sábado, 14 de junho de 2014

O HOMEM QUE DEVE MORRER - Capítulo 19


Novela de Janete Clair

Adaptação de Toni Figueira

CAPÍTULO 19

Participam deste capítulo

Cyro  -  Tarcísio Meira
Orjana  -  Neusa Amaral
Prof. Valdez  -  Enio Santos
Otto  -  Jardel Filho
Baby  -  Claudio Cavalcanti
Pé-na-Cova  -  Antonio Pitanga
Pedrão  -  Waldir Onofre
Coice de Mula  -  Dary Reis

CENA 1  -  HOTEL CENTRAL  -  APARTAMENTO DE CYRO  -  INTERIOR  -  DIA

AS MALAS EMPILHAVAM-SE PRÓXIMO À PORTA DE SAÍDA DO APARTAMENTO.

ORJANA  -  (sem acreditar na resolução do filho) Cyro! Você está brincando! Eu já arrumei as malas!

CYRO  -  Já disse, mãe. Decidi não viajar mais. Você e vovô, se quiserem, podem ir. Eu não vou prender vocês aqui. Sei que você está louca para voltar...

ORJANA  -  Estou louca para voltar... com você. Deixando você aqui, não tem nenhum sentido o meu regresso.

O PROFESSOR VALDEZ ABRIA UM SORRISO MISTERIOSO. O VELHINHO SIMPÁTICO, EXPERIENTE, DE HÁ MUITO JÁ HAVIA PERCEBIDO A MUDANÇA DO NETO.

PROF. VALDEZ  -  Eu já sabia...

ORJANA  -  (voltou-se para ele, preocupada) Sabia o quê?

PROF. VALDEZ  -  Nada... nada! Nada!

ORJANA  -  (irritou-se com o pai) E o senhor parece estar muito contente!

PROF. VALDEZ  -  Por mim, minha filha, tanto faz. Vivo em qualquer lugar. E gosto daqui; sempre gostei. É a minha terra. E eu prefiro morrer aqui a morrer em qualquer outra parte.

ORJANA  -  (dirigiu-se ao filho, sentando-se na poltrona) Por que você tomou essa decisão assim, tão de repente?

CYRO  -  Não foi tão de repente, mãe. Há vários dias que eu venho pensando nisto.

ORJANA  -  Mas ontem à noite você ainda estava certo de viajar. Que foi que aconteceu pra você mudar de ideia? Pense bem, meu filho. Você tem responsabilidades, compromissos sérios. Sua clínica em Londres, a direção do hospital...

CYRO  -  Estou começando a achar que nada disso tem sentido...

ORJANA  -  (chegou ao cume da irritação) Você está louco!

CYRO  -  Não tem nenhum sentido eu voltar para Londres, onde ninguém precisa de mim.

ORJANA  -  E aqui?

CYRO  -  Aqui, eu sei que posso ser útil. Que minha vida vai ter um sentido. É a minha terra, a minha gente. Eu fui criado fora daqui, mãe, e quando cheguei me sentia um estrangeiro. Mas, a cada dia que passa mais me sinto ligado a esse povo Mais sinto que tenho um destino a cumprir, aqui, entre essa gente.

ANGUSTIADA, ORJANA BUSCAVA O OLHAR DO VELHO PAI, À PROCURA DE UMA AJUDA, DE UM APOIO. O PROFESSOR VALDEZ ERGUEU OS OMBROS, NUM GESTO DE IMPOTÊNCIA.

ORJANA  -  E sua carreira? E seu futuro? Você é um grande cirurgião. Em Londres tem todos os recursos...

CYRO  -  Em Londres podem me substituir, fàcilmente. Aqui, eu sei que vou ter muito o que fazer.

ORJANA  -  (respirou fundo) Você pretende... ficar morando aqui?

CYRO  -  Pretendo! Alugar uma casa. Trabalhar.

ORJANA  -  (pediu auxílio do pai, à beira de uma crise emocional) Papai! Diga alguma coisa!

PROF. VALDEZ  -  (acabava de fazer um aviãozinho de papel e o atirou pelo espaço do quarto, cômicamente) Você acha que eu posso fazer ele voltar atrás? Será que você não conhece o seu filho?

ORJANA  -  Seja como for, não assista, assim, impassível, tudo o que está acontecendo!

CYRO  -  (enérgico) Espera lá, mãe! Você fala como se isso fosse o prenúncio de uma tragédia.

ORJANA  -  (como se falasse para si mesma) E quem sabe se não é?

CYRO  -  Ora, vamos deixar de bobagem (acarinhou-lhe a cabeça) Não sei o que você está imaginando, mas não vejo razão para esse desespero. Se é por causa dessas histórias que inventaram sobre o meu nascimento, tenha paciência, mãe. Não vou ligar para isso. Não tem cabimento.

PROF. VALDEZ  -  (se impacientou) Bem... o que decidimos?(apontou para a pilha encostada na parede) As malas estão ali!

ORJANA  -  (decidiu, quase às lágrimas) Se Cyro não vai, eu também não vou, é claro!

PROF. VALDEZ  -  (bateu palmas) Ótimo! Ficamos todos, então!

CYRO  -  Vou passar na companhia e cancelar as passagens. (beijou a mãe na testa) Chau!

CYRO SAIU. PAI E FILHA AGORA CONVERSAVAM.

ORJANA  -  E então?

PROF. VALDEZ  -  Não há nada a fazer, minha filha. Mesmo porque... tudo indica que há uma mulher no meio da história...

ORJANA  -  (empalideceu) Uma mulher?

PROF. VALDEZ  -  É... seu filho está apaixonado.

ORJANA ABRIU A BOCA, DE ESPANTO.

CORTA PARA:

CENA 2  -  ADMINISTRAÇÃO DAS MINAS  -  ESCRITÓRIO -  INTERIOR  -  DIA

COICE DE MULA  -  Táqui o home, seu Otto!

COICE DE MULA ENTREGOU PÉ-NA-COVA ÀS MÃOS DO SUPERINTENDENTE. O NEGRO ESTAVA PÁLIDO, COM O CAPACETE PRATEADO ESCONDENDO-LHE A METADE DA CARA FERRUGINOSA. OTTO EXAMINAVA UM MAPA NA PAREDE. PAROU. GIROU A CADEIRA, PARA ENCARAR O EMPREGADO.

OTTO  -  Tira o capacete! (Pé-na-Cova obedeceu) Tu foste te queixar àquele doutorzinho de bosta...

PÉ-NA-COVA  -  Não fui me queixá...

OTTO  -  (cortou, ríspido) Foi, sim. Eu sei de tudo, não vem com desculpas!

PÉ-NA-COVA  -  Não é desculpa...

OTTO  -  (gritou, colérico) Cala a boca! Não te perguntei nada! Olha! (bateu com o punho na mesa) Vou te readmitir, mas não penses que foi pelo teu doutorzinho de merda. Ele aqui não pia nada, entendes? (voltou-se para o auxiliar) Ele vai trabalhar na câmara 32 da M-6!

COICE DE MULA  -  (moveu os lábios, incrédulo) Seu Otto... essa câmara a gente abandonamos por questão de segurança... tinha muito gás... os detonadores tiveram lá, fizeram o trabalho, mas depois não houve condição pra paleação...

PÉ-NA-COVA  -  (assustado) Teve um começo de incêndio na semana passada...

OTTO  -  Coisa nenhuma! Gás tem em toda a mina. Risco, quem não quiser correr, que não desça embaixo da terra. Pra isso vocês tem aposentadoria com 15 anos de serviço. E a companhia não vai ter prejuízo, abandonar uma galeria, só porque vocês são uns frouxos! Se quiser voltar a trabalhar, tem que ser lá. Escolha!

CORTA PARA:
Otto (Jardel), Lia (Arlete Sales), Baby (Claudio Cavalcanti) e Coice de Mula (Dary Reis)

CENA 3  -  MINA  -  INTERIOR  -  DIA

NO FUNDO DA GALERIA A ESCURIDÃO ERA TOTAL. ALGUMAS VIGAS DE MADEIRA ESCORAVAM UM TRECHO ABANDONADO. PÉ-NA-COVA E PEDRÃO ENCHERAM UM VAGONETE, COM AS PÁS, DEPOIS DE ESCAVAREM AS PAREDES NEGRAS, NUM TRABALHO CUIDADOSO. A QUALQUER DESCUIDO, O ACIDENTE PODERIA ACONTECER. FATAL. COM O DESMORONAMENTO DE TONELADAS DE MINÉRIO.

PÉ-NA-COVA  -  (encostou o ouvido contra a rocha fria) Vê se tu ouve...

PEDRÃO  -  O quê?

PÉ-NA-COVA  -  Um chiado.

PEDRÃO  -  Deve ser o gás.

PÉ-NA-COVA  -  Era acendê um fósforo e tudo ia pelos ares.

PEDRÃO  -  Teve uma galeria da Próspera, lá em Criciúma, que pegou fogo e ficou um mês inteiro queimando.

AS LÂMPADAS DE PILHAS, PRESAS AOS CAPACETES, ILUMINAVAM PEQUENOS TRECHOS, À MEDIDA QUE OS HOMENS CAVAVAM. EM TÔRNO, A ESCURIDÃO. O SILENCIO.

PÉ-NA-COVA  -  Por isso é que aquele desgraçado mandou a gente pra cá. Na esperança de que a gente vire churrasco!

PEDRÃO  -  Um assassino!

CORTA PARA:

CENA 4  - ESCRITÓRIO DAS MINAS  -  INTERIOR  -  DIA

COICE DE MULA  -  (olhou pela janela e avisou) Sabe quem tá chegando aí? O filho do comendador!

OTTO  -  (se espantou) Baby? Não é possível!

COICE DE MULA  -  Ele mesmo.

OTTO CORREU À JANELA, A TEMPO DE VER A MANOBRA DO MERCEDES CONVERSÍVEL DO MILIONÁRIO. BABY DESCEU DO CARRO.

OTTO  -  Que é que esse pilantra vem cheirar, aqui? Com certeza, foi o pai que o mandou. Ele está querendo botar esse maluco na presidência da Companhia. (guardou alguns papéis jogados sobre a mesa e encaminhou-se para a porta, ao encontro do primo, fingiu alegrar-se) Olá, primo! Você por aqui? Não é possível!

BABY  -  (apertou-lhe a mão calosa) Vim dar uma olhada. O velho vive me enchendo!

OTTO  -  Pra quê?

BABY  -  Pra eu me enfronhar nos negócios da Companhia. Tá com medo de morrer... quer que eu trabalhe nesse troço... e eu, você sabe, não manjo nada disso.

OTTO  -  Se eu não me engano, é a primeira vez que você aparece por aqui.

BABY  -  É a primeira vez. Nunca desci no fundo de uma mina.

OTTO  -  Quer descer?

BABY  -  (hesitou, olhando a roupa limpa e cara) Não vim com o espírito preparado.

OTTO  -  Bobagem! Não tem perigo algum. A segurança das nossas minas é absoluta.

BABY  -  Eu tenho sabido de acidentes...

OTTO  -  É muito raro. (chamou) Capataz! (Coice de Mula adiantou-se, prestimoso) Este é o meu primo, Baby. Leve ele lá embaixo. (piscou um olho para o assecla) Afinal, um presidente que nunca viu uma galeria é uma vergonha...

BABY  -  Mas, quem é que disse que eu vou ser presidente? O velho só deseja que eu trabalhe. Idéia infeliz...

OTTO  -  Arranje um macacão pra ele, capataz (ordenou) Senão ele vai se sujar todo. Leve ele até a M-6!

COICE DE MULA  -  (olhou significativamente para o chefe) Na M-6?

OTTO  -  É, lá perto da Câmara 32, onde aquele negro tá trabalhando...

BABY  -  Que negócio de M-6, Câmara 32...

ENQUANTO BABY VESTIA O MACACÃO POR CIMA DA ROUPA. CALÇAVA AS BOTAS DE CANO COMPRIDO E AJEITAVA O CAPACETE, OTTO EXPLICAVA:

OTTO  -  M-6 quer dizer Galeria Mestra, número 6. Câmara é uma pequena galeria, ainda em começo.

BABY  -  Preciso ir aprendendo essa terminologia. Nessa história de extração de carvão, eu não pesco bulhufas. Mas, vamos lá, pelo menos vai ser uma aventura. Já voei a 20 mil metros, mas nunca desci um palmo abaixo da terra.

OTTO  -  Eu não vou com você porque preciso trabalhar. Mas o capataz lhe dá todos os esclarecimentos.

BABY  -  (despedindo-se) Até já, então.


FIM DO CAPÍTULO 19


 
 e na próxima quinta, o 20. capítulo!


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