabendo agora.

COICE-DE-MULA  -  Entrou no lugar do Daniel Ferreira, aquele que trabalhava na paleação. Tava no hospital...

OTTO  -  Sei... O tal que o Dr. Cyro ressuscitou.

COICE-DE-MULA  -  Ele mesmo.

OTTO  -  E agora, como é que vai ser? Ou um ou outro.

COICE-DE-MULA  -  Bem... esse Cesário é bom moço, forte, safo. Não tem muita experiência, mas é gente de confiança... já experimentei... vai fazê aquele trabalho particular.

OTTO  -  (ergueu as sobrancelhas, num sinal de entendimento) Despeça o Daniel. Isto aqui não é sanatório. Outra coisa: aquela história do arrombamento no posto?

COICE-DE-MULA  -  Foi aquele doutô que esteve aí. A gente não pôde fazê nada.

OTTO  -  Ele fez tudo sozinho? Ninguém ajudou, ninguém apoiou?

COICE-DE-MULA  -  Bem... teve um que quis ajudá... não chegou...

OTTO  -  Quem?

COICE-DE-MULA  -  Lucas... o Pé-na-Cova.

OTTO  -  Acerte as contas com ele. Tá despedido. Nesse caso, pode deixar o Daniel.

CORTA PARA:

Ester (Gloria Menezes) e Otto (Jardel Filho)

CENA 4  -  MINA  -  INTERIOR  -  DIA

NO INTERIOR DA MINA, COBERTOS DE POEIRA NEGRA, COM AS NARINAS ENTUPIDAS DE PÓ, OS MINEIROS TRABALHAVAM NA PALEAÇÃO. NO DESMONTE DO MINÉRIO. AS PICARETAS BATENDO FIRMES DE ENCONTRO ÀS PAREDES ROCHOSAS. CESÁRIO E PEDRÃO EMPURRAVAM O CARRO QUE DESLISAVA SOBRE O TRILHO, ATÉ O LOCAL DO DESPEJO. BLOCOS E MAIS BLOCOS DE CARVÃO DE PEDRA. TONELADAS POR DIA.

DANIEL  -  (dirigindo-se aos colegas, apontou o companheiro que trabalhava a alguns metros além) Não sei por que não confio nesse cara.

PÉ-NA-COVA  -  Cesário?

DANIEL  -  É.

PÉ-NA-COVA  -  A gente, também no princípio, ficou de pé atrás com ele. Porque ele é protegido do engenheiro, Dr. Ricardo. Pedrão chegou a saí no braço com ele. Mas o cara é boa praça, não é nada do que a gente tava pensando.

DANIEL OLHAVA, DESCONFIADO, O MINEIRO CARREGAR OS CARROS DE MINÉRIO.

DANIEL  -  Pode sê.

PÉ-NA-COVA  -  É meio bala... nunca desceu numa mina... mas é um bom sujeito. Pode confiá nele, sem susto. Eu nunca me engano com as pessoa.

HORAS DEPOIS OS MINEIROS SE ENFILEIROAVAM DIANTE DO GUICHÊ. O CAIXA FAZIA A CHAMADA NOMINAL.

CAIXA  -  Pedro dos Santos.

PEDRÃO SE APROXIMOU. TOMOU DO MAÇO E CONTOU.

PEDRÃO  -  Só isso?

CAIXA  -  Tem os descontos. Aposentadoria, casa, alimentação..
.
POSTADO A UMA DISTANCIA REGULAR, COICE-DE-MULA ASSISTIA A TUDO. CHEGOU-SE PARA PERTO DOS OPERÁRIOS E SE ENCAMINHOU PARA O HOMEM QUE RECLAMAVA O SALÁRIO INSUFICIENTE.

COICE-DE-MULA  -  Tu não queria que a companhia lhe desse casa e comida de graça...

PEDRÃO  -  Não, mas... tou recebendo só 50 cruzeiros!

COICE-DE-MULA  -  E é muito. Que é que tu vai fazê com tanto dinheiro?

CAIXA  -  (tornou a chamar) Lucas...

PÉ-NA-COVA ASSINOU O RECIBO, COM MÃOS ENCARDIDAS E UNHAS IMUNDAS. CARVÃO ENTRANHADO ATÉ OS POROS. O PAGADOR AVISOU-O DA EXISTENCIA DE UMA CARTA DENTRO DO ENVELOPE. LUCAS ABRIU-O, PREOCUPADO.

Daniel  -  (brincou) Cartinha de amor?

COICE-DE-MULA OBSERVAVA-O, Á DISTANCIA, COM UM PÉ APOIADO NA PAREDE DE MADEIRA DO BARRACÃO.

PÉ-NA-COVA  -  (empalideceu e seu rosto negro ficou cinzento) Não tou entendendo... Despedido por justa causa? (dirigiu-se ao capataz) O que é isso, chefe? Que brincadeira é essa?

O ASSECLA DE OTTO MULLER DESCANSOU AS MÃOS NA CINTURA.

COICE-DE-MULA  -  Não é brincadeira. O homão mandou te despedir.

UM SILENCIO ESTRANHO CAIU SOBRE O GRUPO DE OPERÁRIOS DAS MINAS. APENAS A VOZ DOS DOIS HOMENS PODIA SER OUVIDA, NO DIÁLOGO QUE SE SEGUIU.

PÉ-NA-COVA  -  Despedido? Mas, por quê?

COICE-DE-MULA  -  Não tá escrito aí? Justa causa.

PÉ-NA-COVA  -  (com raiva) Uma ova! Tenho 13 anos de mina. Pra me botá na rua vão tê de me indenizá. É a lei!

OUTROS COMPANHEIROS, EM CÔRO, JUNTARAM-SE À REVOLTA DO NEGRO:

MINEIRO  -  É a lei! Claro que é a lei!

OTTO COMPLETOU, COM VOZEIRÃO DE BRUTAMONTES,APROXIMANDO-SE DOS TRABALHADORES.

OTTO  -  A lei diz que empregado despedido por justa causa não tem direito a indenização.

PÉ-NA-COVA POSTAVA-SE DIANTE DE OTTO MULLER, INDIGNADO, MAS HUMILDE.

PÉ-NA-COVA  -  Mas... não tem justa causa nenhuma, seu Otto! O que tem é injustiça! Grande injustiça!

OTTO  -  Assim tu aprendes a respeitar a propriedade alheia.

PÉ-NA-COVA  -  (colocou a mão direita contra o peito, num gesto de defesa) Mas eu não desrespeitei nada! Eu não tomei parte no arrombamento do posto! Tem uma porção de testemunha!

OTTO  -  (bateu com a mão aberta contra o tampo da mesa) Eu não vou discutir contigo. Se tu achas que estás com razão, vai te queixar na justiça.

INCONTINENTI, OTTO VOLTOU-LHE AS COSTAS. PÉ-NA-COVA TEVE ÍMPETOS DE SE ATIRAR CONTRA O EMPREGADOR DESLEAL, MAS SE CONTEVE E DEIXOU O RECINTO.

COICE-DE-MULA  -  É bem verdade que ele só fez menção de ajudá o doutô... não chegou a tomá parte, como eu disse ao sinhô!

OTTO  - (advertiu) É preciso que eles vejam o que custa seguir um mau exemplo.

FIM DO CAPÍTULO 16


 ... E NA PRÓXIMA QUINTA, CAPÍTULO INÉDITO!


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